A Sombra e a Escuridão

Capítulo 6

Não olhe ao redor agora.

Pensou que jamais deveria ter erguido os olhos. No chão encerado, havia outra sombra além da sua. Havia também no brilho da cera, um reflexo, como se estivesse alguém parado ali, tão presente quanto o próprio Eriol. Sua respiração interrompeu-se ao perceber que era o reluzir de sapatos de verniz, e quando atreveu-se mais ao olhar, como se contemplasse algo abjeto e terrível, com um sentimento entre horror e nojo, uma repulsa que vinha do fundo de seu inconsciente, para o resto, quase não pôde acreditar.

Havia, sim, alguém mais naquele quarto de vestir.

E tinha certeza de que não era humano.

Sobre os sapatos de verniz haviam pesadas fivelas de prata, e os laçarotes de fita preta eram notáveis de tão corretos. Eriol não piscou, embora seus olhos estivesses secos e ardidos. Não pensava em nada além de seu próprio pavor. De repente o miolo e a capa do velho diário escorregaram por seu colo e bateram contra o chão. O baque o fez estremecer e pestanejar, mas não moveu-se. Teve a impressão de que escutava outra respiração, sentia um olhar sobre si, e por um instante achou que era o seu pai que estava ali. Respirou mais fundo, seus ombros cedendo dentro do pijama, quase em alívio, e por isso, olhou além dos sapatos e viu que estava enganado. Seriamente enganado. Não era Quincey embora houvesse algo de familiar naquela presença. Algo que o fez pensar em si mesmo. Mas como? Havia um perfume no ar, além do cheiro do mofo que elevou-se quando o livro desbandado bateu no chão. Sentiu um perfume penetrante, oriental e doce, com o fundo amadeirado. Eriol olhou para as pernas da pessoa que estava ali, à sua frente, a um passo de distância, e eram pernas longas, de um homem em meias de seda negra e culotes de veludo, como vira nos livros da escola, nas lições que falavam dos Luíses, reis da França. Seus olhos turvaram-se, deixou-se entreabrir os lábios, tentando desesperadamente lembrar-se de alguma prece, qualquer uma, procurando por um resto de força que o permitisse gritar, e somente pôde sentir suas lágrimas descerem por seu rosto pálido. Não sabia, e ao mesmo tempo sabia, quem estava ali na sua frente. Soluçou, e jamais saberia dizer o motivo do som que deixou escapar. Olhou para as mãos longas e brancas como giz, apoiadas nos quadris, num gesto tal apenas visto semelhante nas pinturas de El Greco e Velazquez. O mesmo diria sobre as roupas. A barra da sobrecasaca era toda bordada de alamares sobre o tecido escuro e pesado, fosco. Viu a barra do colete de dentro, de cetim brocado... Não. Era seda, mas não bordada e sim pintada. Ricamente pintada, uma seda... Chinesa, em meio aquelas roupas do Império.

No fundo de seu medo, entre a confusão de pensamentos em que estava, Eriol sabia, de quem se tratava. E o rosto que você temia... A barra da camisa era de rendas finíssimas e plissadas, que saiam das mangas da casaca. Ele estava lá, sua respiração tranqüila, seu perfume, quase podia vê-lo tamborilar com os dedos, numa espécie de impaciência, ou curiosidade. Eriol ergueu o rosto, e sem querer fechou os olhos, tão logo conseguiu vislumbrar o negro azulado e lustroso dos cabelos daquele homem, soltos nos ombros, lisos e espessos, indo até quase dois palmos abaixo dos ombros. Não imaginava porque aquilo estava acontecendo. Aliás, sabia. Era alto o preço que custava estar lendo coisas que não lhe pertenciam. Havia um olhar sobre si e um sorriso para o qual não se atrevia a olhar. Estava com mais medo do que aquilo significava, do que era de fato. Aquele sorriso sobre si, dizendo-lhe o que era: apenas um menino. Levou bruscamente as mãos aos olhos, tapando-os com força e não deu-se conta do momento em que começou a arquejar mais fortemente, nem escutou o começo do seu grito, como não escutou as pancadas na porta do quarto de vestir, fazendo os tenazes das dobradiças gemerem, cedendo.

"Eriol!"

Não tinha coragem de abrir os olhos. Sentia o olhar daquele homem em si e seu sorriso. Mil vezes estivesse ele furioso, ao menos saberia o motivo. Não entendia sua calma, e mais do que sua presença, assustava-o o cru reconhecimento que havia entre eles. Entre Eriol e aquela assombração havia algo de podre, errado e ressonante. Gritou novamente, mas não sabia se gritava ou apenas o medo o fazia crer nisso, sua garganta doía, mas tinha certeza de que não havia som algum, assim como acreditara estar só ali e na verdade não estava. Ele estivera ao seu lado o tempo todo. O dono daqueles diários que roubara na casa em Hong Kong, era ele... O filho do Barão. Ele, que matara as crianças... Ele, que tinha pares de olhos azuis como os seus próprios, dentro de garrafas, do porão de sua casa. Ele... Ele 'que' lhe sorria...

