A Sombra e a Escuridão
Capítulo 12
Eriol esfregava o rosto no seu, enquanto sussurrava isto, sua voz estava pesada, e seu cabelo, um pouco caído sobre o rosto, não deixava entrever mais do que o rubor, os olhos muito úmidos e a boca entreaberta. Havia um silêncio absoluto dentro do moinho. De repente um rangido pareceu fazê-los acordar, um pequeno sobressalto, e Eriol apertou o corpo fino e longo de Akizuki nos braços, até ter certeza de que fora apenas o vento que fizera ranger uma das velhas pás do moinho. Mas seu abraço não afrouxou, estreitou-o mais, recebeu outro em resposta, e sentiu que Akizuki afastava as pernas para ele. Percebeu que ele também suspendia a camisa de algodão.
"Ah..." – Akizuki gemeu, nem sequer esboçou uma palavra verdadeira, sua resposta foi apenas um "não" acenado com a cabeça, os olhos fechados, no rosto corado e agitado, quando Eriol tornou a perguntar se ele queria parar.
Ajoelhou-se entre as pernas dele, e afastou-as mais, lentamente. Já havia feito isso antes, mas tinha certeza de que nunca havia sido desse jeito. Terminou de livrar-se da camisa e do cinto, também deixou que caíssem no chão, porque não importava-lhe mais o que aconteceria. Sentia-se quente, mais excitado do que nunca, e não conseguia fixar o pensamento em nada, e nem precisava, porque não pensava em outra coisa além do que estava acontecendo. Não, não no que estava acontecendo, mas em Akizuki, em seu corpo, em suas pernas longas e brancas, em sua boca aberta, e o corpo todo trêmulo e quente, estendido sobre a lona, nu, naquela camisa de algodão. Akizuki levantou uma perna e a passou do lado de seu corpo, como se o quisesse apressar.
"Eu estou com muito medo... Muito medo...!" – Foi a vez de Eriol sussurrar. Sentia uma dor aguda latejar em suas têmporas, e passou uma mão por dentro da camisa aberta de Akizuki, de seu pescoço até embaixo, estava salpicado de suor fino. Ele era alto, mas era só um menino, e o que estava fazendo com ele, não se deveria fazer com um menino. Queria que estivesse mais escuro dentro daquele moinho, para não ver o que estava fazendo, para não ver que sequer o corpo de Akizuki começava a parecer mesmo o de um adolescente, que era um corpo pálido, fino, e a sua pele era quente, deliciosa de ser tocada, e fremia, ele se arqueava quando a mão de Eriol passava sobre seu estômago, sobre seu peito, e ia até embaixo, desajeitada, trêmula, suada, e tocava entre suas pernas, demoradamente, fechando os dedos.
Ele gemeu muito baixo, quase não conseguia escutá-lo. Era um gemido ainda muito parecido com os que escutava dele, em casa, nas vezes que conseguiam ficar juntos como então, às pressas, apavorados. Passou a mão por sua coxa, e com a outra, tocou novamente seu corpo, numa carícia muito mais ousada, longa, até que sua mão tocou seu pescoço, e depois seu queixo. E a ponta de seus dedos trêmulos tocou a boca de Akizuki, meteram-se nela, até que sentiu que tocava sua língua, encharcava os dedos em sua saliva. Akizuki olhava-o nos olhos, de uma maneira que nunca havia feito até este dia, de uma maneira atrevida e muito adulta, mas Eriol não sabia como era estar com um adulto, e ver este olhar o fazia querer fugir, mas não fugiu. Não afastou-se, nem quando Akizuki chupou seus dedos, passava a língua por eles de tal maneira que a imaginação de Eriol inflamou-se, em um pensamento tão erótico, tão sedutor, que também era tão natural quanto todo o resto. Não sabia o que teria feito, se Akizuki pedisse para parar neste momento. Tirou os dedos úmidos de sua boca, e acariciou de novo seus lábios, e também o beijou, soltou-se sobre ele, novamente o beijando de lábios abertos, e agora sua língua também tocava a dele, com timidez. Escutou outro gemido curto e muito discreto, quando beijou seu queixo. Estava tudo muito diferente desta vez, estavam fazendo coisas que nunca haviam tido tempo antes, estavam tocando-se com muito vagar, e beijando-se daquela maneira... Era assim que os adultos faziam? O arrependimento de Eriol estava todo em Paris.
Akizuki passou os braços, de cima dos ombros de Eriol agora para sua cintura, trazendo-o para mais perto ainda, apertando-o. Queria parar, sabia muito bem que se não pedisse agora, não poderia pedir depois, pois seria tarde demais, mas não queria pensar nisso, envergonhava-se de não ter coragem de pedir para parar, porque encontrava-se com uma coragem que nunca experimentara quando estavam em casa. Sentia-se seguro junto ao corpo de Eriol, sentia-se outro. Tudo, sem dúvida, estava diferente. Como nunca havia feito antes, atreveu-se a olhar quando Eriol soltou os últimos botões, e não fechou os olhos quando esteve preste a penetrá-lo, encarou-o, esperando que ele perguntasse se queria parar, mas nada foi dito. Eriol olhou para ele por um momento, fixando demoradamente sua boca. Ele próprio umedeceu os lábios, e, mantendo afastadas as pernas de Akizuki, beijou-o ali, acariciou-o com a boca, com a língua, como havia imaginado fazer, e como não esperava que acontecesse, sentiu-o estremecer e soltar um grito curto quando sua língua passou pelos lugares mais sensíveis de seu corpo. Claro que não sabia ao certo o que fazer, nunca havia feito isso antes, mas o que fez causou efeitos notáveis, porque outros gritos curtos vieram. Sentia uma vibração estranha por todo o corpo de Akizuki, e, não saberia explicar, percebia que era aquele o momento que sempre havia esperado, para penetrá-lo, diferente de todas as outras vezes.
