Capítulo IV – Revelação e Morte

Ela acordou cedo, Sesshoumaru e Omoori ainda estavam dormindo. Levantou-se e foi até a janela, ajeitando o quimono. A neve reluzia aos primeiros raios de sol da manhã, e ela avistava o horizonte, imaginando o vilarejo, longe dali. Omoori, despertado pelos raios de sol que entravam pela janela aberta, foi até a mãe, e a abraçou. Nem viu o youkai deitado no futon em que sua mãe dormia.

— Dormiu bem, querido? – perguntou ela, olhando para o filho.

— É, eu acho que sim – respondeu ele, os olhos embaçados de sono. – Mãe, hoje faz seis anos que meu pai não vem para casa, não é?

— É, meu filho.

— Eu não lembro como ele era... acho que eu era muito pequeno para lembrar...

— Isso você era, Omoori. Mas seu pai vai voltar, e você vai ver quem ele é.

Sesshoumaru se viu acordar com a voz de um garoto a mencionar a palavra pai. Se levantou, se vestiu, pôs a faixa e as espadas e foi até a janela, onde a garota e seu filho estavam. Encostou sua cabeça junto ao ombro direito dela e olhou para o menino. Pela primeira vez reparava no rosto do meio-youkai do qual ele mesmo era pai. Era fino e alvo, com os olhos do pai e sorriso da mãe, sem marcas. A franja prateada insistia em cair sobre os olhos, e ele demonstrava certa impaciência em relação a isso. Sesshoumaru não pôde deixar de sorrir ao perceber que o garoto estava confuso com a aparição inesperada daquele estranho nos aposentos de sua mãe.

— Este é o Senhor Sesshoumaru – disse Mey-enn.

— Ele... mãe, ele é um youkai!

— Sim, eu sou. Mas não nota nada de familiar em mim, menino?

Omoori ficou pensando por algum tempo, até se recordar de uma vaga lembrança, esquecida no meio de tantas outras, mais fortes: um rosto alvo, marcado, com olhos amarelados e uma tatuagem de lua na testa. Exatamente igual à que Mey-enn tinha no pulso.

— Ele... eu já vi esse youkai. Por que ele tem uma tatuagem como a sua?

— Porque sua mãe era minha serva – disse Sesshoumaru. – Você é – ele hesitou muito antes de dizer isso – meu – Sesshoumaru parecia ter algo o engasgando – fi...lho.

A reação de Omoori não foi compreensiva, tampouco dramática. Ele simplesmente se sentou no parapeito da janela e perguntou:

— Vocês não me contaram antes. Por quê?

— Você era muito criança – disse Mey-enn.

— E precisa compreender uma coisa – disse Sesshoumaru. – Você não é um youkai puro, não tem direito ao título de Senhor do Oeste. Por mim, você viveria sem me ver, porque é o meio mais fácil de não nos afeiçoarmos. Mas agora você sabe.

— Eu sou um bastardo?

— Mestiço.

— Você não me queria?

— Nunca tive filhos.

— Tentaria me matar?

— Você tem o meu sangue.

— Amava minha mãe?

— Ainda amo.

— A faria feliz?

— Do jeito que eu pudesse.

— É o suficiente. Eu só digo uma coisa: foi bom te conhecer, pai, e ter você perto de mim, mamãe.

E, rapidamente, ele pegou a Toukijin do cinto do pai, cravou no peito e caiu, com um baque surdo, de encontro à morte, que o esperava, muda, surda e cega, no pátio do castelo, onde ninguém, por mais que tentasse, pôde ver o corpo.

Mey-enn chorou muito. Sesshoumaru pulou pela janela e foi até o corpo do menino. Recolheu a espada e pegou o corpo inerte de Omoori, levando-o para Mey-enn. Ela parou de chorar e tocou a fronte do garoto.

— Você... – Sesshoumaru hesitou. – Eu posso revivê-lo, Mey-enn.

— Não quero – ela abraçou o filho morto. – Ele fez sua decisão. Ninguém o matou, e ele não era idiota; sabia que não era imortal.

— Me dê o menino – pediu ele. – Eu vou rev... revivê-lo.

— Pra quê? – perguntou ela. – Ele vai se matar de novo.

— Ele... Ele precisa entender.

— E você acha que ele vai conseguir?

— Acho.

Sesshoumaru pegou Omoori e empunhou a Tenseiga. Matou os espíritos que tentavam levar seu filho para o outro mundo e observou o garoto acordar, como se apenas tivesse dormido por algum tempo. Ele abriu os olhos lentamente e se refugiou, sem querer, nos olhos do pai. E, incrivelmente, Sesshoumaru sorriu.

— Omoori – chamou Mey-enn. – Filho.

Omoori não desviou o olhar dos olhos do pai. Se levantou e ficou frente a frente com Sesshoumaru. De repente, ele simplesmente o abraçou, como uma criança, que há muito ele aprendera a não ser. Sesshoumaru retribuiu o abraço, tranqüilo. Mey-enn sorriu. Pela primeira vez, o youkai se portava como um pai.

— Sua mãe lhe chamou – disse ele.

— Que houve, mãe? – ele se virou para a garota, soltando o pai.

