Ele esfrega os olhos e acena com a cabeça baixa, dizendo alguma coisa em chinês que eu entendo como um "não" baixo e extremamente tímido.
Meu coração esquece de bater por mais de um minuto inteiro.
Depois dispara e eu penso que vou desmaiar. Depois, que vou chorar tudo de novo.
Me deixou ficar...! Ah...
Eu me sinto esmagado de tristeza e silêncio, e agora eu sei que deveria me sentir feliz. Mas ele não está, e se Saiyame não é feliz, como eu posso ser? Por que eu estou com tanto medo do que pode ser de mim daqui para a frente? Eu não tenho noção das coisas que estou deixando acontecer. Ele tentou me poupar disso, por que eu nunca aceito a ajuda de ninguém?
Tenha a impressão que ele encolhe, como se esperasse que eu o machucasse então. Como vou querer ainda fazer isso? Estendo a mão e tiro seu cabelo de cima de seu rosto arredondado e pálido.
Saiyame parece um gato quando cerra os olhos assim, quando eu arranho sua nuca. Eu sei que você gosta, se eu fizer com força você vai rir, e se faço de leve, como agora, devagarzinho, você sente que pode fazer o que quiser de mim (até afiar as suas unhas em mim, se quiser...)... Eu não me importo, afinal, com nada além de nós.
Ele não se afasta.
"Às vezes eu tenho sonhos em que você está me devorando." – digo.
Suas costas ficam tensas por um breve instante, e seus olhos, como há muito tempo não vejo acontecer, ficam maiores e mais claros, repentinamente, ao ouvir o que eu disse, e se afasta um pouco, quase nada de mim, como se eu fosse um estranho, como se de uma hora para outra não me reconhecesse mais. Ou como se tivesse dito algo de muito errado, mas enfim, tudo o que está havendo aqui é muito errado. Tudo o que houve entre nós foi de errado, ou esconde em si algo de podre. Mas o que pode haver de errado nisso? Foi apenas um sonho. Você estava nele. Alegre-se. Você sempre está neles.
Ao ver, porém, que eu não faço e nem digo nada, ele estremece e fica imóvel, me deixando continuar esse carinho no seu cabelo, como se nada houvesse acontecido – e a sombra de preocupação e susto que eu vi, some lentamente de seus olhos.
Saiyame chega mais perto de mim e me empurra com o seu peso, me fazendo recebe-lo debruçado no meu colo, a sua cabeça encima das minhas costelas e sua mão segurando a minha. Queria sentir o cheiro do seu cabelo, mas estamos tão estranhos, nem sei se fizemos as pazes, ou se chegamos realmente a brigar, e só afago seus cachos louros e escuros, metendo os dedos no meio deles. Nós estamos bem de novo, não é? Nunca mais olho para nenhuma criatura sobrenatural além de você (seja lá o que isso queira dizer), e se você tem apenas este outono, vou estar com você até o fim.
Respiro fundo, e deixo seu peso me fazer deitar, a cama rangendo e seu rosto se esfregando no meu braço, bem lento, pedindo carinho. Você tem, nem precisa pedir.
Meus abraços são todos seus. Ficamos em silêncio, nos consolando assim, de vez em quando, esfregando os olhos, suspirando, e depois são só olhos ardidos e vermelhos, e um resto de sol cor de mostarda no teto branco, enquanto começa a anoitecer, e o quarto vai ficando mais escuro.
Ele diz coisas que não entendo, repete algumas palavras como de quando eu lhe mostrei o que queria, há tempos atrás, na casa de Tomoyo, quando o fiz chorar e quase Li me espancar por sua causa. Tudo em chinês. Sua mão subiu pelo meu peito e encontrou o meu cabelo. Silêncio. Está começando a chover e o vento faz os galhos dos salgueiros baterem nas paredes de fora da casa. Durante a tarde, uma tremenda chuva desabou lá fora. Agora está frio e úmido.
Você conseguiu, Saiyame... Tanto queria me deixar doido que me enlouqueceu de vez. Vem por cima de mim e me beija muito mais suave do que ontem à tarde. Passo o braço por seu corpo longo e quente. Com os lábios junto dos meus, continua dizendo essas coisas numa língua que não entendo.
"Você disse a mesma coisa certa vez..."
"Disse."
"O quê?"
"Que você não me tocasse... Se não quisesse morrer... Que eu não agüento mentiras. Que eu não agüentaria matar mais ninguém, ainda que você quisesse morrer pelas minhas mãos... Eu disse... Que o que você queria era na verdade um erro... O qual eu me arrependo de não ter cometido quando pude."
Aperto os olhos, percebendo que ele se deita ao meu lado, o colchão cedendo de tal maneira que ficamos deitados muito próximos um do outro, seu corpo todo encostado no meu.
Você quer abrir mão de mim, da mesma forma louca que tentou fazer isso com a sua vida e com o contato com o mundo além da sua concha. Não se feche no seu mundo. Não sei do que está fugindo, ou o que pretende fazer a seguir, mas... Eu não vou deixar ninguém levar você de mim. E eu vou faze-lo feliz... Nem que apenas por um único outono.
Por que tenho de ter medo? Por que você já matou? Por que é uma criatura que tem uma existência e uma presença que atropelam qualquer lógica ou regra universal? Saiyame está bem do meu lado, acariciando o meu cabelo, ele tem um corpo quente e sinto sua respiração no meu rosto. Ele tem um rosto arredondado e bonito, tem um corpo ávido de prazer, mesmo grande e alto, não parece um adulto. Se me aproximo mais, sinto o palpitar do seu corpo.
Saiyame faz mais: sua mão fica encima do meu quadril, daquele seu jeito como se quisesse mais. A outra segura a minha e a leva para a frente da sua camisa, me fazendo esbarrar e soltar um botão. Essa voz rouca, abafada pelo barulho da chuva, fica baixa como um sussurro, e ele me pede desculpas, uma última vez, dolorosamente. Depois, espalma a sua mão sobre a minha, fazendo tocar o seu pescoço como se eu fosse enforcá-lo e diz, com palavras simples, que me ama e que também me odeia.
Essa voz que vibra como um fim de trovão, distante, sumindo, diz o meu nome e me amaldiçoa, e ouvindo isso, eu posso dizer que sou o homem mais feliz do mundo.
