CAPÍTULO IV

"Rach!" exclamou Lois, sorridente, ao vê-la na cozinha com Bruce.

Clark vinha logo atrás dela, e percebeu que a conversa entre Bruce e tal Rachel estava um tanto tensa antes de Lois interrompê-los.

"Lois!" respondeu ela, com um sorriso.

As duas então se abraçaram rapidamente.

Clark e Bruce apenas as observavam a uma certa distância.

Diferentemente da relação entre Lois e Chloe, que embora fossem primas, Clark jamais as viu juntas antes daqueles quase dois anos que se passaram, ele percebeu que em relação à Rachel, com quem Lois parecia ter convivido mais, havia um certo distanciamento. Talvez fosse precipitado de sua parte avaliar o que era Lois Lane naquele "novo meio" em que se encontravam. Mas mesmo naquele encontro, era como se elas apenas se tolerassem. Imaginou, então, que a única coisa que as fazia fingir que se gostavam - pois era exatamente isso o que lhe parecia -, era Bruce Wayne. E, sem ser percebido, Clark o analisou enquanto as garotas se cumprimentavam. O anfitrião estava inexpressivo. E cada vez mais ele era uma incógnita para Clark. Imaginava se ele também seria perigoso.

"Quanto tempo!" disse Lois.

"O quê a traz a Gotham?" perguntou Rachel, sorridente.

"Resolvi que estava na hora de fazer uma visita aos velhos amigos" respondeu, olhando para Bruce e depois para Clark. "Ah, sim! Rachel, este é Clark Kent. Clark, esta é Rachel Dawes" apresentou Lois.

"Seu namorado?" indagou Rachel, sorrindo, simpática, para Clark.

"Não!" exclamaram Lois e Clark, em uníssono, surpreendendo tanto Rachel quanto Bruce, que se entreolharam, confusos com a reação dos dois.

"Somos apenas amigos" explicou Lois, tentando agir normalmente, na medida em que olhava para Clark, que a certa altura já achava graça da situação, e sorria.

Rachel e Bruce se viraram para vê-lo, e ele simplesmente desmanchou o sorriso e, muito sério, apenas concordou, balançando a cabeça:

"Não, não. Somos apenas amigos"

Rachel enrugou a testa, e sorriu.

"Sei" disse, olhando para Lois.

E, para Clark, era evidente que havia um certo desconforto da parte de Lois, na medida em que Bruce e Rachel trocavam olhares. Imaginou então se a jovem assistente de Promotoria seria mesmo o empecilho para o relacionamento de Lois com Bruce. E alguma coisa nele se aquietou.

"Estávamos falando dos tempos em que roubávamos latas de leite condensado -" disse Rachel, apontando para o alto das prateleiras, olhando para Bruce e depois para Lois e Clark.

"E não foram poucas as vezes -" comentou Bruce, sorrindo.

"É... até que um dia o Alfred nos pegou em flagrante -" completou Lois, com os braços cruzados, enquanto olhava para os rapazes.

Bruce sorriu, e colocou as mãos nos bolsos da calça.

De repente, um silêncio se instalou. Rachel e Bruce trocavam olhares, e provavelmente ainda tinham muito o que conversar não tivessem sido interrompidos. Lois olhava para um e outro, e Clark apenas observava a todos. Para Lois, era óbvio que Rachel e Bruce não falavam apenas nas latas de leite condensado. Havia algo mais. Algo que dizia respeito à audiência de Joe Chill.

E o clima começou a ficar um tanto constrangido, até que Lois sugeriu:

"Por que não vamos lá fora?" perguntou, abanando-se com as mãos. "Está ficando abafado aqui -"

E como, pensou Clark.

"Ah, sim, vamos para o jardim. Alfred vai nos preparar um chá -" sugeriu Bruce.

Mas olhando para o relógio, Rachel disse:

"Bom, vai ter que ficar para outro dia. Eu tenho um compromisso"

Lois arqueou as sobrancelhas.

"Ah, sim. Na Promotoria" disse ela.

Clark enrugou a testa. E pensamentos mil turbilhavam na sua mente: Teria mesmo Lois dito aquilo? Estaria ela com ciúmes de Bruce e Rachel? E estaria ele, Clark Kent, com cíumes de Bruce e Lois? O quê, afinal, estava acontecendo?

"Que é isso, Rachel?" indagou Lois. "Acabou de chegar!"

"Não. Eu realmente tenho que ir"

"Que bom que veio, Rachel" disse Bruce, sorrindo.

E Clark percebeu que ele estava diferente desde que o viu pela primeira vez naquela manhã. Era como se algo de ruim se prostasse sobre ele.

"Por que não me acompanha até lá fora, Lois?" perguntou Rachel.

"Claro!" exclamou ela, fazendo-se de desentendida, e as duas saíam juntas da cozinha, quando Rachel se virou, e disse:

"Foi um prazer, Clark!"

Clark sorriu, em resposta.

"Até mais, Bruce"

"Até mais, Rachel" respondeu ele.

"Eu já volto, meninos" disse Lois. "Temos alguns assuntos de mulher para colocar em dia -" completou, com um sorriso maroto.

