A Sombra e a Escuridão
Capítulo 13
Akizuki acabou conformando-se de dormir no mesmo quarto que Spinel Sun, porque fora deitar-se já bastante tarde. Havia provado álcool com os adultos, porque agora tinha permissão para isso – não que ele e Spinel Sun não houvessem feito isso antes, com Eriol, às escondidas, e então e sempre sem sentir nenhum efeito –, e ouviu todo tipo de absurdo de sua mãe quando ela já não conseguia mais andar em linha reta, de madrugada. Ouviu repreensões por seu comportamento, que o fizeram pensar em começar a, quem sabe, comportar-se. Mas era certo que permanecia de castigo. E Spinel Sun também. Antes de amanhecer, Eloise batera à porta do quarto, ela estava de camisola e roupão, ainda de pileque, rindo muito, descabelada e cheia de marcas vermelhas pelo pescoço e pelo colo. Ela fez um gesto para Akizuki ficar quieto e entrou, dando a volta na cama e pegando Spinel Sun, que havia dormido embolado encima de um travesseiro. Segurou uma das patas dele, e a mexeu como um aceno:
"Deseje um bom banho para Spinel Sun..." – E dando pequenas risadinhas, saiu com ele nos braços, ainda pesadamente adormecido para fora do quarto.
Sabendo o que ia acontecer, e o frio que fazia do lado de fora – sem falar da água gelada do poço – entre dormindo e acordado, apenas riu e foi mais para o meio da cama, aliviado em poder dormir até tarde. Enrolou-se na coberta e dormiu novamente. E no que pareceu-lhe apenas um momento depois, escutou a porta estalar.
Abriu os olhos e viu frestas de luz entrando pelas pesadas cortinas cerradas de veludo, iluminando o quarto em faixas. Eriol estava no quarto e abriu um par de cortinas. Akizuki viu-o debaixo da luz, estava com o cabelo preso numa fita vermelha, e não tinha exatamente o ar de quem acabasse de acordar.
"Está maluco? Até mesmo eu, que não sou como você, preciso dormir, e você sai do seu quarto para vir me acordar...?" – Resmungou, cobrindo os olhos com a coberta.
"Que mal há num pouco de luz aqui dentro?"
"Todo! Deixe-me dormir. Você dorme com os frangos, seu idiota...!"
Eriol riu, mas não parou com sua tarefa de abrir as cortinas. Abriu as cortinas de veludo das três janelas do quarto de Akizuki, revelando as pilhas de livros que Spinel Sun amontoava pelos cantos, com preguiça de guardá-los de volta nas estantes, e também os cadernos abertos que Akizuki esquecia encima da escrivaninha, com deveres do colégio. Deixou fechadas apenas as finas cortinas de tule.
"Vamos, acorde..."
"Não quero acordar..."
"..." – Aproximou-se da cama e puxou a coberta mais grossa, cinza, deixando Akizuki apenas com a mais fina, branca.
"Não me aborreça, Eriol! Quer que eu morra de frio?"
"Você com certeza não vai morrer de frio, nem de fome, nem de anemia, ou gripe, e nós sabemos disso muito bem." – Puxou também o lençol de Akizuki, que enfim sentou-se na cama, furioso:
"Você só faz isso porque é mais velho do que eu! Você nem sequer fica de castigo!"
"Eu mereço algumas compensações depois de ter cuidado de vocês por tanto tempo!" – Sorriu maldosamente, sentando-se na cama, brincando com alguma coisa entre as mãos. – "Eu já tenho quase vinte anos, não posso deixar que você me faça chantagens baratas..."
"Você é mau para nós... Está sendo mau para mim."
"Estou comovido... Mas se quiser que eu saia, eu deixo você em paz, afinal."
"Não! Ah, não... Fique aqui, Eriol... Estou com sono..." – Esfregou os olhos, bocejando. – "Abrace-me, vamos... Estou com frio..." – Esticou-se em sua direção e meteu-se entre os braços de Eriol. Akizuki estava quase do seu tamanho, mas tinha apenas quinze anos, e ainda sabia muito bem quais estratégias usar para amolecer seu coração.
Às vezes Eriol sentia-se mal por pensar que há tanto tempo estavam juntos, daquela maneira, como amantes. Sentia-se pior ainda antes, quando imaginava isso, mas depois... Agora só lamentava que houvessem começado tão cedo, sem experiência alguma naquela arte tão delicada, mas agora era tarde... Tão tarde que não via mais sentido em lamentar. Tinha apenas a idade de Akizuki, e ele mesmo era apenas uma criança, quando fizeram amor pela primeira vez, e era uma recordação que ainda dava-lhe água na boca. Tê-lo entre os braços assim, amolecido e sonolento, a cabeça encima de seu ombro, percebendo-lhe a pele nua e morna debaixo do tecido do pijama, e todo o calor de sua proximidade... Tudo isto ainda fazia grandes estragos em seus nervos, e mais agora do que nunca, porque não havia entre eles mais nenhuma timidez ou censura. Podiam tudo um no corpo do outro.
"Quer fazer amor comigo?" – Sussurrou-lhe, pausadamente, tocando os lábios em sua orelha.
O corpo de Akizuki tornou-se tenso por um momento. Ele abriu os olhos e ergueu a cabeça, encarando-o, mas seu olhar mirava os lábios de Eriol, quando perguntou:
"Agora?... Aqui? Alguém poderá ouvir... Não agüento mais o chão do quarto de vestir..." – Queixou-se, mal-humorado, mas mesmo assim, fechou as mãos no tecido das roupas de Eriol, e constatou, enfim, que ele estava em um roupão de tecido preto grosso e escuro e forrado de azul estampado de filigranas. Escorregou a mão pelo lado de seu pescoço, e entendeu que ele não vestia nada por baixo.
"Ninguém vai ouvir nada." – Com um olhar, apontou para a porta e mostrou o que tinha na mão.
