A Sombra e a Escuridão

Capítulo 10

...I just don't know what to do with myself...

Depois de um longo silêncio, Eriol chamou por Akizuki, tentando imprimir na voz a naturalidade que sabia que deveria ter, mas não conseguia de modo algum.

"Vá se foder...!"

Eriol tinha uma noção muito clara das malcriações que ele era capaz, e mesmo do quanto sua boca era suja, mas nunca imaginou que receberia uma resposta tão mal-educada quanto aquela, embora soubesse que Akizuki se tornara um garoto muitíssimo rebelde quando sua adolescência chegou. Sua paciência inflamou-se e tanto que extinguiu-se. Seu coração agitou-se de uma raiva surda, e até sua mão em torno da maçaneta tremeu, de tanta irritação.

"Abra esta maldita porta." – Sussurrou, pausadamente. Sabia que Akizuki escutara, porque ele escutava muito melhor do que qualquer humano.

Depois de um longo minuto de silêncio total, Akizuki percebeu que talvez não fosse seguro brincar com a raiva de Eriol, a qual ele conhecia muito pouco para arriscar-se tanto. Um estalo nas engrenagens da fechadura fez com que a porta abrisse sozinha, praticamente. Eriol soltou a maçaneta e a porta deslizou nos gonzos com um rangido longo e agudo. O quarto estava todo escuro, mas ele percebia Akizuki sentado no meio da cama, no meio da colcha repuxada, esperando-o com o queixo erguido, disposto a enfrentá-lo. A luz que entrava era a do fim da tarde, que entrava cinzenta pelas janelas.

"Eu estou de castigo, Eriol." – Queixou-se, num fio de voz que Eriol já conhecia muito bem, cheio de queixa, tentando fazer-se de vítima, e fazê-lo não brigar com ele. Podia adivinhar que Akizuki fazia um adorável e quase imperceptível beicinho, e este tipo de manha ele fazia apenas com Eriol.

"Deve ter feito por merecer."

"Não fiz nada! Você fez!" – Ele jogou um travesseiro na direção de Eriol, que o aparou e o deixou sobre uma cadeira. Sem dar as costas para Akizuki (temendo talvez que voasse uma faca em sua direção), encostou a porta e deu uma volta na chave. Não queria nem por sonho que os adultos escutassem uma vírgula da discussão que teriam.

Quando estalou a volta da chave, soltou as costas contra a madeira, escutando com perplexidade um soluço, e o viu esfregar os olhos, ajoelhando-se na cama. Eriol sentiu um arrepio de medo ao vê-lo chorar, porque sabia que estava perdido, e que Akizuki conhecia cada estratégia para manipulá-lo, como o melhor estrategista de guerra. Mas o estrategista tinha apenas onze anos, e não conhecia tantos truques assim...

"O quê está fazendo? Eu vou dizer ao papai e a mamãe o que você fez comigo!"

Eriol foi até a cama e agarrou seus pulsos afastando-os do rosto. Estava tão furioso que tinha vontade de bater em Akizuki.

"Pare de fingir que está triste! Você está se comportando vergonhosamente! O que você pretende? Fique quieto agora e pare de tentar me chantagear!"

Soltou de uma vez os pulsos de Akizuki, que caiu sentado sobre o colchão, agora mostrando seu desagrado. Resmungou alguma coisa tão educada quanto do início, e sentou-se direito, enxugando os olhos. Nunca vira Eriol tão irritado quanto agora.

"O que você quer afinal, Akizuki?"

"Você está me evitando!"

"Você está me perseguindo! Eu deveria dizer ao papai e a mamãe o que você tentou fazer no meu quarto, naquela noite!"

"Você tem muito mais a perder do que eu, se disser!" – Akizuki não falou como um garoto de sua idade, Eriol pensou. Ele mesmo pareceu notar isso e encolheu-se, afastando-se para perto dos travesseiros que haviam sobrado na cama. – "Você vai fazer isso?"

"Não."

"Você não gosta mais de mim..." – Akizuki queixou-se, no mesmo tom de quando queria fazer-se de vítima.

"Isso não tem a ver com gostar. Você ainda é muito criança para entender." – Eriol suspirou. Estava em mangas de camisa porque estava em casa, mas o quarto de Akizuki começava a parecer muito quente. Não, não estava quente, ele estava, seu corpo começava a reagir daquela maneira, porque era completamente consciente de que o escuro do quarto era tão excitante e cheio de promessas quanto fora o escuro do quarto de vestir, noites atrás.

"Eu não sou criança! Eu nem sou como você!" – Exclamou, perigosamente alto.

Eriol apressou-se em tapar sua boca, cobrindo-a com a mão, e fazendo força para Akizuki não continuar o que estava dizendo. Sabia do que ele estava falando. Claro que sabia, porque não era segredo entre eles, Eriol, Akizuki e Spinel Sun, que deles, apenas Eriol era humano. Mas estava errado pensar que Akizuki não era uma criança. Claro que era.

"Claro que você é uma criança..." – Sussurrou, tentando acalmar Akizuki, que ameaçava debater-se da mão que tapava sua boca. – "... Veja como está se comportando!"

Soltou-o e Akizuki arfou pesadamente, o rosto avermelhado pela pressão de sua palma contra ele.

"Se eu fosse uma criança como você diz, porque você me beijou?"

"..." – Eriol arregalou os olhos.

"Não é daquele jeito que se beijam crianças!" – E ele estava certo. Akizuki estava quase chorando de raiva desta vez.

"E crianças não beijam daquele jeito também." – Eriol cortou, num sussurro irritado. A verdade era que ele não sabia o que fazer e nem como reagir a nada do que estava acontecendo desde quando fizera quinze anos e sua vida de uma hora para outra parecera tornar-se um turbilhão de coisas incontroláveis, emoções confusas e aquele calor... Arrependia-se por não ter ido até o fim com a criada Julie, talvez se houvesse, nada disto estaria acontecendo. – "Crianças não se comportam como você se comportou! E crianças não pedem o que você pediu!..."

Fechou os olhos, esfregando a testa com a mão. Akizuki fez menção de dizer algo, mas não disse nada. Eriol sentou-se na cama dele, com a cabeça entre as mãos, sabendo que estava perdido. Se os adultos soubessem... Lembrou-se de repente do que acontecera pela manhã, de Spinel Sun perturbando-o com suas brincadeiras.

"Eu não sou como você!... E eu já disse que eu não sou uma criança! Eu não quero ser uma criança para você!"

"Não se atreva a fazer isso que você está pensando!"

