CAPÍTULO II
Clark nada disse quando chegaram à mansão Wayne. E nem precisava. Sua expressão já dizia tudo.
"Maior que a dos Luthor, não é?" sussurrou-lhe Lois num tom provocativo enquanto desciam do carro.
Embora concordasse, Clark nada respondeu.
"Espero que não se importem com a desordem" disse Bruce enquanto entravam, logo após Alfred.
E não demorou muito para Lois e Clark perceberem o porquê. O lugar parecia um verdadeiro mausoléu. Toda a mobília, e mesmo quadros e decoração, estavam cobertos por lençóis brancos. Era como se o lugar estivesse praticamente abandonado.
"Não tenho passado muito tempo em Gotham" explicou ele.
Clark olhava ao redor, maravilhado com o tamanho do lugar. Sua grandiosidade, todavia, dava lugar a um ambiente frio e desolado por conta do aspecto de abandono.
"Com os estudos e tudo mais -" continuou Wayne, com o olhar perdido.
Lois lhe sorria gentilmente, enquanto ele explicava:
"Então Alfred acaba ficando sozinho, e não recebemos muitas visitas. Por isso esse aspecto... de museu" completou, com uma mão no bolso e olhando à volta.
Enquanto atravessavam a enorme ala central, em direção aos fundos, que dava acesso a uma majestosa sala de estar e, mais adiante, à cozinha e à porta do jardim, Clark imaginava onde estariam o Sr. e a Sra. Wayne, se teriam outra residência ou estariam em outro país.
Foi quando Lois cruzou os braços, como se sentisse frio.
Na verdade, há tempos a mansão Wayne não era exatamente como lembrava...
FLASHBACK
Lois estava com seis anos de idade. Usava um vestido azul e fitas nos cabelos. Com os bracinhos cruzados sobre os joelhos, estava sentada nos degraus da escadaria que dava acesso ao andar de cima da mansão Wayne. O lugar era cheio de luz e a mobília toda estava à vista. Era um lar bonito, feliz e agradável. Bruce, aos sete anos, estava sentado ao seu lado.
"Não fique triste, Lois" disse ele, na tentativa de confortá-la.
Lois se virou para vê-lo. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e suas faces, rosadas e úmidas.
Bruce se compadeceu, e gentilmente secou seu rosto com as pontas dos dedos. Ele não entendia a tristeza que se abatia sobre a amiga. Sabia, porém, que dias antes ela acabara de perder a mãe, e dada a amizade desta com a sua, Sam Lane havia decidido deixá-la passar uns dias com eles, enquanto, na Europa, onde estava lotado, providenciava sua transferência para uma base militar no país.
Mas Lois estava inconsolável. E Bruce suspirou. Não sabia mais o que fazer.
De repente, Martha e Thomas Wayne chegaram em casa.
Ao percebê-los, Lois imediatamente limpou as faces com as costas das mãos. Não queria que ninguém a visse chorando.
"Lois, meu bem -" disse Martha, ao vê-los nas escadas.
O casal se aproximou, e enquanto Martha se sentava ao lado de Lois, Thomas olhava consternado para a pequena Lane e depois para o filho Bruce. E, apesar da tristeza que se sobrepunha, sentiu-se extremamente orgulhoso da solidariedade do filho.
"Não fique assim -" continuou Martha, confortando-a com um abraço.
Thomas colocou um pé sobre um degrau e apoiou o cotovelo no joelho.
"Seja forte, minha criança" disse ele, gentilmente. "Não tenha medo"
E Bruce também a abraçou.
Lois olhou a escadaria onde anos antes sentiu todo o calor e o amor da família Wayne. Depois se virou para ver Bruce, que lhe sorriu, sem saber, porém, no que ela pensava.
E ela suspirou. O lugar agora lhe causava calafrios.
"Em museus os objetos não costumam ficar cobertos" comentou, olhando para Bruce e depois para Alfred, que levantou uma sobrancelha.
Bruce a encarou e apenas sorriu com o canto dos lábios. Lois retribuiu o sorriso. E Clark os observou. Era como se houvesse um segredo entre os dois. E o fato de não entender o que estava acontecendo, irritava-o profundamente.