Eriol tremia violentamente, em pânico, mais do que quando perdera-se naqueles porões, e gritou com toda a força, e sua voz soltou-se, no momento em que percebia algo resvalar sobre seu cabelo. Eram as mãos brancas do monstro, do assassino das crianças, acariciando seu cabelo.

"Eriol!" – Escutou sendo chamado novamente, no mesmo instante que com um rangido que parecia um gemido de profunda dor, o trinco da porta entortava-se, e suas molas soltavam-se debaixo de murros, escancarando-a, quase solta da moldura da porta.

O grito não durara muito. O terror que havia se apoderado dele era tão profundo que não o abandonava. Como houvesse vivido todo o pesadelo de estar naquele porão maldito mais uma vez, onde esperava jamais voltar em toda a sua vida. Em seus olhos, que mantinha tapados com as mãos, enxergava apenas uma profunda escuridão, assustadora, e algo no fundo dela, chamando-o. Não sabia o que era maior, seu medo de continuar a olhar para ela, ou seu medo de abrir os olhos e ver que as palavras daquele fantasma de roupas antigas eram verdadeiras, e que... O rosto que você temia...

"Não! Eriol!" – Escutou o grito muito perto de si, mas ainda abafado, e o som apenas o atingiu quando sentiu seus pulsos serem puxados por mãos pequeninas e furiosas.

Seus olhos estavam arregalados quando encontraram os de Spinel Sun e não soube por qual motivo, não o reconheceu. Não sabia a quem pertencia o rosto que esperava encontrar. Talvez não esperasse encontrar nada. Sua boca abriu-se mais, e lutou para conter mais um som de espanto. Estava tremendo. Spinel Sun parecia entre apavorado e furioso, ali, de pijamas, na sua frente, segurando com uma força espantosa seus pulsos.

"Spinel Sun..." – Sussurrou afinal, estremecendo, olhando ao redor. Havia luz entrando pela porta, um lampião deixado aceso no aparador ao lado da porta, do lado de fora. Olhou ao redor, e não viu nada que não estivesse lá antes. Mas restara a presença dele, seu perfume... A sensação de ter sido tocado por ele, recebido sobre si seu sorriso cínico e estranho. Familiar. Aquele rosto, aquela pessoa e aquela presença podiam ser tudo o que quisessem para Eriol, mas ainda assim e antes de tudo, lhe eram profundamente familiares. O tempo todo, entre cada um dos seus pensamentos, enquanto estava mergulhado em pavor, a lembrança daquele rosto o perseguia, e continuava, mais viva do que nunca, quando enfim, achava que estava esquecida, a encontrara mais uma vez... Bem à sua frente. – "Spinel Sun... O que houve?"

Ocorreu-lhe que não havia modo algum de ele ter entrado naquele quarto de vestir. A porta era de carvalho, pesada e os tenazes eram de ferro. As peças soltaram um estalo, e nisso Eriol voltou-se para olhar para a porta. Ela estava mantida de pé unicamente pela dobradiça de baixo, inclusive, um tanto frouxa, e o lugar da maçaneta e da fechadura estava estourado, de fora para dentro. Seu tremor piorou consideravelmente ao ver isso, e soltou-se com custo das mãos de Spinel Sun, alternando olhares perplexos e agradecidos para ele.

"Ele estava aqui, Eriol?"

"Q-quem? De quem você está falando? Eu.. Eu estava só aqui..." – Tentou articular, mas as palavras saiam com custo. Se houvesse de fato gritado tudo o que achava que havia, todas as criadas estariam dentro de seu quarto agora. Não sentia-se capaz tampouco de falar claramente ou com voz alta. – "Não sei... Quem você acha que estava aqui?"

"O homem de chumbo."

Eriol soltou as costas contra a parede, não acreditando no que ouvia. Spinel Sun sabia que aquele homem, o fantasma do filho do Barão acabara de estar ali. Pensou no que lera sobre ele naquela carta escondida na encadernação do livro... Não. Não havia mais carta alguma e falar seria inútil. Havia apenas farelos de papel velho pelo chão e sobre seu pijama.

"Como você... Como você soube?"

"Eu senti o perfume dele!" – A maneira que falava, ainda que com sua voz infantil, era penetrante e séria. Era como conversar com um adulto. – "E eu escutei você me chamar, Eriol. Você precisava de mim, não é? Eu vim para proteger você!"

