Meu Destino é Pecar Capítulo 13

Detesto essa cadeira. Quando olho para ela, lembro sempre de que foi nela que o vi no mais profundo desespero, falando sozinho, naquela madrugada. Lembro que é alí que fica quando está daquele jeito, quando se fecha para o mundo. Quando vejo, está sentado, meio de costas para mim, mais de perfil do que de costas, embora não possa me ver nesse ângulo, de frente para a varanda fechada, olhando para o vazio, tenso, passando as mãos nos braços, ainda cruzados junto a si. Ainda está muito excitado. Pelo jeito que acordou deve ter tido um sonho e tanto, ou talvez esteja muito empolgado com o que houve ontem (e eu também estou, e queria muito passar o resto dessa semana lhe mostrando tudo o que eu sei fazer numa cama...).

Respirando fundo, ele se recosta na cadeira. Seus braços se soltam, e ele fecha os olhos, sua pele rebrilhando um pouco de suor.

Parece um pouco... perdido. Como não soubesse o que fazer agora , depois de tudo o que houve – e para quem antes tentava ignorar completamente minha existência, tanto ele dizendo que me amava, quanto o que aconteceu entre nós ontem, deve ter feito uma confusão imensa na sua cabeça, assim como fez na minha – ele fica lá, sentado na cadeira, imóvel, e se está pensando em alguma coisa, eu nem quero saber!... Lentamente, como se despertando de alguma espécie de torpor, ergue, suas mãos, colocando-as à altura de seus olhos, e passa alguns momentos observando-as, como se nunca as tivesse visto antes. Ou não desta forma tão atenta. Depois, Saiyame baixa um pouco a vista, como que acompanhando com o olhar, seus braços longos e esguios. Ainda devagar, ele fecha os olhos e traz as mãos para mais perto de si... E toca o próprio rosto. Levemente, de uma maneira insegura. Como se descobrir o contorno dos próprios olhos fosse algo espantoso e assustador.

Talvez seja... até para mim, que assisti todos os espelhos da casa serem quebrados com prazer, penso, me colocando para erguer a cabeça e assistir isso... Ele não tem pressa... Não entendo... Está se tocando, como se estas mãos não fossem suas, como se descobrisse o rosto e logo em seguida a pele e o corpo de outra pessoa, com os olhos cerrados de prazer que eu vi na noite passada, quando estas mãos eram as minhas. Quando o desejo era o meu a despertar o seu. E agora, ele está descobrindo em si um estranho que é ele mesmo. E desejando-o.

Não entendo... Mas não consigo deixar de achar maravilhoso. Poderia ficar enciumado com a intimidade com que as mãos dele correm por seu próprio corpo, desfazendo segredos, arrancando suspiros pesados e ruidosos, tocando, tão leve que de repente até eu me espanto com a força com que ele atira cabeça para trás, quando esbarra seus mamilos de coral (Cééééééééééééus!) – que então respondem ao seu toque, como seu corpo todo respondeu ao meu, ontem, nesta cama. Mas é tudo feito de silêncio, até o seu prazer. Sua descoberta de um prazer que não depende do prazer de ninguém.

Vaidade... Não acredito. Somente agora, sozinho, ele se vê com olhos que não são os dos outros, e se vê consigo mesmo. Cada detalhe, cada movimento das suas mãos, por seu rosto, seu pescoço pálido, por seus braços, seu peito, em torno de suas próprias costelas, pelas coxas... por seu sexo. Suor, agitação, medo. E não apenas dele. Eu também me fascino em ver as suas descobertas, na ponta de dedos longos e úmidos, reconheço o caminho que as minhas mãos já fizeram pelo corpo de Saiyame.

Seu coração talvez esteja quase explodindo dentro do peito, descompassado, desgovernado como um trem que sai dos seus trilhos, e devagar como meu olhar sobre sua pele, ele vai descobrindo, ou redescobrindo (Nunca vou saber, nunca irei perguntar...), o prazer e a delícia que é se tocar, desvendar, sentir, o próprio corpo – sua respiração alterada faz todo seu corpo subir e descer, trêmulo, e sua pele, rosada de excitação, está brilhando com uma fina camada de suor. Quem está sem ar agora sou eu. Achava que nada poderia me deixar nesse estado, tão... Excitado e fascinado, como o foi no dia em que achei que pudesse morrer de emoção, apenas de vê-lo tirar aquele blusão na minha frente e nada mais. Mais para quê? Vou morrer à toa! Vou morrer agora mesmo! Vejo-o se tocando com dedos trêmulos e olhos arregalados que logo se fecham, e eu tenho certeza de que vou ter meu primeiro enfarto. E dos seus lábios úmidos, a única coisa que posso escutar no meio do silêncio tenso do quarto, é um som que poderia ser um soluço.

Seu corpo agora está todo solto no encosto da cadeira, que é larga e macia – uma daquelas cadeiras de antigamente –, seu cabelo longo e cheio cai pelo encosto, e não parece ter muita certeza do caminho de suas mãos, que não se acertam no ritmo, na hora de fechar-se, enfim... Eu nunca o vi ( e nem imaginei-o, embora tenha imaginado muitos absurdos...)fazendo isso... E creio que ele também não.

Me descubro levantando da cama, deixando o lençol cair pelo chão, e nem sei como levantei que nem eu percebi (depois disso, eu nem sei mais dizer o meu nome...). Minha cabeça está girando e eu podia desmaiar de tanta excitação, mas seria burrice desmaiar agora, em que está, há menos de um metro de mim, então, totalmente perdido nesse momento, Saiyame... Fazendo tudo aquilo que nem nas mais indecentes fantasias que imaginei-lhe, poderia sonhar em ver. Tão lento, tão quente... natural e quase inocente, mas é tão bonito, tão sem pudor, que só pode ser indecente.

Ele arregala os olhos de surpresa, e seu corpo fica tenso quando puxo seu cabelo, forçando sua cabeça para trás e encontro a sua boca. Sua língua vem em cheio enlaçar na minha e o seu braço passa pelo meu pescoço, com força, me puxando para si de tal forma que também o abraço, trocando com Saiyame um olhar tão cheio de malícia quanto nunca imaginei que ele fosse capaz, repleto de um desejo cego, como o meu acaba se tornando quando me ajoelho no chão ao seu lado, segurando seu ombro com força, e minha mão vai ficar sobre a sua, meus dedos em torno dos seus e nossas mãos em torno do seu sexo.

Um só movimento, um só desejo incontrolável.

E em meio a tudo isso, sua mão puxa meu cabelo, e deixa seu rosto tão próximo do meu que nossas respirações se misturam, e seu rosto se fecha como se sentisse dor, sua respiração ruidosa de certa forma me diz para continuar, e seus olhos são suplicantes, úmidos, felinos e selvagens. Ruge baixo e me beija com força, estremecendo, quase...

Ainda não...!