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A chuva faz o quarto ficar mais escuro e frio. Estou ansioso e com o estômago embrulhado. Não sei se vou ter tempo de assimilar a situação, e nem acredito que precise entender alguma coisa. Basta que ele se rendeu. Estou tocando o seu rosto triste, isso é tudo e é o suficiente. Vou abrir mais um botão, e os outros – e Saiyame apenas olha, a tensão nos seus olhos surgindo no lugar da tristeza. Eu estou tão assim quanto ele: triste e feliz, ele disse que me ama e ao mesmo tempo, esconde segredos terríveis e fatais.
Não consigo, por mais que tente, me importar com isso, é como se a minha vida toda estivesse apenas nele, e a minha morte também. Nesses olhos que agora são cor de mel, e são todos para mim... Ele fecha levemente os olhos quando abro toda a sua camisa, e os aperta quando afasto as bandas para o lado, vendo seu peito branco, sua barriga lisa e reta... Mamilos pequenos e docemente eretos quando passo o dorso dos dedos sobre eles, mamilos de coral... Sua pele é tão branca que nem parece que o quarto lentamente fica mais escuro. Os sons da chuva deixam a sua respiração se tornar apenas um movimento. Afasto mais para olhar seus ombros, beija-los, escorregar para seu pescoço e ficar sentindo o cheiro do seu cabelo, e apenas isso, respirando devagar, guardando cada suspiro no fundo da memória, seus arrepios quando afago suas costelas, e toco suas costas, por baixo da camisa, sentindo aquela cicatriz estranha que ele nunca quer me dizer de onde veio. Sinto seus lábios na minha orelha, seus dentes, e é a minha vez de arrepiar. Você deve saber melhor do que eu o que está fazendo, eu tive medo que você não me deixasse mais toca-lo assim. No fundo estou um pouco inconformado: você teria mesmo ido para a cama comigo no primeiro instante em que nos vimos? Teria ido com Li? Você se entregaria a qualquer um, se o desejo fosse verdadeiro? Apenas para se esquecer por alguns momentos de si mesmo... O meu é verdadeiro, penso, abraçando a sua cintura, uma das minhas pernas entre as suas, a colcha da cama se repuxando mais, quando minha boca encontra a sua, e Saiyame se agarra nos meus ombros à medida que encosto a ponta dos dedos pela cicatriz das suas costas, acariciando, querendo arrancar um único gemido dele... Ah, um único gemido com o meu nome, por favor! Só um... Com a sua voz rouca, bem baixinho... no meu ouvido.
Subo as mãos por suas costas, por debaixo da sua camisa, sentindo o seu corpo se encolher de prazer, como se fosse o meu prazer. Não acredito... Você poderia ter sido meu desde o primeiro dia, até no meio das árvores daquele jardim do hospital...! Mas se houvesse sido desse jeito, eu nunca descobriria que você gosta disso, de mãos andando pelo seu corpo, ou que você é incrivelmente mais sensível e faminto do que eu nunca imaginaria. Não... Não mova os lábios assim, querendo dizer não. Eu sei que quer... Que você me quer. Vai ser diferente, eu prometo. Beijo cada canto do seu lábio e ele rola a cabeça, querendo um beijo de verdade. Você quer, eu sei!... Só está com medo de se entregar... E eu também. Procuro por suas mãos quentes e de palmas úmidas e as trago para o cós das minhas calças – O que vou dizer? É tão óbvio, e ele faz, timidamente, e eu sei que devo ter ficado muito vermelho com isso – e Saiyame abre o botão delas, somente isso, uma bobagem. Mas essa bobagem faz uma onda de calor correr por meu corpo inteiro, de puro deleite. Não custa nada brincar um pouco com o perigo: solto o botão do seu jeans logo em seguida, pensando naquela manhã em que o fiz enquanto ele dormia.
Não posso ir tão rápido!...
Se você houvesse se deixado possuir na noite em que invadi a sua casa, eu nunca saberia a maravilha que é descobrir o seu corpo, desvendar os infindáveis mistérios desse cós. E são tentadores. Tenho vontade de sorrir em que o seu corpo todo contraído de prazer com a carícia em volta da sua cintura, fazendo o jeans ficar mais largo em torno de si e não protesta quando minhas mãos vão descendo, entre o tecido e sua pele e... Ah! Vou morrer! Nunca consegui descobrir os contornos dessas nádegas que estão bem debaixo das minhas mãos, e é claro que eu não resisto – depois do que ele me fez ontem, como eu posso deixar de pensar numa pequena vingança? – e experimento esse corpo todo: suas nádegas em minhas mãos, em que desço meu corpo sobre o dele, roçando os quadris nos seus, deliciando-me cada vez mais. É de encher os dedos, de dar água na boca...! Oh, se eu soubesse que ele tem formas tão generosas, macias e duras ao mesmo tempo! É bom demais para ser verdade, mas é uma grata surpresa saber que ele realmente não usa nada por baixo! NADA!
Quando me lembro que não posso forçá-lo a nada, é quando me empurra, gemendo que eu o largue, assustado com esse meu descaramento. Não o questiono, e até me assusto que eu o prendo a mim, o modo que aperto sua carne, minhas mãos querendo ir até onde não poderia me atrever tanto.
Que droga!... Que idiotice que eu fiz, penso, soltando-o e ao mesmo tempo tão excitado que não sei como consegui parar. Com esse corpo branco e quente todo nas minhas mãos.. e virgem!
Um, dois... Respirar!... Um, dois... Vou morrer!... Um, dois... Pare de me olhar assim!... Um, dois.. Tenho de respirar fundo e pausadamente, jogado nessa cama, olhando para o teto, com plena consciência de que desperdicei mais uma vez a chance de ter ao meu lado – embaixo de mim! – este corpo lindo – e virgem! V-I-R-G-E-M! – de Saiyame (Tenho de parar de me lembrar insistentemente dessa virgindade que certamente só existe na minha cabeça! Mas quem disse que eu me importo com isso? Eu acredito nisso!)
E ele? Saiyame está enrolado em si, encolhido, assustado e vermelho. Deve ser mais constrangedor para ele do que para mim. Olho de canto para seu rosto arredondado, seus lábios avermelhados e reluzentes de saliva.
