Longe do Paraíso

Disclaimer: personagens e lugares pertencem a JK Rowling e à Warner Brothers, excepto aqueles que foram criados por mim. Esta fic foi escrita sem fins lucrativos e quaisquer semelhanças com outras histórias é mera coincidência.

Avisos: fanfiction não apropriada a menores de 13 anos.

Spoilers: PF, CdS, PdA, CdF, OdF

Sumário: No cenário duro do pós-guerra foi cometido um horrível crime e um Devorador da Morte é preso e condenado, acusado de homicídio. Porém, existem pontas soltas que não se encaixam no puzzle e uma Auror tem agora a difícil tarefa de descobrir a verdade antes que seja tarde demais.

Capítulo VII

"A menina de sete anos levantou-se da cadeira de plástico duro e alaranjado. Na arcada da porta da sala de espera, a mulher de cabelos encaracolados muito mal apanhados na nuca levou as mãos à cara para esconder as lágrimas que brotavam dos seus olhos tão semelhantes aos da filha mais velha, perante as palavras do homem alto que vestia uma comprida bata branca. Este pousou uma mão no seu ombro com uma expressão pesada e afastou-se, como se a acção que acabava de realizar fosse a mais normal do mundo.

Nas mãos da menina, cujos olhos de inocente brilhavam devido às lágrimas que ameaçavam escorrer pela sua face sem pinga de sangue, repousava o ursinho de peluche já velho que dedicara todos os seus seis anos de presença naquela família a dar e receber carinho. Era o ursinho dela; trouxera-o para que ela nunca se sentisse sozinha enquanto ali estivesse – tempo esse que ela sabia que não seria muito."

- Não era muito... estava tudo bem...

"A mulher que continuava ainda junto à porta abraçou o homem a seu lado. As suas lágrimas de dor ensoparam a camisa ensanguentada que ele vestia naquele momento. O homem magro passou um braço em torno dela; na sua face bailavam as principais emoções: dor e tristeza, raiva e ódio. Cerrou os olhos com força e deles escorreu um par de lágrimas que ele não se esforçou em limpar.

A menina tentou chamar a atenção de ambos por mais de uma vez, mas foi em vão. A mãe afogara-se num choro compulsivo e o pai entrara em choque. Ela não gostou da sua reacção e assustou-se. Apertou com força o boneco nas suas mãos e, de súbito, o seu olhar caiu no corredor totalmente vazio, ali mesmo a seu lado. Dirigindo um último olhar aos pais, olhou de novo o corredor e deu um passo em frente."

- Não... não, por favor, não...

"O corredor estava vazio, mas podia ouvir o burburinho nas salas que o rodeavam. Caminhando pelo lado esquerdo, encontrava o balcão de atendimento. Contudo, ela sabia que ninguém a podia ver. A mulher feia por detrás do balcão atendia uma jovem com um bebé ao colo; um homem passou por elas empurrado uma cadeira de rodas que transportava uma idosa que respirava através de uma máscara de oxigénio. O movimento era pouco e todos os que ali se encontravam estavam demasiado ocupados consigo próprios para repararem na menina perdida naquele imenso hospital.

E então, ela viu-as. Chegada ao fim do corredor e olhando para o lado esquerdo, as portas de cor acinzentadas pelas quais ela passara quando ali chegara. Pela certa, ainda ali se encontrava, lutando pela vida que lhe fugia por entre os dedos.

Relembrou a reacção dos pais às palavras do médico. As lágrimas... a dor... o ódio! Não, ela não poderia estar... não, estava tudo bem!"

- Não... eu não...

"Aproximou-se lentamente das portas cinzentas. As mãos já doíam de tanto apertar o seu ursinho. O sangue ameaçava gelar-lhe nas veias. Na garganta formara-se um nó que mal a deixava respirar. A medo, esticou o braço direito e empurrou um pouco a porta. Apenas queria ver o que se sucedia por detrás delas.

A imagem deixou-a em choque. Esbugalhou os olhos e tentou gritar, mas o nó na garganta impedia-a de soltar qualquer som. O corpo dela jazia sobre a maca, quase totalmente desfigurada e banhada em sangue. E o seu rosto... Como poderia aquele ser o seu rosto, outrora tão belo e pacífico?

Um homem de pequena estatura puxou o lençol branco de modo a cobrir todo o seu corpo e foi então que a verdade a atingiu de forma brutal. Viu a sala enevoada devido às lágrimas que se formaram nos seus olhos cor de chocolate. As batidas do seu coração eram quase imperceptíveis quando ela percebeu que nunca mais a veria com vida outra vez. Ela sabia que devia fechar a porta e correr até ao colo carinhoso da mãe, mas perdera por completo a reacção. Os membros não executavam os seus desejos.