"Não acha que é um desperdício de espaço?" perguntou, referindo-se ao fato de que apenas o mordomo morava na mansão Wayne.
Lois e Bruce o encararam, surpresos.
Alfred, que estava por perto, apenas sorriu, enigmático. Imaginou que finalmente alguém dizia alguma coisa coerente sobre o atual estado da residência Wayne.
Bruce ficou silente por um instante, e antes que Lois dissesse qualquer coisa para quebrar aquela parede de gelo que Clark acabara de levantar, ele apenas sorriu, e sugeriu:
"O quê acham de darmos uma volta no jardim enquanto Alfred prepara o almoço?"
Lois olhou para Clark, que não se via numa posição muito favorável para opinar, e apenas deu de ombros.
Quando Bruce lhes deu as costas e Alfred caminhava em direção à cozinha, ela se virou e deu um soquinho no braço direito de Clark, que enrugou a testa e se fez de desentendido. Lois então balançou a cabeça negativamente, deixando-o para trás.
Minutos depois...
"Tem visto Rachel?" perguntou Lois, enquanto os três caminhavam pelo jardim.
Havia uma poça d´água e Bruce gentilmente estendeu a mão para ajudar uma sorridente Lois a passar por ela. Clark observou a cena e balançou a cabeça, como se não acreditasse no que via. Imaginou então que só faltava ele tê-la tomado nos braços para passar pela dita poça.
"Não" respondeu Bruce, ainda segurando a mão de Lois sob o olhar atento de Clark.
"Como disse, não tenho vindo muito a Gotham. Só estou aqui por causa da audiência" explicou.
"Audiência?" indagou Lois parando a caminhada e encarando-o.
"Joe Chill fez um acordo com a Promotoria" explicou Bruce.
"Como?"
"Vai ser solto amanhã" completou, amargamente.
"Sinto muito -" disse ela, com um olhar cheio de ternura e pesar, enquanto ele apenas concordava com um olhar consternado.
Clark suspirou e tentou desviar a atenção daquele clima, mas era inevitável.
"Que tipo de acordo ele fez?" perguntou ela.
"Não sei ao certo" respondeu ele, sem muito entusiasmo.
Clark percebeu então uma certa tensão naquele momento da conversa. Imaginou se deveria perguntar do que falavam. Mas achou melhor não. Foi quando Alfred chamou Bruce, mostrando-lhe o celular que ele havia esquecido no casaco dentro da mansão.
"Sr. Wayne! Seu telefone está tocando!" disse ele.
"Com licença" pediu Bruce olhando para os dois, e beijando a mão de Lois. "Eu já volto" e ele caminhou a passos apressados até o mordomo.
Clark então suspirou. Finalmente tinha um momento a sós com Lois. E a primeira coisa que lhe venha à mente era tentar esclarecer com ela o clima entre os dois, o que o deixava estranhamente desconfortável.
"Por quê eu tenho a sensação de que essa visita está sendo uma espécie de revival amoroso entre vocês?" perguntou ele, visivelmente irritado.
"Como?" indagou ela, surpresa, e completamente alheia à tensão de Clark.
"Qual é, Lois?" continuou ele, ignorando a pergunta dela. "Achei que estávamos aqui apenas para preveni-lo de uma tentativa de assassinato que pode nem ao menos acontecer já que os Lucchesi foram presos com a denúncia anônima que fizemos. Além do mais, não estou nem um pouco interessado em ficar no meio 'dessa coisa' entre vocês dois -"
"Dessa coisa?" repetiu Lois, em tom de pergunta.
O sorriso no canto dos lábios dela era inevitável.
"Você é mesmo uma gracinha, Smallville. Se eu não o conhecesse direito, diria que está com ciúmes de mim, assim como esteve do A.C. há alguns meses atrás -" insinuou ela, cruzando os braços.
"Eu? Com ciúmes? De você?"
Lois sorriu.
"Ok. Retiro o que disse. Além do mais, não faria o menor sentido -"
"Sem dúvida que não" concordou Clark, sério.
"Que bom. Pelo menos concordamos em alguma coisa"
Clark suspirou. Não conseguia entender como Lois conseguia tirá-lo do sério. Estranhamente, ela era a única pessoa capaz de fazer isso. E o mais inacreditável, é que a imprevisibilidade de Lois apenas o impulsionava a agir naturalmente. No momento, porém, ele estava irritado. E isso sim o incomodava.