— Não acabamos nossa conversa – disse ela.

— Eu sei que agi precipitadamente, e que ter um pai youkai não é o fim do mundo, então, eu queria pedir desculpas.

Sesshoumaru fez sinal para que Mey-enn falasse, mas ela não conseguiu. A voz embargou na garganta, e ela abraçou Omoori, simplesmente, e disse:

— Nós vamos sair daqui – ela olhou para Sesshoumaru, procurando uma nesga de apoio. – Vamos ver as florestas e os rios, de perto, Omoori. Troque de roupa, eu vou conversar com seu pai.

Omoori saiu, pulando como uma criança, e foi até a sala de banho anexada à câmara de Sesshoumaru. Mey-enn pulou no pescoço do youkai e o beijou. Sesshoumaru tocou a face dela, as unhas compridas roçando de leve os cabelos da menina. Eles ficaram abraçados por algum tempo, mas ele quebrou o silêncio:

— Por que disse a ele que íamos sair do castelo?

— Porque hoje nós vamos – respondeu Mey-enn. – Quero sair um pouco; esse castelo, as paredes, é um clima muito pesado, tudo isso me sufoca.

— Eu sei – ele tocou a cicatriz no pulso dela. – Desde que eu mandei fazerem isso aqui em você, você tem ficado presa, submetida a mim, como uma serva. E há muito eu sei que você não é mais apenas uma serva.

— Eu pensei que você nunca fosse dizer isso – ela se virou e foi em direção à janela. – Eu juro que sabia que você não pensava mais que eu era uma serva. Você já demonstrou isso, várias vezes.

— O que é isso? Até o que eu penso foi exposto a você, humana?

— Hã-hã – respondeu ela, tranqüilamente. – Tudo.

Omoori saiu naquele instante da sala de banhos, meio-vestido, com uma camisa até os joelhos, toda branca, de seda. Ele olhou para Sesshoumaru e corou.

— Mãe, você viu a minha faixa?

— Embaixo do travesseiro, Omoori – respondeu ela, ajeitando a camisa do menino. – Não esquece de pôr a roupa toda; não vamos ficar em casa, hoje.

Omoori pegou a faixa, sob seu travesseiro, e a pôs, sobre a roupa. Era de seda, também, como a de Sesshoumaru, mas em branco e vermelho. A roupa, branca com detalhes em azul-marinho, era quase idêntica à do youkai, e, mais do que nunca, ele parecia com o pai. Sesshoumaru devia ter percebido isso, pois olhou para o menino, com até um certo orgulho.

— Há uma coisa que eu prometi guardar para o dia em que eu tivesse um filho – disse o youkai. – Na verdade, era para meu herdeiro, mas, depois que te conheci Mey-enn, creio que nunca terei um filho com uma youkai.

Sesshoumaru se levantou e foi até o divã em que normalmente se sentava. Sob o estofado, um embrulho muito fino. Ele o pegou e entregou a Omoori, que desembrulhou-o, apreensivo. Era uma espada.

— Foi o velho ferreiro Toutousai quem fez – disse Sesshoumaru. – Fez para mim, há muito tempo, mas eu nunca a usei. Se chama Kinjiru-iga, o canino proibido, de poder inestimável, eficiência total, excelente de manusear, e muito obediente.

Ommori tentou se mover, mas a espada parecia muito pesada para ele. Sesshoumaru ajudou o menino a segurar a Kinjiru-iga, e disse:

— Vou te ensinar a lutar. Será um grande mestre para a Kinjiru-iga.

— Acho que não vou conseguir, pai – disse Omoori, apreensivo.

O youkai se surpreendeu com a calma com a qual o menino falou a palavra "pai". Sesshoumaru não estava acostumado a ser chamado de pai. Nunca pensara que um dia seria chamado assim. Nunca deslizara o suficiente com uma mulher para poder um dia ser chamado de pai.

Mas com Mey-enn fora diferente. Fora completamente diferente. Porque aquela humana o seduzira. Aquela humana tinha se tornado dele por livre e espontânea vontade. Quase implorara para que ele a tornasse dele. E pelos doze anos em que eles se uniram, mesmo que praticamente só em pensamento estivessem de fato juntos, ele nunca se esquecera do cheiro da menina, do calor de seu corpo lânguido, do prazer que, por uma única noite, aquela menina lhe proporcionara. Coisa que nenhuma youkai jamais chegara perto de fazer.

— Senhor... – Mey-enn tocou o braço do youkai. – Meu amor? – sussurrou ela, ao ouvido dele.

— Fala – disse ele, despertando de seu transe.

— Vamos? – ela segurou o braço do youkai, não convidando-o, mas puxando-o, como uma adolescente. – Ah, vamos, está na hora de a gente ir.

Sesshoumaru deixou que a menina o levasse. Omoori estranhou: os dois não iam em direção à porta, mas sim em direção à janela.

— Pai, mãe, o que vocês estão fazendo?

— Esqueceu que você não é meu herdeiro, ao menos não considerado como? – perguntou Sesshoumaru, incisivo.

