"Foi muito bom", pensou Sesshoumaru. "Muito bom, apesar de ela ser humana."

O príncipe estava com a mesma roupa da noite anterior. Por quê? Porque o cheiro da menina estava ali, impregnado. E ele não a conseguia esquecer.

"Você prometeu que ia voltar, humana" – ele olhou para os lençóis brancos revirados sobre o futon. – "Espero que volte."

Capítulo III – A Descoberta e o Retorno

Mey-enn se sentou para jantar quando seus pais já estavam à mesa. Inu-Yasha se surpreendeu ao sentir um cheiro de sândalo vindo da garota. Mey-enn nunca se sentava à mesa com sândalo nos cabelos; sabia que cheiros, na hora de comer, perto de seu pai, se tornavam insuportáveis.

— Mey-enn, isso é...

— Sândalo – confirmou ela. – A viagem fez com que eu precisasse passar nos cabelos para tirar o cheiro de... terra.

Mey-enn sequer comentou sobre o youkai com que passara o último mês. Não era preciso, não era importante. Não pra eles. Ela jantou rapidamente, lembrando-se da promessa que fizera a Sesshoumaru: "Prometo que volto. No máximo em três meses." E o mais notável fora que ele compreendera.

— Filha – murmurou Kagome, quando ela se levantou. – Podemos conversar?

Mey-enn concordou com a cabeça e foi com a mãe para fora da casa. Kagome parou perto do lago e chamou a menina para perto.

— Que foi?

— Você andou lutando com youkais?

— Por quê?

— Há miasma envolvendo seu corpo. Você foi ferida?

— Fui, mamãe – mentiu ela. – Já tratei, está sarando, não se preocupe.

Mey-enn estremeceu quando a mãe tocou seu braço, perto da cicatriz. Como pudera esquecer que a mãe era uma sacerdotisa! O poder que ela tinha era tão perigoso quanto o olfato do pai da menina. Enganá-la, porém, seria mais difícil, porque esse sentido nunca se enganava. Era totalmente a prova de erros. Se Kagome não confiasse tanto em Mey-enn.

— Eu estou com sono, mãe. Podemos conversar amanhã?

— Vá dormir, meu amor. Esquece isso, filha. Só fiquei preocupada.

As duas se abraçaram. Mey-enn deu um beijo na bochecha da mãe e foi se deitar.

Kagome não tocou mais no assunto. Inu-Yasha não desconfiava de nada. Os três meses passaram rapidamente. Teriam sido facilmente esquecidos, não fosse a descoberta que Mey-enn fizera durante o tempo que estivera ali: sua menstruação não desceu em nenhum dos meses. Considerando os fatos, Mey-enn concluiu: estava grávida.

Esse foi o principal motivo que fez com ela voltasse no último dia do prazo. Precisava se afastar de Sesshoumaru. Não queria que ele se remoesse pelo filho que ela carregava e que era dele.

Estava de noite, já. Sesshoumaru temia que Mey-enn não cumprisse a promessa, e não voltasse. Ele não queria aparecer no vilarejo, e mesmo que aparecesse lá, não queria deixar Mey-enn em uma situação ruim. Andava de um lado para o outro, respirando ofegantemente.

Quando já tinha perdido as esperanças, olhou pela janela, e viu no céu a Lua crescente. Sob a janela, sentada na grama, estava a garota, vestida de azul, com os cabelos soltos arrastando no chão. Ele não hesitou; pulou para o jardim, as cerejeiras em flor servindo como amparo para os saltos. Cutucou a menina e ela se virou. Ele se ajoelhou e a beijou apaixonadamente, descontando num longo beijo o tempo que haviam passado separados.

— Nunca mais me deixe – murmurou ele, abraçando-a e beijando compulsivamente. – Nunca mais. Eu não quero você longe, Mey-enn, nunca mais.

Ele ofegava enquanto dizia aquilo tudo, e Mey-enn sentia a respiração rasa do youkai e as batidas totalmente descompassadas de seu coração. Ela retribuiu o abraço e afagou os cabelos daquele que amava.