Clark e Bruce então se viram sozinhos na cozinha, e um olhou para o outro, sem saber o quê dizer.

"Ela é maravilhsa, não é?" indagou Bruce, voltando novamente os olhos em direção à porta por onde as duas haviam saído.

E Clark enrugou a testa.

"Quem?" perguntou, na esperança de que ele estivesse se referindo a Rachel.

Bruce se virou para vê-lo, e sorriu ao ver sua expressão de desconforto.

"Não está gostando muito de estar aqui, não é mesmo?" perguntou, sem responder à indagação de Clark.

"Bem, na verdade -" disse ele, e antes que terminasse a frase, Alfred vinha do jardim com umas ervas para o chá.

O mordomo notou que Clark interrompeu a frase por conta de sua presença, e disse:

"Por favor, façam de conta que não estou aqui"

Clark balançou a cabeça enquanto Bruce esperava que ele terminasse o que ia dizer:

"Sinto-me meio deslocado" concluiu, quase arrependido de tê-lo feito. Afinal, sequer conhecia Bruce Wayne e, de certa forma, começava a quase considerá-lo como um rival, embora ainda não tivesse muita certeza em quê.

"Eu sabia" disse Bruce, de repente, e Clark arqueou as sobrancelhas, sem entender, e quase imaginando que ele havia descoberto o que nem mesmo ele fazia idéia. "Não estou sendo um bom anfitrião. Eu sei. Mas essa semana não tem sido muito boa -"

Nisso, Alfred se virou para encher a chaleira com água, e encarou Bruce, visivelmente preocupado.

Embora Clark soubesse que Bruce se referia à tal audiência e o que ainda estava por vir na manhã seguinte, e isso incluia a doida empreitada de Lois e um possível atentado à vida de um homens mais ricos do mundo, preferiu ele continuar aquela primeira e oficial aproximação com o jovem Wayne de uma outra forma, a qual também era de seu interesse:

"Não, não foi isso que eu quis dizer -"

"Então o quê foi?"

"Bom, deixa pra lá"

Bruce enrugou a testa, pensativo. De repente, abriu um sorriso malicioso.

"Tem alguma coisa a ver com Lois" disse ele, então. E Clark levantou os olhos, supreso. "Não é mesmo?"

"Não!" exclamou ele, como se Bruce o estivesse acusando de alguma heresia. "Ela é rude, grosseira, tagarela. Não temos nada em comum!"

Bruce sorriu, olhou para Alfred, que também sorriu, e depois disse:

"E mesmo assim ela o convence a fazer coisas absurdas e das quais não concorda, como vir a Gotham?"

Clark olhou para o lado, e não sabia o que responder.

De fato, não podia revelar-lhe o motivo pelo qual estava ali. No entanto, sentiu que havia uma grande verdade naquilo tudo. Ele realmente não teria deixado Lois ir sozinha a Gotham, embora ela não o tivesse convencido, assim como não a deixou por sua própria conta em Suicide Slum, noites atrás.

Mais do que prima de Chloe, Lois agora era uma constante em sua vida. Alguém com quem ele se importava. E embora soubesse que muitas vezes ela podia se virar muito bem por sua própria conta, ainda assim, acreditava que por debaixo de toda aquela força e determinação havia uma garota frágil e de bom coração, que não parecia se importar com os riscos em nome do que acreditava ser o certo, e sentia uma necessidade imensa de estar próximo dela, mesmo que não soubesse bem porque, e apenas imaginasse que era pelo simples fato de que estar com ela tornava-o alguém que ele gostava de ser: ele mesmo.

Mergulhado em seus pensamentos, Clark apenas ouviu de Bruce:

"É assim que começa, Clark"

"Hã? Como?" perguntou ele, confuso, como se tivesse sido abruptamente acordado de um sonho bom e agradável.

Bruce sorriu.

"Ela lhe dá soquinhos no braço?"

Clark sorriu.

"O tempo todo" respondeu.

"Suponho que ela também o subestime, e sempre o coloque em situações complicadas, como essa?"

Clark ficou silente.

"É, meu bom amigo" disse Bruce, com os braços cruzados, apoiado na mesa. "Parece que você é mais uma vítima do furacão Lane"

Clark enrugou a testa. Ele disse mesmo aquilo? pensou. Furacão Lane?

E Alfred apenas sorria, enquanto colocava as ervas para ferver.

Enquanto isso...

"Lois, você precisa convencer o Bruce a não ir à audiência" disse Rachel, enquanto as duas se aproximavam do carro em frente à mansão.

"Algum motivo em especial?" perguntou Lois, imaginando se ela sabia de alguma coisa.

"Ele não está nada bem" respondeu Rachel, encarando-a. "Basta olhar bem pra ele"

Lois cruzou os braços.

"É. Eu percebi" disse ela, olhando para a mansão.

"Acredita que ele foi expulso de Princeton?"

Lois arqueou as sobrancelhas, e sorriu. Embora já desconfiasse, aquela não era a sua principal preocupação. Talvez Rachel realmente não soubesse o real perigo que Bruce estava correndo.