— Não comecem, vocês dois, tudo bem? – Mey-enn estava sentada no parapeito da janela, as pernas balançando para fora. – Vamos logo!

A garota se jogou, direto no chão. Caiu como uma gata lá embaixo, junto ao youkai e ao filho.

— Mãe, você tem que parar de pular como uma adolescente!

— O que você pensa que eu sou, Omoori? – ela já estava bem à frente deles, correndo de costas para a estrada. – Velha?

Ela se virou de frente para o horizonte e continuou correndo. Definitivamente, Mey-enn sentira muita falta da liberdade que tinha antes de engravidar. Omoori sentia tudo como uma experiência nova demais, viva demais, assustadora demais. Tudo demais. E ele tentava entender o que havia de perigoso num mundo tão fascinante, mas, por mais que tentasse, não conseguia.

Ele e Sesshoumaru apressaram o passo, para chegarem mais próximos a Mey-enn, que reduzira um pouco a velocidade, e agora apenas andava rápido. Os dois emparelharam com ela e Omoori perguntou:

— Mãe, cadê os perigos do mundo aqui fora?

— Escondidos, filho – respondeu ela. – Muito bem escondidos. Na forma de youkais terríveis, humanos sem compaixão, e outros seres repugnantes e vis.

— É tudo tão lindo...

— É, filho – disse Sesshoumaru. – É sempre lindo, até resolverem minar seus sonhos. Mas não se preocupe, eu e sua mãe estaremos com você sempre.

Mey-enn concordou com a cabeça e assobiou, numa variação esplêndida de tons. Uma loba youkai foi até ela, e pulou no colo da menina. Mey-enn afagou as orelhas dela e olhou para os dois atrás dela.

— Essa é Yamma – disse a garota. – É uma velha loba do clã do Sul. Foi ela quem me disse onde poderia encontrar comida... E foi seguindo a rota que ela traçou para mim que eu cheguei ao seu castelo, Sesshoumaru. Acreditando ou não Omoori, você deve seu nascimento a ela.

O garoto se aproximou da loba e tomou o lugar da mãe, fazendo o animal fechar os olhos e se deitar na grama, feliz. Mey-enn se levantou e abraçou Sesshoumaru, beijando-o calmamente. Omoori continuava entretido com a loba, e agora brincava com ela.

— Pensei que... ele fosse... maduro – murmurou Sesshoumaru, entre um beijo e outro.

— Ele é – ela apertou o abraço. – Mas ainda... é uma criança... Precisa viver.

Sesshoumaru se lembrava das raras vezes, nos último anos, que estivera com Mey-enn. Pela primeira vez, se achou egoísta e insensível. Seu corpo enrijeceu momentaneamente, mas foi o suficiente para Mey-enn perceber que ele se perturbara.

— Que foi? – perguntou ela.

— Estava pensando como fui ausente todo esse tempo – respondeu ele, olhando no fundo dos olhos dela. – Como fui egoísta, e insensível...

— E sincero, e carinhoso, e compreensivo – continuou ela. – Melhor que qualquer outro, youkai ou humano, ou hanyou. Você não tem defeitos, meu amor.

— Definitivamente o amor é capaz de cegar as pessoas.

— Ou abrir-lhe os olhos – ela sorriu. – Vamos andando, eu quero ver outros bosques e florestas; não me lembro de todos os locais pelos quais passei na minha adolescência.

Sesshoumaru lhe deu um último beijo e foi andando com ela até o filho, que se afastara, brincando com Yamma. Apesar de velha, a loba era extremamente altiva, ágil e, segundo Mey-enn, sábia e lúcida. Omoori, percebendo que os pais queriam continuar andando, se despediu da loba, mas ela não foi embora. Seguiu o garoto e pediu, com um olhar, para poder seguir com eles, no que Mey-enn concordou.

Os quatro seguiram em frente, andando por entre árvores e lagos, Omoori se jogando em todos os rios e riachos que encontrava. Sesshoumaru e Yamma ficavam sempre perto da margem, nunca dentro da água. Mey-enn normalmente ficava colhendo frutas ou coisas do gênero. Raramente se banhava na frente de Sesshoumaru e Omoori, mas permitia que a velha Yamma guardasse os locais em que a garota tomava banho.

Sesshoumaru adorava esse comportamento da menina. Fazia com que Mey-enn mantivesse a aparência de ingenuidade e inocência que ele altamente apreciava. Era estranho vê-la se escondendo depois de tudo o que haviam passado juntos, depois do nascimento de Omoori, daquela noite, tudo.

Dois longos anos se passaram, dois longos anos nos quais eles andaram por entre todos os locais conhecidos e até inóspitos do Japão Feudal. Omoori progredira muito no manejo da espada e já conseguia derrotar a maioria dos youkais que atravessavam o caminho do grupo. Mey-enn continuava linda, e a velha Yamma havia deixado o grupo havia poucos meses, quando eles passaram por perto do acampamento do Clã de Lobos do Sul. Sesshoumaru continuava lindo e muito amoroso com a menina.

Quando estava havia quatro anos andando com Sesshoumaru e Omoori, Mey-enn encontrou Chihima. O Sol já estava se pondo. Correu para a amiga.

— Chihima!