Novamente ergueu-se e manteve as pernas dele afastadas, até que estivesse sobre ele, e agora o sentisse completamente, sabendo que poderiam ir até o fim. Levou o corpo para a frente, com cuidado, e não estava ainda dentro dele. Akizuki estava muito trêmulo, o rosto vermelho, e o pescoço manchado, a pele cheia de manchas vermelhas, e o cabelo pesado de suor. Ele não apertava os olhos como antes, ele gemia o tempo todo, novamente apenas sussurros, que tinham um tom especialmente excitante e diferente. Estava muito molhado de saliva entre suas pernas, e com um pouco mais de força, Eriol sentia que ele se abria lentamente, e com mais um golpe, começava a penetrá-lo, mais lentamente do que nunca havia conseguido fazer antes. Gemeram juntos quando finalmente uniram-se, quando Eriol soltou-se sobre seu corpo, fazendo força para manter-se no seu interior estreito, inquieto. Mesmo que quisesse, estavam em um ponto que era impossível parar agora. Com um golpe decisivo, Eriol cravou-se completamente nele, e Akizuki mordeu os nós dos próprios dedos, contendo gemidos, debatendo-se com desespero sob o seu peso, sob o seu desejo. Ele afastou sua mão de cima de sua boca e o beijou, abraçou-o, acariciou todo seu corpo com mãos trêmulas e suadas, escorregadias.
Apenas uma coisa não estava diferente: Akizuki não chorava. Desde a primeira vez que Eriol o havia penetrado, ele nunca havia chorado, ou gritado, ou deixado transparecer dor. Mas também nunca havia dado mostra alguma de prazer, e agora era impossível saber o que se passava com ele, que gritou quando Eriol moveu-se na primeira investida. E ele se movia... Ele não parava de se mexer, debatia-se, contorcia-se, ofegava de maneira ruidosa, e aquele grito... Seu grito era baixo e curto, e deixava-o escapar a cada investida, a cada golpe. A princípio, seus punhos batiam fechados, nos ombros de Eriol, mas não com força. Depois, os dedos tentavam fechar-se na pele nua de suas costas, de seus ombros, e encontraram seu cabelo, fecharam-se nele, puxava sua cabeça para beijá-lo, escutar de perto seus gemidos também. E Eriol... Ele não fazia a mínima idéia do que estava acontecendo, só não queria que acabasse, não imaginava se o estava machucando ou desagradando. Ele o penetrava com cautela, sem saber um motivo de Akizuki estar fazendo coisas que nunca havia feito antes, como aqueles gritos, que o excitavam apenas de escutar ecoarem por dentro do moinho. De repente, Akizuki deixou escapar um som mais estranho ainda, quase um urro, e seu corpo inteiro arqueou-se como fosse partir-se, e suas pernas apertaram a cintura de Eriol com tanta força que ele quase perdeu o ar.
"Akizuki?" – Ainda estava dentro dele, e ainda se movia, mas estava ficando com muito medo do rumo que os acontecimentos tomavam. Em casa, ele sempre havia sido tão quieto, tão tímido, e nunca havia se movido daquela maneira, ou gritado.
E ele gritava de novo, seu corpo todo agitado em espasmos, fechando-se em contrações violentas, enroscando-se ao corpo de Eriol, enquanto suspirava pesadamente, seu corpo cedendo, como se estivesse morrendo. Seu peito e seu pescoço estavam avermelhados, ele estava ensopado de suor debaixo de Eriol, e largou-se sobre as lonas, por um momento, apenas soltando pequenos gemidos, os olhos fechados, e tornou a morder os nós dos dedos, parecia desfalecer, se não fossem suas pernas ainda firmemente apertadas em torno de Eriol, não deixando-o parar e nem se afastar.
"Akizuki?..." – Eriol perguntou de novo, parando por um instante, e percebendo que não era apenas ele que se movia, que Akizuki também golpeava os quadris de encontro aos dele, acompanhando-o. Assustou-o ver isso, bem como que Akizuki cada vez mais novamente contorcia-se.
"Não pare... Não pare..." – Conseguiu compreender, em meio a gemidos que se tornaram mais altos, até serem de novo os gritos curtos de antes. As mãos dele puxaram-no pela cintura, com muita força, e uma delas escorregou entre eles, entre o suor de suas peles unidas, de seus corpos unidos, causando tanta excitação que sem querer, Eriol começou a golpeá-lo com mais força, como nunca havia feito.
E os gritos estavam mais altos, mais desesperados. Akizuki segurou-se nas beiradas das lonas, contendo a força da penetração, calando-se apenas quando a boca e a língua de Eriol o impediam de gemer alto, cada vez mais alto. Ele não abria mais os olhos, não conseguia mais fechar a boca, e nem se debater, toda sua força residia no aperto de suas pernas e no movimento de seus quadris, subindo e descendo, junto com os de Eriol, recebendo-o inteiro, sem parar, como se fosse cavalgado impetuosamente.
Num golpe mais forte do que os outros, Akizuki arqueou-se, e gritou mais do que antes, seu corpo movimentava-se sem controle, e tudo o que Eriol percebia das coisas que saiam de sua boca vermelha e ofegante, além de seu nome, dito daquela maneira que jamais saberia descrever, era uma só:
"Não pare... Não pare..."
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Akizuki havia acabado de experimentar seu primeiro orgasmo. Em verdade, não o primeiro, mas os quatro primeiros, quase que um em seguida do outro. Ele teve quatro orgasmos intensos e vibrantes, até Eriol ter o seu, consumando aquela união sobre as lonas do moinho. O último, Akizuki não tinha mais forças de gritar e nem gemer, e desesperado de prazer, ele chorou, soluçava como um menino apavorado, abraçado a Eriol, que então, achando que o estava machucando, penetrava-o agora muito lentamente, com suavidade. Ele gemeram um na boca do outro, quando o prazer veio, derrubando-os em um cansaço ofegante. Continuaram juntos, Eriol cuidadosamente saiu de dentro dele, e o abraçou. Akizuki continuava chorando, soluçando, e chorou por muito tempo, até ficar calado, exausto, a cabeça sobre o peito de Eriol, e os braços em torno dele, do mesmo jeito que era quando estavam em casa. Havia um silêncio cheio de perguntas e constrangimentos entre eles, até que foi quebrado:
"... Akizuki?"