Abandono os seus lábios, solto-me de seus dedos que prendiam meu cabelo, e afasto com força sua mão de seu sexo, segurando seus pulsos, indo para me ajoelhar entre as suas pernas e tomá-lo inteiro na minha boca, na minha garganta, com toda força, toda a fome de prazer. Se contorce, sacudindo seu corpo inteiro e largo suas mãos para apertar a carne quente e firme das suas pernas, acariciar o interior delas, e Saiyame agarra a minha cabeça, puxa meu cabelo, respira pesadamente, ruidosamente.

O cheiro do seu suor e do seu sexo me enlouquecem. É aquele cheiro de almíscar que ele deixou nos lençóis e em mim, ontem à noite. Faço com tanta força que até eu me assusto. Ele fica totalmente imóvel, em silêncio, tenso, por um momento antes de estremecer, arquejar tão forte como fosse desmaiar, e então estremecer novamente, gozando, cheio e forte. Estremece e estremece, incontrolável, por longos momentos antes de se esgotar inteiramente na minha boca, e eu me deliciar com cada instante, cada suspiro que o fiz soltar, e fazê-lo gemer baixo com a violência do beijo que o obrigo a receber de surpresa, e compartilhar comigo o prazer de saber que foram a minha boca e a minha língua, que o fizeram gozar.

Saiyame se agarra nos meus ombros e me enlaça, tonto, levantando junto comigo, as pernas tão trêmulas quanto as minhas, aceitando e retribuindo de pronto carícias ousadas, e logo mostrando que também me deseja com urgência.

Imediatamente.

O levo sem nem saber como, quase aos tropeços para a cama. E quando eu tenciono a me deitar para fazermos o mesmo desta noite, quase grito de susto com a sensação quase insuportável de calor e umidade em mim... Ali... Bem ali! Oh... Suas mãos me obrigam a permanecer no mesmo lugar. Preciso olhar duas vezes para ter certeza do que ele está fazendo, acariciar com mão trêmula o seu cabelo espalhado entre as minhas pernas, enquanto sinto toda a fina aspereza da sua língua correndo por mim... Devo estar sonhando. Só pode ser um sonho, e daqueles que me fazem merecer umas longas horas numa banheira cheia de água com gelo. É mais excitante e delicioso do que a mais suja das fantasias que me atrevi a imaginar com Saiyame, desde quando o conheci. Ele faz cada vez com mais força. Parece que quer até a minha alma! Sinto sua saliva escorrer entre as minhas pernas, como a minha escorreu entre as suas...

Solta-me, ofegante, vermelho e cansado, e eu... Quase imploro para que continue, porém, ele tem mais a me oferecer. Me presenteia com o que sempre sonhei, aquilo que sempre quis, cobicei, persegui... E agora, com um rangido dessa cama, numa cena que sempre me pareceu impossível... Ele me mostra, me oferece...

Largou-se na cama, bem à minha frente, os joelhos afastados, um pouco erguidos, seu rosto corado e lívido, seu corpo todo ardendo... Excitado, ereto e faminto... E seus lábios dizem sem som algum, acompanhando um movimento dos seus quadris sobre o colchão, um pedido que nunca imaginei que fosse escutar, ou ler neste gesto.

Saiyame me pede que eu o penetre.

Que eu o possua.

Agora.

(Por tudo de mais sagrado neste mundo, como eu gostaria de fugir num momento como este! Atravessaria o Pacífico à nado de tanto medo de Saiyame e do fogo que ele tem!...)

Engulo em seco.

Suas pernas se colocam em torno de mim, me apertam e me puxam de tal maneira que fico com o corpo inteiro sobre o dele, obediente ao seu desejo, fazendo tudo o que ele quer, do jeito que ele quer. Me perco em carícias quase violentas em sua pele, recebo com prazer os arranhões leves que ele corre nas minhas costas, ao mesmo tempo em que me coloco nos joelhos, sentindo que estou mais uma vez alí... Bem alí... E desta vez não há nada entre nós. E não posso nem pensar em perder o controle, embora me pareça inevitável ter um orgasmo só de me imaginar aqui...

O rangido da cama me faz olhar para seu rosto corado, os dentes expostos numa expressão selvagem de desejo.

Eu começo. Só um pouco.

Estreito demais...

Sua boca se abre e ele ofega.

Devagar, continuo. Só mais um pouco.

Sinto suas mãos subirem por meus braços, e suas unhas se encravarem lentamente nos meus ombros, à medida que tento penetrá-lo.

Não é a primeira vez que estou fazendo isto, por que eu não consigo acabar com isso logo de uma vez? É tão quente, úmido, excitante, e quanto mais com este cheiro de sexo que se desprende de nós...

Suas pernas apertam um pouco mais a minha cintura. Se ele quisesse que eu parasse teria dito. Se eu forçar só mais um pouco, vou realmente penetrá-lo, mas será que isso não irá machucá-lo?... É tão difícil...

"... Com força..." – Ele geme, os olhos fechados, o corpo todo ardendo como se estivesse queimando de febre. Sua voz sai rouca e baixa, quente quanto a sua pele.

Obedeço.

Não consigo deter um gemido. Paro no mesmo instante. Se não parar agora, não vou agüentar, esperei isso por muito tempo, estou excitado demais, sentindo o seu suor misturado ao meu. Ainda não estou em seu corpo. Sinto que posso ter um orgasmo a qualquer momento... Minhas mãos apertam o tecido do lençol da cama, sem querer tocar o corpo de Saiyame, entre elas. Se eu o tocar, irei beijá-lo, e se eu fizer isso...

Suas pernas me apertam com muita força, de repente, forçando que eu continue, e...

E...

E..

"Com força!" – Ele geme, mais alto, desesperado, suas unhas abrindo trilhas ardidas nos meus braços, suas coxas me apertando de um jeito, e com tanta força, que eu me sinto forçado a penetrá-lo, inteiramente, e num único golpe, me sentindo puxado para a frente sem o mínimo aviso.

E ele se abre para mim como um pêssego maduro.

Tudo some da minha frente, escurece na frente dos meus olhos, e me sinto ceder no interior do seu corpo, assim, e não consigo controlar mais nada. É um orgasmo violento e longo. Não acredito que só de estar assim, tão profundamente encravado nele, tão unidos e... Ah... Aconteceu! Me escuto gemer alto, como se estes sons de prazer não fossem meus. Dois gritos curtos, gemidos, minha respiração ardendo na minha garganta... Meu coração vai explodir. Ainda não tenho certeza de estar vivo quando abro os olhos e vejo o que fiz.