Era um pedaço de um dos pastéis de desenho de Spinel Sun, e detrás da porta fechada, Eriol havia rabiscado um selo para vedar o quarto. Poderiam até haver tiros de canhão dentro de um cômodo selado assim e ninguém perceberia som algum. Por que ele mesmo não pensara nisso antes?
"Não é errado usar isto para estes fins?"
"Seria mais correto se eu usasse o que sei para fechar um quarto na hora de assassinar alguém? Prefiro desperdiçar conhecimento para ter prazer com você do que guardá-lo inutilmente." – Sorriu de encontro ao rosto de Akizuki, um momento antes de ajudá-lo a despir-se do pijama, que simplesmente pareceu escapar de seu corpo ansioso.
"Você nunca vem de manhã..." – Reclamou, puxando uma ponta do laço do cabelo de Eriol e deixando a fita de lado sobre os lençóis desfeitos.
"Hoje é diferente..."
"Não vejo diferença nenhuma."
"Eu vejo." – Sacudiu o cabelo negro e brilhante sobre os ombros, espalhando-o.
Levou Akizuki para sentar-se na beirada da cama, enquanto ajoelhava-se no chão, à sua frente. Passou a língua nos lábios, e num olhar misto de desejo e fome, afastou-lhe os joelhos e sussurrou:
"Só se faz quinze anos uma vez na vida... Na vida inteira."
E em um beijo longo e molhado, passou os lábios no interior das coxas dele, fazendo um rastro da saliva por sua pele branca, sem nenhuma pressa, até que com os lábios encontrou-lhe o sexo, e tomou-o em sua boca. Desde quando Eriol havia estado com uma prostituta italiana, em Londres, aos dezessete anos – com o consentimento de Akizuki, e a condição que lhe contasse tudo o que havia acontecido – e descobrira que aquela carícia que sempre desejara presentear-lhe era possível, e como conduzi-la habilmente, aprendera de tal forma que quase o enlouquecia de prazer. Akizuki tremia com o contato de sua língua, quando afundava-se dentro da boca de Eriol, que parecia querer engolir seu corpo inteiro, começando por seu sexo. Mesmo assim ele envolveu a cabeça de Eriol com os braços, acariciando seu cabelo, metendo as mãos por dentro de seu roupão escuro, procurando trazê-lo para si, e dizia seu nome, pedindo que não parasse, suspirando, com pequenos gemidos, porque não tinha forças sequer de respirar fundo, tamanho seu prazer.
E as mãos de Eriol, tão hábeis quanto sua boca, o acariciavam por todos os lugares que dava-lhe prazer, quando não circulavam por suas pernas, afastando-as mais e experimentando o interior de seu corpo com dedos longos e curiosos. E além de tudo isso, ele fez mais... Passou as coxas de Akizuki por cima de seus ombros, sem parar o que estava fazendo, e empurrou-o para o meio da cama, quase com violência, e estendeu-se sobre ele, afastando suas pernas e tomando seu sexo nas mãos, excitando-o mais e mais, enquanto tocava com beijos úmidos seu estômago e, depois, todo seu corpo, até chegar em seu pescoço.
"Quer continuar?" – Sussurrou-lhe ao ouvido, como se não fosse suficiente saber que ele estava prestes a ter um orgasmo em suas mãos.
"Sim..."
"Akizuki... Você quer... Quer fazer amor comigo?" – Beijou-lhe a boca, no começo de maneira muito leve, notando que ele fazia que sim, e depois abria a boca, entregando-lhe sua língua para acariciar a dele. – "Quer fazer amor comigo... Como eu faço amor com você?"
O corpo dele retesou-se completamente, ofegante. Seus olhos estavam arregalados, e recuou entre os lençóis, quando Eriol levantou-se, o rosto muito vermelho de constrangimento e excitação, porque ele apesar de tudo, nunca fora dado a ousadias, e muito menos... Aliás, jamais dera a entender desejar entregar-se. E assim tão de repente... E as luzes... Eriol dificilmente aceitava fazer amor sob a luz. No escuro, permitia-se tudo, mas nunca antes deixar-se possuir. Com as faces coradas de vergonha e prazer, soltou a faixa do roupão, e seus dedos estavam tremendo. Lentamente, deixou o roupão negro escorregar para o chão, revelando sua pele lisa e muito clara, seu corpo esguio, adulto, perfeito. A recordação que Akizuki tinha de sua nudez exposta, completa, era distante, tão raro era ele mostrar-se assim.
"Hoje, eu serei seu." – Um sorriso breve e muito leve pairou em seus lábios avermelhados, úmidos de saliva. Seu cabelo caia dos lados de seu rosto, fazendo-o diferente e misterioso, bem como seu olhar. – "Haverá de ser inesquecível..."
Akizuki perdeu completamente o ar. Este presente sim haveria de ser inesquecível. Viu com olhos incrédulos que Eriol estava falando sério quando ajoelhou-se na cama, vindo sobre ele, como se fosse estar sobre seu corpo, fazendo de conta que estivesse mentindo um momento antes, mas então deitando-se ao seu lado, mas de costas para Akizuki, e como nunca antes, e nem de ninguém, recebeu um braço cheio de calor e paixão em torno de seu corpo, de sua cintura, apertando-o, mantendo-o no mesmo lugar, e sem nenhum aviso, sentiu o corpo dele se acomodar ao seu, muito junto, como se as peles úmidas de um suor fino quisessem fundir-se. Fechou os olhos, completamente entregue, sem resistir a nada, suspirando. Seu corpo inteiro amoleceu-se de carícias, sua pele toda arrepiada, sensível, suada, debaixo das mãos de Akizuki, e de seus lábios, que o tocavam, o provavam com uma liberdade muito maior do que nunca. Gemeu demoradamente quando Akizuki tocou com os lábios o seu pescoço, de uma maneira diferente de todas, e atrevida, chamando seu nome com um doce sussurro. Sua boca também tocou a orelha de Eriol e sua respiração ia de encontro a ela, agitada, ansiosa, e um outro sussurro desta vez prometeu-lhe novamente que haveria de ser inesquecível...