"Bom, isso não parece tão surpreendente vindo do Bruce -" comentou.

Rachel balançou a cabeça negativamente.

"Ele disse que não precisa de diploma para ser um playboy internacional -"

Lois arqueou as sobrancelhas, visivelmente surpresa.

Depois sorriu, e disse:

"Nisso ele tem razão"

Rachel também sorriu, e disse:

"Claro, isso é só um detalhe -"

E Lois ficou então séria. Encarou bem a amiga, e perguntou:

"Tem mais alguma coisa que você não quer me contar? Algo sobre Joe Chill?"

Rachel ficou pensativa, e balançando as chaves do carro, disse:

"Esse acordo que a Promotoria fez com ele -"

Lois então achou que aquele era o momento para saber do que se tratava, afinal, o tal acordo:

"Que acordo?" perguntou, fazendo-se de desentendida, embora realmente ainda não soubesse que acordo era aquele.

"Bom, Chill dividiu a cela com Carmine Falcone -"

"Hum. Falcone" interrompeu Lois, sabendo quem era, uma vez que sua fama se estendia além Gotham, e já imaginando os motivos pelos quais Chill seria solto.

"E durante todo esse tempo, ele ouviu coisas de Falcone das quais jamais saberíamos" continuou Rachel.

"Por isso vocês fizeram um acordo. Ele vai testemunhar em troca de liberdade -" completou Lois.

Rachel apenas concordou com a cabeça.

"Isso não é muito coerente, pra não dizer que não parece nada justo, não acha?"

Rachel sorriu com o canto dos lábios.

"Bruce pensa da mesma forma" comentou, ressentida.

"Mas ele está certo" concordou Lois. "O sujeito matou os pais dele a sangue frio, Rach"

"O que houve foi horrível" assentiu Rachel. "Mas Chill pagou pelo quê fez e agora está prestes a nos entregar de bandeja alguém muito pior. Um criminoso muito perigoso, e que há anos tem conseguido se desvencilhar da justiça" explicou.

"Não sei Rach, mas não concordo que um criminoso pode ser pior ou não do que outro. Chill matou duas pessoas inocentes -"

"Bom, a verdade é que Falcone é o grande responsável pelos vários Joe Chill que existem perambulando por Gotham" justificou Rachel.

Lois balançou a cabeça, positivamente. Concordava em parte com a situação. No fundo, ficava preocupada em como aquilo tudo estava refletindo em Bruce.

"Imagino que Bruce não esteja lidando muito bem com isso" comentou, com o olhar perdido.

"Não mesmo" concordou Rachel. "Por isso preciso que me ajude -"

Lois a encarou por um instante. Imaginou que talvez pudesse se abrir com ela, contar sobre os Lucchesi em Metrópolis e o perigo que Bruce estava correndo.

"Precisa convencê-lo a não ir ao Tribunal amanhã" pediu Rachel. "Vai ser doloroso demais pra ele"

Lois ficou pensativa. Rachel não fazia idéia do quanto ele deveria ficar longe daquela audiência, pelo menos, até ela ter a certeza do que realmente estava acontecendo.

Decidiu, então, que antes de contar qualquer coisa a Rachel, que, afinal de contas, trabalhava na Promotoria, devia ao menos ter uma evidência forte acerca das suas suspeitas, coisa que ainda não tinha. Rachel era uma mulher racional. Não acreditaria em meras alegações. Por isso, fitou-a nos olhos, e acreditou que poderia ao menos prometer o que efetivamente estava ao seu alcance, e que, dadas as circunstancias, era mesmo o que realmente pretendia fazer:

"Rach, no que depender de mim, ele não vai" disse, determinada.

As duas sorriram um sorriso amargo por conta de toda aquela situação, e se abraçaram.

Enquanto isso, na cozinha...

"O quê realmente existe entre vocês dois?" perguntou Bruce, entregando a Clark um copo com água que havia acabado de encher com a jarra que segurava na outra mão.

Clark enrugou a testa, e sorriu:

"Vocês dois quem?" perguntou.

Bruce sorriu.

"Ora, Clark. Eu percebi"

Clark balançou a cabeça, como se demonstrasse ter entendido ao quê ele se referia.

"Fala de mim e Lois?" indagou.

"Quem mais poderia ser?"

"Bom... Não existe nada entre eu e ela" respondeu.

Bruce sorriu, balançando a cabeça, enquanto enchia um copo para ele mesmo.

Clark o observava, e achou que deveria perguntar o mesmo:

"E você?"

Bruce levantou uma sobrancelha, desconfiado.

"Eu e Lois?" indagou ele.

De quem mais estávamos falando? pensou Clark, que diferentemente de Lois, conseguia se conter, e ao invés de responder sarcasticamente, apenas balançou a cabeça afirmativamente, enquanto Alfred os observava, na medida em que preparava o almoço.

"Digamos que é uma longa estória" respondeu ele, sorrindo.

Clark suspirou, e tendo em vista a imensa carga de emoções pela qual vinha passando naquelas últimas horas, tinha mais certeza de que sua visita a Gotham se tornava uma experiência cada vez mais reveladora.

Continua...