"Hisashi..." – Ele diz, baixo que quase não escuto. Finjo que não escuto (e eu finjo muito mal quando finjo qualquer coisa para ele...) e continuo tentando não pensar na minha excitação.
Eu me sinto ridículo. Tenho vontade de me enterrar de vergonha: eu, nesta idade, que nunca fiquei com alguém por mais de uma noite seguida, que me atirava em camas desconhecidas pelo menos três vezes por semana!... Pela primeira vez eu não soube levar a situação!
Ele me chama de novo. Agora penso em pular a janela. Não adianta, penso, sentindo meu silêncio constrangido crescer por longos minutos, quando já me sinto pronto para mais um longo e apavorante banho frio. Talvez fosse hora de deixar o orgulho de lado e realmente ir para um parque me esfregar na grama e assim assustar as pessoas que estiverem andando por lá... Ele se mexe, levantando da cama.
Você não tem idade nem sexo. Só tem beleza e fogo. E como tem... Me assustou ontem à noite.
Isso mesmo, penso, saia de perto desse enfermeiro tagarela e maníaco que passou a mão em você...
Não quero nem ver. Fecho os olhos e sumo na minha vergonha. Talvez tenha sido melhor desse jeito.
Olho para o outro lado, e sei que ele vai sair e que nunca posso adivinhar se vai voltar. Será que se eu colocar um pires com leite no pé da porta da cozinha ele vai voltar? Está parado no meio do quarto, tenso, de costas para mim. Meu coração está aos pulos.
Devo ter enlouquecido definitivamente!
Estica os braços e a camisa escorrega por eles, pesada, desliza por suas costas, se prende um pouco no tecido do (meu amado!) cós e acaba no chão. O que é isso? Está me assustando quase como ontem... Está tirando a roupa... Escuto o ruído do zíper terminar de correr e o jeans cai por seu corpo pálido, marcado, suas costas com aquela cicatriz desenhada em um vermelho suave, um corpo quase adulto, mas não maduro. É simplesmente, unicamente... de dar água na boca. Esses cabelos, esses ombros que se erguem um pouco e logo descem com o ritmo da sua respiração agitada. É uma ilusão? Tudo isto é apenas uma ilusão... É como uma mentira, então, e se for uma mentira até o que está havendo entre nós, eu me deixo enganar, fechando os olhos, sem agüentar olhar para o seu corpo nu, se oferecendo, me tentando, repetindo só comigo que estou apavorado com a perspectiva real de que é tarde demais para fugir. Seus passos descalços no chão, seu peso cedendo ao meu lado no colchão... o gemido da cama. E o meu gemido, quando, ainda de olhos fechados e incrédulos, sinto-o se deitar ao meu lado, perto de mim, tanto que sinto o calor da sua pele, imagino que seu coração está disparado, e se Saiyame quer mesmo ir até o fim, depois que eu o assustei com a minha empolgação.
Olho de novo para o lado, para deparar com esse cabelo louro e escuro - que às vezes me faz lembrar uma juba - seus ombros, suas costas, seu corpo todo nu, de costas para mim, como se apenas estivesse esperando por mim. Não lhe nego um abraço desesperado, com tanta força que ele geme, sufocado, e eu... Tão aflito que poderia violentá-lo imediatamente.
Aperto sua cintura e seu peito contra o meu corpo. Meu Deus! Você quer me deixar doido!
É tão quente, se arqueia e se arrepia quando chamo o seu nome, minha voz engasgada e rouca, e eu procuro por sua boca com desespero também. E quando a encontro, eu, que estava mais disposto do que nunca a simplesmente possuí-lo até que essa aflição de meses silenciasse... Eu não consigo. Meu abraço afrouxa e minhas mãos deixaram marcas vermelhas onde meus dedos apertaram sua carne, suas coxas... Suas coxas - E que coxas... - por cima delas passo as mãos, o trazendo para mim de novo, do jeito que tenho de aprender a ser para não assustá-lo.
E eu me sinto ficar muito doce. Do jeito que eu sei que ele gosta e precisa. Acabo abraçado a Saiyame, sabendo que agora ele é tudo, e olhando para seus olhos semicerrados, perto dos meus, como se entendesse cada um dos seus desejos, como se o seu desejo fosse o meu.
Tenho vontade de chorar de uma tristeza inexplicável e de um medo que me assalta de repente quando beijo estes lábios pequenos, lembrando que deles escutei sua voz dizendo que me ama.
Saiyame não diz nada, e nem eu. Se dissesse, talvez fosse mentira, ou me arrependesse de qualquer coisa. Fica ao meu lado, aceitando e retribuindo beijos muito úmidos sobre sua boca e seu pescoço, suspiros e silêncio. Vou descobrir com mãos hesitantes os contornos e a maciez firme desse corpo com que tanto sonhei e imaginei – e me excitei, quase enlouquecendo em imaginar que... é virgem!
Se teve algum antes de mim, que tenha sido insípido, que não se importasse com os seus sentimentos, que fosse feio e ruim de cama. E principalmente que não tivesse olhos verdes como os meus. Assim, mesmo assim, se tudo isso for verdade, ainda me considerarei o seu primeiro.
Ah, ele quer... Morde o lábio quando passo a mão entre suas coxas brancas, acariciando-as. Ele é ávido... E pensar que eu achava que ele não gostava de sexo!... E agora está me empurrando com o seu peso, se esfregando todo, com o corpo inteiro no meu, me provocando, eu sei... Ele sabe o que está fazendo. É como ontem... Saiyame quer me fazer ter um orgasmo, quer ver isso acontecer, é como se eu fosse todo seu, sabe o que fazer para provocar isso.
Estou debaixo dele, minha camiseta se desfazendo em tiras, em farrapos, nessas mãos que eu sempre achei tão bonitas e delicadas. Ele me machuca com isso, me intimida, me assusta e fico com vergonha de mim mesmo. A cada arrepio de medo, entre este beijo, seu cabelo caindo no meu rosto, no escuro abafado do quarto, e seus olhos muito amarelos brilhando desse jeito, estremeço de prazer, em espasmos que não controlo e nem sei se quero controlar.
Só contenho meus gemidos.