"..." – Eriol sentia-se tão nauseado que achou que ia vomitar ali mesmo no chão. Seria possível? Spinel Sun... Ser seu servo? Seu guardião? Ele era tão pequeno, não cuidava nem de si, nem sabia se vestir sozinho... Mas havia uma linha falando do menino de ébano naquela carta que não existia mais. E o perfume... O perfume ainda estava no ar, mas ao invés de associá-lo ao medo de antes, tornara-se reconfortante. Respirou mais fundo, tentando captar mais daquele aroma misterioso, ao mesmo tempo que tentava deter o frio terrível que subia por seu corpo todo, fazendo-o tiritar. – "Sim, eu precisei de você. Obrigado, Spinel Sun." – Disse, com sinceridade e carinho. Fez um agrado sobre a cabeça de Spinel Sun, que com um pulo sentou-se do lado dele, sobre o baú, como um... Como um... Fiel guardião. – "Foi você quem o mandou embora. Eu não sei o que ele queria, mas eu senti muito medo."

"Eu vou ficar aqui com você, Eriol. Vou ficar aqui até você não ter mais medo."

"Obrigado." – Sua voz saiu com mais facilidade, não precisou fazer força para escutar a si mesmo, embora ainda fosse difícil articular as palavras.

"Você se parece com ele, Eriol."

"Você já o viu?..."

"Sim... Eu tenho medo dele... Você se parece com ele, mas você é criança. E você é bonzinho comigo." – Ele fez que sim, balançando os pés descalços. Quando disse isso, Spinel Sun pareceu-se mais com uma criança novamente, no seu falar estranho e cheio de consoantes carregadas. – "Mas você se parece com ele."

"Não... Não volte a dizer isso, Spinel Sun. Nunca mais."

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Ficaram juntos no mesmo lugar pelo resto da noite. Eriol não dormiu, e quando a noite já se tornava lilás, viu que Spinel Sun continuava dormindo, encostado no seu braço. A náusea havia passado, e estar perto de Spinel Sun que apesar de ser apenas um menininho, fora quem arrebentara a fechadura da porta e quase a arrancou da moldura para entrar trazia-lhe uma sensação de segurança tremenda. Não sentia mais medo. Repetia para si tudo o que lera naquela carta, imaginando milhares de palavras que poderiam ter preenchido as lacunas deixadas por trechos borradas, riscados, desgastados... Nada. E não conseguia extrair significado daquilo. Cada vez mais curioso, sentia-se impelido a continuar naquele rumo. Queria fazer como dizia na carta, um passo de cada vez e com cautela, mas não era assim que estava procedendo. A madrugada ainda estava alta quando aquele pensamento voltou, parecendo uma marretada sobre sua cabeça, como se ele não fosse um menino, como se a existencia daquele pensamento não coubesse à um menino. Assim que lembrava do terror que havia passado ali no começo da madrugada, sentia vergonha deste pensamento. Bobagem, sempre tivera vergonha dele.

Eriol olhou para Spinel Sun, e perguntou-se se também não havia um dia sido como ele, pois fora isso que lhe dissera. Jamais se conformara de ver-se com a pele negra daquele jeito. Às vezes ainda esfregava os braços com força para tentar fazer o negro desbotar e... Nunca desbotou. Perguntou-se também o que teria acontecido para que ele fosse assim, de forma que pudesse ser o que quisesse, coisa que ao mesmo tempo era absurda, era surpreendentemente natural. Na verdade, o próprio Eriol nunca havia percebido a presença de Spinel Sun como algo de todo antinatural . Assustador às vezes, barulhento, mas não de todo estranho. Sentia uma necessidade terrível de ser bom com ele, tratá-lo bem e até mimá-lo. Tomou coragem e perguntou a si mesmo quem o teria criado. Sim, pois tratava-se da algo impossível, que fosse aquela sua natureza de nascimento, que ele houvesse nascido daquele jeito, e pior ainda, não havia modo de ele estar naquele porão, a não ser que o houvessem trancado ali. E por quanto tempo? Ele parecia um amontoado de ossinhos cobertos por pele negra quando o conheceu. Eriol fez força para respirar fundo, e mexeu-se. Spinel Sun continuava dormindo, sacudiu-o levemente pelo ombro e o chamou.

"Não..." – Reclamou. Ele normalmente dormia muito e não gostava de ser acordado. Ora essa, Eriol pensou... É só um menininho. Não há o que temer. Então lembrou-se da porta com o trinco arrebentado e avaliou que estava muito enganado.

"Se não acordar, eu não vou levar você para brincar com o Paul."

Spinel Sun abriu um olho e depois o outro. Esfregou-os e em seguida pulou de cima do baú, perfeitamente alerta e agarrou-se ao braço de Eriol tentando fazê-lo levantar-se também. Não parava de falar um único instante. Eriol levantou-se, porque de fato Spinel Sun não iria desistir de sair, e ele mesmo ansiava por isto e queria. Precisava? Talvez. Não conseguia parar de pensar naquele assunto e por isso não falou mais nada quando saiu do quarto de vestir sendo levado pela mão. Spinel Sun arrastou-o para fora e o fez abrir as gavetas da cômoda para procurar por roupas que coubessem nele. Evidentemente, não encontraram nenhuma, mas ainda conseguiram achar algumas que ficariam no lugar com a ajuda de um suspensório. Ainda estava escuro, mas não se importaram com isso. Eriol sem querer olhou cuidadosamente ao redor como (e estava) procurando por algo específico. Seus olhos se prenderam por um segundo a mais nos farelos de papel que estavam espalhados pelo chão, e não ignorou o medo quando passou ao lado da porta, com o trinco e a madeira arrebentados. Constatou que de alguma forma, alguém sabia que algum dia tudo isto estaria acontecendo. Spinel Sun falou, nem parecia não ter dormido tão bem assim:

"Estou com fome, Eriol." – Isso o fez voltar a se concentrar no momento em que estava. Não havia motivo para ter medo. Spinel Sun era um menino. Paul Crowley, no Sanatório, era um menino. E ele próprio também.