Ambos sabiam do que se tratava, porque embora nunca houvesse sido dito, na memória de Eriol o primeiro beijo de sua vida ainda estava muito fresco em sua memória, e até na sensação que ele deixara. Ele tinha apenas dez anos quando acontecera, e sabia que se Akizuki mais uma vez assumisse aquela forma adulta e perturbadora, como parecia inevitável que ele se tornasse, nada iria encerrar-se apenas com um beijo que foi mal um esbarro, como aquele. Se Akizuki fizesse isso agora, ele estaria jogando muitíssimo sujo.

"Eriol..." – Chamou.

"..."

"Eriol...!"

"O que é?" – Perguntou, exasperado.

"Eu quero."

"Akizuki..." – Eriol lamentou-se. Estava tão irritado que não conteve-se mais: - "O que diabos você quer? Você não faz idéia do que quer! Você foi para a minha cama e pediu por algo que nem você sabe e eu mal tenho notícia do que seja!"

"Eu quero ver..." – Akizuki aproximou-se. Na pesada penumbra do quarto, Eriol mal definia os traços de seu rosto, mas seu olhar era nítido. Seus olhos grandes e castanhos estavam brilhando, úmidos. Ele não precisava adquirir nenhum aspecto diferente do seu próprio para fazer estragos em seus nervos, como agora. – "Eu quero ver..."

Akizuki puxou-o por um ombro, com uma força que não condizia com sua magreza e sua idade, e fez Eriol virar-se quase totalmente para ele. Encararam-se por momentos longos e tensos. Sentiam um o hálito do outro, do mesmo modo que havia sido no quarto de vestir. Eriol sentiu o rosto em chamas e todo o resto do corpo também quando a mão de Akizuki correu de cima de seu joelho para entre suas pernas, tocando aquela parte do corpo de Eriol que já havia tocado antes, de maneira muito mais atrevida. Não desviou os olhos dos seus, apesar de ter corado, apesar de sua respiração pesada, de sua boca entreaberta, e quando falou, foi para sua boca que Eriol olhou, passando por sua cabeça todas as imagens ardentes que sua mente criava, quando trancava-se sozinho no escuro do quarto de vestir. A mão de Akizuki ali, entre suas pernas, tocando-o, não o deixava esquecer-se de nenhuma destas imagens, e nem do prazer do que houvera, bem como do medo que experimentava agora, que o paralisava, sem saber o que fazer:

"Eu quero, Eriol. E eu quero agora."

"Não..."

"Eu quero... Eu quero mais..." – Aproximou-se tanto de Eriol que parecia prestes a desabar sobre ele. Akizuki pedia aquilo como uma criança intransigente pedia por doces.

"Você é apenas um menino, Akizuki. Eu não vou fazer nada com você! Nem agora e nem quando você não for mais criança!" – Eriol sibilou, afastando a mão de Akizuki. Ele o estava tentando seduzir, e por muito pouco não conseguia. Era absurdo. Um menino o estava tentando seduzir, era isto mesmo que estava acontecendo? Akizuki era belíssimo, principalmente quando estava furioso, como seu rosto se tornava agora. Mas era uma beleza perigosa, como a beleza das plantas venenosas, o vermelho de seus olhos fazia-lhe lembrar imediatamente quando os viu cintilarem, o vermelho das asas de uma borboleta tão venenosa que era capaz de matar qualquer animal que a devorasse.

"Você está com medo!" – Akizuki gritou, com uma revolta que não condizia com sua idade e nem com seu rosto tão doce. Gritou ainda como estava antes, muito perto do rosto de Eriol, tão perto que era quase como se um momento antes ele se houvessem beijado, mas apenas o grito de Akizuki, de tanta raiva, explodiu de encontro a sua boca. – "Você tem medo de mim!"

Um sonoro tapa vez Akizuki silenciar, e logo em seguida, Eriol jogou-o sobre a cama desfeita, e lutou com ele para mantê-lo no lugar. Entre lágrimas de raiva e de susto pelo tapa, Akizuki percebeu que, tal exatamente como uma borboleta, brincara perto demais do fogo para não se queimar seriamente. Sentiu as faíscas da raiva inflamada de Eriol correrem quase visivelmente por cima dele, prendeu-o sobre a cama, apertando seus pulsos sobre o colchão, e usando seu próprio peso para mantê-lo imóvel, quando ajoelhou-se sobre ele.

"E você?" – Eriol sussurrou. Seu rosto estava vermelho de raiva. Nunca Akizuki vira aquele olhar em Eriol, nunca esta expressão tão intimidadora, e ao mesmo tempo, tão intensa. Era um olhar diferente de todos, que parecia devorá-lo. Sua voz soou subitamente rouca como um gemido de prazer quando ele falou, muito baixo, quando ainda forcejava com Akizuki, para segurá-lo. Sua voz apesar de tudo, pareceu subitamente calma, muito adulta, ele todo pareceu adulto demais quando sussurrou, com a voz cheia de tons insinuantes. – "... Você não tem medo? Você não sente medo agora que eu o prendo?... Não tem medo?"

"Solte-me, Eriol!"

"Agora quem está com medo é você! Não se esqueça desse medo que está sentindo!"

"Solte-me!"

"Não vou soltar até que você aprenda isto de uma vez por todas! Você é um menino! Você tem de aprender que eu também posso inspirar-lhe medo! Aprenda isto! Olhe para mim quando eu falar com você! Não brinque comigo... Você é um menino... Mas eu não sou mais!"

Soltou seu corpo sobre o de Akizuki, sentindo-o ainda forçar-se para libertar-se, e respirar apressadamente, encarando-o de maneira atrevida e arrogante. Claro que estava apavorado, claro que estava... Akizuki tinha pleno conhecimento que fora longe demais, e não estava preparado para enfrentar a raiva de Eriol, que nunca havia visto assim, tão intensa. Ele parecera-lhe outro quando falou tudo aquilo. E estava certo, ele nunca deveria ter provocado Eriol daquela forma. Uma borboleta que não conhece o calor do fogo inevitavelmente aproxima-se demais da chama em seu primeiro vôo, e não raro, queima-se.

"Solte-me!" – Akizuki ofegou, forçando o corpo inteiro. Ele poderia ter gritado, mas não gritou. Ele poderia ter esperneado, mas não esperneou. Mas principalmente, poderia ter gritado, o mais alto que podia, que bastaria isto e no mínimo todas as criadas da casa teriam invadido o quarto e visto Eriol encima dele, como se quisesse violentá-lo.

"Está com medo?..." – Eriol perguntou, muito perto de seu rosto. O corpo arqueado de Akizuki contra o seu era algo provocante e caloroso. Mas apesar de seu tamanho, apesar de tudo, ele era apenas um menino. – "Tem medo que eu faça alguma coisa com você agora? Você mesmo disse que queria..."