Sinto suas mãos, sua coxa nua sobre a minha. Se ele se esfregasse com mais força em mim, se gemesse... Não, não faça isso comigo, quase imploro, agarrando suas mãos úmidas, quando sua língua escapa da minha boca e Saiyame faz menção de se afastar. Céus, como estou... De que jeito estou. Sinto meu rosto quente e o ar faltando, estou tão sensível e desesperado que esqueço a vergonha e faço com que ele desça meu zíper, e sei que suas faces devem estar coradas, e reconheço na penumbra seus olhos cerrarem-se com o barulho do fecho correndo lentamente.
Por favor, acabe logo com isso!
É tanto prazer que chega a doer, tem sido assim há meses, Saiyame! Tenha pena de mim! Estou me entregando. Inteiro. Só para você. Eu sei que quando estou excitado eu fico... suculento. E você, excitado como está, só consegue ficar mais cruel, e não tira a minha roupa, só fica passando as mãos por cima de mim, sentindo como estou pronto para qualquer coisa.
Me agarro na grade da cama, para tentar não fazer barulho, pois suas carícias são firmes e insistentes sobre o tecido, entre as minhas pernas. Estremeço quando me toca do jeito que gosto, e seus olhos são atentos e muito luminosos, curiosos, e acompanham cada reação minha, esperando por mais.
Está brincando comigo!
Monta nos meus quadris, e sinto que apenas as calças que me vestem me separam de estar onde sempre sonhei. Estou entre suas pernas, sentindo que entre elas há um recanto quente e ansioso por mim. Ele deita o corpo sobre o meu e só de pensar... que ele é virgem e estou tão perto dele, nessa intimidade indecente... deixo escapar um gemido baixo. Ele olha diretamente para mim, aproximando os lábios dos meus e seu hálito colide com meu rosto, e em que se move encima de mim, acaba por se esfregar nos meus quadris, propositalmente.
A cama range alto, a grade tremendo nas minhas mãos, e tenho vontade de gritar que não faça isso de novo, ou vai me fazer gozar só de estar entre as suas pernas!... Vem morder minha orelha, me lamber, apoiando suas mãos no meu peito, soltando seu peso em mim. Maldito. Eu deveria acabar com você por ter o descaramento de me dizer num sussurro:
"Mais..."
Mais? Mais... o quê? Eu me pergunto.
Quer me ouvir gemer de novo? Mas o que eu não faço por ele? Não posso negar nada. Somente vou negar a ele que me penetre, de resto... Impaciente, Saiyame balança o corpo de encontro ao meu, deixando que eu me esfregue ali... Bem ali... Onde eu quero acreditar que sou o primeiro a estar.
"Mais!" – Ele diz, forte e autoritário, mas ainda baixo, rouco...
E eu obedeço. Desta vez eu me deixo gemer longamente, soltar algo como um grito que é quase mais de dor por fazer tanta força para conter o prazer. E ele sorri de encontro à minha orelha.
Estamos ofegantes. Queremos muito ir até o fim. O ar está carregado e abafado, estamos cobertos de suor, e repletos de desejo. Sou todo dele, não faço nada para impedir que se afaste de mim e arranque o resto de minha roupa.
Me coloco nos cotovelos, tão tonto que mal tenho forças para isso, e ainda em tempo de vê-lo deixar minha calça cair no chão.
"Vem...!" – Minha voz quase some e nem eu escutei. Talvez nem tenha falado alto, e nem sei onde estava com a minha vergonha ao fazer isso. Na verdade nada disso faz diferença. Tanto faz. Só sei que ele vem, segue o meu braço estendido, me abraça, se encosta e se aperta todo em mim... desse jeito. E nos achamos com mãos suadas e confusas no escuro, suas pernas entre as minhas, minha língua na sua. Tão quente, mais quente do que nunca, como se Saiyame tivesse febre, ou fosse, e talvez esteja... em chamas. Por dentro. Quase por fora.
Eu acendi este fogo.
Estou me queimando.
Finco os calcanhares no colchão e encho as mãos com a carne firme e suada das suas coxas. Ele me olha nos olhos no momento em que lhe digo, insinuo o que vai acontecer aqui:
"FIRE ME..."
Me acenda. Me incendeie. Me queime. Me faça acabar em cinzas, Saiyame. Eu digo tudo isso fazendo o seu sexo se esfregar no meu, sua coxa passando sobre a minha...
Faíscas de prazer correm pela minha pele, e Saiyame se deixa perder o controle de tal modo que seu peso cede sobre o meu corpo, me sufoca, me faz gemer, e imita o movimento do meu, devagar, tímido. Finjo que arranho suas coxas, encho as mãos com suas nádegas. Espalho o suor de suas costas. E estamos suando muito, nos movendo muito, um golpeando os quadris de encontro ao do outro, contendo gemidos, estrangulando gritos entre beijos cada vez mais violentos. É tão bom, é tão difícil...
Não tenho como não gemer alto, enlouquecendo de prazer. Saiyame quase me matou um dia. Pode me matar quando bem entender. Esse medo me excita a extremos. Tento levantar os quadris para me esfregar com mais força, só mais um pouco... Ah, esse cheiro... Cheiro de suor... Do seu suor. Passo as mãos por seu corpo todo, encontro sua boca, e Saiyame morde meus dedos, sem parar de se mover, seu sexo se esfregando todo, apertado entre nós no meu ventre, e o meu no seu. E de tal maneira que o que antes era hesitante, tímido, o instinto faz ser lascivo, constante e forte. Sinto até seus pelos louros e finos escorregando encima da minha barriga... E pensar que talvez ele seja virgem... E que eu sou o seu primeiro!...
A cama range cada vez mais alto, à medida que um gozo difícil e dolorido se aproxima... Eu poderia chorar de dor, de prazer, de alegria. E tudo o que eu faço é gemer e me deliciar com o som da sua respiração tensa e rascante contra o meu rosto, sabendo, imaginando, que o seu prazer seja a coisa mais linda, e que o que eu mais quis desde o começo foi escutá-lo gozar alto e demoradamente.
"Não!..." – Saiyame diz, a voz, o corpo todo agitado naquele espasmo, arrepio, de um orgasmo que quase se torna presente.
Não quer? Veja onde estamos!
"Saiyame... ?..." – Me pergunto, sem conseguir entender o que está acontecendo, e logo vejo, nos seus olhos que ele...