Porém o que ele iria fazer certamente não era algo que um menino fizesse. Não, também certamente não haveria de ser algo que seu pai aprovasse. Desceram as escadas, descalços para não fazer barulho algum, Eriol olhou para trás quando chegou aos pés da escada, tudo estava vazio e silencioso. Um começo de luz do dia (ou pelo menos achou, mas logo mostrou-se como apenas uma madrugada que não era escura demais), azulada e fria, entrava pelas janelas, mas não o bastante para a casa parecer diferente de um túmulo. Eriol achou a casa estranha e imensa, e ao mesmo tempo sentiu que não pertencia a ela. Não sabia ao que pertencia, mas aquela casa, naquele momento, parecia pertencer a outra pessoa. Ou talvez ele mesmo começasse a se sentir esta outra pessoa, estranha e adulta. Era assustador.

Spinel Sun correu na direção do corredor que dava para o quarto de costura e a cozinha, levando seus sapatos e os de Eriol. Ele se sentiu observado, mas não quis saber de quem partia este olhar e seguiu o mesmo caminho. Dentro de sua sacola de lona, havia um casaco para Spinel Sun, que não quisera vesti-lo, fósforos, uma pequena e desamolada faca de caça e também um daqueles diários, não o que estivera lendo durante a madrugada, mas outro, de capa menos gasta, e que possuia coisas escritas e desenhadas apenas até a sua metade. Sentiu que algo o seguia quando andava pelo corredor, a porta do quarto de costura estava aberta e tudo estava escuro dentro dele, e sem querer acabou correndo para a cozinha, pelo último terço do corredor. Não queria sentir-se apavorado.

"O que você está fazendo?" – Disse, finalmente, num sussurro, quando chegou à porta da cozinha, onde apenas as brasas do fogão, aqueciam-na e iluminavam o chão de pedra. Spinel Sun estava de pé sobre os bancos em torno do balcão do corte, no meio da copa. Ele estava tentando subir no balcão, e conseguiu. Virou-se para Eriol por um momento e fez um gesto de silêncio, com um dedo sobre os lábios. Seus olhos eram tão luminosos quanto as brasas do fogão, na ausência de luz. Ele esticou-se o mais que conseguiu e seus dedos esbarraram a ponta do varão de madeira que mantinha as panelas suspensas. Além das panelas, havia tachos e conchas. Finalmente ele conseguiu segurar o varão e puxá-lo. Antes que as panelas se espalhassem com um estrondo horrendo pelo chão, Spinel Sun já havia descido do balcão num pulo e corrido pela porta afora. Eriol escutou os gritos das criadas, nos quartos dos fundos e acabou correndo também, e fez isto descalço, porque o pequeno havia levado os seus sapatos.

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Eriol e Spinel Sun entraram através do bosque quando ele ainda estava escuro, mergulhando na mais densa escuridão. Curiosamente, do lado de fora da casa, tudo estava escuro, como se ainda não fosse dia, e talvez não fosse mesmo. Eriol estava ansioso, a sensação que estava com ele desde o ocorrido na madrugada, não o abandonara, nem a impressão de ser observado, e assim que penetraram entre os arbustos secos, para dentro do bosque, ela se intensificou de uma maneira sufocante.

Obrigou-se a não olhar para trás desde que afastou-se da casa, mas Spinel Sun vez por outra olhava, as vezes parava, atrasava-se um passo ou dois, ficava para trás olhando ao redor. Eriol em certa altura não conseguia mais vê-lo, quando tentava descobrir onde estava. Eriol andava pela trilha, mas Spinel Sun andava por fora dela, sempre um passo atrás, e sempre com muita pressa. Não. A pressa era de Eriol, mas ele não a percebia em si.

"Eu quero ver o Paul, Eriol." – Ele disse, somente, como se estivesse reclamando, o tom de queixa era o mesmo. Estranho, Eriol pensou: Spinel Sun não havia insistido em reclamar de fome, que era algo que fazia sempre. Ajeitou um pouco mais a sacola sobre o ombro. Não tinha certeza de que ia encontrar algo agora. Não tinha mais certeza alguma do que havia visto dois dias antes, não sabia se Paul ainda estava vivo, se o encontraria vivo agora. Não deveriam estar atravessando o bosque sozinhos aquela hora, sem que ninguém mais soubesse. Coisas ruins podiam acontecer.