Eriol arrepiou-se e seu corpo inteiro começou a tremer quando abandonou-se, e, solto no meio dos lençóis, nada disse quando Akizuki encostou-se mais a seu corpo, do jeito que estavam antes, seu peito colado às costas de Eriol, seu corpo todo pressionado contra o dele, e ali... Quase penetrando-o, encostado nele, como a lembrá-lo do que prometera. Forçou-se naquela direção e Eriol retesou-se, para depois relaxar mais uma vez, e foi assim também na segunda tentativa. O braço em torno de sua cintura estreitou-se mais, e uma coxa trêmula e suada entrou entre as dele, fazendo com que rolasse um pouco para o lado, somente para afastar um pouco mais as pernas, e fez isso, tão ansioso, sentindo-se tão faminto, quente e vazio, que soltou um gemido curto, provocante, absolutamente sensual, quando Akizuki tocou-o novamente e forçou, chegando agora, muito próximo de realmente penetrá-lo. Eriol olhou por cima do ombro, seus olhos estavam úmidos, e seu rosto afogueado, um fio de saliva deslizando de sua boca entreaberta, e esta visão excitou tanto Akizuki que ele num golpe só, penetrou-o, fazendo-o contorcer-se, em pequenos gemidos ambíguos de dor e delícia sem, todavia, fazer menção de fugir ou parar. Seu corpo todo fechou-se num espasmo violento, seus costas arquearam-se, e ele arfou pesadamente, completamente preenchido, feito-o com violência. Soltou um gemido mais alto, desesperado, longo e rouco, e depois suas costas relaxaram um pouco mais, em estremecimentos trêmulos, e mais uma vez não fugiu. Akizuki agora havia soltado o braço que o mantinha no mesmo lugar e passou as mãos, com força, por sua pele, espalhando seu suor, arrepiando-a, e também soltou um gemido, quando sentiu-se dentro do corpo de Eriol, enfim dentro dele, penetrando-o até o limite que os unia...
"Eriol!..." – Suspirou, abraçando-o de novo, e trazendo-lhe o corpo junto com o seu, encaixando-se um no outro de maneira perfeita, deitados de lado, no meio da cama. Estava tão tomado de prazer, estrangulado no corpo dele, que não conseguia coordenar nenhum movimento, a não ser pequenos espasmos, que o forçavam a estar o mais fundo possível ali, tocando-o daquela maneira misteriosa. Era apertado, tanto que parecia estar fazendo o impossível, estando dentro dele, e era úmido, era muito quente, e palpitava, como se o quisesse devorar, como se o prendesse com muita força, e cada contração de seu interior parecia uma macia mordida em torno de seu sexo, e a cada vez que sentia esta dentada no meio da carne de Eriol, sem querer fazia coro aos gemidos dele, acompanhando-os com os seus próprios.
Foi então que Eriol levou um braço para trás, o braço que estava livre, e tocou o quadril de Akizuki, com cuidado, com intimidade, e depois, com desejo. Levou mais o braço para trás e encontrou um lado de sua nádega, firme e dura.
"... Devagar... Assim... Assim..." – Sussurrou, e nisso percebeu, com um constrangimento tremendo, que sua voz, como nunca, se tornava extremamente luxuriosa, um murmurar rouco e sensual, insinuante. Entregar-se a Akizuki desta maneira despertava algo nele ao quê nenhum deles nunca tinha atentado. – "... Devagar..."
Akizuki parou de se mover e seguiu o movimento que a mão de Eriol impulsionava em seu quadril, um movimento longo e lento, que o impulsionava para dentro e para fora dele, muito devagar no começo. Nunca nenhum deles havia feito amor desta maneira, e tudo, até mesmo a dor e a dificuldade do começo, os excitava ao máximo. E agora, os sons de prazer que Eriol deixava escapar, a princípio tímidos, de seu corpo arqueado, eram algo novo, Akizuki nunca os ouvira tão cheios de erotismo, e então começou a perceber que ele oferecia-se, seu corpo todo soltava-se de novo, relaxava, entregue, sua boca estava aberta, e recebia a sua de maneira faminta, ofegante. Quando movia-se dentro dele, havia um imperceptível som úmido, e até o roçar de suas peles salpicadas de suor era deliciosamente indecente. A mão de Eriol sobre seu quadril, acariciando-o, não precisava mais guiar as investidas, e elas lentamente se tornaram mais fortes, mais profundas, a ponto de sacudir todo o corpo inerte de Eriol sobre a cama, repuxar os lençóis e fazer seus gemidos mais roucos e provocantes.
"Não..." – Eriol sussurrou, quase sem fôlego, quando a mão de Akizuki procurou pelo meio de suas pernas, tentando fechar-se em seu sexo. Mas não precisava... Estava ereto e tão sensível que apenas esbarrar-se com os lençóis já estava quase fazendo-o enlouquecer, e era o que estava acontecendo. – "Está... Está vindo!"
E neste momento já penetrava-o de tal maneira que apenas deslizava para seu interior, tão escorregadio encontrava-se, e não encontrava mais oposição alguma, apenas o estrangulamento delicioso de antes. Seu suor misturava-se ao dele e salpicava os lençóis muito brancos da cama, fazendo até mesmo com que o cabelo de Eriol ficasse úmido em todo seu comprimento, e, assim, escorregadio, se tornasse uma carícia a mais sobre sua pele quente e agitada.