"..." – Akizuki olhava-o nos olhos, tentando dissimular o medo que sentia. Sim, ele temia que Eriol fizesse qualquer coisa, e nem sabia o quê ele poderia fazer. Acabara de descobri-lo totalmente imprevisível.

"Eu espero que tenha aprendido bem esta lição." – E aproximou-se bastante da boca de Akizuki, realmente tentado a beijá-lo, o que parecia irresistível. Respirou seu hálito que depois da noite no quarto de vestir se tornara tão familiar.

Akizuki então cerrou os olhos, o queixo tremendo, e a força que fazia cedeu lentamente, sob o peso do corpo de Eriol, sob seu calor. Ele todo relaxou sob o corpo de Eriol, parando de lutar, encolhendo-se, os lábios entreabertos, esperando por sua boca, ele todo estava tremendo, de medo e de ansiedade.

"Não brinque comigo. Nunca mais." – Eriol disse, como se depositasse estas palavras bem no fundo de sua garganta. No entanto, não tocou os lábios de Akizuki.

Soltou-o e afastou-se. Ergue-se sobre os joelhos, na cama, olhando bem para Akizuki, que estava largado sobre a colcha. Seu costume de menino, suas roupas, estavam amassados, e ele tremia, encarando Eriol com olhos corajosos, semicerrados e úmidos. Tanto sua boca quanto seu rosto estavam vermelhos, principalmente o lugar onde levara o tapa. Eriol perguntava-se de onde tirara a coragem para fazer aquilo. Sentia-se extremamente excitado em sentir tão próximo seu corpo. Sentou-se de qualquer jeito na cama, passou as mãos no cabelo e sentiu que este ato não havia sido menos questionável. Seus pensamentos também não: sentira-se tremendamente tentado a beijar Akizuki, beijar seu corpo inteiro, sentia tanta urgência por ele que talvez fosse capaz de violentá-lo. O problema não era quem ele era, que a grosso modo, foi criado como seu irmão. O problema também não era o quê ele era, que não era humano além da aparência (a verdadeira natureza de Akizuki parecia algo gritante a Eriol, mas não para as outras pessoas, que não viam além da superfície...). O problema era que Akizuki tinha apenas onze anos. Onze anos em um corpo de quatorze, de pernas longas, corpo esguio e flexível, que ele já abraçara com tanta urgência... Onze anos de lábios macios e ávidos... Onze anos de mãos curiosas e pele morna e suave... Onze anos, cheio de malícia e com tanto talento para seduzir. Eriol sentia-se perdido, embora imaginasse que com a ameaça que acabara de fazer, as coisas talvez voltassem ao que sempre lhe parecera o normal. Se é que podia dizer se era normal durante a hora do chá observar cada movimento dele, com pensamentos cheios de imagens que mais tarde se transformavam nas mais excitantes fantasias...

Notou que Akizuki erguia-se, tonto. Ele sentou-se no meio da cama, ofegante. Nada disse. Havia tido um susto e tanto e com certeza tomaria mais cuidado com o lugar onde pisa, se ainda pretendesse explorar terreno tão perigoso. Seu cabelo estava todo desalinhado, assim como suas roupas, e nisso, ele não estava nem mais nem menos desfeito do que Eriol.

Ele levantou-se e estava pronto para sair dali direto para seu quarto. Talvez tivesse de lavar o rosto para aliviar aquele rubor, talvez precisasse trancar-se no quarto de vestir para aliviar seu corpo todo do calor que o invadia, apenas de ver-se ali. Mal colocou-se de pé, ele agarrou seu braço com tanta força que o fez cair do mesmo lugar em que estava antes. Desviou-se de um empurrão de Eriol e agarrou-o pelo cabelo para que ele ficasse onde estava. Enlaçou com força seu pescoço e o puxou para si e beijou desajeitadamente o canto de sua boca. O contato com a boca de Akizuki provocou um estremecimento em todo seu corpo, e mais gemeu do que conseguiu falar:

"Não me provoque, Akizuki!"

"Eu vou... gritar!" – Akizuki montou em seu colo, puxando seu cabelo para que ele não pudesse desviar o rosto do seu. Procurava a boca de Eriol, e quando a encontrou, ela estava aberta, tão ofegante quanto a sua. – "Beije-me ou eu irei gritar!"

"Não!"

"Eu vou gritar! Juro que vou gritar se você não me beijar agora!" – Mas ele é que beijava Eriol, resistindo a desajeitados empurrões, fazendo-o perder o equilíbrio e rolando com ele sobre a cama, numa luta confusa.

"Akizuki! Não!"

"Eu vou gritar!"

Eriol viu-se debaixo do corpo de Akizuki, e a mão dele estava lá de novo, mas desta vez, tão íntima e atrevida, que soltava a fivela de seu cinto, e logo os botões de suas calças, e Eriol estava tão excitado que não via como não obedecer, quando Akizuki ensaiou um grito que mal começou em sua garganta, quando quase foi empurrado sobre os travesseiros. Agarrou-o pelos pulsos e o beijou, desta vez, com toda sua vontade, com todo seu desejo, com medo, com fome... Estava perdido... Calou aquele grito com um beijo desajeitado, abraçando-o muito forte para que ele não se movesse. Beijou-o demoradamente, Akizuki agarrando-se no tecido de sua camisa, e depois, passar os braços em seu pescoço, estava entre as pernas dele, sentia o aperto de seus joelhos, e o contato do tecido de suas roupas.

"Eu quero..." – Akizuki gemeu de maneira queixosa, entrecortadamente. Ele soltou o pescoço de Eriol e tornou a levar as mãos para baixo, para tentar abrir suas roupas...

"Eu não posso..."

"Eu quero e quero agora!" – Ele gemeu, como um menino que queria doces.

"Eu não sei...!"

"Eu quero agora, Eriol!" – Akizuki esmurrou seus ombros, sem força, revoltado.

"Eu não sei fazer isso!..."

"Agora!" – Soluçou, irado, metendo a mão dentro das roupas de Eriol, passando as mãos por onde o tecido permitia, e agarrando-o como fizera no quarto de vestir. – "Eu quero agora! Eriol!"

Quase desfaleceu de prazer, com a mão de Akizuki tocando-o, um pouco menos desajeitado do que antes. Tentou pensar, mas não conseguia. Puxou-o pela cintura, fazendo-o arquear-se e abriu as roupas de Akizuki. Não tinha certeza alguma de nada... Tinha a impressão de que ouvia passos no corredor. Era impossível ter certeza de qualquer coisa, porque aquele som poderia perfeitamente ser sua imaginação. Mas e se não fosse? Soltou os botões do calção de Akizuki. Poderia estar ouvindo coisas, mas e se alguém batesse na porta? E se alguém ouvisse algo? E se a porta não fosse aberta logo... E se a porta simplesmente não fosse aberta? A governanta, o molho de chaves, a chave-mestra... E se não houvesse tempo suficiente, como não houvera quando Eriol teve aquelas liberdades com a criada Julie?