Saiyame está ensopado de suor, jogado na cama, embaixo de mim, como se estivesse desmaiado, pálido, tão branco quanto o lençol debaixo de nós, sem cor alguma. O enlace de suas pernas afrouxou em torno da minha cintura, com a dor... O seu rosto também perdeu aquele rubor de excitação de antes, está virado para um lado, os lábios entreabertos e aquela expressão de prazer desfeita. Não, não fique assim. Assopro de leve sobre seu rosto pálido, sussurro no seu ouvido que ele respire comigo, bem devagar... Devagar... Bem fundo... Suas mãos perdem um pouco da força, e sinto-o estremecer de leve, arquejando. Nunca me importei nem um pouco com os outros, na cama, mas com você eu me importo. Devagar... Bem... Fundo...

Deito meu corpo lentamente no dele, e percebo que me machucou bastante enquanto eu o penetrava. Descem vários filetes de sangue pelos meus braços. Está tenso, arrepiado, e somente o peso do meu corpo não deixa que ele esteja todo arqueado. Beijo sua orelha, ele se volta e beijo profundamente seus lábios macios e pequenos, trêmulos e escorregadios de saliva, querendo que ele entenda isso como um silencioso pedido de desculpas. Sinto que inundei todo seu interior, e que até chega a escorrer e umedecer o lençol. Sua língua segue a minha e me movo no seu corpo, só um pouco, em que experimento morder seus lábios. Seu rosto cora de imediato e ele aperta os olhos, recuando para respirar. Sinto seu hálito no meu rosto, as mãos subindo pelos meus ombros até seus braços envolverem meu pescoço, e suas pernas, a minha cintura.

A primeira investida é lenta, estou com muito medo de machucá-lo, mas ao que tudo indica, este medo está só na minha cabeça. Ele me força a ser menos suave, faz deste momento como são todos os nossos outros: selvagem. Não solta um único gemido, e por muitas vezes acho que ele poderia ter gritado, e eu atiço mais. Vamos ver quem vai ganhar. Treme quando mordo seus mamilos de coral, quando os beijo e quando mordo seus braços, me vingando de cada arranhão que continua a fazer em mim, tão forte que meus gemidos são mais de dor do que de prazer quando suas unhas me fazem estes golpes. Sua boca se abre sem som várias vezes, e enquanto o penetro sinto a mesma tensão de quando ele veio na minha boca, tomar conta de seu corpo. Não uma, mas várias vezes. E quando sinto que Saiyame está pronto para gozar... Eu paro. Talvez esteja sendo perverso, cruel, todavia... Eu me lembro dos meses e meses que me torturei de desejo atrás dele e quando eu volto a me mover entre as suas pernas, eu o faço bem devagar, até quase levá-lo às lágrimas. Que vingança maravilhosa. Demora a ter seu primeiro orgasmo aqui. E quando tem, é exatamente quando estou investindo bem devagar, um movimento de cada vez... Deslizando no seu interior estreito e difícil, para dentro... Para fora... Para dentro... Para fora. Saiyame se contorce com força, querendo fazer das investidas um algo mais forte, e ofega, arqueja com se fosse gritar. Mas não grita e nem geme. Até seu orgasmo vem envolto em silêncio. Seu sêmem se espalha entre nós, e assim como eu, ainda não satisfeito, continua a me apertar entre suas coxas, e agora eu é que estou desesperado, quase aos prantos de prazer.

Eu esperei por isso como se a minha vida inteira.

Fiz sexo com muitas pessoas, algumas eu nunca soube o nome, muitas eu nem olhei para o rosto, e muitas vezes foi incrível e intenso, mas nunca como agora. Começo a penetrá-lo com mais força, mais profundamente. E sem parar. E a cada estocada, a cama range mais alto, como se fosse se desmontar, e as suas unhas me machucam de verdade, com vontade, e Saiyame também se move, acompanhando a penetração, sua carne se fechando com mais força do que antes, seu rosto vermelho, seu cabelo pesado de suor espalhado e revolto sobre a cama que não pára de balançar, seus lábios brilhantes, seus olhos bem abertos, olhando somente para mim, o suor escorrendo por sua pele, os pequenos gemidos que finalmente atravessam sua garganta... Meu suor pinga sobre o seu corpo, meu cabelo está praticamente molhado. Como é bom... Isso não é nada como qualquer coisa que eu já tenha experimentado, é forte, é quente, é cheio de paixão no seu olhar, no seu gemido quase inaudível, que culmina num silêncio que eu não tento impedir e nem quebrar, quando ele tem seu segundo orgasmo, e eu, finalmente alcanço o meu, logo em seguida.

O quarto fica cheio de gemidos pelo ar pesado e carregado, cheio dos meus gritos de dor que se transforma em prazer. Tudo fica escuro e turvo. De repente, é como se uma bomba atômica houvesse sido jogada encima desta cama, que parece agora pequena e frágil, como se feita de palitos, ou se fosse o sexo entre nós tão perfeito e intenso que pudesse destruir tudo ao redor, começando por nós mesmos. E como, da mesma forma que depois de uma explosão nuclear, tudo fica silencioso e quieto. Nem os pássaros se atrevem a cantar numa hora com esta, eu acho...

Já amanheceu inteiramente, e Saiyame, seu rosto, seu corpo, não têm mais um único segredo para mim. Vejo sua expressão lívida, saciada, e um breve gemido quando saio do seu corpo.

Ele é a criatura mais bonita que eu já vi em toda a minha vida.

Ficamos jogados encima da cama, um ao lado do outro, nos entreolhando, cúmplices e apaixonados.

Apaixonados?

Não, eu não... Hahaha, essa foi boa...!

Oh, mas do que eu estou rindo, afinal?

Que bela porcaria que eu acabei de pensar... Eu estou rindo, mas isso não tem graça nenhuma.

Eu nem estou apaixonado.

Nunca vou estar.

Esse foi o melhor sexo de toda a minha vida, e talvez até das anteriores, se eu acreditasse nessas besteiras... Estou exausto e ensopado de suor. Alguém pode até morrer transando desse jeito, e nem acredito que estou lúcido, achei que ia desmaiar... Olho para Saiyame, deitado ao meu lado, e não acredito também que finalmente... Que porcaria. Não vou misturar hormônios com sentimentos. E nem vou lembrar agora das coisas que nos empurraram um para o outro, até porque eu forcei essa situação desde o começo, e tudo o que sempre quis dele, desde quando meti o pé naquela porta, eu acabei de conseguir.

Vou me importar com o resto para quê?

Foi apenas sexo...

Oooh, que olhos lindos ele tem... Parece um grande gato se espreguiçando de novo, sem tirar os olhos de mim, sério como sempre...

Não adianta. Eu não vou confundir atração física com nenhum tipo de sentimento.

Eu não sou assim.

Eu não estou apaixonado.

Meu corpo arrepia inteiro quando Saiyame vem se deitar bem perto de mim e lambe o meu rosto, como um gato imenso e afetuoso. Por que eu não levanto de uma vez, arrumo as minhas coisas e vou embora para sempre desta maldita casa? Já fizemos tudo, já fomos até o fim – e até além dele, se houver.