...Está com medo. Seus olhos brilham apavorados no escuro, ao mesmo tempo que posso ver e sentir que quase não pode se afastar de mim, e nem consegue fazer isso, pois eu o seguro com força, desesperado de êxtase e raiva, e o prendo ao meu corpo com uma perna em torno da sua.
O obrigo a continuar, e em apenas uma investida... Eu vejo mais coisas no seu rosto repleto de um prazer que ele não queria, do que nunca vi no rosto de mais ninguém. E eu me atrevo a fechar os olhos e me mostrar a ele, me entregar a esse prazer, como eu nunca quis fazer a ninguém.
Eu vejo o medo nos seus olhos, a surpresa, o desespero, tudo. Vejo tudo. Seus olhos que se arregalam um momento antes de se fecharem com força, a sua boca entreabrir-se num grito mudo, ele se movendo dessa forma que o instinto ensina, tenso, apavorado, se encolhendo de encontro a mim, pouco antes que meus olhos e as minhas mãos se fechem também, apertando-o todo.
O seu orgasmo é de um silêncio ofegante e intenso, tão vibrante que chega a me assustar. E quando meus gemidos silenciam, e o quarto ressurge nos meus olhos, já todo escuro (apenas um pouco da luz da noite que entra pelas janelas, deixando tudo em estranhos tons de azul e violeta), ele já está quieto e ofegante, o rosto junto do meu, escondido no meu ombro.
Você era virgem...
Você não conhecia o prazer de um orgasmo. E ainda mal conhece o sexo. Nós apenas brincamos...
E foi delicioso.
Céus, você era virgem!...
Estava com medo do seu próprio prazer!... Está com vergonha do que aconteceu? Ele escapa de mim, sem querer que eu olhe para seu rosto. Fica deitado do meu lado, de bruços, agarrado num travesseiro, enquanto eu me vejo ensopado de suor e ofegante, meio chocado em ver que toda a minha obsessão não era um delírio. Estou maravilhado, arrepiado de prazer ao notar o seu sêmem, misturado ao meu, escorrer sobre a minha barriga, o seu cheiro em mim, o seu suor, a sensação da sua pele quente. Eu nunca pensei que brincar assim pudesse ser tão bom... Eu nunca gostei de fazer assim, no entanto...
"Foi uma delícia..." – Sussurro, sem conter de morder o lábio. Encontro seus olhos amarelos brilhando de malícia, o rosto escondido no travesseiro. E estou falando muito sério.
Virgem... penso, indo arrancar esse travesseiro dos seus braços (Sim, e daí? Tenho ciúmes até de um travesseiro!) e me meter entre eles, agarrar-me a Saiyame com um carinho violento e sincero. Olho, em que ele me abraça também, corado e calado, para o semêm em mim, que é o dele: abundante, tem seu cheiro, e escorre por meu ventre e até pelas minhas pernas.
Virgem... Mas com certeza você queria isso mais do que eu.
Ficamos aqui, com olhos úmidos e insinuantes, sentindo o nosso suor se desfazer nos lençóis, e o nosso cheiro continuar firme, um no corpo do outro, o gosto da sua boca na minha.
Claro que o que houve antes – as coisas estranhas e assustadoras que ele me disse – não se apagam, e ainda persiste uma tristeza entre nós, um ressentimento. É uma tranqüilidade inquieta. Talvez ele se sinta como eu, mais aliviado do que realmente saciado. E não quero dizer apenas sexo...
Saiyame então fica apenas tocando o meu cabelo, daquele seu jeito distraído, que eu adoro, que acho lindo e doce. Sua outra mão vai para o meu quadril, deslizando bem devagar. O que ele quer afinal?...
Nem pense nisso seu pequeno pervertido... Se alguém neste quarto há de estar entre os joelhos do outro, este alguém sou eu.
Pensando nisso quase não noto seu olhar. Me derreto quando olha assim desse jeito, só para mim. E eu fico sorrindo feito um idiota. Até parece que eu estou apaixonado!...
Ah, banhos frios nunca mais...
"... São verdes..." – Ele diz, do nada.
"O quê?" – Não entendo nada. Do que ele está falando?
"Os seus olhos... São verdes."
Ah, não! Vou derreter... Eu me transformo num autêntico torrão de açúcar quando escuto isso.
Meus olhos... Ele notou os meus olhos! Ele reparou a cor dos meus olhos! Fico rindo, feliz da vida e o pior é que não sei porquê.
Nem me lembro o quanto é estranho ele ter notado isso somente agora, depois que estamos praticamente... Vivendo juntos. O canto dos seus lábios insinua o começo de um sorriso. Pena aqui estar tão escuro. Eu queria muito ver o seu sorriso por inteiro, e o seu corpo também. Oh, seus misteriosos tornozelos que eu nunca vi...!
"Você não é daqui..."
"Não." – Respondo num sussurro tão baixo quanto o dele.
"Japoneses não chutam portas..." – Ele diz, como se tal conclusão fosse óbvia, como dois mais dois é igual a quatro, ou se eu devesse estar me sentindo um analfabeto não tendo chegado a esta conclusão antes.
Meu sorriso aumenta até se transformar (não sei como, eu muito raramente faço isso! Eu nunca fiz isso na frente de ninguém intimo de mim! Eu nunca nem sequer sorri para ninguém que fosse para a cama comigo!) num riso constrangido, meu rosto com certeza vermelho. Eu me sinto um menino. E também me sinto doce e idiota.
À meia voz ele pergunta de onde eu sou, que a única coisa japonesa em mim é o meu nome. Ele sempre soube que eu não era daqui, mas é discreto demais para perguntar.
"Tem razão. Eu pareço tão japonês quanto você, Saiyame..." – Digo, tentando fazer com que ele esqueça de qualquer preocupação.
Ficamos calados, muito próximos. Meu coração parece agora feito de manteiga e eu me derreto todo. Coloco um dedo encima de seus lábios entreabertos e úmidos.
"Não diga nada. É a minha vez de falar."
E como nunca falei a ninguém, eu começo...
x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x
Antes de tudo digo-lhe a verdade: o último japonês puro da minha família era o meu avô, que morreu quando eu era menino. Depois dele, e como ele, meu pai também se casou com uma mulher americana.