"Eriol...!" – Akizuki soluçou, exigente.

Ele o segurou pela cintura e o colocou de joelhos na cama. Sabia o que os rapazes do colégio faziam, não sabia como faziam. Sabia que havia protetores, e protegidos, e qual o papel de cada um. Um amigo seu do colégio uma vez disse que Eriol era tão virgem aos quinze anos, que desmaiaria quando chegasse sua vez. Era exatamente assim que se sentia, tão desatinado que não conseguia respirar. Estava ereto a ponto de sentir dor, e quanto arriscou-se a enfiar a mão dentro das roupas de Akizuki, também encontrou-o assim. Beijou-o de novo, encharcando sua boca de saliva e o pôs de costas para ele, e esfregaram-se com desespero um no outro. Eriol tinha uma breve idéia do que deveria fazer, e Akizuki não fazia idéia alguma do que esperar. O fez inclinar seu corpo para a frente, apoiar-se no espelho da cama e abaixou suas roupas, num puxão decidido. O escuro os envolvia, porque já estava anoitecendo do lado de fora, e Eriol tão apenas adivinhou que deveria penetrá-lo, quando esfregou-se no corpo de Akizuki. Olhou uma última vez para a porta. Segurou a cintura de Akizuki e empurrou-se contra ele numa investida decisiva.

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"Filho da puta! Desgraçado!"

O som de um jarro de louça espatifando-se contra uma parede ecoou pela casa inteira. Já se passara bem mais do que uma semana desde quando Eriol tentara penetrar Akizuki, mas ele ainda não o perdoara.

"Não me toque, seu desgraçado!" – Akizuki agarrou-se a uma escudela de louça que fazia parte da sopeira e a jogou na direção de Eriol, passando perto de acertá-lo desta vez.

"Eu já pedi desculpas!"

"Não quero as suas desculpas! Engula-as!"

Akizuki não perdoara a falta de experiência de Eriol e nem a dor que esta lhe causara. Não chegaram sequer a ter relações, mesmo porque Eriol nem sequer conseguira penetrar Akizuki. Não fora além da primeira investida, que não se completara.

As criadas sabiam que ele estava com raiva de Eriol. Todos na casa sabiam disso, mas ninguém sabia as razões. Imaginava-se que era apenas mais um rompante de rebeldia, ou ainda um prolongamento sem grandes conseqüências de sua mágoa por ter sido evitado. Naquela noite, Akizuki recusara-se a descer para jantar e já conhecia bem a ameaça de Quincey de que caso não se comportasse, iria se tornar interno do colégio. Eriol perdeu o apetite completamente e Spinel Sun tinha notícias que haviam brigado por causa de alguma "querela de namorados", e dizer isso quase custou-lhe a vida.

"Eu avisei a você! Pare de tentar me matar!"

"Mas você não me disse que ia doer!" – Passou correndo por Eriol, tirando-o do caminho com um empurrão violento.

"Eu já pedi desculpas! Estou há dias pedindo desculpas!"

"Seu... Seu incompetente!" – Ele gritou, indo na direção dos fundos da casa, deixando um rastro de louças quebradas. Ao menos ele quebrava as louças mais velhas, e as que não eram de estimação de Eloise.

Eriol respirou fundo, porque a culpa era toda sua e de nenhuma outra pessoa além. Tinha milhares de perguntas a fazer, e ninguém a quem fazê-las. A primeira pessoa que pensou em procurar, depois de vários dias questionando-se o que fez de errado, e tentando encontrar palavras para fazer as perguntas que queria, foi em Quincey. Mas o que ele disse em Pigalle fora bastante direto para encerrar aí o primeiro ímpeto de Eriol. Ele sentia que sua visita àquele bairro de Paris havia amaldiçoado sua vida inteira e cercado de nuvens negras e ameaçadoras os mistérios do sexo, que antes lhe pareciam tão simples e próximos. Porém, apesar de seu crescente desespero em relação ao que houve – e nem podia-se chamar aquilo de fracasso, uma vez que nem chegara a começar alguma coisa – não poderia, por exemplo, perguntar a nenhum colega do colégio, embora mantivesse os ouvidos atentos a qualquer conversa que pudesse mostrar-se útil neste sentido. Muitíssimo menos poderia perguntar qualquer coisa a Eloise. Não podia falar com ninguém, até mesmo porque não podia arriscar tanto apenas em nome de seu desespero. Queria acreditar que "estas coisas acontecem" (como disse o Sr. Sullivan, mas referindo-se à morte trágica do perdigueiro morto pelo coice do cavalo de tração, mas Eriol não tinha em mente a morte de um cachorro, embora se sentisse um... e sem dono), mas a cada vez que pensava no assunto, sentia-se tão furioso consigo mesmo, que começava a imaginar que era a única pessoa na face da terra que não sabia fazer algo tão trivial. Sua revolta rendera-lhe ao menos alguma coisa: tornara-se tão agressivo nas aulas de esgrima do colégio que o professor o nomeara assistente das turmas iniciantes (com a condição de ser menos violento em seus ataques), e o convidara a participar do Clube de Esgrima, em Londres, quando tivesse idade.

"Eriol...!" – Ele escutou a voz vinda de detrás da cortina da biblioteca. Parecia uma assombração perseguindo-o. Talvez fosse a maldição do bairro de Pigalle manifestando-se.

"O que você quer também?" – Era Spinel Sun, escondido, escutando conversas. – "Vá perturbar os adultos!"

"Papai saiu com a mamãe! Eles foram visitar um vizinho! E a governanta me deu uma vassourada para eu sair da cozinha..."

"E o que você quer ainda? Levar outra vassourada?"

"Você ainda não fez as pazes com o Akizuki, Eriol?"

"Isso não é da sua conta!"

"É sim! Akizuki está quase dando um nó no meu rabo por sua causa! Faça as pazes com o seu namorado antes que eu tenha de me mudar para o sótão!"

"O que você disse, seu pedaço de bolo queimado! Quem você disse que tem um namorado?"

Spinel Sun correu pelo corredor, fugindo de Eriol antes que este o pegasse. A promessa de metê-lo dentro da máquina de fazer salsichas continuava de pé. Parecia que todos sabiam que Eriol estava com os nervos abaladíssimos e mesmo assim o provocavam. Sem opção alguma do que fazer em casa, vestiu um casaco, uma pelerine velha, e saiu para a propriedade.