Eu não estou apaixonado.

Mas por que eu não consigo parar de sorrir feito um estúpido quando ele começa a lamber devagar e de uma maneira que me causa deliciosos arrepios, com sua língua úmida e atrevida, todos os arranhões, e a beijar as dentadas nos meus ombros? E por que eu não paro com essa mania de achar tudo nele bonito e diferente? Porra, eu não estou apaixonado! Por que eu não tenho coragem de mandá-lo se afastar de mim, agora que tudo se acabou?

Isso não tem graça...

Graça nenhuma...

Um cortina loura cai no meu rosto, ele me beija várias vezes, repetidas vezes, sobre os lábios, e eu sem saber o motivo, retribuo todas. Depois faz com que me derreta mais ainda, beijando detrás da minha orelha. E não sei nem como, me faz dizer, do nada, que eu gosto muito dele, e o pior, é que sei que as coisas não são bem por aí. Me escutando assim, ele pode até achar que eu o amo, e a única pessoa que admito amar sou eu mesmo, e isso, porque as vezes ainda gostaria de pedir divórcio de mim mesmo.

Antes de me conter (como se fosse um daqueles pesadelos em que se vê o perigo iminente e não se consegue parar antes que seja tarde demais), eu o abraço com força ao meu lado, e ficamos assim por muito tempo, mãos passeando livres, beijos leves e molhados, olhares, o suor se desfazendo, o dia clareando mais e mais, embora frio. Então chega a pior parte do pesadelo, aquela que faz todo mundo acordar gritando. Passo a mão por seu rosto arredondado e o faço fechar os olhos, beijo sua testa, seu queixo, sua boca... Depois, encosto os lábios na sua orelha e digo, e nem eu acredito, porque, no fundo, me parece ser parte desse pesadelo, e até mesmo sendo apenas um sussurro inaudível, é como se eu quisesse gritar para o mundo inteiro escutar e saber:

"Eu amo você."

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Assim que dou por conta da merda que acabei da fazer, sinto vontade de me dar um tiro. Pior do que ter confundido sexo com inutilidades, foi ter dito isso. Onde eu estou com a cabeça? Seguro seu ombro, para fazer com que Saiyame olhe para mim, e vou começar a tentar explicar que não queria dizer aquilo e que...

Dormiu.

Dorme feito uma rocha, com uma das coxas entre as minhas, e o rosto metido na curva do meu pescoço.

Oh, não...

Já sei.

Vou dormir.

Quando eu acordar, talvez descubra que esse foi o mais desvairado e real sonho erótico de todos os que já tive. Sim, é isso, é um daqueles sonhos maravilhosos que encharcam os lençóis e que lá pelas tantas se transformam em pesadelos aterrorizantes, e o meu começou com Saiyame e sexo selvagem e inacreditável e terminou comigo fazendo declarações de amor.

Deve ser o fim do mundo.

Fecho os olhos e rezo para dormir e acordar logo disso, ou vou entrar em parafuso.

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Acordo com uma sensação deliciosa de cansaço e alegria. Se eu tivesse um cachorro, beijaria até a ele, agora. Mas eu tenho coisa bem melhor a beijar. Céus, até de lembrar que eu disse aquilo tenho vontade de morrer, é uma grande pena que ninguém literalmente morra de vergonha. Mas com certeza passa perto disso. Sinto um ronco ecoar do meu estômago. Estou com mais fome ainda, e nem sei que horas são. Espero que ele saiba onde está o meu relógio...

"Saiyame?" – Estremeço, pensando que seu nome não é esse, e evito pensar nisso. E Saiyame? Onde ele está? Não está na cama, não há barulho de água correndo no banheiro, e de vez em quando os galhos do salgueiro batem na janela. Não é possível, eu sou o canalha dessa história e ele é quem some logo em seguida, sem nem me dar uma explicação? Antes de começar a chorar, vou catando minhas roupas pelo chão, e infelizmente sei que não deve ter nenhuma espingarda nessa casa para matar o desgraçado desse garoto quando eu o encontrar...

Não acredito... Ele me largou aqui. Ele só queria se aproveitar de mim? Eu não vou chorar por causa dele! Não vou!

Tarde demais. Enxugo algumas lágrimas teimosas na barra da camiseta, antes de sair pela casa afora, escancarando todas as portas, entre furioso e magoado, chamando seu nome aos berros. Por que tenho certeza de que ele deve estar com Li? E se ele estiver novamente tentando se matar? E se ele só queria mesmo era passar uma noite comigo e mais nada?

Estou me sentindo um objeto.

Enxugo mais algumas lágrimas e calço meus sapatos, pronto para sair para a rua em seu encalço. Desço as escadas me referindo a Saiyame com todos os palavrões que conheço, tanto em inglês quanto em japonês. Aliás... Nunca prestei muita atenção, mas acho que sempre que estamos sozinhos, ele fala comigo em inglês.

Estou me sentindo o último dos últimos, e eu tomaria com certeza um porre para esquecê-lo, se pelo menos eu bebesse! Nem para isso eu prestei! Eu sempre fiz isso com todos os com quem passei a noite! Sexo e depois adeus! E agora... No auge da minha vida, cheio de hormônios e de más intenções... E esse... Esse... Esse pivete faz isso comigo!

Olho para o corredor da cozinha e acabo sentindo cheiro de alguma coisa que faz meu estômago responder imediatamente.

Bom, eu tenho o resto do dia para fazer qualquer loucura!...

Dou meia volta e vou para a cozinha. Chego na porta e se eu não fosse uma pessoa tão fria e controlada, começaria a gritar de felicidade. Em vez disso, só posso esperar que ele não note que eu estava chorando. Eu fico um horror com os olhos vermelhos. Saiyame está sentado no chão, o cabelo molhado, olhos brilhantes e suavemente castanhos, roupas limpas e as bochechas coradas quando me vê, e em torno dele, há um pacote de pão de fôrma vazio, somente com as migalhas espalhadas, muitas cascas de frutas, duas garrafas de leite vazias, o pote de biscoitos também está vazio e no seu colo. E ele ainda está mastigando. Mas pelo olhar que ele me lança, quase imagino por um momento que é outra coisa que ele gostaria de comer. Se Saiyame tivesse uma cauda, ele a estaria balançando lentamente. Aponta para a mesa. Ah, ele se lembrou de mim... Deixou menos de meia garrafa de leite para mim, que gentil, eu deveria jogar isso na sua cara, seu desgraçado, todavia... Não sei onde estou com a cabeça que meu coração se aperta com a sua gentileza... Deixou (Um pouco de) queijo e (Menos ainda de) fatias de pão para mim... Biscoitos... E guardou uma (Uma! Ele comeu todas!) pêra para mim, também. E tem café no bule. Sirvo minha xícara (...Que não chega a ficar cheia) e quase choro de felicidade em notar que ele acertou o café: com açúcar (?). Do jeito que eu gosto (!). A minha fome continua até depois que eu termino, mas é melhor assim... Ou vou ficar com sono.