"Ah!" – O primeiro estremecer de Eriol foi percebido com tal excitação que Akizuki o penetrou como se o violentasse, com investidas tão fortes e tão fundas que Eriol rolou de bruços na cama, levantando os quadris um pouco mais, oferecendo-se completamente, e assim foi recebido, e seu orgasmo foi tão intenso que tentava agarrar-se nos lençóis, arranhava as cobertas, e afastou as pernas, erguendo-se. Seu primeiro grito foi o mais alto, o mais longo. Aquele som fez o de alguém que morria, mas aquela morte não era verdadeira, porque outro grito veio depois, mais curto, e depois outro, longo, mas não como o primeiro, e eles se tornaram cada vez mais baixos, cada vez mais fracos, até serem apenas murmúrios delicados de prazer, porque Eriol, mesmo depois de ter escorrido-se nos lençóis, umedecendo-os, ainda contorcia-se, ainda repleto de Akizuki, recebendo suas investidas mais fortes, provocando-o para que também gozasse, e o fizesse dentro dele. E tão logo viu que Eriol dispensava-lhe sobre o ombro um olhar mais transtornado e cheio de prazer do que o primeiro, e que erguia mais os quadris, no que acompanhava um pequeno sorriso cheio de desejo, Akizuki sentiu que não conseguia mais suportar tanta delícia, tanta excitação, aquele palpitar vivo que apertava seu sexo ereto dentro dele, e abraçou-se ao corpo estendido de Eriol, arremetendo agora pausadamente, recebendo em resposta o movimento do corpo embaixo do seu, os espasmos que faziam sua carne fechar-se, e as duas mãos dele desta vez, trazendo-o pelos quadris, agarrando suas nádegas, de cada lado, para que investisse mais forte e mais profundamente.
Guiado pelas mãos de Eriol, Akizuki obedeceu, e quando ia mais fundo do que nunca imaginara que conseguisse, um espasmo que correu pelo corpo de Eriol subitamente, fez o seu próprio tremer inteiro, dos pés à cabeça, como um violento calafrio de febre, mas em vez de sentir frio, sentiu um calor tremendo, todo o prazer veio de uma vez, e não conseguiu conter gemidos repletos de êxtase, cada vez mais altos, que se transformaram no nome de Eriol, suspirado de encontro ao ouvido dele, enquanto ele mesmo gozava novamente, com suspiros entrecortados, e espasmos incontroláveis por seu corpo, que davam mais prazer ainda a Akizuki.
Ele abandonou-se, ficou deitado sobre as costas de Eriol, imaginando-o e a si mesmo mortos de prazer, e sua mão brincando com seu cabelo longo e negro, afastando-o de sua nuca, para beijá-la, afastando-o de seu rosto para encontrar sua boca. Permaneceu dentro de seu corpo por muito tempo, percebendo que ele inteiro palpitava, como deliciosas e molhadas dentadas, mantendo-o para si, até que apenas estivessem juntos, unidos profundamente. Lembrou-se da maneira como Eriol costumava sair de dentro dele, e fez o mesmo: levantou os quadris muito lentamente. Sentiu um aperto envolvê-lo e as costas de Eriol arquearem-se, como quando o penetrou. Estava muito molhado e escorregadio, até que, pouco a pouco, deslizou para fora. Ergueu-se um pouco, apenas para ver se não o havia machucado, e, com pesar, viu que de fato havia acontecido. Junto com o sêmem que estava entre as pernas de Eriol, havia uma estria de sangue entre suas coxas pálidas.
"Eu o machuquei..." – Sussurrou, sem ar pela surpresa. Afastou-se, dando espaço para Eriol rolar sobre os lençóis, exausto, o cabelo pesado de suor, e os olhos ainda cerrados. Ele ofegava suavemente, quando escutou isso e sorriu delicadamente, os lábios semicerrados, muito úmidos e brilhantes. Entreabriu os olhos e disse:
"Um pouco..." – A luz do dia fazia seus olhos ficarem ofuscados. Passou a mão sobre as pernas e encontrou o sêmem que estava nelas, puxou o lençol e passou uma ponta dele sobre elas, limpando-se, deixou-o de lado e sorriu, depois, com olhos semicerrados e insinuantes, numa curta risada, muito baixa e até mesmo tímida. – "Mas apenas no início."
"..." – Akizuki sorriu de volta, aproximando-se, mas sem ousar ir ficar ao seu lado novamente.
"... E depois, eu ainda preciso dizer?..."
"Não." – Seu rosto corou, mas não foi de vergonha. Desta vez, o riso foi seu. Não conseguia desviar os olhos do corpo de Eriol exposto à luz do dia, o que era tão raro de encontrar. Ele sempre gostara de fazer amor na densa penumbra das cortinas fechadas, ou no escuro total do quarto, somente com a luz de um fraco abajur.– "Mas não culpe a mim por meu furor... Só se faz quinze anos uma vez na vida, mesmo uma como a minha..."
"..." – Eriol ergueu as sobrancelhas, um tanto surpreso com o que ouvira. Sentia-se um pouco desorientado e muito lânguido. Ergueu-se num cotovelo, para encarar Akizuki. – "Quê está dizendo?"
"Só se faz quinze anos uma vez na vida... Na vida inteira. Esta foi a primeira e a última de toda a minha vida, não importa o quanto longa ela será!" – Seu sorriso desapareceu, numa expressão não de angústia, mas de dolorosa reflexão. Desviou os olhos para os lençóis, constrangido com os próprios pensamentos, que considerou egoístas.
"Bom..." – Eriol falava lentamente. Deixou escapar uma risada que entrecortou sua voz... Ele corou bastante, mas não pensou em desistir de falar. Seus olhos também sorriam, e seu cabelo caía sobre seu rosto, ele mesmo enxergando através de olhos cerrados e úmidos e de fios negros muito lisos. – "Considere a mim, a partir de agora, um pouco como o seu outro presente..."
"...?"