Enfiou-se no fundo de uma baia vazia, no estábulo, bem distante da casa, onde tudo o que havia era uma ninhada de gansos órfãos e ficou sentado no feno, com os gansos subindo e descendo de seu colo, alimentando-os e chorando. E como Eriol chorou, de pura raiva e medo. Depois ele chorou sem saber mais o motivo, e ali, só quem fazia-lhe companhia eram os gansinhos, indiferentes e barulhentos. E então pensou olhando com ódio para os filhotes, até mesmo um ganso se sai melhor em sua primeira vez do que ele...

E ele não estava errado.

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Eriol acordou quando já estava escuro. Chovera durante o fim da tarde e estava frio. Os gansinhos haviam se aninhado em torno dele, uma dúzia de bolinhas felpudas e amarelas. Levantou-se sob o protesto dos gansos e seguiu a luz do lampião que ainda estava aceso no corredor das baias. Escutou a voz do Sr. Sullivan acalmando um cavalo e o viu dando tapinhas no dorso de uma égua, quando passou pela última baia.

"Boa noite, Sr. Sullivan!"

"Boa noite!" – Ele sorriu, ocupado com a égua.

"Vai colocar as ferraduras nela?" – Eriol aproximou-se, procurando nos bolsos por algum torrão de açúcar, que sempre levava quando ia para os estábulos.

"Não! Esta moça está simplesmente inquieta!" – Ele afastou-se, indo pegar um balde de água, e deixando-o perto da égua. As rédeas dela estavam amarradas numa barra, no fundo da baia. – "Sabe como são as mulheres..." – Ele riu, piscando um olho.

Eriol forçou-se a sorrir. Tinha uma ótima idéia de como eram as mulheres, e uma outra, melhor ainda, de como eram... Raios, nem sabia definir o que era Akizuki, que nem humano podia dizer-se que era. Achou um último torrão no bolso e deu-o à égua. Ela pareceu ficar um pouco mais tranqüila.

"Esta moça está no cio...!" – O Sr. Sullivan pegou uma pá e começou a recolher o esterco que estava sobre a palha do chão, amontoando-o num canto. – "Por isto está inquieta assim. Mas não por este motivo!" – Ele riu mais. – "Acho que ela sabe que amanhã irá ser coberta por um garanhão cheio de fogo, que vai fazê-la muito feliz, não é, minha princesa?" – Ele fez mais um agrado sobre a cabeça da égua.

Eriol perdeu a fala, o ar e quase perdeu as estribeiras e matou a murros a pobre égua. Recuou um passo antes de cometer uma loucura. Parecia que todo ser vivente no mundo conseguia o que queria, e ele, quando teve sua oportunidade sua...

"Incompetência!" – Berrou, furioso.

... O havia impedido.

"Como, Sr. Sullivan?" – Eriol estremeceu, aterrado.

"Meu ajudante! Veja aquilo! Que incompetência, ele não trocou a água dos potrinhos!"

"Ah, sim..." – Um certo alívio em saber que não estavam falando com ele, ainda que merecesse ouvir aquilo.

"Você estava chorando?"

"Eu estava com os gansinhos, ali..." – Apontou o fim do corredor do estábulo. – "E dormi."

"Você estava chorando, menino Eriol." – Decretou, com um aceno positivo da cabeça. O cabelo antes vermelho do Sr. Sullivan agora estava começando a ficar grisalho, mas ao invés de tornar-se branco, estava adquirindo uma improvável cor de cenoura. – "Qual o nome dela?"

"Da égua?" – Apontou-a, confuso.

"Se quiser chamar de égua a mulher que está fazendo estragos com o seu coração, não tenho nenhuma objeção."

"Ah... É uma longa história."

"Ah, então há uma égua louca por você!..." – O Sr. Sullivan foi para o corredor e sentou-se no chão, tirando uma garrafinha de uísque do bolso. Tomou um grande gole e ofereceu a Eriol.

"..." – Eriol corou. Pegou a garrafinha, e avaliou se seu espírito suportaria um gole daquilo. As lembranças que tinha da última vez que provara uísque eram bem desagradáveis. Aceitou e bebeu dois goles grandes. Tossiu quando devolveu a garrafa e sentou-se no chão. – "...E no cio."

O Sr. Sullivan deu uma grande gargalhada, e bateu com vontade nas costas de Eriol. Era aquele o legítimo humor de um escocês.

"Cuidado para não levar um coice! Ou uma mordida..."

"Já levei um coice..."

"Já tentou amarrar a vadia?" – Perguntou, em tons de intriga. – "Há muitas vagabundas que dizem não querendo dizer sim! Ah-há-há! Não leve a sério o que eu estou lhe dizendo, estou brincando! Por favor, não diga ao seu pai que estamos falando estas bobagens!... Mas até a égua mais arisca não resiste ao ser montada com paixão por um garanhão cheio de desejo!"

"Claro..." – Acenou que sim e aceitou mais dois goles de uísque, apenas para tentar fingir que não estava ouvindo o que estava ouvindo. Agora seu ódio voltava-se contra qualquer animal de quatro patas, casco e crina, o que incluía as zebras.

"Eriol, o seu pai sabe que está aqui?" – Ele sobressaltou-se.

"Não...!" – Lembrou-se de súbito que não havia voltado para o chá e que se esquecera totalmente de casa.

"Ah... Não se preocupe. Vou dizer que você estava acalmando os ânimos de uma fêmea no cio, o seu pai vai ficar muito orgulhoso de você! Ah-há-há! Estou brincando, não olhe deste jeito, estou brincando! Vou dizer ao seu pai que estava ajudando-me aqui, assim ele não vai brigar com você."

Eriol mais do que nunca invejou todos os seres viventes que podiam plenamente dar vazão a seus instintos, sem serem vítimas de atos próprios que fossem da mais absoluta...

"Incompetência!" – O Sr. Sullivan berrou, indignado, quando entrou um uma das baias.

"Como, Sr. Sullivan?"

"Meu ajudante! Ele não trocou a ferradura frouxa deste pangaré aqui...!"

"Ah, sim..."

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O Sr. Sullivan levou Eriol até em casa e conversou por alguns minutos com Quincey. Não poderia duvidar que havia comentado que Eriol estava triste por causa de alguma mulher, mas, de qualquer maneira, Quincey não disse nada, nem sequer sobre a ausência de Eriol. Na verdade, ele e Eloise tinham chego em casa também depois do anoitecer, mas era bom ter notícias do que Eriol fazia em sua ausência.

"Vá tomar um banho. Você está cheirando a palha." – Disse, tão somente, quando fechou a porta e entraram, lado a lado. – "Terá de esperar o jantar."

"Sim, senhor." – Não conseguia levantar a cabeça. Se pudesse, mataria todos os gansos e cavalos do mundo. E zebras também.

"Deixei Spinel Sun no seu quarto, há algum problema? Ele estava perturbando as criadas..."