"..." – Ele ergueu a cabeça. Seus olhos estavam vermelhos. Não do choro, apenas. Mas verdadeiramente vermelhos. Algo nele estava diferente. Havia despido a camisa e estava apenas nas meias de antes, como se não restasse mais pudor algum por seu corpo.
"O que foi... aquilo?..." – Corajosamente perguntou, com cuidado.
Akizuki piscou várias vezes, pensativo.
"Eu não sei... Mas eu gostei muito."
Ele sorriu quando falou. Era o mesmo sorriso travesso de quem ajudava Spinel Sun a colocar sapos nas gavetas de roupas das criadas. Não havia engano algum, Akizuki era apenas um menino, e mais esta travessura apenas tornava-o mais encantador. Eriol não seria capaz de negar que era excitante vê-lo daquele jeito.
"Eu machuquei você?" – Perguntou, tocando seu rosto e também seus lábios. Tinha a impressão de que havia dado muito prazer a Akizuki, mas não podia ter certeza de algo que nunca vira antes, e nem sequer podia perguntar a um adulto se de fato era assim que as coisas se davam. Não havia sido a primeira vez que fazia-lhe amor, mas havia sido a primeira em que aconteceram todas aquelas coisas diferentes e deliciosas, e... – "Você estava chorando tanto... Você sabe... Eu ainda estou aprendendo."
Akizuki debruçou-se sobre ele, passando uma perna sobre seu quadril. De repente parou e pareceu pensar em algo. Nada disse, mas estar ali, sobre ele, com as pernas postas de cada lado de seu corpo, lhe pareceu uma excelente idéia. Mesmo assim acabou deitando-se sobre Eriol, o rosto muito perto do dele, seus olhos ainda estavam úmidos do choro, era verdade, e também continuavam daquele mesmo vermelho sobrenatural, profundo e estranho, de quando sua verdadeira natureza parecia preste a aflorar.
"Eu não sei porque eu chorei, mas eu estava me sentindo tão cheio que fiquei com medo... Eu fiquei com muito medo." – Sussurrou, como se fosse um segredo. Talvez fosse. Eriol precisava tomar muito cuidado para não perder uma só palavra. – "Então eu chorei... Mas eu me sinto tão feliz que eu posso chorar mais ainda. Eu estou muito feliz, Eriol, e não sei o motivo..."
"Cheio do quê?"
"De coisas. Coisas que eu queria dizer e não sabia o que eram, e nem como falar."
"..."
"Eu também me sentia cheio de coisas que você me disse, e não sei como você me disse essas coisas, mas eu... Eu achei que meu coração ia explodir. Achei que ia morrer. Morrer aqui com você. Mas eu estava tão feliz..." – Ele entremeava seus sussurros em tons de seriedade e risos de malícia. Era isso. Algum tipo de sensualidade diferente e nova havia brotado em Akizuki, ele a cada gesto conseguia ser mais perturbador do que antes, nenhuma mudança de seu olhar conseguia escapar da atenção cativada de Eriol. Ele estava encantado. – "Eu sou muito feliz quando estou com você."
"Você também me faz muito feliz." – ... E apavorado, quase chegou a dizer. Mas guardou as muitas perguntas que tinha a fazer. Ia precisar de mais coragem para enfrentar seu pai, se ousasse perguntar alguma coisa além da que já havia, do que para enfrentar um urso furioso com as mãos limpas. Pensando bem, o urso seria tarefa fácil... – "É uma pena que esta tenha sido a última vez." – Suspirou, lamentando sinceramente. Se todas as vezes desde o começo houvessem sido assim... Se pudesse adivinhar se as próximas poderiam ser também...
Não. Eriol não sabia e nem imaginava que Akizuki havia provado de seu primeiro orgasmo, mas tinha uma breve desconfiança em relação a isso. E apenas desconfiança, porque era inexperiente demais até para isso. E Akizuki, quanto menos fazia idéia do que havia acontecido, mas não pretendia parar até que descobrisse. Ao contrário de Eriol, ele não tinha medo, e sim uma curiosidade imensa, além de querer mais daquela travessura.
"Você não quer mais, Eriol?" – Sobressaltou-se, sua pergunta veio de uma maneira queixosa e quase indignada.
"Você me fez prometer que não iríamos mais fazer isso, e que eu ia parar quando você pedisse!" – Eriol ergueu-se, também um tanto indignado, pois havia prometido, e por mais que lamentasse, pretendia seriamente cumprir a promessa.
"E por acaso eu estou pedindo para parar, seu idiota!" – Akizuki empurrou-o com tanta força, fazendo-o deitar-se de novo, que a cabeça de Eriol bateu em cheio num esteio de madeira que estava atravessado logo atrás das lonas.
Tonto com a pancada, teve de suportar algumas ofensas de Akizuki e também tentar segurar seus pulsos, quando ele, tão furioso, queria dar-lhe uma surra. Ele estava ainda nu, vestido apenas com as meias, montado sobre os quadris de Eriol e forcejando com ele, lutando para se soltar. Em vez de irritar-se, ou tentar fugir, Eriol pela primeira vez achava aquilo muito excitante e se a palavra coubesse neste momento, não tinha certeza, diria que era extremamente sensual Akizuki contorcendo-se sobre ele, com os pulsos presos, nu e com o cabelo em completo desalinho. Era muito fácil de esquecer que a doçura de Akizuki apenas disfarçava uma impaciência selvagem, e que apesar de mais novo e menor, tinha uma força impressionante, talvez tivesse mais força do que um adulto, talvez tanta força quando Spinel Sun. Apesar de mal ter desviado de um murro que quase foi em cheio em sua boca, Eriol não conseguia se aborrecer, segurava com muito custo o riso, quando brigavam assim, achava encantador ver Akizuki furioso, e agora, achava delicioso ser vítima daquela fúria infantil e selvagem.