O maior incômodo é sentir que ele não pára de olhar para mim, enquanto mastiga esse biscoito amanteigado com uma cobiça imoral.

Evito seu olhar até quando ele se levanta, jogando no balde de lixo os restos do seu (pequeno) lanche, e fica parado no meio da cozinha, me vendo levantar e por a louça na pia. Eu pretendia lavá-la, porém... Duas mãos nos meus quadris quase me fazem largar o prato com tudo no chão. Assim, de repente?... Não sei porquê, começo a achar que ter insistido tanto em ser seu amante foi um erro sem tamanho e sem volta. Se fui o seu primeiro, a encrenca é maior ainda, ele não vai querer outro tão cedo, e não vai desgrudar de mim enquanto não me matar... E acho que é isso mesmo que quer... Está todo encostado em mim, com força, e puxa o meu cabelo, começa a insistir uma mão por dentro da minha roupa... Nunca pensei em tremer de medo como agora num momento desses.

O afasto delicadamente, disfarçando minha vontade de fugir, embora esteja bem mais tranqüilo em ver que ele não me abandonou, e vou dando a volta na cozinha, passando longe dele, sorrindo para tentar não aborrecê-lo, tentando fingir que esse olhar de quem está com fome não me afeta nem assusta. Eu não o convenço, é claro...

"Saiyame... Eu vou subir... Eu vou... Para..."

"..."

"... o quarto."

Tomara que ele não entenda isso como um convite. Tomara! Tomara!

Saio da cozinha andando de costas, e ele me acompanhando, bem devagar. Está descalço, e seus passos não fazem um único barulho. Seu cabelo pesa encima dos ombros, escuro e molhado. Vou andando e de vez em quando olho para trás, principalmente quando já estou subindo de novo as escadas, quando chego no fim dos degraus, noto que ele continua parado lá embaixo, olhando para mim. Graças! Espero que fique lá pelo menos durante o tempo de eu tomar um banho e encontrar um vidro de mertiolate pelas gavetas da casa – Estou todo arranhado, nem quero imaginar como vai doer! Sem falar das mordidas que levei... – e pelo menos quando vier de novo, venha com menos empolgação. Está parado ainda, com uma das mãos sobre o apoio do fim do corrimão. Que bonito... Eu não deveria ter medo dele. É só um garoto, tanto faz o que eu ouvi ou descobri, para mim ainda é só um garoto. Grande demais, que come demais, um pouco hiperativo, um pouco introspectivo... Arrisco um sorriso para não achar que estou sendo mau com ele por não querer ceder à suas vontades. Tenho muita vontade de sorrir quando estou perto dele, e desta vez em especial, eu mais uma vez me arrependo amargamente de ceder às coisas que tenho vontade de fazer perto de Saiyame.

Afinal, depois de quase seis meses dividindo a casa, o quarto, e até a cama com ele, descubro um dos seus mais intrigantes segredos, que me atormentava desde quando o conheci. Descubro do pior jeito afinal de contas, como ele consegue subir e descer estas escadas tão rápido.

Ele simplesmente toma impulso em um passo e com dois pulos já está quase na minha frente! Deus do Céu! Isso dá arrepios! Me deixa em pânico, ele quase consegue estar cara a cara comigo, se antes de vê-lo dar o segundo salto, eu não desatasse a correr, lembrando muito pouco de tê-lo achado tão doce e inofensivo poucos momentos atrás...! Quase sinto sua mão querer me agarrar pelo cabelo antes da curva do corredor e tenho certeza de que quase consegue me segurar pela roupa antes de eu entrar pelo quarto em disparado. Nunca imaginei Saiyame fazendo aquilo, saltando daquele jeito, se movendo como um animal, rápido, leve como um gato, e sem fazer nenhum barulho, e não há nenhum daqueles degraus que não estale com o peso de um passo normal! Eu sei!

E sei também que ele entra no quarto logo em seguida de mim, o rosto corado e bem menos ofegante do que eu, e sua respiração acelerada é por outros motivos. Esse motivo me faz correr em torno da cama e me grudar de costas na parede. Nem sei muito bem em qual dos quartos entrei, até notar pela bagunça que é o seu novamente. Mas eu não tenho tempo de notar nada, e isso não faz diferença nenhuma. Saiyame acabou de saltar sobre a cama e está bem perto de mim, cheirando o meu rosto, o meu pescoço, sem me tocar. Se ele, mais do que parece e age como, é um animal, deve estar sentindo um cheiro de medo tão intenso que até eu posso perceber. Se bem que só o que estou suando frio quando ele começa a se esfregar em mim, tirando minha roupa aos rasgos e puxões, já bastaria a qualquer um para notar. E estou com tanto medo do que vai ser de mim daqui para a frente que nem reajo, nem debaixo dos arranhões com os quais já tenho de me acostumar, e nem debaixo de sua insistência em passar a mão nos meus quadris e tentar fazer o mesmo sobre as minhas nádegas.

Seu... Seu tarado! Eu sei o que você quer! Mas eu mesmo é que não pretendo estar debaixo de você, implorando por nada! Ninguém nunca vai poder dizer que me viu de joelhos implorando coisas indecentes...

Sem conseguir me fazer desgrudar da parede, Saiyame começa a ser ardiloso... Também nunca imaginei que ele pudesse fazer isso, que fosse do tipo que gostasse tanto de sexo!... Estou ficando preocupado... Faz ruídos roucos no meu ouvido, mordendo minha orelha, suas mãos descendo e descendo, assim como a sua boca... Ah, não, minhas pernas estão tremendo com as suas mãos aí!... Ele me enche de dentadas e arranhões no caminho de sua descida, me enche de saliva e... E... Me abocanha de uma só vez, com tanta força e vontade que acho que vai me matar...! Estou apavorado com isso, estou me sentindo violentado... Me derruba na cama e continua, e não me larga mais, se agarrando nas minhas pernas com mãos fortes demais e unhas muito afiadas...

É como se eu estivesse brigando com um gato encima da cama...

...Levando a pior...

...E adorando cada instante!...

Ouch! Isso dói, Saiyame!

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1º. Round: Parece que vai me matar, e ainda estou em estado de choque com o que vi na escada, acho melhor nem reclamar das minhas costas riscadas e nem da dentada que ele deixou na minha perna... Arrrgh! Assim não!

2º. Round: Por que não tira esse sorrisinho malicioso dos lábios quando estou de costas para ele? Melhor encostar na parede de novo!...

3º. Round: Por favor, não me morda... não me morda!Aaaiii! Ah, assim, morda com mais força, assim!... Assim!...