- Filha, não!

A voz feminina que ela tanto conhecia aproximava-se cada vez mais. O homem da sala de espera avistou-a e correu para ela. De súbito, tudo ficou negro quando uma mão forte lhe tapou a vista e braços finos a puxaram até ao corpo confortante da mãe. Esta chorava no seu ombro, mas ela não conseguia fazer o mesmo que a mulher. Não conseguia nada. E tudo o que queria fazer era gritar – gritar como aquela voz gritava na sua mente e no íntimo do seu ser:

- NÃO! NÃO! NÃO!..."

- NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO!

Com um grito final, Hermione despertou do terrível pesadelo. O relógio na mesa de cabeceira indicava duas horas e meia da manhã. Sentindo ainda os terríveis gritos ecoar na cabeça e o pijama colar-se ao seu corpo devido ao suor, uma pontada no estômago fê-la revirar-se na cama e correr até à casa de banho, onde vomitou de angústia e desespero.

hr

As portas de Azkaban abriram-se de rompante para a deixarem entrar. O segurança responsável pelas entradas e saídas da prisão observou-a, de olhos bem abertos, mas não mexeu nem um músculo para a deter. Hermione prosseguiu o seu caminho pelo corredor de pedra com o olhar fixo no nada. Apenas tinha um destino em mente: a cela 139.

Passou pelo gabinete onde na tarde anterior encontrara Neville Longbottom, mas nem parou por um segundo para o cumprimentar. Na sua mente, apenas um destino, uma face. E quando o encontrasse, ele veria: Draco Malfoy nem saberia sequer o que o atingira. Havia de aprender a não gozar com os seus sentimentos.

- Hermione! Hermione, onde vais tu?

A voz de Neville soava tão longe do seu mundo...

- Hermione, fala comigo!

- NÃO! – a jovem afastou a mão do amigo e tentou fugir em direcção ao seu destino. – NÃO! NÃO!

Chegou ao portão de ferro que dava para o corredor recheado de celas com os perigosos Devoradores da Morte – era ali que o cobarde se escondia. Esticou o braço para o abrir e dar um passo em direcção àquilo que mais desejava naquele momento, quando uma mão mais forte a agarrou e a impediu de realizar os seus intentos. Neville seguira-a e puxara-a para si, aprisionando-a com as suas mãos.

- Mas que se passa contigo? – perguntou ele, quase sem fôlego.

- Nada, Neville, não se passa NADA! Deixa-me ir, eu tenho de falar com ele...

- Eu não te vou deixar falar com o Malfoy enquanto estiveres nesse estado e não me contares o que aconteceu ontem à tarde! Conta-me, Hermione!

Ela queria contar-lhe tudo. As palavras cruéis e injustas de Malfoy, o pesadelo daquela noite, o passado negro e doloroso que teimava em esconder. Porém, tais memórias eram como uma punhalada algures no seu peito; as palavras queimavam-lhe a garganta, fazendo-a gritar no seu interior. Que mal tinham feito eles para merecerem tal tragédia? Porque é que tudo doía ainda tanto mesmo após tanto tempo?

Com um ar desolado, Hermione deixou-se cair nos braços do amigo, que a olhava com receio e tristeza no olhar. Baixou a cabeça até ao ombro do rapaz e deixou as lágrimas escorrerem sem controlo pela sua face. Neville passou os braços em torno da sua cintura e embalou-a suavemente, murmurando palavras de consolo ao seu ouvido enquanto a conduzia até ao seu gabinete para poderem conversar com maior privacidade.

- Então, estás melhor? – perguntou ele quando Hermione acalmou um pouco. – Queres alguma coisa? Talvez eu deva ir buscar uma Poção Calmante...

- Não, obrigada! Já estou melhor, sim.

Ela limpou os olhos ao lenço que retirara do bolso do manto e mordeu os lábios repetidamente. Neville puxou o cadeirão para junto dela e sentou-se à sua frente.

- Hermione, eu sou teu amigo, preocupo-me contigo, quero ajudar-te. Mas para isso preciso que sejas honesta comigo, entendes? – falou o jovem, apertando ternamente a mão da amiga. Ela acenou afirmativamente com a cabeça, ainda tristonha. – Por isso, diz-me: isto tem algo a ver com a discussão entre ti e o Malfoy no encontro que tiveram ontem?

Mais uma vez, ela mostrou um sinal afirmativo. E como Neville continuava à espera de uma justificação plausível para o seu comportamento anormal, avançou um pouco mais no seu discurso:

- Ele magoou-me muito. Desenterrou partes do meu passado que eu não queria relembrar...