"Eu não quero parar! E se você parar, eu vou dizer para a mamãe e o papai que você me violentou!" – Sibilou, perigosamente, seus olhos faiscando. Estavam de um vermelho claro, e no fundo das pupilas, um lampejo parecido com o de brasas num pedaço de carvão aceso. Seu sussurro era cheio de certeza, e Eriol não duvidava em nada que ele cumprisse aquela ameaça. Mesmo assim, fez um esforço sobre-humano para não sorrir quando respondeu, apesar de toda a sincera ameaça que sentira naquelas palavras:
"Não diga nada a eles! Não diga nada a ninguém... Eu vou fazer o que você quiser!"
"Melhor assim."
Triunfante, Akizuki parou de lutar e empurrou o cabelo castanho para trás. Seu rosto estava corado da luta, e sorria agora maldosamente, porque sua ameaça havia surtido efeito, e, por bem ou por mal, Eriol continuaria fazendo o que ele queria. O sorriso alargou-se, transformou-se num risinho de vitória, malvado. Eriol passou as mãos pelo rosto, ofegante. Sentia a garganta seca, e sentia-se muito quente, sufocado. Estava suando muito, não por temor, e sim por excitação. Akizuki estava nu, sobre ele, montado em seus quadris, balançando-se, como se estivesse cavalgando, mas num movimento feito quase por brincadeira, talvez por instinto, ele também estava muito excitado, e seu rosto e pescoço estavam vermelhos. E não apenas isso, ele também começava a desabotoar os botões das calças de Eriol novamente.
Ambos sabiam que ele estava mentindo quando disse que contaria a Eloise e Quincey, mas não era prudente confiar demais em Akizuki, porque afinal... Ele era apenas um menino. E crianças são cruéis...
"Eu não consigo abrir este botão!..." – Queixou-se, inconformado. Depois voltou-se para Eriol com o mesmo sibilar de antes, os olhos faiscando com um brilho assassino. – "Melhor que você consiga abri-lo agora ou você vai estar muito encrencado!"
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Eles voltaram para casa quando já era quase noite. Demoraram-se ainda no moinho, porque Akizuki pedira para tirarem água do poço para se lavarem. Ao chegarem em casa, o chá ainda não estava sendo servido, mas eles não haviam estado em casa para o almoço, e a governanta os repreendeu por isso, embora não evitasse uma exclamação de surpresa quando os viu sob a luz, quando tiravam os casacos, à porta da cozinha.
"Eriol, o que houve com você?"
Ele sentia-se saído de uma guerra, e sua aparência não era distante disso. A governanta puxou-o e o fez sentar-se num dos bancos da cozinha. Ela ainda o tratava como se ele tivesse dez anos, embora ele já fosse um palmo mais alto do que ela. O obrigou a beber uma caneca cheia de leite quente misturado com rum. Akizuki sentou-se ao seu lado, rindo. Ao passo que estava corado e sorridente, Eriol estava pálido e exausto. Um pouco de cor voltou-lhe ao rosto quando terminou o leite, e um resto manchava o canto de sua boca, e assim que a governanta saiu da cozinha, por um instante, Akizuki puxou-o pela gola da camisa e lambeu seu rosto. Foi um gesto atrevido como o seu olhar. Isso também estava diferente, o olhar de Akizuki, assim como algo de sua atitude.
"Eu não acredito!" – Era a voz de Spinel Sun e vinha de debaixo da mesa. Akizuki olhou e estendeu a mão para ele sair de lá.
Spinel Sun apareceu na frente deles como um menino vestido naquela camisa de adulto, ele estava com uma pêra na mão, certamente estava tentando comê-la, quando a governanta entrou na cozinha e escondeu-se. Ele parecia incrédulo.
"Eu não acredito!" – Repetiu, sacudindo os braços perdidos em suas roupas largas. – "Vocês estavam fazendo aquilo de novo! Que nojo! E você!" – Apontou para Akizuki. – "Que nojento, você beijou o Eriol! Nojo!"
Ele falava fazendo caretas muito engraçadas. Não era a primeira vez que tinha esse ataque de asco ao vê-los juntos. Eriol, apesar de tudo, conseguiu rir. Eles não demoraram nada para iniciar uma discussão (apenas mais uma entre tantas).
"Que nojo!"
"Qual o problema, quer que eu beije você também?" – Akizuki correu atrás de Spinel Sun pela cozinha, fingindo que queria beijá-lo.
"Não! Pare com isso! Prefiro beijar um cachorro cheio de pulgas!"
"Isso sim é nojento..."
"Quer apostar como você não tem coragem de beijar um cachorro?"
"Ótimo, vamos apostar!"
"Akizuki, se você perder, vai ter de comer lesmas vivas!"
"Mas se você perder, é você que vai comer as lesmas!"
Spinel Sun parou bruscamente. Arregalou os olhos ao constatar que Akizuki tinha razão, e que talvez ele perdesse a aposta, mas não que Akizuki pretendesse beijar um cachorro...
"Eu não quero mais apostar." – Virou-se de costas, olhando sua pêra. – "Eu já comi uma lesma e ela era muito ruim..."
Aterrado, Eriol não se conteve, e Akizuki muito menos.
"Meu Deus, eu mandei você parar de colocar porcarias na boca!"