"Não, nenhum!" – Sorriu, pendurando a pelerine num gancho da parede. A tranqüilidade de seu pai o encorajou. – "Pai?"

"Sim?"

"Podemos conversar?"

"Claro. Mas tome seu banho antes. E tome cuidado com Akizuki pelo caminho." – Ele riu, quando acrescentou sobre Akizuki.

Sem dúvida, se o encontrasse pelo caminho, e ele o derrubasse da escada, Eriol estaria morto. De qualquer maneira, Quincey não parecia desconfiar ou saber da nada.

Eriol voltou pouco depois, em roupas limpas, e o vermelho de seus olhos aliviado pela água do banho. Seu cabelo ainda estava úmido, e sabia que estava muito pálido, quando entrou no escritório de seu pai. Ele estava lendo alguns papéis soltos na escrivaninha. Fez um gesto para Eriol se sentar. Eriol estava tão apreensivo que manteve-se de pé. Não havia visto e nem ouvido Akizuki naquele meio tempo.

"Sobre o quê você quer conversar?"

"..." – Eriol respirou fundo, quando Quincey contornou a escrivaninha e foi sentar-se numa larga poltrona. Ele era tão sério, e pareceu muito mais neste momento, tanto que Eriol não achou as palavras certas.

"Eriol?"

Eriol deixou escapar um soluço involuntário. Seus ombros sacudiram som força. Começou a chorar em silêncio, no meio do escritório. Quincey olhou para ele com olhos arregalados e perplexos. Ele fez menção de sair do escritório, mas ficou no mesmo lugar, depois, atravessou-o, em passos largos e decididos e ajoelhou-se ao lado dos pés de seu pai, e colocou a cabeça encima de seus joelhos. E continuou soluçando em silêncio, envergonhado de si mesmo e envergonhado de chorar na frente de Quincey, que não sabia o que estava acontecendo. Recebeu um afago sobre sua cabeça, tirando o cabelo muito negro de cima de seus olhos, e este afago continuou até que ele apenas chorasse em silêncio, e seu pai dissesse com suavidade:

"Esta casa está cada vez mais parecida com um hospício..."

"..."

"Está triste por Akizuki? São coisas de criança..."

"..."

"Acha que estou zangado com você por ter chego tarde?"

"..."

"A sua nota em Geografia não foi tão ruim assim..."

"..."

"Afinal, porque você está chorando?"

"Pai..." – Respirou fundo, baixando a cabeça e apertando a testa de encontro ao joelho de Quincey. – "Deu... Foi... Foi horrível. Horrível."

"Do... Quê está falando?" – E Quincey realmente não parecia fazer idéia alguma do que estava acontecendo e muito menos do que Eriol estava falando.

"Você tinha razão... Foi horrível. Foi horrível... Tudo deu errado." – Eriol arquejou. Era estranho que ele, que parecia tão adulto naquela idade, de um momento para o outro não parecesse mais do que de fato era, nada mais do que um rapazinho pedindo por ajuda.

O olhar de Quincey endureceu-se e ele cerrou a mão para conter uma exclamação de raiva.

"O Sr. Sullivan me disse que há uma garota..."

"..." – Eriol achou mais prudente deixar como estava. Apenas fez que sim com a cabeça e sussurrou: - "Deu tudo errado, e agora ela me odeia..."

"Eu avisei a você."

"Eu sei..." – Eriol esfregou os olhos.

"E o que eu também disse a você?"

"Que eu não lhe perguntasse nada, não pedisse por conselho algum... E que eu fui adulto para escolher sair de Pigalle, então eu deveria ser adulto para suportar qualquer conseqüência..." – Arquejou, no meio de um soluço.

"E então?"

"Estou com medo... Foi horrível... Eu não sei o quê fazer... E agora ela não quer mais me ver... Ela me odeia."

Quincey afagou a cabeça de Eriol. Disse mesmo tudo aquilo, quando estiveram em Paris, e não arrependia-se de nada. Por um lado, estava furioso, por outro, aliviado, porque Eriol confiava nele o bastante para procurar uma palavra mais leve.

"Olhe para mim." – Disse, ainda com suavidade, e passou as mãos pelos olhos de Eriol livrando-os de algumas lágrimas. Em verdade, seu coração de pai estava partido. Como pai, sabia que era seu dever ajudar. Como amigo, sabia que era seu direito fazer isso. Mas como homem de palavra, ele não voltaria por cima das próprias decisões. – "Shhh... Pare de chorar. Olhe para mim. Eu sou um homem como você. Não é vergonha alguma. Eu já tive a sua idade... E... E a sua mãe também. Agora eu quero que pare de chorar e vá conversar com ela."

"..." – Acenou que sim, ainda que não se imaginasse discutindo um assunto daqueles com Eloise.

"Vá. Converse com a sua mãe. Vá falar com ela."

Eriol esfregou os olhos e levantou-se. Em silêncio, saiu do escritório e subiu as escadas. Teve a infelicidade de cruzar com Akizuki pelo caminho, mas não olharam-se e nem trocaram palavra nenhuma. Eriol foi diretamente para a última porta do corredor, que era o quarto de seus pais. Era uma porta de duas bandas, muito larga. Uma delas estava aberta. Bateu de leve sobre a madeira e escutou sua mãe mandando entrar. Spinel Sun estava rolando encima da cama, brincando com uma bola de linha de lã vermelha, que era a sua favorita.

"Você pode brincar lá fora? Por favor?" – Eriol sussurrou para ele. Seu tom era tão grave que Spinel Sun olhou-o atentamente. Simplesmente pulou para o chão e correu para fora, deixando sua bolinha encima da colcha. – "Mamãe?"

"Estou aqui!" – Ela respondeu, de dentro do iluminado quarto de vestir. Estava ainda em espartilho e anáguas de renda. Eloise nunca se incomodara se qualquer um dos filhos a visse assim. Ela veio com um vestido azul nos braços, um vestido de flanela, de renda de tear em volta dos punhos e do decote, que usaria para o jantar. – "Oh... O que aconteceu?" – Eloise deparou-se com ele, pálido e com os olhos irritados.

"..."

"Você brigou com o seu pai?"

"Não. Ele... Eu queria conversar, e ele me pediu para vir falar com você." – Suspirou, uma lágrima grossa ainda correu por seu rosto. Eloise deixou o vestido sobre uma cadeira e sentou-se ao lado de Eriol, na beirada da cama.

"Sobre o quê?" – Passou a mão sobre o cabelo dele, tentando alinhá-lo.

"... Ah, mãe... Esqueça. Eu não posso falar disso com você!"

"O seu pai mandou você aqui. Ele deve saber o motivo de ter feito isso. Vamos, digam-me... Por que você está chorando?"

"Há alguém... Quero dizer... Havia... Você entende?"