"Deve cuidar bem dele... Ir muito devagar no começo... Não cansá-lo demais para não exauri-lo quando precisar..." – Continuou, pausadamente, a voz adulta cheia de insinuações, e seu sorriso, de sensual provocação. Ergueu-se nos braços, sorrindo, sem acreditar nos olhos arregalados de Akizuki, que não perdia nem uma única letra do que dizia.
"..."
"... E tudo isso... É para você saber... Que poderá montá-lo quando quiser."
Mal acabou de dizer isso, teve de pular de cima da cama para fugir de Akizuki, que atirou-se sobre ele. Riu, deliciado com a própria ousadia e com a surpresa de ver aquela expressão de espanto tão rara em Akizuki. Juntou do chão o roupão que havia deixado cair e vestiu-se. Ouviu protestos, perguntas, mas não conseguia responder. Não conseguia parar de rir, e nem queria responder nada, para não acabar entregando-se novamente tão cedo, pois o furor de Akizuki poderia fazê-lo morrer de cansaço e prazer. Só então envergonhou-se do que disse, e também do que fez, no entanto, não tanto a ponto de não ter coragem de fazer tudo de novo, mas não neste momento, e nem em breve. Voltou-se ainda apenas para beijar Akizuki, abraçá-lo uma última vez, calar seus protestos e provocar-lhe também aquela risada cheia de malícia e insinuações.
"Você acabou de dizer, Eriol!... Quando eu quiser!..."
"Quer acabar comigo? Vamos, solte-me agora..." – Delicadamente tirou os braços de Akizuki de cima de seus ombros. – "Seja um bom menino." – Disse, de encontro a sua boca, antes de se afastar.
"Mas..."
Eriol praticamente correu para a porta, para escapar do travesseiro que voou em sua direção. Agora imaginava se não havia cometido um grande erro pelo que havia acontecido, porque, assim como seu outro presente, talvez ele não o soltasse antes de fazê-lo cair espumando de cansaço. Ouviu a voz furiosa de Akizuki xingando-o de uma vasta gama de palavrões, alguns até que ele não conhecia, quando fechou a porta.
Melhor assim, Eriol pensou, arrepiando-se apenas de lembrar como fora delicioso entregar-se daquela maneira. Akizuki o exauriu mais do que sempre acontecia, quando faziam amor. Não pretendia entregar-se a ele novamente, pelo menos não em breve, mas quem sabe se Akizuki insistisse, com os gestos e com as palavras certas. Então, Eriol arrepiou-se de medo, porque já não tinha tanta certeza assim se fugiria.
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Paris, tempos atuais...
Acordo de meus pensamentos no momento em que o garçom passa ao lado de onde estou e recolhe os pratos de uma mesa que está vazia. Um garfo cai no chão e ele o recolhe. Observo seu movimento como se ele se desse daquela forma que ocorre no cinema, em uma velocidade muito menor do que a normal. Eu me sinto subitamente deslocado do tempo e também do espaço, por isso vejo as coisas movendo-se desta maneira. Olho para fora, pelo vidro fumê, embaçado pelo frio, e vejo pessoas passando pela rua escura de um dia que ainda não veio. A garrafa de vermute está vazia em minha mesa e minha mente também está vazia.
Não, não está. Engulo em seco, quando marco o lugar onde parei de ler. Eu não li, eu olhei as páginas demoradamente, esta caligrafia, que é praticamente idêntica a que se tornou a de Eriol depois de adulto. Fecho o livro e passo as mãos por sua capa antiga, gasta de tanto ser manuseada. Este livro foi lido muitas vezes. Haviam três, e os outros dois foram queimados quando o momento certo chegou (ou o errado). Ainda não consigo sentir-me confortável em saber das coisas que li neles, e não sei como Eriol acostumou-se a esta idéia, mesmo tendo demorado anos para isso, da feita que ele sentiu-se desta maneira, não abandonou mais isto, tornou-se uma parte dele. Que bobagem. Ele não tornou-se nada, ele apenas voltou a ser o que era. Não quero odiá-lo, mas não sei o que pensar neste instante. Não penso em nada. O dia está nascendo, detrás do contorno dos prédios de Montmartre, posso ver o céu ainda escuro mudando em uma nuance profunda de violeta que nenhum humano pode perceber. Percebo que um homem, um mendigo, na calçada olha na mesma direção, ele está do outro lado da rua. Que mundo pequeno... Este mundo é tão pequeno...
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Inglaterra, há muito tempo atrás...
No mesmo ano em que Eriol completava vinte anos, Akizuki completava dezesseis anos e eu quinze, nosso pai recebeu notícias de seus sócios e advogados na França. Era um maço de quase uma polegada de altura, de folhas datilografadas, explicando pontual e impecavelmente o andamento de seus negócios na França, anunciando propostas de compra e venda de imóveis, ofertas de investimentos em propriedades na Costa Azul, e mais diversos assuntos afins, além do quê, havia sócios para investir nos comércios marítimos, para o transporte de café e borracha, que vinha da América, que começavam a mostrarem-se atraentes tanto para os portos franceses, onde estavam as sucursais dos importadores, quanto dos portos ingleses, onde estavam instalados, desde quando viemos do Oriente, os navios da Companhia Inglesa de Navegação, da qual nosso pai havia adquirido uma modesta parte de sociedade, naquela época.
Logo que terminou de ler todo aquele monte de papéis, ele pensou em mandar Eriol cuidar de tais coisas na França. Relendo o último parágrafo, e estando Eriol nesta época às voltas com a universidade, em Londres, ele tomou outra decisão, um pouco mais delicada, porém necessária. Obviamente, eu não saberia de tanto se não estivesse no colo de Eloise, com um laço em meu pescoço, quando leu para ela em voz alta as partes mais relevantes da correspondência. Na verdade, apesar de ter seus próprios advogados, ele acreditava muito mais na intuição dela, e em sua obstinação em permanecer ao seu lado houvesse o que houvesse. Eles discutiram os assuntos da carta por quase uma noite inteira, até o momento em que o licor de laranja que Eloise bebia em pequenos goles alegando que a mantinha acordada, começou a fazê-la rir sozinha. Mas é certo que quando o dia amanheceu, o mordomo da casa fora mandado para Londres no primeiro trem que partisse naquela direção, para avisar Eriol que viesse para casa com a máxima urgência.