"Eu também quero vê-lo." – Sussurrou, ligeiramente sufocado.

Já haviam saído do bosque. As árvores estavam desfolhadas perto do limite da propriedade. Não havia ninguém. O chão estava coberto de folhas vermelhas. Uma sensação parecida com a de um susto tomou conta de Eriol, mas era uma sensação prolongada, difícil de explicar. Spinel Sun agarrou-o pela manga do casaco e então tomou a frente, atravessaram um caminho mais largo e pegaram um atalho pelo meio do mato alto e seco que crescia em torno dele. Logo estavam no meio da estrada principal. Sem perceber, mas com o coração aos pulos a cada passo dado, Eriol viu-se ao lado de Spinel Sun na frente dos portões do Sanatório.

O céu estava pesado, tinha certeza de que ia chover. Também não ventava, as poucas árvores que ainda tinham folhas naquele outono estavam imóveis. O jardim do Sanatório agora parecia um cemitério, grande, vasto e cinzento. O peixe do chafariz não jorrava água pela boca. As moitas estavam sem flores e algumas, a maioria, estavam sem folhas. As trepadeiras que subiam pelas paredes impecáveis da construção estavam enegrecidas, e todas as janelas fechadas.

Pensou imediatamente em todos os argumentos que podia usar para convencer Spinel Sun a voltar com ele para casa, mas os mesmos argumentos, no fundo, eram apenas desculpas esfarrapadas para justificar seu próprio medo. Era um medo absoluto, de qualquer coisa que viesse a encontrar ou não encontrar quando entrasse nos jardins do Sanatório.

"Onde estão as abelhas, Eriol?"

"Estão dormindo." – Teve de rir com aquela pergunta. Riu de alívio, porque havia uma criança ao seu lado, uma criança como ele.

"Paul também está dormindo?"

"Acho que sim." – Pensou cuidadosamente se deveria dizer algo mais. – "Spinel Sun, Talvez nós... Talvez nós não... Talvez Paul não esteja mais lá. Talvez nós não o vejamos nunca mais. Você entende isso?"

Ele acenou um não com a cabeça, permanecendo em silêncio.

"Ele pode..." – Procurou uma forma menos dura de dizer o que pensava, apesar de imaginar que o pequeno pudesse entender melhor do que ele mesmo, o sentido da morte. – "Ele pode ter ido embora."

"Mas ele não foi, não é?"

"Não sabemos ainda."

Spinel Sun não falou mais nada, e tomou a frente, quase correndo. A cada passo sobre a grama, várias gotas da chuva da noite anterior respingavam ao redor, com um ruído baixo. Fez um gesto ansioso para Eriol ir também. Havia algumas luzes acesas no alojamento dos funcionários, a construção de tijolos por detrás do jardim. Foi quase um alívio ver isso, mas também um sinal de que alguém podia vê-los. Andou mais rápido e atravessaram o jardim, indo parar debaixo da terceira janela da direita para a esquerda, a janela do quarto de Paul. O arbusto debaixo dela estava seco e desfolhado. Eriol esfregou as mãos geladas, e por um momento conseguiu ficar intrigado em como Spinel Sun andava sem seu casaco e não sentia nada, embora estivesse frio o bastante para ver seu hálito fumegando no ar gelado.

"Acho que é cedo demais. Paul ainda deve estar dormindo e... O que você está fazendo?"

Bastou apenas um descuido e ele estava tentando pular a beirada da pedra da janela, e não tendo como se segurar ali, voltou para baixo e começou a catar pedras pelo chão, por muito pouco Eriol não conseguiu convencê-lo a não jogá-las contra a vidraça, tentando chamar a atenção de quem quer que estivesse no quarto.

"Não faça isso! Dê-me aqui estas pedras! E limpe as suas mãos!"

Jogou as pedras de volta para o canteiro e teve certeza de que Spinel Sun havia limpado as mãos, embora ele tenha feito isso de uma maneira muito sua: esfregando as mãos nos lados da camisa, que certamente não seria mais branca depois deste dia. Esticou-se então para olhar dentro do quarto, e não sentiu-se nada confortável ao fazer isso. A lembrança de ter visto os médicos levarem Paul era terrível e viva. Algo como um eco o fazia ouvir de novo os gritos dele, o seu choro desesperado. Mas desta vez o quarto estava escuro. Parecia vazio.