"Não, meu filho, eu não entendi nada."

"Eu... Papai levou-me para Paris em meu aniversário e eu não..."

"..." – Eloise fez que sim, sabia sobre Paris, mas não entendera ainda onde ele queria chegar, embora imaginasse.

"E agora..." – Suspirou, envergonhado, se conseguir encarar sua mãe. – "Eu não... Foi horrível."

Eloise ergueu as sobrancelhas, adivinhando do que Eriol estava falando, porque ele não teria jamais coragem de falar mais do que isso. O quê dizer? Eriol parecia estar à beira da morte.

"Tão ruim assim?"

"Pior do que imagina..."

"Meu Deus... Já tentou conversar...?"

"Mãe! Já é um sacrifício falar com você sobre isto!"

"Eu creio..."

"E o quê eu vou fazer?..." – Lamentou-se, esfregando os olhos.

"Eu não sei..." – Eloise disse, tão perdida no meio daquela conversa de meias-palavras que não sabia mesmo nem sobre o que estavam falando muito exatamente. Talvez mais tarde ela falasse com Quincey e descobrisse mais detalhes, mas por enquanto, não podia deixar Eriol sem uma resposta, ainda que evasiva: - "... Mas eu sou uma mulher francesa, não sou? Eu deveria dizer-lhe algo..."

"Deixe isso para lá, mãe..."

"Eriol... Preste atenção."

"..."

"Siga os seus instintos!" – Ela levantou-se tentando encorajá-lo, mesmo sem entender em relação ao quê ou a quem. Aquele conselho era tão evasivo que aplicava-se a praticamente qualquer assunto.

"Hã?"

"Siga os seus instintos! E não tenha pressa."

"Eu não entendi..."

"Com o tempo você vai entender." – Ela, que não era dada a constrangimentos, já começava a sentir-se encabulada em falar com Eriol sobre mais detalhes, e não queria avançar muito sobre aquele assunto sem saber ao certo qual era. – "Nós... Eriol, nós estamos falando sobre você e uma mulher, não é?" – Arriscou, apenas para ter certeza de que não estava dando conselhos errados sobre o assunto errado, o que já havia acontecido antes, quando Eloise aconselhara Quincey achando que ele tinha amantes quando na verdade ele estava falando sobre as ovelhas da propriedade.

"..." – Muito vermelho, Eriol acenou positivamente. Melhor que pensassem isso.

"..." – Eloise percebeu que ele não estava dizendo toda a verdade. Mas meia-verdade era melhor do que verdade nenhuma. Talvez não fizesse diferença alguma. Ou se fizesse, isto já escapava ao seu conhecimento de mãe. – "Vocês... brigaram?"

"Sim. Ela está com muita raiva de mim..."

"Talvez ela seja jovem demais..." – Arriscou, agora sabendo estar aproximando-se de um assunto perigoso, se fosse o que imaginava. – "...Tão inexperiente quanto você?"

"Mamãe!"

"Não é?"

"Não é isso... Eu não posso conversar coisas assim com você!"

"Ora, eu sou sua mãe... Parta do princípio que você não chegou a esta casa por culpa da cegonha..." – Ela riu. – "Não fique zangado... Se alguém estiver com raiva de você, antes de qualquer coisa, façam as pazes, isto é mais importante do que o resto... Faça o que vou dizer-lhe: siga seus instintos. Está bem? E seja delicado, seja lá com quem você esteja se encontrando. Seja muito paciente e não tenha medo, porque você ainda está aprendendo... Mas não se atreva a aparecer-me com um neto, entendeu?"

"Isso não vai acontecer..." – Confortou-se, ao menos, em ter esta certeza.

"Espero que não." – Beijou o topo de sua cabeça, e pegou o vestido que deixara sobre a cadeira. – "Oh, você está aí?"

Eriol também olhou para a porta. Akizuki estava parado ali, um pouco encolhido em suas roupas de garoto.

"Papai pediu-me para avisar do jantar..."

"Vou vestir-me e descer. Não precisa voltar para avisá-lo." – Ela voltou para o quarto de vestir, e saiu ainda abotoando a frente do vestido. Foi para a frente de um espelho alto, que estava pendurado na parede e terminou de arrumar os brincos e o penteado. – "Pronto."

E saiu do quarto, deixando Eriol ainda sentado, mas antes sussurrou-lhe cuidadosamente:

"Faça o que eu lhe disse." – E quando passou por Akizuki, beijou também o topo de sua cabeça. – "E você... Comporte-se e não brigue com o seu irmão. Talvez ele se sinta mais do que você por estas brigas."

Akizuki corou e a contragosto aceitou suas palavras. Ela os deixou sozinhos no quarto. Akizuki aproximou-se de Eriol, mas apesar de seu olhar, não fez nada.

"Do quê estavam falando?"

"Coisas de adultos." – Eriol respondeu, cortante. – "Nada que o interesse."

Levantou-se e saiu, antes que Akizuki recomeçasse a destilar sua ira contra ele. De maneira espantosa, ele ficou calado, no mesmo lugar, brincando com a ponta do laço que fazia vezes de gravata, em torno da gola de sua camisa e olhou para Eriol de maneira incógnita. Mas mesmo assim, ficou no quarto, depois que ficou sozinho lá.

Eriol foi para seu quarto e ninguém reclamou que ele houvesse descido apenas para a ceia, mais tarde, uma hora bastante incomum de vê-lo de pé. Apenas sua mãe estava à mesa da ceia e não disse nada. Para seu espanto, Akizuki também estava à mesa, e também manteve-se em silêncio absoluto, e ficou muito comportado. Não era possível saber quais conversas ele escutara, ou se escutara alguma coisa, todavia, ele sabia de algo. Sua atitude mudara repentinamente demais para quem nada sabia, ou houvesse somente se cansado de xingá-lo. Quando Akizuki terminou sua xícara de chá, perguntou se Eriol podia ajudá-lo com o dever de casa.

"Claro..." – Eriol aceitou e sabia que não havia dever nenhum.

"Não é um pouco tarde para isso?" – Eloise perguntou, deitando um pouco de leite em seu chá. A ceia era apenas o chá. Normalmente somente os adultos estavam presentes, e era de estranhar Akizuki acordado até então. E mesmo que Eriol pudesse estar presente ali, também era incomum vê-lo de pé a tal hora.

"Eu só quero que Eriol veja meus deveres."

"Ah..." – Ela concordou, então. – "Não esqueçam de que vocês têm aulas desde cedo, amanhã."