- Que passado? Podes-me explicar o que aconteceu ou não vai ajudar em nada?

Hermione suspirou. Já que as memórias daqueles tempos estavam tão vivas, não valia a pena escondê-las ao amigo só para não lhe doer referi-las, pois Neville esperava uma explicação.

- Bom, não é algo que costume contar a toda a gente, porque é algo muito doloroso. Ainda hoje custa tanto relembrá-lo, tal como no dia em que tudo aconteceu. Somente Harry e Ron o sabem, e foi uma revelação bastante recente também! – exibiu um triste e magoado sorriso. – Ela teria agora 21 anos, se não fosse tudo aquilo...

- Quem teria agora 21 anos? – arriscou ele após uma pausa prolongada.

- Claire... a minha irmã, três anos mais nova que eu.

«Tudo isto aconteceu numa tarde de Julho, há 17 anos atrás. Eu e a Claire tínhamos saído para irmos brincar. Ela tinha somente 4 anos e eu adorava-a: era tão pequena, inteligente, bonita. Poucos adivinhavam qual o nosso grau de parentesco, porque Claire tinha puxado os traços físicos da família do meu pai. Pele, olhos, cabelo muito claros. E era sempre tão querida... eu queria estar junto a ela o tempo inteiro.

Naquela tarde, saímos e fomos para o parque infantil que ficava no nosso bairro, um pouco abaixo da nossa casa. A minha mãe sabia sempre que nós adorávamos ir brincar para aquele local e não se preocupou muito. Maldita a hora em que pusemos um pé fora de casa!

Pedia sempre a Claire para não se afastar de mim quando estávamos sozinhas e ela obedecia-me sempre... mas não o fez naquele dia. Sabe-se lá porquê, enquanto eu me divertia no escorrega e pensava que ela estava mesmo atrás de mim, Claire foi a correr atrás de um pássaro até fora do parque... saiu para a rua... estrada... sorria, chamava o meu nome... e quando eu olhei, ela... foi... eu já só vi um carro passar-lhe por cim...»

As lágrimas transbordaram uma vez mais dos seus olhos. Neville apertou a mão da amiga com força, decidido a guardar todas as suas questões para o fim. No entanto, ela em breve continuou a sua história.

- Eu fiquei transtornada e corri imediatamente para ela. Comigo vieram outras pessoas que viram o que acontecera. Inexplicavelmente, o condutor do carro deu meia volta e desapareceu enquanto o Diabo esfrega um olho. Mas ninguém o tentou impedir... apenas Claire nos preocupava! Atraída pelo barulho, veio a minha mãe, ela... gritou, gritou... "Claire! Claire!". Alguém chamou uma ambulância, mas era tão... tarde!

«A minha irmã morreu naquelatarde, ao chegar ao hospital. Tinha somente 4 anos, Neville! Quatro! A minha mãe só conseguia chorar, o meu pai tinha ainda a camisa cheia de sangue por ter ido na ambulância junto a ela. Estavam em choque... incapazes de me contar o que acontecera. E eu... querendo saber, fui procurá-la e... encontrei-a, por fim. Na maca... mort...»

Neville apenas teve tempo de se chegar junto a ela para amparar a cabeça morena que caiu lavada em lágrimas. Esforçava-se para não chorar junto com a amiga, mas a sua história monstruosa e o seu desespero evidente eram obstáculos difíceis de vencer.

- Qual a tua reacção nesse momento? – perguntou ele assim que notou que o ritmo de choro já abrandara um pouco.

- Como querias que eu reagisse? – Hermione falava por entre soluços com uma voz abafada. – Naquele momento fiquei petrificada por completo. E assim permaneci durante mais uns dias; nem consegui sequer chorar no funeral. Custava-me crer que nunca mais a veria de novo e que a última imagem que eu tinha dela era aquela. E ainda tinha de carregar diariamente com o peso de que se eu não a tivesse levado comigo para o parque naquela tarde, a esta hora ela ainda estaria viva!

- Hermione – suspirou Neville, sem afastar os braços do corpo dela. – o que aconteceu não passou de um acidente. Um acidente terrível, mas ainda um acidente! Não foste tu a responsável pela morte de Claire.

- Foi o que me disseram naquela altura. Os meus pais... – com uma fungadela, a jovem afastou-se do ombro do amigo. – Ao início, sempre pensei que me culpavam pelo sucedido, mas depois eles conversaram comigo e explicaram-me que não era verdade. Mas a verdade é que nunca consegui esquecer aquele dia... com o tempo, fui aceitando o facto de ela já não existia, mas ficou tudo aqui gravado.