Perco a conta depois da terceira vez que fazemos amor, já anoiteceu e imagino se ele não se cansa nunca. Logo que anoitece, finalmente Saiyame deixa que eu o penetre de novo, como esta manhã. É tão bom quanto antes, melhor, até, é úmido e quente, e cheio de suspiros. Ele quase deixou escapar um gemido dessa vez! Dou o melhor de mim para tentar fazê-lo gemer alto. O meu nome, só uma vez... Eu nunca o escutei gemer o meu nome... É delicioso e cada vez melhor, e desta vez, tudo é lento e quente... Deixo que ele venha na minha boca e nas minhas mãos, e ele me permite o mesmo. Depois que estou largado, quase morto, ao seu lado, sentindo saudades antecipadas de estar no seu corpo, ele vem tentar afastar os meus joelhos, com um breve sorrisinho que me incomoda demais, e se eu não me afastasse mais rápido, seria tarde demais. Eu nego essas liberdades a ele forçando um sorriso... Se ele se irritar vai ser pior... Isso você não vai ter, não adianta me olhar assim... Você não é o primeiro a tentar fazer isso, e assim como os outros, não vai conseguir nada. E eu estou minha vida inteira escapando bravamente... Não vou ceder por causa de um olhar suplicante, e nem de carinhos detrás da minha orelha (embora você saiba que eu faço tudo o que quer quando me faz estes carinhos...) e nem se você fizer um beicinho...

Ele faz um ruído estranho de novo, como um rosnado baixo, e se conforma, um pouco triste. Se ele fizer um beicinho eu vou começar a rever os meus conceitos... Porém não faz, e respiro aliviado em ver que está se lambendo, se acomodando de novo entre os lençóis rasgados e repuxados... O quarto já está feito um breu de tão escuro, e com certeza já deve ser tarde da noite. Nem notei quando anoiteceu... Foi sem dúvida nenhuma a melhor tarde de toda a minha vida... E uma das mais violentas. Descubro que Saiyame se parece muito mais com um animal, nos seus modos, do que nunca quis notar, fica um longo tempo se lambendo, meio indiferente ao fato de estar ao seu lado, e não dá uma palavra. Acho que está mais calado do que antes, e eu também, apesar de reclamar. Se espreguiça por muito tempo, e depois boceja. Mas não dorme. Fica no escuro, olhando para mim, e depois rola para ficarmos bem juntos, e me pede nessa voz baixa e rouca demais para o seu rosto pálido, que eu lhe conte uma história.

"... Uma em que ninguém se machuque..." – Ele diz, pestanejando como se fosse chorar.

"Por que você não me conta a sua?"

"A minha não tem um final bonito." – Saiyame responde, depois de tanto tempo que imaginei que não houvesse me escutado. – "... E muito sangue foi derramado."

"...Conte-me então por onde você esteve antes de eu o conhecer." – Deixo a curiosidade falar por mim.

Saiyame respira fundo, e se aquieta. Depois me diz uma negativa tão seca e absoluta que não questiono. E dorme.

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Deve ter razões muito suas para não querer me dizer de onde veio antes de nos conhecermos naquela tarde no hospital, quando ele quase poderia ter me matado degolado ou de raiva. Engulo em seco, meio atravessado e a contragosto. A curiosidade matou o gato, talvez mate o enfermeiro também. Levanto bem devagar da cama, deixando-o nu, pálido e adormecido, de bruços, num sono tão pesado que nada o acordaria facilmente agora. Me enrolo numa coberta que está no chão e redescubro o caminho para o banheiro (Por via das dúvidas tranco a porta), encontrando toalhas limpas dentro do armário da bancada da pia. Vamos lá... Depois de tantos meses, finalmente dou-me ao luxo de abrir a chave da água quente do chuveiro. O vapor se espalha e eu quase choro de alegria. Na verdade eu choro mesmo, lembrando daquela água gelada dos meus banhos, de tanto que eu quis voltar a tomar banho como uma pessoa normal... E depois que eu entro debaixo do chuveiro, eu choro mais ainda quando a água quente vem encima dos meus arranhões!

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Como doeu. Este foi o saldo de um dia todo de sexo, como se eu estivesse descobrindo um novo continente, cuja vegetação fosse repleta de espinhos, e todos os animais nativos fossem imensos felinos no cio. Sorte que não há espelho nesse banheiro, ou me veria tão cheio de listras quanto uma zebra, e enquanto me enxugo descubro que Saiyame usou e abusou de mim a tarde inteira, fêz o que bem entendeu comigo e... eu adorei. Tem arranhões desde os meus tornozelos até meus ombros, e dentadas pelos meus braços e minhas coxas, e até... Não quero nem lembrar de como eu gostei quando ele colocou marcas de dentes alí também... Se não estivesse tão dolorido e cansado, estaria mais feliz. Mas depois de um pouco de mercúrio ou mertiolate, quem sabe...

Deixo a porta do banheiro entreaberta, somente, para não tropeçar em nada. Esbarro no gaveteiro ao lado. Talvez os remédios estejam aqui. Vou puxar as gavetas, uma a uma. Algumas peças de roupas na primeira. Papéis e documentos na segunda. Não resisto a olhar a fotografia de Saiyame, num passaporte evidentemente falsificado, com uma idade que não combina com ele (Saiyame, com vinte e sete, segundo estes papéis! Quem falsificou este passaporte deveria ser maluco ou deveria estar querendo tirar uma com Saiyame...). Por onde esteve antes? Aqui diz que o registro de passagem teve origem na Inglaterra. Londres. Depois, um carimbo da embaixada, registrando uma entrada de uma semana em território chinês. Depois, um carimbo da alfândega de um porto japonês. Me viro brevemente para ter certeza de que ele está dormindo. Está. Nem parece que você cruzou meio mundo... O que diz aqui? Cidadão inglês. É mentira, claro, duvido que ele mesmo saiba de onde é. Seguro uma risada imaginando Saiyame tentando convencer alguém no consulado falando esse inglês com sotaque. E aqui há um envelope, debaixo de um bloco de contas pagas desta casa, ao lado de recibos de serviços. Onde estou com a cabeça? Não era isso que eu estava procurando! Eu só queria um vidro de mercúrio!... Estou bisbilhotando as coisas dele, que coisa idiota de se fazer... Idiota! Repito isso comigo mas não resisto de abrir o envelope e olhar o que tem dentro. Dinheiro. Nada demais. Por mórbida curiosidade, para temperar mais as descobertas desta gaveta, resolvo contar quanto ele tem aqui. E pensar que eu poderia ter fuçado tudo isto aqui desde o começo!... Isso teria me respondido várias perguntas... Aqui tem uma pequena fortuna. Faço um cálculo rápido e concluo que ele poderia cruzar novamente meio mundo na primeira classe da melhor das companhias aéreas, e com direito a vários luxos pelo caminho. Por que vive tão simplesmente se poderia viver melhor, e até fora dessa casa velha? Talvez esteja guardando para alguma coisa...