"Isso é muito mais nojento do que beijar um cachorro, Spinel Sun..." – Akizuki arrepiou-se de asco, só de imaginar aquilo.
"Ah, é? Então vamos apostar de novo! Se você beijar um cachorro eu vou comer baratas vivas!"
"Apostado!"
"Parem com isso agora, os dois! Não há aposta nenhuma!" – Eriol atravessou-se na discussão, porque os dois estavam quase engalfinhando-se e aquelas apostas eram capazes de virar o estômago de qualquer um. Além do mais, não tinha certeza se queria saber que Spinel Sun já havia comido baratas. – "Agora fiquem comportados, vocês não têm mais sete anos!"
"E você também não! Não brigue comigo ou eu vou colocar uma barata na sua sopa!" – Spinel Sun devolveu, sacudindo sua pêra no ar como se ela fosse uma arma mortal.
"E você não responda para mim ou eu vou dizer ao papai para deixar você de castigo de novo!" – No meio de toda a irritação, Eriol não se conteve e riu. Riu consigo mesmo. – "Não acredito, estamos brigando do mesmo jeito de quando éramos pequenos... E pelas mesmas coisas nojentas."
"Pode rir, Eriol! Mas tome muito cuidado com a sua sopa daqui por diante!" – E saiu da cozinha, correndo com a pêra na mão.
Era possível imaginar que ele não tivesse medo de ser visto assim. Akizuki aproximou-se de Eriol e o beijou, um tanto como vingança, repousando então a cabeça em seu ombro.
"Você ia mesmo fazer aquela aposta das baratas?" – Foi uma pergunta muito séria.
"Claro!" – Era apenas um menino e um que não gostava de perder que lhe respondeu.
"Vocês se merecem..."
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Já havia bastante tempo que eles haviam se tornado amantes. Talvez a palavra para definir o que havia entre Akizuki e Eriol fosse forte demais, mas não havia outra. O tempo havia passado. Eriol estava agora da mesma altura de seu pai, muitíssimo parecido com ele, mas ainda não completara vinte anos. Ele agora cursava o King's College, em Londres, e embora não pudesse estar em casa todos os dias, porque começara a trabalhar cedo, não ia para outro lugar que não aquele, quando tinha tempo. Não esquecera-se de Akizuki pela distância de então, e nem esta diminuía o que sentia, embora ele se percebesse diferente e que Akizuki também mudara, e muito. Desejava não ter se tornado tão ausente, tão diferente. Às vezes lamentava que o tempo passasse daquela maneira, mas não tanto, porque o encanto dele sobre seus sentidos era absoluto, assim como sua presença. Tinha medo de que um dia isso também mudasse, mas nunca revelou este medo a ninguém.
Akizuki estava quase da sua altura, e tinha apenas quatorze anos. Talvez não ganhasse mais altura, ou se ganhasse não seria tanta, não mais do que já havia ganhado em tão pouco tempo. Tornara-se um rapaz excepcionalmente bonito, de rosto muito delicado, embora seus modos nem sempre o fossem, quanto mais no que referia-se aos flertes de seus colegas, e até de seu instrutor de esgrima, no colégio. Ele agora estudava no mesmo colégio de conduta rígida em que Eriol esteve antes de entrar para o King's College, e não tinha nem a certeza e nem a aprovação de seu pai para o curso que faria no futuro. Dentro do vasto terreno de coisas improváveis e absurdas que poderia ter escolhido, queria ser arquiteto "e construir esqueletos de ferro mais feios do que o de Paris". Quincey e Eriol entendiam esta como a mais crua rebeldia de que ele era capaz. Sua rebeldia não abrandara, e ele tinha uma necessidade incontrolável de testar a paciência de Eriol – que já não sentia tanto os estragos disso em seus nervos por conta da distância entre eles – e até mesmo questionar sua autoridade. Seu atrevimento chegou ao ponto de fazê-lo chamar Eriol para uma briga, em certo dia em que ele estava em casa de folga da universidade, e este atrevimento custou-lhe caro: estava proibido de sair de casa aos sábados, para jogar pólo. Ele jogava mentindo a idade, porque fora seu professor de equitação no colégio que o convidara a ir pela primeira vez, para substituir um jogador machucado, ganhou um uniforme, um chicote e um taco, e se saíra tão bem que ficara no time, mas Quincey não concordava com isso, e o desentendimento que ele teve com Eriol apenas colocou um ponto final em seu divertimento. Como vingança, no fim de semana seguinte em que Akizuki encontrou-se com Eriol em casa, não apenas o desafiou para uma briga como – apesar de apaixonados, apesar de amantes, e apesar de todos os apesares que haviam entre eles – saiu rolando com ele pelo chão, e assim, os dois definitivamente tiveram a briga que definiria afinal, até onde ia a vontade de Akizuki de continuar de castigo.
Eles brigaram do lado de fora da casa, pelo quintal, e não houve vencedor ou vencido. A cozinheira, que era quem estava por perto naquele momento correu para avisar o que estava havendo. Mas não foi preciso vir alguém para encerrar a briga. Imundos de terra, arranhados e ofegantes, não era possível saber como no meio de uma briga acabou por acontecer de se beijarem, e assim a raiva que começara com socos e empurrões, desfez-se em tal carinho, que nenhum dos dois lembrou-se porque haviam começado.
Eriol ficou onde estava, jogado no meio do capim, uma folha seca presa no cabelo espalhado que se soltara na luta, e Akizuki sobre ele, segurando-lhe os colarinhos da camisa – que dificilmente voltaria a ser branca depois daquele dia – ajoelhado. Realmente pareceria uma briga encarniçada como fora no começo, mas não era nada. Alheios ao rumor das empregadas aproximando-se, continuaram beijando-se.
"Akizuki!" – A voz de Quincey foi baixa e definitiva.– "Eriol!"