— Ele me libertou, Mey-enn. Deixou de lado o fato de que eu havia fugido e me libertou!

As duas se abraçaram.

— Queria te ver livre também... – murmurou Chihima.

— Mas eu sempre fui livre, Chihima. Sempre vivi livre, nunca me subjugaram. Nem Sesshoumaru pôde fazer isso.

— Chama ele pelo primeiro nome, sem fazer referência ao clã, e não usa "senhor"?

— Já disse que nem ele pôde me subjugar – respondeu Mey-enn, orgulhosa.

— Juro que pensei que estivesse morta. Passou dezesseis anos sem dar notícias, sem que eu soubesse onde você estava.

— Estive ocupada.

— Senhor Sesshoumaru?

— Não exatamente com ele. Quer dizer, de certa forma, sim, ele me ocupou durante todo esse tempo, mas não do jeito que provavelmente está pensando.

Chihima hesitou, antes de perguntar:

— É verdade que você é a nova concubina dele?

Mey-enn gelou, e respondeu, asperamente:

— Claro que não! Por que eu seria? Pra começar sou humana, depois, sou fugida. Por que ele me quereria como sua amante?

— Não sei – a garota deu de ombros. – Apenas ouvi rumores. Pessoas, que comentam esse tipo de coisa. Descobri uma coisa muito interessante.

— O quê?

— Ele só marca com a Lua suas amantes preferidas. Nunca fez isso com servas comuns, e você tem a marca da Lua. Deveria ser a preferida. Deveria.

— Não sei porquê. Gosto da vida que levo, sem ter que me deitar com ele. Além do mais, youkais se oferecem aos montes para dormir com ele. Creio que ele não recusa todas elas.

— Às vezes ele as recusa, porque quer algo diferente. E ele quase sempre quer algo diferente.

— Não vejo muito sentido. Todas as youkais são diferentes.

— Amor, Mey-enn. Pouquíssimas mulheres que se deitam com ele realmente o amam. Quase sempre querem apenas o título de concubina dele. Claro que quase nenhuma conseguiu.

— Como sabe disso tudo?

— Minha mãe era uma youkai, a preferida dele.

— Você é filha de Sesshoumaru!

— Não! – Chihima parecia ofendida. Mey-enn suspirou, aliviada. – Minha mãe teve um marido, meu pai, um humano, que morreu quando ela estava grávida de poucos meses.

— E... Como ela morreu?

— Ronin – murmurou Chihima. – Batalha contra um hanyou, Inu-Yasha. Era ela quem protegia Sesshoumaru.

— Meu pai... matou sua mãe?

— Inu-Yasha é seu pai?

— É.

— Por que você nunca me contou?

— Você nunca perguntou!

— Mas não se preocupe, Mey-enn. Você não é responsável pelo que seu pai fez.

— Por que ele fez isso?

— Porque ele era meio-irmão de meu pai.

— Seu pai?

— E minha mãe foi a assassina de papai... Numa crise. Foi sem querer, ela chorou muito.

— Eu tinha um tio?

— Ahn-ham.

— E isso quer dizer que...

— Eu sou sua prima.

— Ah... Explica.

— Sua avó, Izayoi, teve um... caso, com um humano, pelo qual ela era apaixonado, antes de conhecer Inutaisho.

— E disso nasceu seu pai?

— Ahn-ham.

— Ahn... As datas não batem.

— Quantos anos você pensa que eu tenho?

— Vinte e seis? – arriscou Mey-enn.

Chihima gargalhou da inocência de Mey-enn.

— Eu já cheguei aos cinqüenta e seis!

— Não parece!

— Claro que não parece! Olhe seu pai! Ele já deve ter uns cem anos!

— Incrível. Sério, de verdade.

— Eu sei. Mas, voltando ao assunto, minha mãe era a preferida dele, e ela tinha a Lua.

— Sabe quem foi a preferida antes dela?

— A mãe da minha tia, que é meia-irmã por parte de pai do meu pai.

— Então... Deve ser uma espécie de maldição de família. Que não se abateu sobre você porque chegou a mim primeiro.

— Então... Você é amante dele.

— Desde o dia seguinte àquela noite em que ele mandou me marcarem.

— Os servos não conhecem a simbologia. Nenhum deles, nem os youkais. Fazem apenas o que o senhor Sesshoumaru manda.

— E isso quer dizer que eles não sabiam disso tudo que você me falou.

— É exatamente isso. Ele queria tudo em segredo... Mey-enn, ele te amava!

— Eu sei.

— Nossa, eu pularia de alegria.

— É que eu já fiquei feliz por isso durante muito tempo.

— Você não é mais dele?

— Claro que sou! Nós temos um filho. O Senhor do Oeste me deu um filho! E ele é tão lindo...

— Espera um pouquinho, você pariu um hanyou?

— Ahn-ham. E estou viva. Viva e feliz, Chihima. O homem que eu amo me deu um filho! Como eu sempre quis, eu tenho um filho com o senhor que me ama.

— Ah, e isso é tão bom...!

— Não seja assim! É muito bom, para mim.

— E eu sei, mas não consigo entender o porquê de, entre tantos youkais, você ter escolhido logo ele.