"Vai me abandonar?..." – Pergunto só comigo, tentando achar razões para ele ter suas coisas assim, como se a qualquer momento fosse embora daqui e sumir no mundo mais uma vez.

Deixo o envelope e seu passaporte no mesmo lugar em que os encontrei, engolindo em seco o meu medo inexplicável de ter visto tudo isso. Espero não encontrar uma faca suja de sangue na próxima gaveta, ou um boneco de vodu feito com pedaços de minhas roupas e com o meu nome escrito, todo espetado de alfinetes. Me distraio do meu próprio medo pensando asneiras assim, e fecho a gaveta e abro a próxima. Achei. O mertiolate está aqui, ao lado de gazes, bandagens... Isso vai doer... Vejo um embrulho de papel madeira no fundo da gaveta. Talvez tenha mercúrio cromo. Abro com alguns estalos o embrulho e... Puxo a mão no mesmo instante. Alguma coisa afiada está aqui. Olho para meus dedos e vejo que me cortei. Nada de mais, somente dolorido e um pouco dormente. Com mais cuidado, pego o embrulho e trago para debaixo da faixa de luz do banheiro.

Uma faca? É uma lâmina, mas não tem cabo. E a base, onde ele deveria estar, está quebrada. Estranho. O miolo do aço é vermelho? Como a medula de um osso novo, como se isso fosse uma coisa viva. Eu nunca vi nada assim, e um calafrio me faz estremecer com violência, com essa coisa não mão. Pesa mais do que parece, e não parece ser um pedaço de uma faca. Meu coração de repente dispara e eu sinto o chão tremer, mas o tremor está em mim, e antes de me virar e deixar essa coisa no lugar onde estava antes, vejo que junto com ela está algo como um cartão, todavia feito de couro, com os mesmos arabescos nas costas que também haviam nas cartas que Li me mostrou, quando aconteceram aquelas coisas no sótão desta casa. Seguro isso na minha mão. É uma daquelas cartas selvagens? Meus dedos escorregam e outra surge de detrás da primeira. Não tenho coragem de virá-las de frente para mim. Algo me diz que há algo de muito, muito errado aqui, de muito podre, e aquela desconfiança completa que depositava em Saiyame no começo, volta a reinar em mim, um medo, uma sensação de que tudo de pior pode acontecer.

Vou colocar essa coisa na gaveta novamente, mas quando me viro para fazer isso, dou exatamente com os olhos muito claros de Saiyame, faiscando no escuro, não sei se de raiva ou de decepção pelo que fiz. Ele não está sob a luz que entra pela faixa de porta aberta, está longe dela, vejo-o por inteiro, nu e pálido como uma estátua, imóvel e severo, de pé na minha frente, e logo segurando meu pulso com muita força, me fazendo soltar sobre a sua mão tanto a lâmina da espada quanto as duas cartas, que ainda não sei quais são. Ele me solta e coloca as coisas no lugar, fechando a gaveta com um baque tão forte que quase poderia desmontar o gaveteiro todo. E a mim também, se voltasse toda a raiva do seu olhar frio em mim.

"... Desculpe-me." – Tento, sentindo minhas mãos ficarem geladas de medo e tentando evitar o seu olhar que parece infinito e tão profundo como se não encontrasse um fim dentro deles. – "Eu não queria... O que era aquilo?..."

"..."

"Por favor... Eu não pretendia..."

"... Você não viu nada. Já sabe mais do que qualquer criatura viva sobre mim. Pode viver sem saber de mais."

"... Eu..." – Eu queria fugir de você agora, que é tão bonito nesse escuro quanto é assustador. Silencio na mesma hora em que ele me olha fundo nos olhos, de uma forma que não posso escapar.

"... Você... Já sabe demais. Muitos morreram por saber bem menos do que você. Não se envolva nisso mais ainda, Hisashi Wakai. Basta o passo que você deu." – Quando ele se dirige a mim dessa forma, sinto arrepios até na alma. Impessoal, frio, é como se Saiyame quase se tornasse outra pessoa. Uma pessoa terrível, que não me deixa esquecer de que eu sei que ele já matou, e muitas vezes. E provavelmente não sente remorso nenhum por isso.

"Saiyame... São duas daquelas cartas...!"

"Eu sei. Eu as conquistei." – Ele se volta para buscar suas roupas que estão no chão, e começa a se vestir, sem olhar para mim. Fico por um instante sem ação de mais nada, vendo-o virar-se de costas para mim. Conquistou estas cartas? Então, você passou pelo mesmo que Li Siaoran? Você também este a ponto de morrer por isso? E mais, eu o vi morto por isso.

"... E aquela faca? O que é aquilo?..."

"Você pode viver sem saber mais nada sobre mim."

Ele termina de se vestir e sai do quarto, no escuro mesmo, cercado de segredos como sempre, e eu mais do que nunca sentindo o peso deles sobre nós.

Eu fui muito idiota em achar que bastaria ficarmos juntos para que eu começasse a entendê-lo...

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Bem mais tarde, vou atrever-me a ir falar com Saiyame novamente. Sei que ele não vai querer me escutar, que está furioso comigo e com razão, que bastou cochilar e lá fui eu bisbilhotar suas coisas. Eu tive quase cinco meses para ter feito essa burrice e... logo agora? Justo agora? Eu até... Eu até pedi desculpas a ele! E eu jurei que jamais faria isso! Eu até tive um ataque de loucura e lhe fiz declarações de amor!

"Saiyame?..." – Ele está deitado no sofá da sala de baixo, olhando para aquela caixa de chocolates que Tomoyo havia lhe dado. Por incrível que pareça, ela está fechada, com o plástico do lacre e tudo. Parece irritado e acima de tudo triste. Eu o deixei triste, faço isso o tempo todo, e sinto-me assim também quando ele está com esse olhar úmido e fixo.

"..." – Não se move nem um centímetro quando fico parado ao lado do sofá em que está. Eu não quero estragar algo que começou de uma maneira tão bonita ontem à noite entre nós, e nem faço idéia do que seja. Acho que estamos namorando...

"Desculpe-me. Por favor. Eu não estava procurando aquilo. Eu não sabia que você guardava as suas coisas lá."

"Não são minhas."

"Mas isso irritou você."

"Não se envolva mais do que já se envolveu. Você não pode recuar aquele passo, mas pode evitar de dar outro. Apenas não se envolva." – Ele levanta os olhos, eles são úmidos como se fosse chorar. – "Não quero morte alguma além da minha."

"Não diga essas coisas..."

"Tudo morre, Hisashi Wakai."

"Não se afaste de mim assim. Você acaba comigo quando faz isso."

"Se eu não acabar com você, não se preocupe. Outro fará isso."