"Por isso seus olhos."
"Por isso."
"E por que você está aqui?"
Um longo silêncio.
Penso nas sensações que essa pergunta me traz. A última vez que vi minha avó e em como fingi que não sentiria falta de nada daquilo. Sinceramente, digo-lhe a verdade: meu pai era do exército, e veio transferido para cá. Viemos com ele, eu e minha mãe. Eu nem precisaria dizer o resto...
"Aí eu aprendi a odiar este país."
"..."
Continuo, eu lhe conto com simplicidade sobre a minha mãe, que era tão frágil que talvez morresse se alguém gritasse com ela, que nunca conseguia nem olhar para o marido nos olhos. E ele... ele tinha uma personalidade forte demais, era muito autoritário, e nunca gostou de pessoas fracas. E falando ainda a verdade, acho que ele nunca foi má pessoa. Talvez ele odiasse estar no Japão, em Okinawa, tanto quanto nós, principalmente quando viu o quanto sozinha Alice se sentia aqui. Eu também me sentia, mas ocupava o tempo em brigas de colégio, na rua... Depois...
"Depois?"
"Depois eu comecei a fazer coisas para irritar o meu pai."
Umedeço os lábios, lembrando-me de todas aquelas mulheres casadas do prédio em que morávamos em Okinawa, e do terror e das palpitações do oficial Harada Wakai imaginando o que seria de nós se os maridos delas descobrissem o que eu tanto fazia andando pelos corredores... Mulheres casadas no começo, depois aquelas com que eu fazia questão de ser flagrado no estacionamento do prédio, e mais tarde, com mais idade e requinte, as que eu levava para casa. Naquele dia eu quase fui expulso de casa se a minha mãe não se metesse na discussão. Depois, no dia seguinte, ele, mais calmo, disse enquanto dobrava o jornal, antes de ir para o trabalho, que me dava conforto, que tentava ser um bom pai, e que eu deveria pensar no futuro e acabar com toda aquela rebeldia estúpida, pois então ele disse, eu iria para uma universidade no ano seguinte. Ele disse que até agüentava a minha rebeldia, mas me esganava se eu não fosse aceito pela melhor universidade desse lugar.
Ele deve ter sentido muito aliviado quando as provas finais começaram. Em épocas assim ele me perseguia mais do que nunca, me cobrando pelas notas e agora por uma universidade.
"Como era a sua mãe?"
"Bonita." – Paro de pensar besteiras e respondo. – "Bonita. Burra. Frágil."
O olhar de Saiyame não me diz nada.
Talvez não se importe com nada disso.
Espero que ele não faça mais nenhuma pergunta sobre ela. Nem precisa. Eu lhe conto tudo de mim.
"Ela era muito distante. Viver no Japão só a deixou pior, mais isolada e sozinha. Quando fiz as provas para a universidade, eu era o único que conseguia conversar com ela."
Sua distância era quase frieza, recordo-me, estremecendo. Ela não gostava de pessoas, mas dava boas risadas escondida vendo o marido bufar de raiva com o que eu fazia. Sabe... Ele nunca a maltratou, só cobrava demais dela, como de todos os outros. Ele queria fazê-la forte, se Alice Wakai houvesse gritado com ele ou jogado um jarro na sua direção ao menos uma vez, ele teria sido diferente em muitas coisas.
Era minha também uma boa parte da culpa do que estava acontecendo. Eu ainda não tinha idade para resolver isso sozinho, e já estava fazendo as provas finais do colégio. Desde a última ameaça eu vinha me comportando melhor e estudando mais ainda (meu pai sempre achava que a melhor nota ainda era baixa), então cheguei em casa depois da última prova, achando que agora ia ser tudo diferente. Mas não foi.
Pedi-lhe que assinasse o documento da solicitação de vaga da universidade naquele dia.
Assim que ele viu que a vaga era para Enfermagem, deu-me um tapa que me jogou no chão e começou a gritar tão alto como eu nunca tinha visto. Ele queria que eu fosse no dia seguinte solicitar a vaga para o curso de Medicina, e...
"... E a sua mãe?" – Sua voz me faz voltar à órbita do planeta. Achei que já havia dormido, tão quieto estava. – "O que ela fez?"
"O de sempre." – Trancou-se no seu quarto. Quando penso nisso, meu estômago ainda queima de raiva, como a sensação daquele tapa, que ardeu pela noite toda.
No dia seguinte, o imponente oficial Harada Wakai foi comigo até o colégio (já estávamos morando aqui, nos mudamos de Okinawa naquele mesmo ano), naquela farda americana que era o meu pesadelo. Quando saía com ele vestido assim na rua, as pessoas nos apontavam.
Apontavam a ele por causa da farda e a mim... Meu maior ressentimento com o Japão é que não sou japonês, e muito menos me pareço com um. Com o tempo, às vezes tirava muito proveito disso, da atenção que consigo chamar, mas nem havia conseguido dormir naquela noite. E nem na seguinte. No começo do ano seguinte, apesar de estar fazendo o que eu não queria mais uma vez, estava porém matriculado em duas universidades. Ele não sabia, mas minha mãe assinou sem que eu soubesse o documento para Enfermagem.
Eu não tinha ainda idade para isso, mas fiz questão de sair de casa, antes que meu pai desconfiasse que meu emprego não era para pagar um apartamento, uma vez que eu estava morando num quartinho mínimo e sim para ajudar a pagar o meu curso. Quanto ao outro, eu tinha notas suficientes para ganhar uma bolsa na melhor universidade, como ele queria.
Como eu odiei cada momento daquele curso... antes do final do primeiro ano, eu já havia brigado com todos os professores e passado pela cama de todos os alunos (e alunas) da minha classe. Um dia, durante a aula e depois de ter estudado e trabalhado a noite toda para a prova do outro curso, eu discuti um pouco mais à sério com um professor e ele levantou a mão para mim. Me lembrei do meu pai e de que só estava nesse maldito curso por culpa dele. E dei um soco no professor de anatomia. E também o suspendi pelos colarinhos e dei mais dois murros na sua cara. Ele caiu no chão e eu o fiz se levantar e lhe dei mais um, que o desmaiou.
Não precisei esperar muito para ver que o estrago não se resumia aos dois olhos roxos do professor e um nariz quebrado. Eu ainda mal havia feito dezessete anos, e fiquei aliviado em ser expulso dali.