Bateu com a ponta dos dedos no vidro, tentando chamar alguma atenção para ter certeza de que não havia ninguém ali. Spinel Sun o puxou pela camisa, perguntando se ele via alguma coisa. Por fim, após um momento de espera e de ter olhado ao redor para ter certeza também de que ninguém os observava (pela hora e pelo frio daquela madrugada, era de se esperar que não, mas Eriol, embora só um menino, sabia que a má sorte existe e é infalível...) então empurrou de leve a janela. Encontrou a barreira do trinco, mas a madeira estava cedendo facilmente. Bastou sacudir as folhas da janela e o trinco de cima moveu-se e escapou do encaixe. O trinco de baixo não havia sido fechado. Sorte ou a falta dela? Eriol sentiu o coração disparar quando a janela escancarou-se em suas mãos. Apoiou-se na beirada e subiu. Depois segurou Spinel Sun pelos braços e o suspendeu do chão, e ele era quase mais pesado do que Eriol podia segurar, mas mesmo assim conseguiu.

"Não fale alto!" – Pediu, quando estavam os dois dentro do quarto escuro. – "Podem nos ouvir."

Ele piscou e não disse nada, o que Eriol considerou um mau sinal, vindo de Spinel Sun. Quanto mais calado, pior era a arte que ia aprontar. Quase não via-o dentro do quarto, e em verdade nem podia dizer que o quarto estava confortável, pois mesmo com a janela fechada, estava tão frio ali dentro quanto do lado de fora. E a cama? Havia um cobertor embolado no meio da cama de ferro. Aproximou-se, deixando a sacola no chão e pisando com cuidado, sem fazer barulho ou se precipitar. Talvez fosse apenas uma coberta, talvez seu medo fosse de algum fundamento e Paul estivesse morto desde o último dia em que o vira. Sentiu a garganta seca e seu coração batia tão forte que quase podia escutar o som ecoar no quarto silencioso. Spinel Sun por algum motivo não se movia, estava parado no mesmo lugar,as mãozinhas negras torcendo a barra encardida de terra da camisa velha, e milagrosamente não havia disparado a falar nada.

Quando Eriol chegou exatamente ao lado da cama, não conseguiu dizer com certeza ser era mesmo apenas um cobertor embolado ou um cadáver deitado ali. Pensou por um momento nos corpos que havia visto no porão daquela casa da China, ainda tinha pesadelos com aquilo às vezes, e agora a sensação era idêntica. Mas não estava sozinho. Estava do lado da cama e ainda não conseguia identificar o que estava debaixo do cobertor. Suspendeu uma ponta do lençol branco, que escapava por debaixo dele e viu um borrão branco-azulado, na forma de uma mãozinha de criança. Sem querer esbarrou nela, que se mexeu. Havia hematomas em torno do pulso, como se houvesse sido amarrado, e houvessem furado a pele várias vezes no mesmo local. Eriol tocou a palma da mão e os dedos frios se fecharam em torno do seu polegar.

"Paul?"

"..." – Um começo fraco de tosse foi a resposta. Ele estava vivo. Quase morto, mas estava vivo. Haviam feito-lhe algo, mas não sabia o quê.

Eriol puxou o cobertor para o lado, descobrindo seu rosto. Estava tão pálido quanto sua mão, e parecia tão frio quanto. Era o rosto de um cadáver. Seus olhos estavam fechados e ele tremia, e espantosamente, sua testa estava coberta de suor, mas não era possível saber se ele tremia de dor, frio ou febre. Sua pele estava macilenta como a de um cadáver. Rolou a cabeça para a direção de Eriol, descerrando os olhos azuis. Não, não eram mais azuis, eram de um cinza baço e sujo.

"Paul, eu vim ver como você está." – Disse, enfim, não sabendo o que pensar ao ver o que restara do pequeno, fosse lá o que fizeram com ele naquele dia.

Paul parecia menor ainda do que se recordava, parecia, havia conseguido parecer, ainda mais frágil do que antes. Em dois dias, era como se houvessem se dedicado a matá-lo aos poucos.

"Ele está doente, Eriol...!" – Spinel Sun disse, muito baixo, de uma maneira como se fosse chorar, do outro lado do quarto. Continuava torcendo a barra da camisa.

"Você... Você veio brincar comigo, Eriol?" – Paul falou, num fio de voz, que mesmo assim soou muito clara.

"Eu e Spinel Sun. Ele sentiu muito a sua falta. Nós sentimos."

"Eu estou com frio, Eriol." – Ele sussurrou, depois de fazer muito esforço para falar.

"Eu sei." – Tirou o casaco e o estendeu sobre Paul. Depois deu a volta na cama e fechou a janela. Procurou com o tato, por uma vela, ou qualquer coisa que pudesse iluminar o quarto. Spinel Sun então finalmente chegou perto de Paul e ficou segurando sua mão. Eriol encontrou um toco de vela dentro da gaveta do criado-mudo. Correu de volta à sacola e procurou pelos fósforos. Com custo e mãos trêmulas, conseguiu acender o resto de vela e usou a bandeja de aço que estava na mesa ao lado da porta para colocá-la dentro. Chegou mais perto da cama e aproximou a luz deles. – "Está melhor assim?"

Paul tentou fazer que sim com a cabeça. Estava mais emagrecido ainda, seu rosto estava fundo, com olheiras e ossos aparentes. Sua mão, que Spinel Sun ainda segurava, tinha uma inquietante aparência de esqueleto.