Outro calafrio, fazendo eco com aqueles que senti no quarto ainda há pouco. Saiyame lentamente senta-se no sofá, dando espaço para mim e me puxando pela camisa para que faça o mesmo. Nada delicado, tampouco suave. Até seus carinhos são um pouco brutais e violentos, como se não medisse a sua força, como se não soubesse muito bem a diferença entre um carinho e um maltrato. Tira de debaixo de uma das almofadas de cetim escuro que estão sobre o sofá, um pequeno vidro de mertiolate. Puxa a minha mão sem aviso e pinga um pouco de remédio sobre meus dedos (oh, como dói! Tento puxar minha mão, mas ele tem realmente mais força do que eu...), onde me cortei naquele pedaço de lâmina. Não diz nada, e talvez fique o resto da vida calado se não tentar voltar a falar-lhe. Pergunto se está com raiva de mim. É uma pergunta boba e infantil, mas eu sempre me sinto assim quando o magôo. Ele faz que sim, passando a espátula do anti-séptico encima dos cortes. Depois assopra. Pergunto se nós estamos juntos, realmente, e agora, o que ele será para mim. Ele me responde secamente que eu agora sou seu amante. Olho para meus dedos sujos, com manchas cor de laranja. Pergunto então, de onde ele veio, agora que sei (ou acho que sei, mas não sei se acredito) quem ele é.

"Eu vim de longe. Já vivi aqui, com Sakura. Há muito tempo." – Diz, baixo, parecendo incerto em me dizer estas coisas, e seu rosto, completamente atemporal, debaixo da lâmpada incandescente do teto dessa sala antiga. Sua camisa listrada o faz parecer ainda mais alto. Essa camisa é tão velha...

"Eu vi o seu passaporte. Você vivia na...?"

"Depois de Sakura, eu estive em vários lugares. Depois eu dormi."

"Como assim?"

"Não quero falar disso." – Ele se estica para a caixa de chocolates. Daqui posso ver o carimbo. Válido até ano que vem. São daqueles chocolates recheados de licor de cereja. –"Não quero falar mais sobre nada. Você faz perguntas demais e nunca sabe quando parar. Eu não posso ser para você como eu fui com Sakura. Aquele que eu era agora está morto. Para ela eu fui uma criança. Como ela."

"Você gostava muito de Sakura, não é?"

"..." – Ele fica imóvel, respirando fundo, enquanto suas mãos abrem o lacre da caixa. Um cheiro delicioso de doces enche o ar. Abre a tampa e tira um da caixeta. Somente um único chocolate. O menor. – "Quando você começa algo tão bom assim, nunca pensa que isso pode acabar. Muito menos se lembra de dar valor ao último. E nem se lembra do primeiro."

Saiyame baixa o rosto, fechando a caixa e deixando-a sobre a mesa de centro. Começa a abrir o papel laminado e quando termina, olha demoradamente para mim, que retribuo esse olhar incompreensível. Estava falando de nós? De mim? Dele mesmo? Não me imagino sem ele. E aquela nossa primeira noite ainda está fresca na minha memória, deliciosamente acesa e ainda ardendo das brasas daquele incêndio sobre os lençóis (e as minhas costas, chamuscadas de arranhões...). E não haverá uma última entre nós, eu queria muito lhe dizer, porque eu estarei com ele para sempre, para lhe dar todos aqueles abraços que prometi. Agora, eu é quem preciso de um abraço, do seu abraço. E do seu beijo, e de todas as maldades que você faz comigo, com ou sem querer. E dos desaforos que você me diz quando está de mau humor. E da sua risada baixa, de quando você se deixa ser apenas um menino. E do seu olhar morno de quando logo que toma leite com açúcar queimado. Na verdade eu preciso que você goste de mim, que me ame como disse que me amava.

Sua mão está no meu cabelo, fazendo aquilo, passando, mexendo nele com curiosidade e agora, com intimidade. De repente ele fecha os dedos com força e me puxa pelo cabelo, para estar bem perto do seu rosto, e enfia o chocolate na minha boca, entre os meus dentes, e vem morder a outra parte, sem chegar a me beijar, nem esbarrar seus lábios em mim. É violento e forte. Me deixa tonto e com a cabeça dolorida, larga-me de uma vez, recuando com um olhar que não desviou do meu nem um instante.

"Enquanto você acha que isto é um sonho, para mim é somente uma ilusão."

Saiyame segura meu queixo com força, com a mesma dureza com que segurou meu pulso antes, e suas palavras são exatamente como o seu gesto. Engulo a metade do chocolate que ele deixou na minha boca, ofegando, tenso.

"Porque sei que isso vai acabar. E tenho medo de quando isso acontecer." – Seus dedos afrouxam e de tal forma que é apenas uma carícia, logo em seguida. Sua voz perde a dureza, pouco a pouco, e num murmúrio tão acolhedor de se escutar quando os seus raros ruídos quando estamos juntos, ele me diz: - " E quando acabar, na verdade eu estarei acordando. Vou acordar dessa ilusão, para voltar ao pesadelo da minha vida."

Nossos rostos estão ainda muito próximos, e posso até perceber o fino aroma do licor do bombom nos seus lábios, doce e alcoólico. Entreabro os lábios, tentando respirar com a aflição que ele me causa falando essas coisas, a lembrança quase permanente de que não me quer pelo motivo de que não querer se separar de mim depois. Fecho os olhos e não faço nada, sentindo que faz o mesmo, engasgado de emoções que eu não compreendo, e tão próximo de mim que bastaria um suspiro e eu poderia beijá-lo. Uma das suas mãos se fecha na minha camisa, e as minhas procuram o apoio dos seus ombros.

Se você é maldito, eu lhe sussurro, entrecortadamente, é porque eu sou a maldição da sua vida.

Ele solta um suspiro curto e dolorido, e apenas esbarra os lábios nos meus. Medo, medo, medo. Eu sinto esse medo que não está apenas nele, e começo a ter medo de me entregar também. Se somos amantes, estamos presos um ao outro.

"Unidos como numa maldição." – Torno a lhe dizer.

Quando encho as mãos com seu cabelo, cachos se enrolando nos meus dedos, e a um mínimo de distância de deixar este beijo finalmente acontecer, não como mais um, mas como o primeiro que recebo de meu amante, o telefone ao nosso lado toca, baixo e monótono, como os telefones antigos faziam.

Nem recordava-me de haver um telefone nessa casa. Ele não toca, ninguém vem aqui, ninguém sente a nossa falta do lado de fora desta casa. Poderíamos morrer e ninguém iria se importar. Você poderia me matar e ninguém nunca saberia. Imaginar você me assassinando, me devorando, sempre foi o meu maior fetiche. Só o que diz que o mundo existe são as propagandas que o carteiro joga pela fresta da porta. O telefone continua tocando, distante, e Saiyame apenas me abraça demoradamente, com a cabeça repousada no meu ombro, e a minha testa no seu. Mais toques. Quase no último, eu tomo coragem de atender.

"É para você." – Eu lhe digo.

Ninguém nunca telefonou para Saiyame antes.

CONTINUA