E enquanto papai tentava manter sua esposa sóbria, desta vez com café, eu saí correndo do escritório, corri pelas escadas acima e praticamente invadi o quarto de Akizuki. Devo dizer que eu ainda era bastante indisciplinado e terrível para guardar qualquer segredo, então, eu estava desesperado para contar a alguém o que eu escutara, e fiz Akizuki acordar debaixo de empurrões, e contei-lhe num fôlego só tudo o que sabia.
"Você tem certeza?"
"Absoluta."
"Por que Eriol deve estar aqui, se esta decisão é de nosso pai?" – Ele perguntou, levantando-se desastradamente da cama. Akizuki continuava maior do que eu, para falar a verdade, ele estava quase da mesma altura que nosso pai. – "Mas você disse que não será ele que irá para a França!" – Sua voz experimentava algum alívio.
Desde quando Eriol começara a freqüentar o King's College em Londres, ele vinha passar apenas os fins de semana conosco, e os feriados, e sentíamos muito a sua falta, além das mudanças que este afastamento trazia, inevitavelmente. E, mais do que eu, Akizuki sentia-se por isso. Ele arranhou a cabeça, como se procurasse uma resposta, que não fosse a óbvia, que seriam nossos pais a viajar. Atravessou o quarto e acendeu a lâmpada do teto. Fiquei quieto, apreensivo e calado, enquanto ele ia mudar de roupas, no quarto de vestir. Ele estava tão quieto quanto eu.
"Você não dormiu? Passou a noite toda ouvindo a conversa dos adultos?" – Ele me perguntava.
Voltei a caminhar como um gato e descemos, como se nada houvesse acontecido. À mesa do café, que nem havia amanhecido, e já estava servida, no escritório, Eloise queixava-se de dor de cabeça e sono.
Nosso pai estava frente à uma xícara de chá preto fumegante, e com um olhar, entendi que eu deveria descer do colo de Akizuki. Pulei para o chão e fui para debaixo de um dos móveis do escritório. Ele fez um gesto com a mão, perto do chão e eu me aproximei, quando ele me levou para seu colo, entendi, ou acho que entendi, nunca vou saber se escutei de fato o que acredito que ele tenha sussurrado, perto de minha orelha quando me suspendeu no ar:
"Tagarela." – Mesmo assim serviu uma xícara de chá para mim, e afagou minha cabeça. Depois completou, mais alto: - "Saco de pulgas..."
Eu estava acostumado a ser tratado desta maneira carinhosa. Akizuki ainda era, às vezes, também chamado de espantalho. Ele sentou-se ao lado de papai e também recebeu um afago sobre a cabeça.
"Quando são pequenos são adoráveis... Depois crescem e se transformam em monstros gigantescos..." – Ele refletiu. Akizuki havia crescido muito, perto do que se esperou de sua aparência doentia quando menino. Talvez por sua natureza, ele não mantinha nenhum traço de falta de saúde ou de palidez. E eu o invejava, porque eu ainda parecia ter doze anos de idade, embora tivesse mais.
Nossa governanta surgiu na porta do escritório, estava arrumada para sair e estava com um chapéu de plumas e pássaros empalhados. Perguntou se deveria comprar algo além do que estava em sua lista, para a viagem.
"Não, apenas aquilo. Acha que estamos esquecendo de algo, Eloise?"
"Bicarbonato..."
A governanta despediu-se e saiu, o cocheiro a levou para a cidade. Bicarbonato era um bom remédio para azia – para não dizer que era excelente para reparar os danos de uma ressaca.
De fato haveria uma viagem. De fato, seriam eles que viajariam. De maneira muito direta, nosso pai disse a Akizuki o que estava acontecendo, o que não ia muito além do que eu já havia contado. Recebi um olhar de compreensão de sua parte, enquanto ele assentia que teria de ficar, por conta do colégio (ele era aluno do mesmo colégio em que Eriol já havia estudado). Terminei de beber meu chá e a xícara foi deixada na bandeja. Papai disse que eles partiriam no dia seguinte, mas que os preparativos já estavam sendo feitos. O mordomo, além de avisar Eriol também deveria adquirir passagens na primeira classe da balsa que atravessaria o Canal da Mancha, assim como passagens do trem de Nantes até Paris, e enviar um telegrama expresso para o advogado dele em Paris, solicitando a reserva de hotéis.
"Discutiremos o resto destes assuntos quando seu irmão chegar. Acredito que ele virá no trem do meio-dia." – Londres ficava a pouco mais de uma hora de trem da cidade, e era até certo ponto simples ir de lá para cá sem problemas. Ele beijou a testa de Akizuki, desfazendo a franja de seu cabelo curto. Oh, sim... Akizuki tinha cabelos muito curtos naquela época, se os deixasse crescer poderiam atrapalhá-lo nas suas violentas partidas de pólo, onde ele sempre mentia a idade para poder participar. – "Não faça este olhar, Akizuki. Você não vai ficar sozinho, Eriol vai permanecer na Inglaterra. E também não precisa preocupar-se por Spinel Sun, nós vamos cuidar muito bem dele, enquanto estivermos em Paris..."
Eu por muito pouco não acreditei no que ouvia.
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Por muitíssimo menos eu não pulei do colo de papai, e não como um gato, e fiz um escândalo. Akizuki, que antes estava tão sério e consternado, desatou a rir convulsivamente. Eu me arqueei e rosnei para ele, para deixar claro que não estava gostando daquela brincadeira, mas não adiantou muito.