Apontou um dedo à cabeça e de seguida, olhou pela janela com uma expressão neutra. Ainda sentado no seu cadeirão, Neville arriscou a pergunta que pensava ter algo a ver com o estado da amiga.

- E o culpado?

Tal como esperava, ela ficou de novo com uma expressão taciturna, mas o ódio surgiu-lhe no rosto de uma maneira que o segurança de todo não esperava.

- Nunca o encontrámos! O condutor bem sabe aquilo que fez, mas é tão cobarde que se recusa a dar a cara! E as estúpidas autoridades não conseguiram sequer um suspeito! É tão desumano, inacreditável... Como pode alguém fazer uma monstruosidade destas e nem sequer se importar com o estado de saúde de uma criança! – Hermione passou a mão pela cara com tanta força que ficou com ela toda vermelha. – Após a morte de Claire, mudámo-nos para o outro lado de Londres, mas ainda hoje não consigo andar na rua, olhar para desconhecidos e não pensar que essa pessoa pode ser o responsável pela morte precoce da minha irmã!

Neville não sabia que acrescentar. Também ele sabia o que era perder um ente querido às mãos de outrém: os seus pais ficaram totalmente loucos depois de terem sido torturados por Devoradores da Morte, mas conhecia os seus nomes e estes cumpriam pena em Azkaban. O caso de Hermione era diferente e tão, ou talvez até mais, doloroso que o seu.

- Quando ontem fui falar com Malfoy – prosseguiu a jovem, um pouco mais calma. – eu não tinha intenção de referir a Claire, claro. Mas a conversa entre nós tomou outros rumos, ele estava a arranjar histórias para se defender... e acabou por dizer que, se Isobel tinha sido assassinada, era porque o merecia, tal como acontecia com todos aqueles que terminavam as suas vidas da mesma maneira. E a minha irmã foi assassinada; mas ela não merecia morrer. Ela não teve culpa! Ninguém merecia morrer assim!

- E era por isso que querias hoje falar com ele?

- Não era só por causa disso!

Os sinais de desânimo e angústia de há pouco pareciam agora começar a amainar no seu rosto. Pousou os cotovelos nos joelhos e apoiou o queixo nas mãos, pensativa.

- Há algo aqui que não bate certo! Eu sei que Malfoy é perito em mentiras, mas todas estas insistências de que é inocente... Não sei, parece que ele não está a ser totalmente falso!

- Tu achas que ele está a falar a verdade! – perguntou Neville, de olhos esbugalhados de admiração.

Ela demorou um pouco a responder. Levantou-se rapidamente da sua cadeira e, sob o olhar abismado do colega, deu umas quatro ou cinco voltas ao gabinete sem abrir a boca, antes de se sentar de novo com um ar desafiador.

- Não sei! – explicou ela, apressadamente. – Mas eu quero castigar o verdadeiro assassino de Isobel e... eu não sei, Neville... Sinto que Malfoy tem algo de importante a revelar, mas algo o impede...

- Achas que apanhámos o homem errado?

- É isso que eu quero descobrir. Eu quero ter a certeza absoluta que Malfoy está somente a tentar equivocar-nos em seu favor!

Hermione suspirou profundamente e a sua expressão ficou taciturna uma vez mais.

- Isobel é o meu primeiro caso de homicídio em que conheço a vítima. Encontrar o culpado é mais que uma vingança ou uma questão de justiça: é recompensar o facto de que nunca encontrei o assassino da minha irmã! – a sua expressão era agora de súplica. – Por favor, Neville!

O jovem não sabia que responder. Achava que aquele não era o melhor momento para proporcionar um encontro entre os dois, ela ainda não estava suficientemente bem para o enfrentar e poderia vacilar, tal como acontecera no dia anterior. Contudo, a sua dor era tão verdadeira e ele entendia tão bem o seu pedido... Daquela vez, foi ele quem suspirou. Como poderia resistir ao olhar desesperado e magoado de Hermione?

- Tudo bem, eu deixo-te ir. Mas não quero que tudo acabe como da última vez! – levantaram-se ambos e Neville abriu a porta à amiga. – Desta vez, eu vou contigo!

Continua...

N/A: este capítulo era para continuar. Mas contar a história da Hermione saiu bem maior do que aquilo que eu esperava e por isso é melhor terminar por aqui. Desculpem ainda não adiantar muito mais. Vou tentar postar o próximo capítulo quanto antes. E mais uma vez, mil e um obrigados ás minhas duas "quidas" Pandora e Jane – que faria eu sem vocês? Obrigada também à segunda pela olhadela! Beijinhos e até breve, espero!