"O frio está melhor?" – Tocou o rosto de Paul. Seu hálito estava fumegando, como se não houvesse aquecimento algum naquele quarto, e talvez não houvesse mesmo, pois sentia tanto frio lá quanto do lado de fora. – "Paul, nós... Sentimos muito a sua falta." – O que dizer para uma criança pequena e doente? O que dizer para uma criança pequena prestes a morrer? Sem querer Eriol soluçou, quando passou a mão pelo cabelo ralo, mal-cortado, de Paul. Ele era tão pequeno, porque deveria estar ali, passando por uma dor que nem um adulto suportaria? Por que o deixaram doente num quarto sem aquecimento, apenas com um cobertor que nem era grosso?

"Por que você está chorando, Eriol?" – Paul conseguiu falar, vagarosamente, soando um pouco menos trêmulo do que antes.

Ele sentiu que ficava vermelho, tremendamente envergonhado por ser apenas um menino e não poder fazer nada para ajudá-lo. Voltou a pensar naquilo que tanta vergonha lhe dava e esfregou o rosto com força.

"Nada. Você vai ficar bem, Paul."

"Eu não quero que você fique triste, Eriol..." – Ele respirou fundo, piscando, como se fosse chorar também. Spinel Sun continuava segurando sua mão, sem dizer nada.

Obrigou-se a sorrir, não soube de onde tirou forças para isso, mas sorriu e afagou a cabeça de Paul com cuidado. Disse-lhe que ainda tinha aquele desenho que ele lhe havia dado e que era-lhe muito especial. Perguntou se havia algo que Paul quisesse.

"Eu quero ir embora daqui." – Ele piscou, olhando para os dois.

"Você quer brincar, Paul?" – Spinel Sun perguntou. Ele também parecia prestes a chorar. Mas mesmo assim, não como uma criança. Sua tristeza era muito parecida com a tristeza de um adulto. Ele ficou calado quase o tempo todo, talvez pressentisse algo que Eriol não sabia o que era.

Paul sorriu, foi um esboço de sorriso, triste e fraco.

"Eu quero. Mas está doendo muito, Spinel Sun."

Spinel Sun então escalou pelo lado da cama, indo parar ao lado dele, sentado no meio das cobertas.

"Onde está doendo?"

"Não sei... Aqui..." — Ele tossiu. Sua tosse tinha um ruído diferente, rouco e cheio, como a tosse de um tuberculoso. Com uma tentativa de gesto, conseguiu apontar para o peito.

Eriol aproximou mais a vela e afastou o casaco e o cobertor. Havia algo que parecia uma sujeira sobre o peito de Paul. Afastou também a beirada do pijama branco. Engoliu em seco pelo que viu, e não desviou os olhos para ter certeza de que não estava vendo coisas. Spinel Sun arregalou os olhos, também, não menos surpreso. Era algo para não se esquecer pelo resto da vida.

Afastou mais as beiradas do pijama, e a cada centímetro que via, sua raiva, sua impotência e seu horror aumentavam. Do alto do peito de Paul, desde a base do pescoço até seu umbigo, havia um imenso corte, costurado de qualquer maneira, sem nada que o protegesse.

"Está doendo muito..." — Ele suspirou.

O corte estava mal-cicatrizado, avermelhado, o pijama estava sujo de sangue coagulado, e de um dos pontos que mantinham o corte fechado escapava um filete de sangue vivo. Era um corte imenso para uma criança tão pequena, era um milagre que ele ainda estivesse vivo. Por que teriam feito aquilo? Quê importava?

Eriol fez força para conseguir respirar de novo.

"Você vai ficar bem, Paul. Eu prometo que vai ficar. Você... você não quer brincar um pouco? Só tem de ficar quietinho, aí mesmo onde está."

Fechou de novo seu pijama e o cobriu com o cobertor e o casaco.

"Cuide dele um momento, está bem?" — Disse para Spinel Sun, enquanto ia pegar a sacola. Tanto fazia se algum adulto viesse. Tanto fazia o que sentia agora. Não havia mais o que fazer. Antes jamais houvesse voltado aquele Sanatório, antes houvesse apenas guardado uma lembrança de Paul com um pouco mais de vivacidade do que agora, do que pensar nele depois, da forma que o via, ferido daquele jeito. Estava pensando nele como se já estivesse morto. E não estava? Era talvez uma questão de horas até que ele morresse de frio naquele quarto, ou daquele ferimento, daquilo que fizeram no seu peito. Ele mal conseguia respirar.