— Porque ele foi gentil comigo, e gostou de mim sem que eu precisasse fingir.

— Ah, pare com isso! Você nunca precisou fingir.

— Você não me conhece tanto assim. Minha vida sempre foi uma complicada teia de mentiras. Que eu não pretendo desfazer.

— Eu te entendo. Juro. Também amo um youkai. Estou esperando uma filha dele. Quatro meses.

— Não parece!

— Como hanyou, tenho controle sobre as alterações de meu corpo. Não quero que saibam.

— E como vai se chamar?

— Kitsime.

— Belo nome.

— Sei que vou precisar muito de você. Sinto isso.

— Pode contar comigo para o que der e vier. Não se importe com o horário, lugar ou com o que estarei fazendo na hora.

Chihima agradeceu-a e abraçou a amiga, que retribuiu o abraço, e depois as duas se separaram. Chihima se embrenhou na floresta; Mey-enn foi na direção oposta, rumo ao seu amado.

Viu Sesshoumaru sentado à beira do lago, exatamente onde eles se haviam separado dezesseis anos atrás. Tocou-o por trás e, quando ele se virou, beijou-o ardentemente. Ele estivera sorrindo. Sua mão percorria as costas cobertas de seda de Mey-enn, fazendo-a se arrepiar e estremecer. Essa reação ele achava fantástica. Ela acariciava os cabelos do amante, sem se importar com o Sol que se punha e com a ausência de Omoori, que podia chegar a qualquer momento. De repente, quando as mãos dele se tornaram mais ávidas, ela o soltou e sorriu. Sesshoumaru se mostrou indignado; como ela era atrevida!

Ele a olhou com um certo desejo que há muito não ostentava. Ela se mostrou praticamente irredutível, até que a noite caiu. A Lua estava linda, o dia estava quente, e os dois queriam muito. Ele lutou consideravelmente para conseguir seduzi-la novamente. Mas conseguiu. Ela se despiu e entrou no lago, chamando-o com as mãos. Nem precisava ter chamado; ele teria ido de qualquer jeito. Fatalmente, ela novamente engravidou. Dessa vez, Mey-enn sentia, era uma menina. Sesshoumaru havia ficado feliz com a notícia. Não se importava mais se a garota era humana ou o que quer que fosse; o que interessava era que ela era dele, e apenas dele.

— Como vai se chamar? – perguntou Sesshoumaru a ela, com os cabelos ainda úmidos, já vestido, deitado às margens do lago, abraçado a Mey-enn.

— Mimytsu – murmurou Mey-enn, se aconchegando nos braços dele. – Será que eu ouvi direito?

— O quê? – perguntou Sesshoumaru, beijando-a rápida e ardentemente.

— Você está se preocupando com a filha que acabamos de gerar? – ela o encarava com aqueles olhos profundamente lilases.

— Estou, e muito – ele a beijou novamente. – Quero ser feliz com você, meu amor. A certeza que você tem me envolve, Mey-enn. Quero fazer de você e dessa menina que aí está as mulheres mais felizes do mundo!

Mey-enn sorriu e enlaçou o pescoço de Sesshoumaru, murmurando:

— Eu já sou a mulher mais feliz do mundo.

E ali mesmo, na beira do lago, abraçados, eles adormeceram. Quando Omoori chegou, sorriu ao ver o sorriso que a mãe trazia no rosto, ainda que adormecida. Estava radiante. Nunca havia visto um sorriso tão sincero, puro e radiante nos lábios da mãe. E ele a conhecia havia muito tempo.

Três meses se passaram. Mey-enn e Sesshoumaru se haviam embrenhado na floresta e ali ficaram, e ficariam até Mimytsu nascer. Sesshoumaru queria ter certeza de que o nascimento dela ele não perderia.

Foi naquela noite fria de inverno, dois dias depois do aniversário de Omoori, que Mey-enn acordou, à noite, com um grito:

— Mey-enn! – gritou Chihima, do meio da floresta.

Mey-enn se levantou correndo, acordou Sesshoumaru e Omoori e avisou-lhes que estava de saída. Sesshoumaru foi, junto a Omoori, para a orla da floresta, de onde podiam ver os arredores. A garota foi correndo até o local de onde tinha ouvido a voz da amiga. Chegou e viu Chihima com as duas mãos comprimindo o ventre, gemendo de dor.

— O que houve?

Chihima não falou nada, apenas tirou as mãos do ventre. Sob as mãos, sangue, e um corte profundo.

— Salva a minha filha – pediu Chihima, cobrindo novamente com as mãos o ventre machucado. – Por favor.

— Como?

— Sei que você tem uma adaga – murmurou a outra. – Corta a pele, dá um jeito, mas salva a vida da minha filha.

Mey-enn se aproximou, incerta, e empunhou a adaga. Um exame superficial do corte já denunciou um harakiri. Nenhum corte provocado por alguém de fora poderia ter sido tão preciso a ponto de não matar a criança.

— Vai doer, Chihima.

— Não importa – ela fincou as unhas nas palmas das mãos. – Que Buda nos ajude.