Eriol levantou-se e Akizuki seguiu-o. Não falavam nada, e parecia-lhe perigosamente calado, como se quisesse fazer algo, atraiçoá-lo. Nas escadas, Eriol estava um passo à frente e sentia o olhar em si, e este olhar quando assim, era algo quase palpável. O olhar de Akizuki era sempre um olhar desconcertante e atrevido. Chegaram no quarto de Eriol, e Akizuki fechou a porta, e ficou parado, absolutamente imóvel, apenas seus olhos dando alguma idéia de ele ainda estar ali, algo vivo, seus olhos também não se moviam, fixos em Eriol, a cada gesto seu, quando ele afrouxou o colarinho e soltou os punhos da camisa. Quando ele começava a transparecer atitudes pouco humanas, tornava-se muito assustador, até mais do que Spinel Sun, que apesar da aparência, comportava-se como uma criança humana muito peralta.

Por via das dúvidas, e sabendo que quem dá a primeira palavra é quem perde uma discussão, Eriol permaneceu calado. Sentou-se numa cadeira e esperou. Akizuki não piscava, e as luzes acesas do teto faziam seus olhos se mostrarem como eram, vermelhos, e eles pareciam maiores e mais claros. Quase duas semanas em que Eriol quase fora assassinado, louças quebradas, empurrões, quase uma surra, dias de castigo por causa de tanta indisciplina... E Akizuki agora em seu quarto.

"... Se você quer gritar, esta é a sua chance." – Eriol disse, sabendo que perderia aquela discussão mesmo que nem abrisse a boca até o dia seguinte.

"..."

Akizuki moveu-se. Pareceu estremecer e sua respiração tornou-se um som claro.

"Desistiu de acabar comigo?"

"..."

Akizuki aproximou-se. Eriol notou que simplesmente não viu este movimento, ele apenas, pouco a pouco, surgia cada vez mais perto de onde estava.

"Se você não está cansado, Akizuki, eu estou." – Levantou-se e foi para a cômoda, abriu uma das gavetas e tirou uma muda de roupas de dormir. Deixou-as dobradas do mesmo jeito, encima da cama.

"O quê vai fazer?" – Akizuki finalmente abriu a boca, e parecia incrédulo.

Eriol parou um segundo antes de entrar no quarto de vestir. Soltou mais um botão da camisa e refletiu que se Akizuki fora ardiloso para vir a seu quarto, deveria ter o direito de ouvir a verdade. Soltou mais um botão da camisa e ficou brincando com ele entre os dedos, quando respondeu:

"Você sabe muito bem o que eu vou fazer."

E fechou-se no quarto de vestir. Deu duas voltas na chave e apagou as luzes. Quando tudo ficou escuro quanto breu, deixou as roupas escorregarem para o chão. Com certeza não pretendia dormir agora, e nem constranger-se por sua presença.

Agora as imagens que povoavam seus pensamentos, quando sua mão escorregava ali, com força e prazer, eram imagens muito reais, e a boca que imaginava, ofegante e vermelha, tinha um dono. Tudo o que mais excitava-o, quando atrevidamente contorcia-se no chão do quarto de vestir, as mãos ocupadas demais para qualquer outra coisa, tudo isso, eram as coisas que via em Akizuki, a malícia de seu olhar, do movimento do seu corpo fino debaixo do seu, quando prendeu-o pelos pulsos, vários dias atrás. A excitação que sentira naquele instante não abrandara-se com o tempo, não gastara-se com a recordação e nem com o prazer que lhe dava. Sabia que ele podia escutar tudo o que se passava dentro do quarto de vestir, se ainda estivesse no quarto, e tinha certeza de que ainda estava. Queria que Akizuki fosse embora para seu próprio quarto de uma vez e o deixasse em paz com sua frustração e raiva. Sim, estava furioso, mais do que em outro instante, mais do que quando dera aquele tapa no rosto de Akizuki, ao qual ele fora indiferente. Desforrava esta raiva em gemidos provocantes e que não tentava silenciar, queria que Akizuki ouvisse cada suspiro, cada gemido e soubesse o que se passava, conhecesse nada movimento daquele, arrepio, porque era inevitável, era uma força que o impelia diretamente para aquele abismo escuro, que era o quarto de vestir.

Rouco, Eriol gemeu mais alto, quando o prazer veio pela primeira vez, naquela noite. Seu corpo todo nu estremeceu em espasmos trêmulos, sobre o chão de madeira. Queria que Akizuki ouvisse, e tivesse medo, tanto medo que nunca mais olhasse em sua direção, e nunca mais sequer houvesse entre eles aquele olhar de antes, e nunca mais beijos como aqueles que já trocavam com tanta intimidade, com tanto conhecer de um pela boca do outro. Nunca mais aquelas carícias atrevidas, mãos suadas abrindo caminho por dentro de roupas, botões soltando-se, roupas repuxadas, e eles apertando-se sobre uma cama desfeita... Recriminar estes pensamentos também era evocá-los como saborosas recordações. Apertou mais a mão em torno de seu sexo, percebendo que ainda estava ereto e dolorido como antes, e lembrar-se de Akizuki, entregue, oferecendo-se inteiro, abrindo seu corpo para ele, o fez continuar seu jogo de prazer na escuridão abafada.

Akizuki poderia ter gritado, mesmo esta noite. Poderia ter gritado naquela tarde, poderia ter afastado-se, chorado, dito que não queria. Qualquer coisa que fizesse poderia ter evitado o resto, mas ele parecia provocá-lo, queria seduzi-lo, torná-lo tão desatinado de desejo que o tomasse à força. Contorceu-se no chão, seus quadris conhecendo muito bem aquele movimento, seu corpo todo muito sensível e quente, e gemeu alto o nome de Akizuki. Ele viria se quisesse, se tivesse ainda coragem para isso, se apesar da raiva de antes e então, ainda quisesse ir até o fim com ele. Eriol umedeceu os lábios ressequidos, apressando o movimento de sua mão, quase machucando-se, de tão intenso. A imagem que veio-lhe a mente foi agora toda de sua imaginação. Pensava como seria se houvesse violado Akizuki, como seria se ele retribuísse com a mesma ousadia as carícias de antes. Pensava em sua boca, e imaginava beijá-lo como os franceses faziam, enfiando a língua entre seus lábios, e tocando a dele com a ponta da sua. Imaginava beijar todo o corpo nu de Akizuki, tocá-lo em todas as partes proibidas e secretas.

"Akizuki!..." – Desatinado, Eriol mordia os próprios dedos, excitado demais para acreditar no que estava fazendo, na coragem que tinha. Era agora ele quem se aproximava perigosamente do fogo, brincando em torno de chamas traiçoeiras. – "... Akizuki..." – Gemia, um orgasmo selvagem aproximando-se.

Abriu os olhos na escuridão, fixando um teto que não enxergava e ouviu, estremecendo de desejo, a voz que reconheceu de pronto...

"Você me chamou, Eriol?..."

CONTINUA