O que estava fazendo? Continuou a perder tempo revirando a sacola, sua mão resvalava diversas vezes a capa do livro que trouxera. Havia perdido qualquer noção do que era certo e do que era errado, depois do que vira em Paul. Spinel Sun estava cuidando dele. Lembrou-se daquela pele humana, do rosto ressecado como couro, colado nas pedras do fundo do porão, do eco daqueles gritos. Quem teria coragem de fazer algo assim, também teria coragem de fazer aquilo que havia sido feito com Paul. E ele? Teria coragem de fazer algo? Teria coragem de ser mais do que um menino?...Diversas perguntas estavam em sua cabeça quando pegou, finalmente, o livro nas mãos. Pensou naquela carta que se desmanchara nelas. Pensou nas mãos do fantasma à sua frente, no escuro do quarto de vestir. Pensou no que havia lido. Estava seguindo os mesmos passos, mas como saber se não cometeria os mesmos erros? Não. Ele jamais teria coragem de fazer aquilo com uma criança.

"Nós vamos brincar agora, Paul." – Disse, com dificuldade de articular as palavras.

Spinel Sun olhou na sua direção. Não foi o olhar de uma criança.

"Você está parecido com ele, Eriol."

"Eu disse para nunca mais repetir isso."

Ele baixou os olhos muito claros e muito verdes (exatamente como os olhos de um gato, na penumbra do quarto) e assentiu um tímido sim. Estava segurando o livro bem junto ao peito quando voltou para o lado da cama. Havia tudo para aquilo dar errado, e o diário era bastante direto ao citar o que poderia dar errado e as conseqüências disso. Também era evidente que não teria coragem de fazer metade do que estava escrito ali.

Olhou para o criado mudo e abriu a gaveta, procurando alguma coisa que lhe desse uma idéia, ou mesmo para dar-lhe um pouco mais de tempo, o tempo que não tinha para pensar naquilo tudo, na escolha que teria de fazer.

Encontrou um palito de madeira, de pontas arredondadas. Era achatado também. Ah, lembrou-se do que vira quando desembarcaram em Londres, voltando do Oriente, haviam médicos que usavam aquilo para olhar a garganta dos pacientes, procurando sinais de doenças. Ficou olhando para o palito em sua mão.

"Paul, qual o animal de que você mais gosta?"

"Borboleta." - Respondeu de pronto.

"Borboleta não é um animal." - Eriol sem querer sorriu.

"Mas é um bicho."

Como discutir com ele? Perdia as discussões com Spinel Sun, claro que perderia esta também, e com prazer. Sorriu e deixou o livro um momento encima da cama, e meteu as mãos debaixo do colchão, entre o colchão e o estrado, tateando em busca dos papéis que havia escondido ali e os lápis também. Ainda estavam lá. Pegou um lápis e uma folha de papel. Era praticamente inverno, não havia como conseguir uma borboleta de verdade!

"Spinel Sun vai desenhar uma para você, está bem?"

Paul tossiu, disse que estava feliz. Eriol pensou em como ele podia estar feliz (e parecia mesmo estar) com tanta dor e estando naquele lugar, mas agora seus olhos estavam brilhando, quando o viu entregar o papel amarelado e uma barra de lápis de cera para Spinel Sun. Não tinha muita certeza da cor do lápis, mas achou que isso não fazia muita diferença. Perguntou a ele porque era aquele seu animal preferido, enquanto Spinel Sun começava a rabiscar sobre o papel.

"Porque é colorido."

"Terminei! Terminei!" - Spinel Sun, disse de repente, quase esquecendo que Paul estava do seu lado. – "Está bom assim?" - Perguntou, mostrando a folha de papel desenhada. Havia urna grande borboleta desenhada com lápis de cera vermelha no meio da folha. - "Veja só, Eriol!"

"Esta muito bonita. Você gosta assim, Paul?"

"Sim."

"Então vamos fazer assim..." - Pegou o desenho e recortou, rasgando com os dedos em torno da figura, e entregou a borboleta recortada nas mãos de Paul novamente. Depois folheou o livro até chegar onde queria. Não seria fácil, mas nunca lhe passara pela cabeça que seria algo além de difícil. - "Segure-a entre as mãos. Assim. Assim está bom."

Paul novamente esboçou um sorriso. Continuava tremendo, mas mesmo assim, Eriol tirou o casaco e o cobertor de cima e de perto dele. Deixou-os embolados encima da cadeira que estava encostada na outra parede. Do lado de fora, começava uma chuva. Por um segundo, um pequeno clarão iluminou o chão do quarto. Não, ainda não era hora de chover.

"Fique quietinho agora." - Eriol pegou aquele palito de madeira na mão. Que absurdo, tudo ia dar errado, pior do que poderia imaginar. Melhor que não tentasse. - "E você também." - Disse para Spinel Sun, que olhava tudo com atenção.

"Você vai machucar o Paul?" - Parecia indignado com o que estava vendo Eriol fazer.

Em resposta apenas levou uma pancadinha com o palito no meio da cabeça.

"Fique quietinho aí ou eu deixo você com fome o dia todo!"

"Não!"

Paul deu algo como um risinho, que não foi mais do que um fraco murmúrio trêmulo.

Eriol sentiu-se um monstro quando pediu que ele fechasse os olhos.

CONTINUA