"Spinel Sun vai aprender a miar em francês!" – Ele riu, me pegando no colo e puxando as minhas orelhas. – "Até as pulgas que vai pegar vão falar em francês!"
Papai também estava rindo, ele não estava, ao contrário do que eu imaginava, muito preocupado com a viagem, e como apreciava mudanças de rotina, acredito que estivesse ansioso pelo momento de embarcar. Mamãe tentou rir de Akizuki, mas não conseguiu.
Assim que ficamos sozinhos de novo, quando os adultos foram cuidar dos preparativos de viagem, eu me tornei a vítima favorita de Akizuki. Ele riu de mim a manhã inteira, por eu ter sido escolhido para viajar. Eu não pretendia ir, a idéia não agradava-me nem um pouco, e inclusive, eu chegava a sentir medo de ir, porque estava tão acostumado em casa, que não conseguia me imaginar em um lugar desconhecido. Eu só havia feito duas grandes viagens em toda minha vida. Uma, fora quando eu viera com Eriol e sua família, do Oriente, e outra, antes, da qual eu tinha recordações embotadas, e muito bem guardadas em minha memória. Eu não me imaginava seguro em qualquer lugar que não fosse a Inglaterra, e quando eu imaginava que iríamos para um hotel, eu quase chegava a chorar, de raiva e transtorno, ao pensar que o que eu chamava de lar era aquele casarão de pedra, alvenaria e madeira em que morávamos, com largos corredores, e muitas criadas para assustar.
Eu sentia o desespero de uma criança, e tentava convencer a mim mesmo que mudariam de idéia. Eu me tranquei no cômodo de vestir do quarto de Eriol, quando Akizuki percebeu que eu não estava apenas aborrecido pela surpresa. Fechei as janela, e fiquei no escuro, tentando não chorar, me sentindo um pouco... Não. Eu me sentia bastante como eu me senti quando eu acordei no porão da casa no Oriente, quando encontrei Eriol pela primeira vez. Não sei quantas horas permaneci ali, encolhido em um canto, me sentindo muito pequeno, e mais ainda pelo tamanho das roupas que eu vestia, no escuro absoluto, sentindo o cheiro de pó e mofo dos livros amontoados ao lado de onde eu estava. Era quase como estar de novo no porão, mas o porão também fedia a carniça, aquele cheiro adocicado de carne apodrecida, que vinha de todos os lados. Eu imaginava que o porão era como um pesadelo, igual aos que eu tinha por muitas vezes. Eu tentava me convencer de que não estava lá de novo, mas eu me sentia seguro no escuro, sentindo o ar frio daquela época de outono ficar mais pesado dentro do cômodo, até se tornar denso e carregado. Eu também percebia a emanação de minha própria tristeza reverberando pelas paredes. Sentia que era como voltar ao porão, fechei os olhos e senti o contato da pedra fria nas minhas costas, onde eu deveria estar sentindo apenas o contato da parede forrada de tecido da casa.
Eu me assustei com isso, mas não me afastei, continuei de olhos fechados e levei uma das mãos ao chão. Também era pedra. Estremeci. Eu me lembrei por um momento das coisas que eu via quando era pequeno, e eu senti o começo de uma dor muito antiga, uma dor aguda que começava em meus olhos. Eu também senti uma presença que eu conhecia, e a dor aumentava, como era nos meus sonhos. Eu o sentia muito perto de mim. Eu sentia todas as minhas piores recordações muito próximas de voltarem por vontade própria á minha mente. A dor nos meus olhos aumentava de maneira insuportável. Senti que eu estava chorando. E ele estava muito perto, perto demais...
"Spinel Sun..."
Abri os olhos bruscamente, porque eu não desconhecia aquela voz. Olhei para a porta e eu também não desconhecia aquele rosto, embora fosse mais jovem do que eu me recordava que deveria ser. Mas o meu terror não diminuiu. Eu estava tremendo, de medo e de toda a raiva que eu tentara uma vida inteira conter.
"Mamãe estava procurando você. Você não almoçou?"
A luz foi acesa. A ilusão que eu tivera desaparecera junto com o escuro do quarto de vestir. Esfreguei os olhos, eles haviam parado de doer. Era Eriol quem estava na porta, ele estava com uma bolsa de viagem na mão, e a deixou no chão quando eu me levantei. Eu havia acabado de confundi-lo com uma pessoa que havia vivido muito antes de ele nascer.
"Quando... Quando você chegou, Eriol?" – Arquejei. A raiva havia cedido, assim que o reconheci. Não sei porque eu sentia-me daquele jeito.
"Acabei de chegar, o trem estava um pouco atrasado. Akizuki me contou..."
"Eu não quero ir."
"Vamos conversar sobre isso depois. Eu ainda não falei com papai."
Eriol colocou sua bolsa dentro do quarto de vestir e também pendurou seu casaco num gancho do cabide. Quando entrei em seu quarto, Akizuki já estava jogado de bruços encima de sua cama, com os lábios avermelhados e úmidos, eu sabia que ele deveria ter recebido Eriol muito bem. Ele estava com um pente na mão e assim que eu me sentei na beirada da cama, começou a pentear meu cabelo. Encontrou um nó e, tentando provocar-me, o puxou com força. Não respondi nada.
"Você não quer almoçar, Spinel Sun?" – Eriol insistiu. Ele ainda cuidava de nós, de Akizuki, pelo motivo óbvio, e de mim, porque eu era o mais novo. Voltou para o quarto em um blusão de lã azul escuro, sobre a camisa, o mesmo que usava quando estava em casa e ia ver como as coisas estavam indo no resto da propriedade.
"Não quero almoçar. Não quero ir embora. Eu me recuso."
"Você não vai passar o resto da vida em Paris!" – Akizuki terminou de pentear meu cabelo. – "Está se comportando como uma criança, seu pirralho magricelo!" – Ele riu.
"Olhe-se no espelho, espantalho!"