— Vamos para dentro – murmurou ela. – Está frio, meu amor.

Ele concordou com a cabeça e a pegou no colo, sentindo sua natureza voltar ao normal à medida que a garota se aconchegava. Sesshoumaru pulou para dentro, e, pondo a garota no chão, a beijou novamente. Não tinha a situação sob controle. Não tinha. Queria que a garota ficasse ali para sempre, por mais que ela fosse humana, por mais que fosse impura. Exatamente como ele havia previsto, se apaixonara.

Sesshoumaru a olhou no fundo dos olhos e a viu sorrir, novamente, como quando era sua serva, apenas. Novamente aquele sorriso inocente, tão límpido e tão puro. Mas duas lágrimas teimosas escorreram pela face da menina, transformando o sorriso num presságio ruim.

— Que foi? – perguntou ele, preocupado. – Não queria ter voltado para cá, para mim?

Ela fez que sim com a cabeça, como quem diz "Sim, eu queria, e muito."

— Então, por que está tão calada, e tão triste?

— Eu vim me despedir – disse ela.

— Des... pedir? – Sesshoumaru parecia confuso. – Por quê?

— Há um ser dentro de mim. Um filho. Nosso filho. Não quero estragar sua vida.

— Mas...

— Me deixa falar. Eu vou ter meu filho longe daqui, longe de você e dos meus pais também. Ele será livre como você e corajoso como você. Não me procure. Quando ele estiver crescido, você saberá, e poderá visitá-lo.

— Mas...

— Só preciso perguntar-lhe uma coisa: você vai ficar bem? Sem mim, sem responsabilidades para comigo?

— Agora é minha vez. Eu não quero que você tenha essa criança longe daqui. Querendo ou não, de propósito ou não, ele é meu filho, e eu tenho honra. Nenhum pai, humano ou youkai, que tenha um mínimo de honra, abandona um filho. Só deixo claro: não é por esse meio-youkai que aí está; é pela honra dos taiyoukais.

"E por você, Mey-enn – pensou ele. – Muito mais por você."

Mey-enn passou os seis meses seguintes trancada na câmara do príncipe youkai. Seu ventre crescia, e Sesshoumaru reparava todo dia, quando entrava e a encontrava com o quimono entreaberto, o vestido leve e largo de seda cobrindo o corpo ainda sensual daquela humana que o seduzira, banalmente, como a outro humano, inferior. Ele a tocava, evitando seu olhar; sentia-se tentado a tocá-la mais profundamente, ver se ela estava bem, se continuava o amando. Não podia; ela ia ter um filho, um filho dele. A culpa era maior que qualquer tipo de desejo.

No dia que a criança nasceu, Sesshoumaru não estava em casa. Estava viajando, com Rin e Jaken, atrás de um youkai-dragão que matara alguns de seus servos. Ela teve a criança sozinha, sem amparo, mas conseguiu; era forte e agüentaria tudo, como a mãe e a avó. Não se sentiu só; tinha nos braços a melhor recompensa que ganhara em dezessete anos de vida: um filho. Um menino de cabelos prateados e lisos, olhos amarelados, pele alva e sem marcas. Tinha o rosto afilado do pai e a expressão sempre serena e sorridente da mãe.

Sesshoumaru chegou ao castelo quando a criança, chamada pela mãe de Omoori, tinha seis dias. Surpreendeu Mey-enn dando de mamar para o menino. A garota não interrompeu o ato apenas porque o seu senhor chegara. Continuou, tranqüilamente, a dar de mamar à criança. Ele chegou perto dela, as espadas enfiadas na faixa que ele usava, à guisa de cinto. Olhou para o menino com um ar desinteressado, como se este fosse um ser conhecido e desimportante. Para Mey-enn, ao contrário, seu olhar foi carinhoso e gentil.

— Como está? – perguntou ele.