"E, então?" indagou ele.
"E então o quê?"
Clark sorriu um sorriso debochado.
Será que Lois Lane não responderia pergunta alguma? pensou ele.
"O quê pretende fazer?" perguntou.
Até aquele momento, não tinha a mínima idéia do que fazia em Gotham City. A princípio, o plano era contar ao jovem bilionário que alguém de Metrópolis encomendou sua morte a uma tal de Condessa. Mas desde que estavam ali, viu Lois flertar com o misterioso Bruce Wayne.
"Bom, não posso simplesmente dizer 'Bruce, tem alguém que está querendo vê-lo morto'" explicou ela, completamente indiferente à manifesta impaciência de Clark, que com os braços cruzados, encarava-a.
"Não é assim que as coisas funcionam" continuou ela.
E ele a encarava, impaciente.
"Além do mais, ele não está em condições para lidar bem com a situação -"
E Lois lembrou daquele dia triste para Bruce, e que se estendia desde então...
FLASHBACK
Sam Lane havia atravessado o país com Lois para ir ao enterro dos Wayne.
Era um dia frio e chuvoso. Postado junto a Alfred, o jovem Bruce, com apenas oito anos, via todas aquelas pessoas que se aproximavam dele em frente à mansão logo após o enterro, e que diziam o quanto lamentavam, muito embora ele jamais as tivesse visto na vida.
"Alfred" disse Sam Lane, ao se aproximar com Lois. "Você sabe que, precisando de qualquer coisa, pode contar comigo"
O gentil mordomo sorriu.
"Obrigado, Sr. Lane" agradeceu, sem tirar as mãos dos ombros de um Bruce completamente distante e abatido.
À frente dele, Lois, agora aos sete anos.
E os dois trocaram um olhar de profunda tristeza.
Era como uma estória que se repetia. Desta vez, porém, ambas as partes entendiam o quão imensurável e arrebatadora podia ser a dor da perda.
E a pequena Lois nada disse, pois sabia que nada do que dissesse mudaria aquele vazio imenso que se apossava do íntimo de Bruce, assim como um ano antes o foi em relação a ela.
Sam olhou para a filha e segurou firme sua mão.
"Vamos, pequena Lo" disse ele.
Enquanto se afastavam do pátio da mansão Wayne, Lois olhava para trás, sem tirar os olhos de Bruce, que também não lhe desviava a atenção.
Anos depois, Lois soube que, depois daquele dia, ele nunca mais seria o mesmo.
E Lois subitamente voltou ao presente...
"Como assim?" indagou Clark, confuso. "Ele me parece muito bem. Aliás, ele me lembra muito uma certa pessoa -"
Lois então o encarou, surpresa com o comentário, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou:
"Inclusive, achei que bilionários arrogantes não fossem muito o seu tipo -"
Lois sorriu.
"De novo esse papo, Smallville?" indagou ela. "Quem você pensa que é para saber quem faz meu tipo?"
Clark a fitou, arqueando as sobrancelhas, surpreso com a reação de Lois. Conhecia-a há quase dois anos. Acreditava que tinha uma boa noção de quem ela realmente era.
"Além do mais, Bruce não é como Lex, se é o que está insinuando" continuou, dando-lhe as costas.
"Tudo bem -" disse Clark, dando-se por vencido.
"E, só para constar, ele não se importa com poder e dinheiro -" completou ela, virando-se para vê-lo novamente.
"Mas ainda há algumas coisas que andei ouvindo a respeito desse cara -" retrucou Clark.
"E que coisa seriam essas?" indagou Lois, desafiadoramente.
"Bom, pra começar, ele é um playboy irresponsável e inconseqüente"
"Como?"
"Isso mesmo que você ouviu" disse Clark.
Lois sorriu e cruzou os braços, encarando-o com firmeza. Essa ela tinha mesmo que ouvir.
"É do tipo que está sempre causando problemas. Não se importa com coisa alguma -"
"Hum. Pelo que vejo andou fazendo a lição de casa" disse ela, mordaz.