Akizuki ergueu-se, colocando-se de pé imediatamente, o rosto muito vermelho, e Eriol, livre de seu peso, levantou logo em seguida, ofegante, mas não pela briga. Não havia como saber há quanto tempo Quincey estava parado à porta, ou o quê vira. Às costas dele, estavam as criadas, tentando olhar, mas nada vendo. Akizuki baixou a cabeça, estremecendo um pouco, seus cotovelos, pela camisa de mangas arregaçadas, bem como perto de suas mãos, estavam esfolados, e havia um hematoma formando-se perto de sua boca. Eriol sentiu algo quente correr em seu rosto e descobriu, quando passou a mão na testa, que sua cabeça estava machucada, mas não sabia onde.
"O que está havendo aqui?"
"Nós brigamos." – Akizuki sussurrou.
"Não é disto que estou falando."
"..."
"A culpa foi minha." – Eriol tentou argumentar, no entanto sem saber pelo quê, pois de qualquer forma estava tentando justificar o injustificável.
"Qual de vocês começou a briga?" – Quincey falou muito baixo, mas nem precisaria perguntar. Sua larga experiência com a rebeldia de Akizuki já era suficiente para saber.
"Fui eu." – Akizuki sussurrou, timidamente, sem tirar os olhos do chão.
"Por que brigou com o seu irmão?"
"..." – Sua resposta foi um encolher de ombros. Não havia motivo.
"Eriol!"
Ele ergueu os olhos. Seu cabelo estava espalhado nos ombros, com folhas presas nele.
"Leve-o para dentro. Estejam limpos e decentes, para falar comigo depois."
Ele estava irritadíssimo, embora se mostrasse bem mais calmo do que da última vez. Talvez aquilo se tornasse uma rotina. Ele saiu e as criadas se dispersaram, fingindo não ter interesse nos rumos do acontecimento. Constrangidos com a própria sujeira, e com a desconfiança de que Quincey os vira se beijando, entreolharam-se.
"Parabéns, Akizuki..."
"Parabéns? Eu vou ficar de castigo de novo."
"Bem feito, então." – Deu uma risadinha, sabendo que não seria ele a ouvir sermões.
"Não me amole, Eriol... Você nem sequer brigou à sério!"
"Você também não brigou à sério..." – Sorriu, então sentindo que estava com a boca machucada também, pelo lado de dentro. Se houvesse sido uma briga à sério, Akizuki poderia tê-lo matado apenas com um soco bem-dado na nuca, tamanha sua força.
"Vá se foder..."
Akizuki levou um empurrão que o derrubou no capim, em resposta pelo desaforo. Ao invés de se irritar, ele sorriu, e esticou a mão para pedir ajuda para levantar. Fingindo irritação, Eriol ajudou-o, e quando colocou-o de pé, disse-lhe entredentes:
"Não me provoque, ou é isso o que eu vou fazer com você."
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Limpos, com machucados cuidados e tensos de expectativa, foram esperar Quincey na sala de jantar, onde o almoço começava a ser posto pelas criadas. Spinel Sun já sabia o que havia acontecido, e rapidamente saíra do colo de Eloise, que ainda estava em seu quarto de costura, alternando-se entre fingir estar bordando alguma coisa e secretamente lendo Justine, do Marquês de Sade, para ter noticias mais detalhadas.
"Foi uma querela de namorados?" – Perguntou, rindo, aparecendo embaixo da mesa, temendo que alguém mais o visse.
"Você não tem nada melhor para fazer do que me perseguir, Spinel Sun?" – Akizuki sussurrou, olhando para a porta.
"Perseguir o Eriol, por exemplo?"
"Estou acostumado com isso." – Eriol sorriu, no meio de um suspiro. Seu cabelo estava úmido e solto, e não conseguiu achar com certeza onde estava o machucado em sua cabeça, mas parara de sangrar. – "Ao menos não há mais baratas em minha sopa ou em meu chá..."
"Está com saudade delas?" – Spinel Sun riu, também olhando para a porta.
"Eram gostosas..." – Eriol respondeu, também rindo, como se houvesse mesmo comido alguma.
"Quer fazer o favor de calar a boca, seu gato de madame!" – Akizuki estava ficando aborrecido com aquilo. Sabia que Eriol seria isentado de qualquer culpa, porque ele não começara a briga.
"Venha calar então! Se encostar um dedo em mim, vai ficar de castigo pelo resto da vida!" – E disto isto, Spinel Sun quando saiu de debaixo da mesa, foi como um gato. Ele lambeu a pata e a passou pelo focinho.
"Ele tem razão..." – Eriol parecia estar divertindo-se muito, ajeitou os óculos (não estava com eles durante a briga, o que fora pura sorte... Seu outro par estava em Londres, e ainda era sábado...).
"Não tente defender esse tagarela! Vou dar um nó cego no seu rabo, Spinel Sun!" – E correu para pegá-lo.
Correram em torno da mesa, até que Spinel Sun pulou. Akizuki parou, e viu que Spinel Sun havia pulado para o colo de Quincey, que impassível, dirigiu-lhe um olhar penetrante:
"Vai dar um nó no rabo de quem?"
"..."
"Pelo visto quer mesmo passar o resto da vida de castigo..."
Ele entrou e tomou seu lugar à cabeceira da mesa. De seu colo, Spinel Sun colocava a língua de fora de maneira provocadora, pois era a única careta que conseguia fazer naquela forma. Ah, não... Ele também adorava fingir que ia vomitar, principalmente quando a governanta o pegava no colo para tirá-lo de algum lugar.
"Preciso ser redundante e dizer que continua de castigo, Akizuki?"
"Não, pai..."
"Preciso repetir o que disse da última vez em que você chamou Eriol para uma briga?"
"Não."
"Mas eu vou repetir, para tentar fazê-lo entender: se não se comportar, faço você virar interno do colégio, entendeu? Hoje foi a última vez que você provocou seu irmão. Vou fazer um esforço tremendo para entender que isto foi uma coisa da idade, e aquele tipo de coisa que acontece quando há vários rapazes sob o mesmo teto, num momento de falta do quê fazer."