Mey-enn cortou, com um cuidado até excessivo, a pele do ventre da garota. Chihima, num instinto, cobriu o corte, mas Mey-enn tirou as mãos dela de sobre o local.

— Não ponha as mãos aqui. Ponha-as sob as costas, embaixo de você, mesmo.

Chihima obedeceu, temendo perder a consciência. Mey-enn quis mantê-la falando.

— Por que quer que eu salve sua filha, e não você?

— Porque eu perdi muito sangue. Vou morrer mesmo se você conseguir fechar o corte.

— Ela não vai sobreviver aqui. Não sem mãe, não está totalmente formada.

— Vai nascer youkai.

— Como?

— Todo hanyou filho de pai youkai e mãe hanyou pode nascer youkai se nascer antes de o sangue humano da mãe entrar em contato com ele. Um youkai sobrevive à vida a partir de seis meses de gestação.

Mey-enn parou de falar. A menina foi tirada de dentro do ventre da mãe, pequena, com pouco mais de dois quilos, um rabinho bem certinho, no final da coluna, de quase dois centímetros de comprimento.

— Minha filha...

Mey-enn entregou a menina à mãe e olhou para o profundo corte no ventre da amiga.

— Deixe pra lá – Chihima segurou o pulso dela. – Leve a minha filha a Shippou. É um youkai kitsune que mora no mesmo vilarejo de seu pai.

— Eu o conheço – disse Mey-enn. – É meu amigo.

— Entregue pra ele. Ele saberá o que fazer.

— Entregarei se me responder: por que harakiri?

— Minha mãe tinha visões. Elas sempre acontecem. Em uma delas, vi que ia morrer. Assassinada. E minha filha morreria comigo, e eu não queria. Podemos mudar pedaços de nosso destino, Mey-enn. Não podemos deixar de matar se assim estiver escrito, mas podemos escolher quem iremos matar. Não podemos nos livrar da morte, mas podemos salvar a vida de quem amamos. Eu prefiro morrer sem levá-la comigo.

Chihima entregou a menina nas mãos de Mey-enn e, com um último "Obrigada", deixou a cabeça pender e os olhos se fecharem. A vida dela tinha se extinguido.

Mey-enn chorou por algum tempo e acolheu a criança, envolvendo-a com uma das faixas sobrepostas do quimono. Os olhos embaçados lhe permitiam uma visão enevoada, mas ela estava perto do vilarejo. Sesshoumaru a estava esperando na orla da floresta, e se surpreendeu ao ver a criança no colo da garota.

— Não é nossa filha – respondeu ela à indagação silenciosa de Sesshoumaru. – É filha de Chihima. Tenho que levá-la a um amigo.

— Omoori, vá com sua mãe – disse Sesshoumaru. – A proteja de todos os males, e, se forem perseguidos, traga-a de volta a mim.

Omoori concordou com a cabeça e foi andando com a mãe, que carregava a criança no colo. Kitsime chorava baixinho. Tinha as mãozinhas avermelhadas e mexia-as constantemente, procurando por um aconchego maior. Omoori observava a criança com ternura. O cabelo dela já tinha a cor castanha e estava seco. O rabo mexia sob os panos, os pêlos ainda úmidos. A ausência de roupas fazia com que a pequena tremesse um pouco, mas Mey-enn aconchegou-a mais rente a seu corpo e ela se aquietou.

Chegaram ao vilarejo antes do aparecer da Lua. Shippou estava na cabana que possuía há pouco tempo, acertando a comida para jantar. Mey-enn afastou a persiana grossa de bambu e entrou, pedindo a Omoori que a esperasse do lado de fora. Ele obedeceu e ali ficou, sentado de pernas cruzadas na soleira da porta, os olhos cerrados.

Mey-enn foi até Shippou com um pouco de receio. Sabia que ele a procurava, como todas as pessoas do vilarejo, mas Chihima lhe pedira; era um risco que valia a pena correr.

— Mey-enn? – surpreendeu-se ele. – Que fazes aqui?

— Uma amiga minha teve uma criança – respondeu ela, mostrando o pequeno embrulho de cobertores a ele. – Disse que era para entregá-la a você. Disse que você saberia o que fazer. Ela não veio porque está...

— Morta – afirmou Shippou. – Chihima, não é? – Mey-enn concordou com a cabeça. – Então essa é... Kitsime? Minha filha?

— O quê? – Mey-enn estava sem entender coisa alguma. – Filha? Shippou, do que você está falando?

— Ela não te contou que eu era o pai da criança? É minha filha, Kitsime, kitsune hime, a princesa raposa.

— Você é o youkai pelo qual ela se apaixonou?

— Eu mesmo – Shippou tirou a filha dos braços de Mey-enn e descobriu-a. A criança chorou de frio, mas ele a cobriu com uma manta de peles. – Ela nunca quis que descobrissem o que acontecia entre nós. Eu nunca desejei o contrário.

— Eu sei que você sente por Chihima. E sei como você deve estar feliz. Eu também tenho um fi... deixa pra lá.

— Um "fi" o quê? Um filho? É isso?

— Não conta – pediu Mey-enn.

— Chihima nunca contaria. Pela minha filha, juro que nunca direi a quem quer que seja. Nem a seu pai.