Para comemorar, voltei para o meu quartinho e fiz sexo por todo o resto da tarde com o filho do meu senhorio. Depois o mandei embora. Ele não quis, eu o mandei calar a boca e fui para a aula. E por quatro meses eu fui muito feliz. Até que um dia voltei para o meu quartinho e meu pai estava me esperando.
Convenceu-me, com aquele seu modo gentil e educado de dar ordens, a ir para a universidade de medicina mais uma vez. Quer dizer, para o curso, pois desta vez eu cursaria sem a bolsa em outra instituição e não deveria aparecer na sua frente, nem telefonar e nem visitar Alice, enquanto não estivesse "com a merda desse maldito diploma" na mão. E pela quantidade de berros e palavrões que trocamos naquela noite, acho que ninguém me culparia se eu lhe desse um soco também.
Eu engoli o meu orgulho e obedeci. Ainda tentava telefonar para casa, quando ele atendia e escutava a minha voz, desligava. Quando minha mãe atendia, ele lhe tomava o aparelho e desligava novamente. Eu não precisava estar lá para saber que ela estava triste, e ele, furioso. Antes dos vinte e dois, eu me formei. Era o mais novo e o mais promíscuo da minha classe (Envolvi-me com alunos, veteranos, calouros, professores, monitores...). Não havia ninguém na minha formatura, eu ainda morava num quarto mínimo e guardava tudo o que eu tinha para continuar estudando, e nada era fácil, mesmo que eu fosse, pelo menos naquele curso, um ótimo aluno.
Voltei para casa com o diploma e o dei de presente para o meu pai. Nunca quis aquela coisa. Fui ver minha mãe, estava dormindo. Quando não estava dormindo, estava chorando, ansiosa, e meu pai já havia até dado baixa do exército para ficar com ela, tomar-lhe conta. Inútil. Ela acordou assim que entrei, sentou-se na cama e me chamou. Havia muito tempo que não a via, muito menos o seu sorriso. Nem chegamos a conversar. Foi agora ela, depois de dizer como eu havia crescido, como estava diferente, que me mandou embora. Sem acreditar no que estava escutando, obedeci, assim, automaticamente. Quando saí, meu pai me devolveu o canudo do diploma e fechou a porta, me dizendo para não criar mais problemas, que aquela diploma não era mais do que a minha obrigação.
Voltei para a minha vida. Juro que voltei. Estava fazendo a residência, precisava do dinheiro. Mas eu me esforçava. Havia o plantão, que emendava direto com o outro estágio. Quando estava há quatro meses de me formar, de madrugada, eu atendi a minha mãe. Uma vizinha também americana a levou justamente para o hospital onde eu trabalhava. Ela tentou se matar. Mas sua mão deve ter tremido, ou talvez a 38 do meu pai fosse pesada demais, tanto faz. A bala atravessou do lado do seu ouvido para o outro lado, no seu pescoço. Evidentemente, eu já havia visto coisas piores, mas que não me afetaram tanto.
Ela sabia onde estava e o que estava acontecendo, e sabia também que era eu ao seu lado, tentando fazer o sangue estancar. Nem parecia sentir dor. Eu senti dor por ela. Depois de cinco horas agüentando seus olhos amáveis e claros em mim, enquanto tentava salvá-la, ela parou de respirar, seu coração parou, seus olhos perderam a expressão. Se não fosse o sangue no seu vestido, ela poderia estar numa praça, de manhã.
Mas ali não era uma praça... Era um hospital cheirando à álcool, ela estava lavada de sangue, o meu jaleco e a minha bata também. Tirei o crachá, o estetoscópio e fiquei segurando a sua mão fria até virem levar o seu corpo para o necrotério. Antes, veio a polícia para recolher o depoimento da vizinha, do marido dela, do médico que a atendeu quando deu a entrada na emergência... e do meu pai, que havia acabado de chegar. Ele não estava em casa, tinha ido para o aeroporto, ia viajar para Tóquio à negócios.
Ele avançou em mim assim que me viu. Os policiais o seguraram e ele ficou gritando que a culpa era minha, que nunca mais queria me ver e que eu não era mais nada para ele. Foi quando a polícia soube que eu era filho do oficial do exército americano Harada Wakai, e que a americana morta na sala da emergência, era a minha mãe. Ninguém me perguntou mais nada.
Pensei no que havia feito da minha vida até ali, e que podia ser o próximo com o pescoço atravessado por uma bala.
Fui para o gabinete do meu supervisor e pedi uma folga. Ele me perguntou o motivo, eu disse e ele respondeu que "isso acontece". Eu disse que nunca havia pedido folga alguma, ele gritou que eu não estava sendo profissional e nem pensando como um médico. Olhei para o crachá na minha mão, o estetoscópio, o joguei encima da sua mesa e mandei a ele e todos os médicos do mundo para o inferno. Pedi a minha demissão.
E na noite da minha formatura de Enfermagem, não havia ninguém para comemorar comigo. Só quem eu vi de rosto conhecido foi o oficial superior do meu pai, com o uniforme, cheio de divisas... Ele veio até onde eu estava, bateu no meu ombro, por cima da toga que eu estava vestindo e disse que o meu pai havia morrido naquela manhã, do coração.
Mais do que nunca eu me senti só, longe de casa, e sem ninguém, nem quem gostasse de mim ou que me detestasse.
Assim que pude me mudei. Fui para o apartamento em que estou até hoje. Continuei com um péssimo temperamento, talvez até pior, e acho que muito parecido com o de Harada Wakai, até que o único trabalho que conseguia era em alas psiquiátricas. Sempre a um passo de perder o emprego. Então eu fui chamado para cuidar de Tomoyo, que tinha fama de violenta, naquele plantão, na metade do verão... E...
Eu conheci você.
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Silêncio.
Deve ter dormido.
Bem, depois de me escutar contar tantas coisas chatas e desagradáveis, eu também dormiria.