— Nasceu como qualquer outro – disse a menina, recolhendo o seio. – Mas eu não tive ajuda.

Mey-enn pôs o menino no futon e se levantou. Seu corpo voltara a ser como era antes, nenhuma marca da gravidez ficara. Ela abraçou o youkai, as mãos espalmadas contra suas costas. Sesshoumaru tocou o rosto dela e a beijou suavemente. Mal quis saber do filho. Era estranho, mas parecia que, por ser meio-youkai, nem um, nem outro, Omoori não merecia a atenção de Sesshoumaru.

Ele passou com ela as duas semanas seguintes. Voltou às antigas atividades logo depois, e não apareceu por seis anos. Quando voltou, ficou por algumas horas e partiu em seguida, mal tendo tempo para conversar com a garota, que agora chegara aos seus vinte e três anos. Mey-enn, porém, fez com que ele olhasse o filho, mesmo por alguns instantes, e disse:

— Ele não pode viver toda a vida sem saber que tem um pai.

— Por que não conta pra ele?

— É o que pretendo fazer, mas queria que você estivesse aqui; ele não vai acreditar se não tiver o pai por perto.

— Ele não vai se lembrar se você contar agora.

— Direi quando ele estiver um pouco maior, com uns doze anos, talvez. Espero que ele suporte...

— O peso de ter um taiyoukai como pai? É esse seu medo? Tem medo de que ele não goste de saber que não é filho de um casal de humanos, como qualquer outro? É isso que você teme?

— É – ela o abraçou, desamparada. – É exatamente isso. E ele não vai querer viver para sempre trancado aqui nesse castelo, Sesshoumaru, como eu vou deixá-lo livre, se ninguém pode saber que ele existe? Omoori é muito parecido com você.

— Sei que é difícil, mas pretendo libertar vocês dois quando ele for crescido o suficiente para compreender que não pode sair por aí dizendo que é filho de um taiyoukai do Oeste.

Dizendo isso, ele pegou as espadas e partiu novamente, voltando muito depois.

A criança crescera barbaramente nesse meio tempo; tinha doze anos e era muito bonita e inteligente. Em muitos aspectos, lembrava o pai. Parecia filho puro de Sesshoumaru, mas o jeito era rebelde como o da mãe, quando ela tinha essa idade. Perguntara muitas vezes por que precisava ficar trancada e, se tinha pai, porque nunca o vira. Mey-enn respondia que o mundo fora do castelo era perigoso, mas ele retrucava, dizendo que não era esse o motivo, porque ele também não andava pelo castelo, e nem ela. Então ela fingia entristecer, fechava os olhos e, nas noites dos dias em que ele perguntava sobre Sesshoumaru, chorava, de saudades e de desespero.

Mas, como prometera, Sesshoumaru voltou, numa noite fria de inverno, quando a neve cobria os pátios do castelo e as copas das árvores. Omoori já dormira, Mey-enn estava se trocando para ir se deitar. Ele foi, silencioso como sempre, e tocou os ombros da garota, que, apesar dos seis anos depois do último encontro, não mudara em nada. Ele sabia que era impossível, mas ela assumira uma espécie de imortalidade youkai depois que se tornara dele.

— Sesshoumaru – a voz terna e doce dela chamou seu nome, a garota se entregou nos braços dele.

— Ele já dormiu – disse o youkai. Era uma afirmação, não uma pergunta.,

— Mas amanhã irá acordar. Vem, dorme aqui, comigo. Por mais incrível que pareça, eu sinto sua falta.

Sesshoumaru tirou a faixa e as espadas e as pôs num canto. Sua roupa, manchada da viagem, foi parar num canto qualquer, aleatório. Ele se deitou seminu junto à garota, sem se preocupar com o menino, que dormia num futon perto da parede oposta. Ela tinha o quimono entreaberto quando se deitou, e teve uma noite deveras agradável, e, daquela noite e do dia que veio em seguida, Mey-enn não conseguiu, e nem queria, se esquecer.