— Obrigada.

Um assobio ritmado, semelhante ao soprar do vento de primavera, prendeu a atenção de Mey-enn. Shippou pôs a menina, adormecida, num futon e saiu da cabana. Um garoto amarrado era levado, fazendo os sons com a boca praticamente amordaçada. Num ímpeto, Mey-enn gritou. Inu-Yasha, que passava por ali, reconheceu o grito da filha e correu para Mey-enn, abraçando-a. A garota soluçava.

— Calma – dizia Inu-Yasha. – Era só um hanyou. Tem sangue de meu irmão, será banido, você está a salvo.

Mey-enn se desvencilhou do abraço do pai e o encarou. O hanyou não conseguiu explicar o porquê daqueles olhos tão tristes. Ela se virou e saiu correndo em direção à floresta, acenando em despedida para Shippou. Chegou até Sesshoumaru rapidamente. Contou-lhe tudo em umas cinco palavras e foi com ele resgatar o filho.

Quando o youkai pisou no vilarejo, os humanos fugiram. Omoori estava amarrado, sem oferecer resistência, sendo avaliado por ninguém menos que Miroku. Sango esperava a permissão para bani-lo. Sesshoumaru cortou as cordas que prendiam o garoto e olhou os dois. Miroku e Sango ficaram sem ação. Omoori abraçou Mey-enn e segurou a mulher no colo. Nesse momento, Inu-Yasha chegou.

— Ela o libertou! – gritou um homem que fugia numa corrida desesperada.

— É verdade? – perguntou Inu-Yasha.

— É – murmurou Mey-enn. – Não posso deixá-lo preso, não ele.

Cansado de tudo, Sesshoumaru chamou Omoori, manteve Mey-enn no colo e rumou apressado para a floresta. Inu-Yasha o seguiu, junto a Kagome. Tinha a Tessaiga empunhada e sentia o coração apertado. Kagome já suspeitava; observara bem a expressão serena de Omoori, que ela só conhecia no rosto da própria filha.

Chegaram a uma clareira e Sesshoumaru se virou, soltando Mey-enn no chão. E, pela primeira vez, Mey-enn temeu por seu filho e pela criança que ela própria carregava em seu ventre. Inu-Yasha não parecia calmo; aliás, só não estava vermelho de raiva porque não era da natureza dele.

— Você raptou minha filha – disse Inu-Yasha.

— Eu fui até o castelo dele, papai! – exclamou ela, atrás de Omoori.

— Mey-enn, não fale, por favor – pediu Sesshoumaru. – Não fique nervosa, pense nela – ele indicou com um leve apontar o ventre aparentemente normal da menina.

Mey-enn tocou instintivamente o ventre e concordou com a cabeça. Inu-Yasha estava muito nervoso.

— Me explique! – exigiu ele.

— Calma, irmão – Sesshoumaru estava frente a frente com ele. – Vou lhe explicar, espere. Serei rápido.

— Pois seja!

— Ela andou por muito tempo, ficou com fome e me roubou. Eu a condenei a ser minha serva, ela tentou fugir, eu me transtornei e quis entregá-la de volta a você. Você não me deixou falar, eu voltei, ferido. Ela cuidou de mim, como serva. Pulando os detalhes, temos um filho, esse garoto à sua frente, e uma pequena a caminho, Mimytsu. No geral, bem sintetizado, é isso.

— Mey-enn – Inu-Yasha estava entrando em pânico. – Filha, me fala que esse menino não é seu filho.

— É, pai – respondeu ela. – Tem dezesseis anos.

— Dezesseis? – ele fez as contas. – Então, no dia em que voltou, você já estava grávida?

— Já. Passei os três primeiros meses de gravidez no vilarejo. Voltei para o castelo quando descobri.

Não fazia sentido algum. Sua filha dormira com seu meio-irmão? E tivera um filho? De Sesshoumaru? Definitivamente não fazia sentido! E por quê? Para Sesshoumaru ele sempre fora escória, imagine a humana que tinha como filha! Ainda não conseguia entender. Não fazia sentido. Não fazia.

— Você a drogou – disse Inu-Yasha, com raiva. – Só pode tê-la drogado. E agora ela nem me reconhece.

— Inu-kun – murmurou Kagome, tocando o ombro do marido. – Inu-kun, não é culpa dele. Eu senti, no dia em que ela chegou, cheiro de miasma. E não de veneno ou medicamento. Ela está consciente. Assim como esteve durante todos os dias de sua vida.

— Mey-enn... – ele não queria acreditar.

— Desculpa, pai – ela abraçou Sesshoumaru, se pondo na frente dele. – Eu só amo um homem na minha vida. Não dá pra esconder.

Inu-Yasha já não estava nervoso. Estava simplesmente desolado. Como assim, apenas um homem em minha vida? Ela se esquecera dele? No fundo, Inu-Yasha sabia que não era o tipo de amor pai-filha de que ela falava. Mas ele se sentiu mal assim mesmo. Kagome, a seu lado, chorava por dentro. Podia prever certas partes do futuro, e não gostou de saber do que viria. Mas a luta era iminente, e, de fato, começou.