"..."
"Olhe para mim, Akizuki."
Ele levantou os olhos.
"Falei com sua mãe. Ela não virá almoçar conosco, pois está muito ocupada bordando, e acho que já chegou na página cinqüenta... Mas deixou claro que concorda com minha decisão. Semana que vem é o seu aniversário de quinze anos. Você imagina qual seria o seu presente, não é?"
Lógico que imaginava. Mas ao contrário de Eriol com a mesma idade, ele estava quase sentindo palpitações por colocar seus pés em Pigalle, de tão curioso. Agora ele também imaginava que não haveria mais nada a esperar quanto a isso...
"Eu entendo."
"Entendendo ou não, está decidido." – Quincey deixou Spinel Sun encima da cadeira do lado. – "Pelo menos... Vocês já fizeram as pazes... Eu creio." – Akizuki não viu este olhar, mas Eriol notou algo de muito significativo nele, e compreendeu que aquele beijo no quintal fora visto, inevitavelmente.
Conformadamente, Akizuki fez que sim.
"Se Akizuki ainda quiser brigar com você, Eriol, dê umas palmadas nele..." – O sorriso de Quincey foi bastante ácido. Akizuki corou violentamente, sendo tratado como uma criança.
"Eu já dei." – Eriol sorriu, de maneira tão cínica que era notável à quilômetros. – "Por isso ele está tão calmo."
E do outro lado da mesa, Spinel Sun apoiou as patas na beirada da madeira e colocou a cabeça para fora, mostrando a língua para Akizuki.
"Vou fazer picadinho do seu rabo, Spinel Sun! Pare de fazer caretas para mim!"
"Se tocar um dedo no gato, quem vai fazer picadinho de você sou eu." – Quincey disse, de maneira ameaçadora.
Akizuki engoliu em seco.
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Segunda-feira pela manhã Eriol voltou para Londres, levando consigo alguns hematomas, um corte na cabeça e duas noites sem quase ter chance de dormir, e tudo isto era culpa de Akizuki. E quando partiu no trem, ele o deixou com seus cotovelos ralados, também alguns hematomas e uma semana para pensar se valia a pena sua rebeldia sem fundamento. Na verdade não apenas uma semana, mas sim, várias, porque seu castigo de não poder jogar pólo iria valer por um tempo indeterminado, e como medida de segurança, o uniforme, suas botas, o chicote e o taco foram escondidos. E agora, como arremate para seu longo período de reclusão, havia o cancelamento da viagem à França, e ele ficaria em casa, comportado, calado e quieto, ou pelo menos a intenção era essa.
No fim da tarde de sexta-feira, Eriol voltou para casa, e curiosamente, já encontrou o mordomo de casa esperando-o na estação de trem da cidade, assim como o coche. Normalmente ia à pé da cidade para casa, e se o trem chegasse quando já estava escuro, então sempre ia para alguma pensão na cidade, passar a noite, e ia para casa na manhã seguinte. Quando chegou em casa, mal entrou e Akizuki abraçou-o calorosamente, como se poucos dias antes não estivessem trocando gentis socos pelo quintal.
"O quê é isso?" – Ele apontou para uma sacola que Eriol trazia na mão, e ele sempre ia sem bagagem para casa...
"Meus livros. Segunda-feira haverá uma prova."
Eriol olhou para o corredor de casa, enquanto pendurava seu casaco no gancho da parede. Sua mãe estava em um brilhante vestido cor de pérola, e acenou quando o viu entrando.
"Ah!" – Eriol sentiu-se um pouco envergonhado, e acabou sorrindo. – "É seu aniversário... É amanhã, e não domingo!"
"É." – Akizuki sorriu também, e sussurrou, discretamente. – "Spinel Sun está de castigo, agora!"
"O quê ele fez?" – Eriol entrou para o corredor, e Akizuki foi logo atrás, falando muito baixo, para que ninguém escutasse. Já era por si só estranho ouvir falar que Spinel Sun estivesse de castigo por alguma coisa. Eriol estava incrédulo, e queria saber de todos os detalhes da "condenação".
"Ele estava na cozinha hoje!... Como sempre, aquele comilão! Não sei porque ele não cresceu, se ele come tanto! Ele estava por lá e uma das criadas, que estava fazendo a calda do pudim estava provando-a na colher de pau... Aí, Eriol, ela disse 'coitadinho, deve estar com fome' quando viu Spinel Sun olhando, e... A idiota enfiou a colher suja de doce na boca dele!"
"E então? E depois?" – Eriol parou na metade do corredor para ouvir melhor. Spinel Sun desde menino havia parado de comer doces por conta não dos desastrosos efeitos, mas da pesada ressaca do dia seguinte, e principalmente dos vexames que causava e passava, quando comia qualquer coisa que fosse feita com açúcar de cana ou de beterraba, e até mel de abelha. Ele podia comer frutas e provar álcool sem sofrer nenhum efeito, mas para fazê-lo sair de si, menos de um torrão de açúcar era suficiente, e quando começava, não parava mais...
"E então ele pulou dentro da panela de calda! E a panela estava encima do fogão, sobre o fogo aceso, e o açúcar estava fervendo!"
"Mas você sabe que ele não pode se queimar... Ele é imune a isso!"
"Mas a criada não sabe disso, é claro! Ela saiu correndo e gritando pela casa, achando que ele estava morto, que havia sido cozido na panela de açúcar!"
"E ele ficou de castigo por isso?..."
"Por isso, e porque quando chegamos na cozinha para tentar salvá-lo, ele já havia se jogado dentro da panela onde estava o pudim, e havia comido tudo! Não imagina o inferno que esta casa se transformou, eu precisei enfiar Spinel Sun dentro de um balde para tirá-lo da cozinha! Ele estava cuspindo fogo nas criadas... E ele estava fumegante, eu não conseguia pegá-lo de modo algum..."