Saiyame está quieto há muito tempo e respira bem devagar, perto da minha orelha. Deve ter dormido. Espero que não tenha ouvido nada do que eu disse sobre mim, para não fazer de mim, um juízo ainda pior. Se Saiyame, ou seja lá qual for o seu nome, estivesse acordado, eu gostaria de perguntar se, mesmo sabendo tanto de mim, ainda iria me querer, ainda iria gostar de mim. Sinto vontade de cair no choro de novo, só de pensar que ele poderia me dizer que não. Melhor que tenha dormido mesmo. Viro o rosto só um pouco, só para beijá-lo... E meu coração quase pula pela boca, quando o vejo acordado, os olhos bem abertos e amarelos.
Digo que ele me assusta e Saiyame não esboça nada. Pergunto se sabendo tudo sobre a minha vida e as coisas que fiz, de mau até o de pior, ele ainda me quer.
Seu olhar é muito sério e brilhante. Inexpressivo, segura a minha mão e diz no meu ouvido que quer dormir. Sua voz é quente e rouca, me arrepia. Ele me cala pela noite toda com um único beijo. Depois, se acomoda, seu rosto arredondado e estranho perto do meu, sua respiração ficando quase imperceptível, esbarrando no meu cabelo.
Agora, eu poderia chorar de alegria.
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Acordo me espantando. Tive um pesadelo absurdo e muito real. Sonhei que era criança novamente e estava atrasado para a escola. No sonho, acordei e me vi sendo expulso da faculdade de Enfermagem. Acordei uma segunda vez e me vi sozinho na minha cama, no meu apartamento, e tudo, essa velha casa ocidental, Saiyame, as Cartas... tudo era um sonho. Esta foi a pior parte. Mas agora, então, acordei e me senti feliz e grato a qualquer tipo de força irracional e amalucada que controla o universo, por estar numa cama que range, ao lado de alguém que conheço e gosto, e com a plena consciência de que não estou delirando nada disso, muito menos a cumplicidade de um saber dos segredos do outro, e nem a doçura do nosso prazer ontem.
Está muito cedo, mal está amanhecendo... Que fome...
Perco o sono e fico olhando para seu ombro, seu pescoço liso. Agora está começando a ficar um pouco mais claro, e eu, com muita fome. Sua cabeça está encima do meu braço, e ele está de lado, muito perto de mim. Estamos ambos enroscados nos lençóis que não foram parar no chão, fazer companhia às nossas roupas e aos travesseiros.
Se eu não estivesse com tanta fome e tão incomodado com isso a ponto de estar de mau humor, adoraria morder este ombro e acordá-lo com palavras indecentes. Não está dormindo muito pesado. Seu rosto é lindo e parece o de um menino quando está dormindo. Estou pagando por cada desaforo que disse-lhe antes, por cada desfeita, cada maldade que lhe fiz... Parece um castigo ter de me derreter só de olhar para estes cílios escuros, longos e cheios, estas bochechas... Se ele fosse de açúcar eu o comeria... Ah, que fome desgraçada...! Talvez ele acorde. Talvez esteja sonhando quando se mexe um pouco, como se fosse levantar. Se encosta todo em mim. Está quente que me assusta. Que ótima maneira de começar o dia, penso, esquecendo da minha fome por um momento, com o corpo dele colado no meu. Se ele acordar... Continuo fingindo que estou dormindo. Tento ficar calmo até quando sinto dentes na minha orelha. Não tenho coragem de fazer nada, nunca vou me perdoar se estragar tudo agora, por uma estupidez como a de ontem, e deixar de fazer muito mais com ele do que ontem. Ele chama o meu nome, como se tentasse me acordar! O que eu faço? O que eu faço! Tenho pavor quando ele começa a fazer essas coisas...! Estou quase suando frio quando Saiyame suspira, como se estivesse cansado, tenho certeza de que está aborrecido por achar que estou dormindo ainda. Sinto sua mão abrir caminho pelo meio do lençol e... passar a mão em mim.
"Não me quer?" - Sua voz rouca reclama... Está excitado e ansioso, eu o conheço tanto que já sei dizer isso pelo modo que está respirando, meio agoniado. Se eu abrir os olhos agora vai ser pior, vai achar que eu não queria mesmo. Mas eu quero, como quero! Só não poderia adivinhar que ele iria querer mais assim, tão logo, tão cedo, com tanta vontade! Quando penso em arriscar e retribuir esse carinho que quase me faz desmaiar de excitação, a cama cede e range. Levantou-se. Por que eu tenho de ser tão orgulhoso e burro assim?
Arrisco-me a olhar na direção do seu movimento. Está sentado na cama, de cabeça baixa, de costas para mim. O cabelo está para o lado, sobre seus ombros, posso ver as cicatrizes por inteiro, de golpes bem profundos, e bem marcados. Mas isso não faz sua pele menos bonita, menos lisa, sem manchas, sem relevos... É branca e macia, e promete muito calor, e eu sei... que é muito quente, e excitado como ele está, quase me queima de tão quente. Está respirando fundo e meio ruidosamente... Eu não deveria ter sido tão idiota... A cama range de novo em que ele se espreguiça, fazendo surgir aqueles músculos que parecem ter sido fortes em algum momento, perto das cicatrizes. Ainda está amanhecendo, e sendo outono... o sol não é muito forte para iluminar direito o momento em que se levanta.
É bonito. Consigo ver, ainda que o quarto ainda sem a luz do dia esteja um tanto enevoado e escuro.
Ele é bem mais bonito do que eu sempre imaginei ou esperei que fosse. Mas não tem a firmeza das formas de um adulto. Longe disso. Ele é alto mesmo, e vai crescer mais, e daqui alguns anos... Meus Deus. Que lindo...
Não quero nem ver...
Oh, que inútil, não consigo tirar os olhos dele, de qualquer jeito. Coxas longas, brancas... Braços cruzados no peito... Pescoço longo... Olhos rasgados e amarelos olhando pela janela de cortinas fechadas... Estou louco de vontade de perguntar se ontem foi a sua primeira vez... Olhando na direção das roupas espalhadas... Suspira... E essas mãos, um pouco ásperas, um pouco macias, nunca sei dizer... Ele joga a cabeça para trás, reclamando, mais conformado e acho que até um pouco magoado comigo:
"Não me quer..." - Céus, como fui burro pra variar!
Ele se vira para o rumo da cama, não sei se olhando para mim, mas consigo fechar os olhos a tempo. Escuto a cadeira ser arrastada.
CONTINUA