Sesshoumaru pulou, Mey-enn no colo, quando Inu-Yasha desferiu o primeiro golpe. Pôs a menina numa árvore alta e voltou para lutar. Kagome estava longe. Omoori apenas observava, frio como o pai. Mey-enn temia pelo destino de sua filha, Mimytsu. E se ela ficasse sem pai? Ou sem avô? Sem irmão, sem avó? Sem família? E se ela própria ficasse sozinha? Criaria a menina como?

A luta transcorreu violenta e veloz, com vários golpes de ambos os lados. Nunca algo definitivamente fatal. Inu-Yasha tinha um enorme furo no estômago e arranhões no rosto. Sesshoumaru já tinha a manga do quimono retalhada e o braço perfurado. Omoori entrou na luta, para poupar ao pai o esforço. Empunhou a Kinjiru-iga e desferiu um golpe certeiro no pulso de Inu-Yasha, mirando em seguida em Kagome. Inu-Yasha correu para protegê-la e recebeu o impacto do golpe em seu lugar. Ficou desacordado por um tempo.

Enquanto Inu-Yasha estava sem sentidos, Omoori e Sesshoumaru tiraram Mey-enn de cima da árvore e ela abraçou o filho e beijou o youkai que amava. Chorou pelo pai, caído, mas sabia que ele ficaria bem. Sesshoumaru estava de lado para Inu-Yasha. No que ele ameaçou se virar de frente para o meio-irmão, este lhe arremessou a Tessaiga.

Num ímpeto, Mey-enn se interpôs entre Sesshoumaru e Tessaiga, sendo atingida nas costas. Sentiu muita dor e murmurou, caindo, a espada já no chão:

— Cuide de Omoori, por favor.

Sesshoumaru estava chocado. Pôs as mãos nos cabelos da amante e a beijou, pela última vez. Beijou o ventre dela, também, onde estava sua filha. Mey-enn sorriu e sentiu uma única lágrima escorrer por seu rosto.

— Pena que você nunca saberá como é sua única filha, meu amor... – balbuciou ela.

— Você vai ficar bem – disse ele. – Tenho a Tenseiga, vou te reviver, tudo estará bem.

— Não, meu amor. Esse é o fim.

E, dizendo isso, ela começou a desaparecer, numa nuvem brilhante, a alma como o cerne daquele quase universo, parecido com a Lua, cercada de estrelas. No chão, sobrou apenas um par de faixas em preto-e-branco, cada uma bordada com uma Lua e várias minúsculas estrelas.

E Sesshoumaru fraquejou. Kagome chorou como se condenada. Inu-Yasha, incrédulo, desmaiou, quase morto de arrependimento. Omoori chegou perto do pai e se abaixou, lágrimas nos olhos, um sentimento de aperto pela mãe e uma dor de perder a irmã que nem nascera. Ele enxugou as lágrimas.

— Pai, desista, ela nunca vai voltar – disse Omoori, pegando as faixas bicolores do chão. – Os anjos, quando morrem, não voltam.

— Ela era uma humana! – esbravejou ele, as unhas enterradas na grama, desesperado. – Era minha humana, meu anjo! Só eu tinha poder sobre a vida dela!

— Quando as pessoas precisam ir, pai, elas vão! – repreendeu-o Omoori. – Se a amava tanto, deixe que ela vá em paz, ela não mais nos pertence.

Sesshoumaru se recompôs, sua expressão voltando a ser fria e impassível. Olhou para o filho, já tão alto quanto ele.

— Dê-me uma – pediu ele, estendendo a mão. – Não quero esquecê-la.

Omoori entregou ao pai uma das faixas, a lua prateada bordada no tecido faiscando à mínima incidência de luz da noite escura. Eles foram embora, levando nas mãos a única lembrança que Mey-enn lhes deixara. Omoori, que ia na frente, olhou para trás por um instante, procurando sinais de boa sorte na lua encoberta. Jurou ter visto uma mulher, de pele muito branca, olhos lilases, cabelos pretos e vestido fluido, acenar para ele.

A mulher soprou um beijo para ele e se virou, um par de asas alvas a sustentando pelo céu escuro, nas mãos uma única e pequenina alma. Omoori se voltou para a frente e percebeu que Sesshoumaru também havia parado, e também olhava a Lua.

— Sei agora o que quis dizer, filho – murmurou o taiyoukai.

Omoori concordou com a cabeça e olhou para o rosto do pai. Refletindo a luz da Lua, uma única lágrima. Sesshoumaru levantou a cabeça, os olhos em direção ao castelo, e enxugou a lágrima. Omoori baixou os olhos, envergonhado por ter visto que o pai chorara.

"Não se preocupe, mamãe", pensou ele, dando uma olhadela rápida para a Lua atrás dele. "Tudo vai ficar bem."

O garoto olhou para o pai e correu, apressado, para acompanhar seu passo. À luz da Lua, recortada no céu, com a alma da filha nas mãos, Mey-enn sentiu que lágrimas escorriam de seu rosto.

"Sempre vai ficar tudo bem, Omoori", pensou ela, com um leve sorriso. "Porque eu sempre estarei com vocês..."