"E onde ele está agora?"
"Depois que eu consegui lavá-lo debaixo da bica, eu o tranquei no depósito de lenha, perto do canil. Então, quando ele adormeceu, depois disso tudo, eu o levei para o meu quarto..." – Akizuki arranhou a cabeça, pensando no que seria o dia seguinte. – "Mamãe mandou deixá-lo lá sem jantar, e amanhã ela mesma quer dar outro banho nele de manhã."
"Você vai dormir lá?" – Eriol sabia que este banho seria com água do poço, bastante gelada, e a hora do banho seria antes mesmo do sol nascer...
"No mesmo quarto que Spinel Sun? Ele com aquela ressaca? Jamais... Ele fica insuportável..." – Riu nervosamente, imaginando-se como seria aturá-lo assim.
"Então você não vai ter o seu pudim favorito?"
Akizuki riu e assentiu, conformado. No fundo não importava-se tanto com o pudim.
"Sem pudim, sem jogar pólo e sem ir a Paris e sem presentes." – Seu sorriso virou uma careta. – "Acho que vou me matar..."
Eriol sorriu, e seguiu em frente no corredor.
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Durante o jantar, Eloise não perdeu uma única oportunidade de estar perto de Eriol, para saber do que se passava em Londres e para mexer em seu cabelo muito preto e muito liso. Ela simplesmente o adorava como estava agora, longo, e protestava a qualquer menção de Eriol em querê-lo curto novamente.
Não houve nenhuma menção ao aniversário de Akizuki, mas indiretamente, comentou-se disso, quando falou-se no pudim devorado, e dos novos horrores contados pelas criadas.
"Isto tudo renderia grandes contos do macabro, para aquela revista de Londres..." – Quincey suspirou, pensando no pudim perdido, e o mordomo não conseguiu conter uma pequena risada, embora ele fosse um dos que mais facilmente entrassem em pânico quando Spinel Sun dava sustos assim na criadagem.
Fingiram-se zangas contra Spinel Sun, cogitaram livrar-se dele, enfim tiveram pena do pobre gatinho que caiu dentro da panela de doce, mas apenas isso, porque estava decidido que seu castigo seria um banho bem frio logo de manhã. Assim que os ovos nevados foram servidos, Quincey levou Akizuki para fora da casa e mostrou-lhe um cavalinho, não ainda um cavalo adulto, inteiramente de um marrom muito claro, e a crina e a cauda mais escuros.
"Este é um presente da sua mãe. Mas ainda está de castigo." – Ele avisou, como advertência.
Akizuki agarrou-se ao pescoço do cavalinho e agradeceu. Ele estava felicíssimo, porque agora teria um cavalo só seu para jogar pólo, e ele agradecia, e agradecia...
"Não se empolgue tanto. Você vai cuidar dele. Além do mais, não tem de agradecer a mim, o cavalo é presente da sua mãe." – Afagou a cabeça de Akizuki, o que era parecido com acariciar um filhote de ouriço. Conteve um sorriso, para não dar a entender ter diminuído seu aborrecimento, ou que era indulgente com sua rebeldia.
Eriol olhou da porta e quando seu pai entrou, entendeu que Akizuki não estava tão de castigo assim.
"Qual a idade do cavalo?"
"Vinte meses."
"Ele só poderá ser montado quando tiver dois anos, não é?"
"E será apenas quando Akizuki terá a oportunidade de fazer isso..."
"Ele ficará de castigo ainda por este tempo?"
"Está com pena dele, Eriol?"
"Estou com pena do cavalo..."
"Não tenha tanta pena assim. Eu escolhi este cavalo pensando em Akizuki. A mãe deste cavalinho era uma égua tão violenta que precisou ser sacrificada... Duvido muito que ele consiga montar nesse animal algum dia."
Eriol olhou de novo para fora. Akizuki estava entregando as rédeas para o ajudante do estábulo, que havia trazido o cavalo e o estava levando de volta para lá, agora. Ele havia adorado aquele presente, talvez muito mais do que teria ficado com a viagem à França.
"Já escolheu o nome dele?" – Eriol perguntou, quando Akizuki entrou, o hálito fumegando no frio da noite. Ele entrou correndo em casa, e talvez houvesse ido correndo para seu quarto para contar a Spinel Sun de seu presente, se não tivesse certeza de que ele acordaria num humor pavoroso.
"Já...!" – Ofegou, rindo.
"E qual é?"
"Eriol." – O sorriso de Akizuki tornou-se de alegre para maldoso. Seu olhar acompanhou a mudança, e sem querer Eriol recuou, um pouco ofendido e muito curioso pelo que acabara de ouvir.
"Por que?"
"E por que não? Montar Eriol haverá de ser inesquecível..." – O canto de seu lábio curvou-se num sorriso malicioso, que ele dissimulou muitíssimo bem quando aproximou-se de Eloise, que veio pelo corredor, para saber se ele havia gostado do cavalo. Ele a abraçou e enquanto beijou levemente seu rosto, voltou um olhar agudo para Eriol, um olhar estreitado, porque sabia que ele não poderia responder-lhe à altura aquela imoral insinuação.
A verdade era que o nome que ele escolhera para o cavalo havia sido Oliver. Mas é claro que ele não disse isso a Eriol. Ele não perderia a chance de provocá-lo por nada no mundo.
"Inesquecível, não é?" – Eriol acenou positivamente com a cabeça, pensativo. Tirou os óculos e os guardou no bolso do colete. De repente sorriu, e logo deu uma pequena risada. Ainda rindo, pediu licença aos outros e foi para seu quarto, dormir, fazendo-se seguir por uma trilha de olhares intrigados.
CONTINUA