"Parem com isso vocês dois!" – A ordem de Eriol foi seca. Sua voz por este momento pareceu-se mais com a da ilusão que eu acabara de ter. Queria falar sobre isso, e acho que ele havia percebido. – "Quem você achava que havia aberto a porta?"
"Você sabe... Você o conhece."
Percebi que Eriol engolia em seco. Akizuki endireitou-se, sentando-se, e sabia de quem estávamos falando, porque ele mesmo também já o havia visto, nós sabíamos, ainda que nunca tenha falado abertamente sobre o assunto, ou contado como havia sido. Olhando para Eriol naquele dia, eu entendia o que deveria ter sido óbvio havia muito tempo, porque afinal, era muito fácil de confundi-los, principalmente no escuro. O cabelo de Eriol, desde quando ele fora para a França pela última vez, na ocasião de seu aniversário de quinze anos, não havia mais sido cortado efetivamente, e estava agora além de seus ombros, muito preto, liso e cheio. Em verdade, eles se pareciam muito, agora que Eriol estava adulto, e eu acabara de perceber que também suas vozes eram bastante parecidas.
"Eu achei que ele havia ido embora..." – Continuei, respirando fundo. Falar era a única forma de aliviar o peso daquela tensão.
"Ele nunca foi embora..." – Akizuki suspirou. Eu não sei que tipo de significado poderia haver em seu olhar, que ao mesmo tempo que era perdido, parecia olhar o vazio, e encontrar algo. – "Sempre esteve aqui... Continua aqui."
"Não vamos falar disto agora. Papai está nos esperando. Eu não sei quando vou voltar para Londres, portanto acredito que possamos falar mais sobre isso. E há mais... Eu trouxe um mapa que talvez sirva como oráculo, e talvez nos ajude a encontrar algumas respostas tanto para mim quanto para vocês."
Eriol passou pela frente do espelho de sua cômoda e olhou-se. Tocou o próprio cabelo e olhou para nós. Imediatamente o prendeu, com uma fita preta que estava ao lado de um vidro de água de colônia. Ele próprio percebera que estava muito parecido com a pessoa da qual estivemos falando.
"Mapa? Como assim?"
"É uma carta marítima, está dentro da bolsa, mais tarde mostrarei a vocês." – Ele foi para a porta. Eu voltei a ser um gato e fui para o colo de Akizuki. – "Não é um oráculo comum, mas acredito que seja mais seguro do que o compasso, ou mesmo o pêndulo que tentamos usar da última vez!"
Saímos para o corredor.
Conversas como aquela eram muito normais entre nós três, embora quando Eriol houvesse aprendido a usar o tal compasso do qual ele comentara, e isso se dera justamente no colégio, por meio de colegas mais velhos, ele quase fora expulso. Era um colégio muito rígido e muito religioso, e Akizuki agora estudava lá, mas tanta austeridade não era suficiente para impedir que esse tipo de conhecimento também fosse aprendido, por curiosidade e às escondidas.
Fomos para o escritório, e iniciou-se uma longa conversa. Eriol iria se formar no Natal do ano seguinte, e ele agora trabalharia em casa, indo todos os dias e voltando para a universidade, estaria em suas mãos cuidar dos interesses da família, zelar pela casa, pela propriedade, por si mesmo, e por Akizuki.
"E por Spinel Sun?... Ele vai ficar, não vai?"
"Não. Ele virá conosco."
"Mas é um gato!"
"Ele não é um gato!" – Eloise passou pelo corredor e disse isso bastante alto, e continuou: - "Ele é o seu irmão mais novo!"
Akizuki tentou puxar minha orelha, e eu quase o mordi por causa disso. Eu já estava de mau humor por conta daquela viagem.
"Sua mãe virá comigo, com Spinel Sun ela não se sentirá tão sozinha." – Papai suspirou, guardando alguns papéis em uma bandeja de latão que mantinha encima da escrivaninha para isso. – "E ainda não sei dizer quanto tempo ficaremos longe daqui."
"Dias?"
"Eu diria meses..."
Eriol olhou para mim com certa preocupação. Endireitou os óculos e novamente tentou:
"Mas Spinel Sun..."
"Como disse Akizuki, agora ele irá aprender a miar em francês. Você deveria estar grato por eu aliviá-lo de mais esta responsabilidade, Eriol!" – Ele levantou os olhos. – "São apenas algumas semanas."
Ele olhou para mim e fez aquele movimento com os dedos, colocando a mão perto do chão. Prontamente pulei do colo de Akizuki, que estava de pé, ao lado da poltrona de Eriol, e corri para ele – Eu já havia aprendido quando era pequeno, que se não obedecesse ao seu chamado, ele me bateria com o jornal. Ele nunca havia me batido, mas ameaçava...
Ele me colocou em seu colo e desmanchou o laço que Akizuki havia posto em mim novamente (sem dúvida, ele fazia isso porque eu odiava os laços, laçarotes e fitas com todas as minhas forças), e tirou da gaveta alguma coisa mais pesada e fria, que passou em torno do meu pescoço e me soltou no chão. Eu não havia visto o que era. Fui na direção de Eriol, e bati com a pata em seu sapato. Ele esticou-se para olhar para mim e Akizuki também. Ele sorriram. Não. Eles tentaram conter o riso, mas acabaram cedendo. Estavam caçoando de mim abertamente. Olhei para o reflexo do vidro da porta de um dos armários, assim que pulei para o colo de Eriol e eu me vi com uma coleira, mas não uma coleira comum. Era uma esplêndida coleira repleta de pedras, cravejada, que a cada movimento rebrilhava com um furta-cor verde claro muito notável. Era uma peça de pura ostentação e luxo, do jeito que mais tarde eu descobriria que era o que Paris exigia.
No meio dos risos, eu escutei Eriol dizer:
"Agora, sem dúvida, está parecendo um gato de madame..."
E era o que eu acabara de me tornar.
CONTINUA