"Precisava saber o mínimo da pessoa com quem estou lidando"
"Aprendeu bem com a Chloe -"
"Lois" pediu Clark, tentando ter uma conversa séria com ela antes que Bruce voltasse. "Não estou de brincadeira"
Lois encarou Clark com frieza.
"Clark" disse ela, fazendo uma pausa, enquanto fitava-o nos olhos. "Ele é uma boa pessoa"
E ele enrugou a testa, incrédulo.
"Tudo bem, ele é meio sombrio e misterioso, mas tem um bom coração" continuou ela. "Só está meio perdido -"
E Clark se via numa situação na qual não suportava mais vê-la falando do tal Bruce Wayne com tanto carinho.
"Perdido?" indagou ele, ainda pensando nos flertes entre os dois. "Ele parece saber bem onde está" insinuou.
Lois sorriu. Sabia bem o que ele queria dizer com aquele comentário. Mas pensou em ignorá-lo completamente, elevando a conversa a um nível mais sério:
"Ok. Vamos esclarecer as coisas, Smallville" disse, e Clark a encarou, enquanto a ouvia atentamente. "Acho que ao pesquisar a vida do Bruce você deixou escapar um grande detalhe -"
Clark arqueou as sobrancelhas.
"Um grande detalhe?" indagou ele.
"É. Um grande detalhe" repetiu ela.
"E que detalhe seria esse?" perguntou ele, imaginando se não era mais uma tentativa de Lois em desvencilhar-se do assunto.
"Ele passou por maus bocados, Clark" disse ela, com seriedade.
E todos não têm seus 'maus bocados'? imaginou Clark. O quê o tornava tão especial? O quê o fazia ter um lugar tão especial no coração de Lois? pensava ele, cada vez mais se sentindo paranóico.
"Os pais dele morreram" explicou ela, finalmente. "Foi algo muito trágico. E aconteceu bem diante de seus olhos, quando ele ainda era um garotinho"
E Clark enrugou a testa, visivelmente consternado. Essa era uma parte da estória de Bruce Wayne que ele não conhecia. E aquilo o pegou de surpresa. Talvez tivesse sido duro demais prejulgando-o daquela forma. Talvez os flertes entre ele e Lois a caminho da mansão o tivessem cegado completamente. Era como se não soubesse o que pensar. De fato, ainda não sabia.
"Eu... eu não sabia disso" foi o que ele disse, arrependido das coisas que havia dito e pensado até então a respeito de Bruce. Isso, porém, não mudava o fato de que Lois estava manifestamente interessada em Bruce, o que, estranhamente, estava tirando-o do sério.
Lois apenas balançou a cabeça negativamente, em represália ao comportamento de Clark até aquele momento.
E ele imaginou se a audiência a que se referiam envolvendo o tal Joe Chill dizia respeito ao incidente com os pais de Bruce. Todavia, antes que pudesse confirmá-lo, Lois disse:
"Pois é. O mundo não gira ao seu redor, Smallville"
Clark enrugou a testa.
"Como?" indagou, confuso e surpreso com o comentário.
Mas antes que Lois pudesse responder, não que ela o fosse, já que lhe dava as costas, e voltava para a mansão, Bruce voltou. E ela disfarçou imediatamente o clima retesado, abrindo um grande sorriso para ele, o que novamente deixou Clark perturbado.
"E então?" indagou ela.
"Era Rachel" disse ele, referindo-se ao telefonema que acabara de responder. "Vai vir aqui mais tarde"
Lois sorriu. Pensou em dizer o quanto seria bom rever a amiga, mas Bruce estava pensativo, e com o olhar perdido. E ela definitivamente não sabia o que dizer. E aquela foi uma das poucas vezes em que Clark a viu sem reação.
E enquanto os observava, Clark tinha cada vez mais certeza de que talvez não conhecesse Lois tão bem como imaginava. E mais do que isso, que o jovem Wayne devia ser a pessoa mais misteriosa que havia conhecido até então. Mais do que Lex. Mais do que tantas outras pessoas que cruzaram seu caminho. Ele era uma verdadeira incógnita, ainda mais pelo seu passado doloroso. Não conseguia imaginar o que se passava pela sua cabeça. E, de certa forma, temia o que podia ser.
Continua...
