CAPÍTULO IX
Enquanto isso, na audiência de Joe Chill...
Bruce estava sentado no auditório, inexpressivo, com olhar gélido, e seu único foco de atenção era Joe Chill.
Seus pensamentos eram turbulentos. Mas ele sabia -- ou pelo menos acreditava que sabia -- o que devia ser feito. E era justamente aquilo que ele acreditava que iria apaziguar sua alma.
Com o olhar fixo no algoz de seus pais, percebeu, ao vê-lo entrar na Corte acompanhado pelos guardas prisionais, que estava muito diferente de quando o viu arrancar para sempre de sua vida as pessoas que mais amava. Anos depois, com a barba feita e roupas limpas, ao lado do pomposo Promotor Distrital Finch, Chefe de Rachel, para Wayne, Chill continuava sendo o lixo e a escória da humanidade.
Bruce olhou para o símbolo da justiça do tablado, e sorriu um sorriso amargo. Aquele era um teatro que não o convenceria, pois não era a justiça na qual acreditava.
De repente, Chill se levantou diante do Juiz após a leitura da petição ministerial pelo seu livramento, e Wayne voltou a encarar aquele que havia arruinado sua vida.
Nesse meio tempo, Clark, que acabara de fazer uma rápida ronda pela parte externa do Tribunal, surgiu à porta da sala de julgamento e procurou por Wayne entre os observadores no auditório. Ao avistá-lo, usou sua visão de raio-x, descobrindo que suas intenções eram verdadeiras, porquanto lá estava a arma de fogo por debaixo do casaco.
No entanto, sem perceber, Clark havia chamado a atenção de alguém em particular.
"Algum problema, garoto?" perguntou um policial fardado que surgiu ao seu lado.
Clark se virou para vê-lo. Era um homem de boas maneiras, bigode espesso e óculos de grau. Viu pela graduação, que se tratava de um sargento e o nome grafado na sua identificação era James W. Gordon.
"Não" respondeu ele, calmamente, virando-se novamente para ver Bruce, na certeza de que ele não o tinha visto. "Está tudo bem"
E a audiência prosseguia.
"Pelo que me consta, temos a presença de um membro da família Wayne--" disse o Juiz, folheando uns papéis sobre a mesa, e depois olhando em direção ao público presente.
Nervoso e apreensivo, Chill se virou em direção ao auditório e viu Bruce, a quem imediatamente reconheceu.
E toda a atenção dos presentes na sala de julgamento se voltou para o jovem Wayne, que se levantou, e encarou Chill com denotada frieza.
Clark enrugou a testa olhando apreensivo para Bruce e todas aquelas pessoas ao seu redor, imaginando se teria que intervir usando seus poderes a fim de impedir o pior, enquanto Gordon apenas o observava, alheio à tensão que se instalava durante a acareação.
Mas Bruce nada disse ou fez, e simplesmente deu as costas à Corte para ir embora.
Ao ver que Bruce vinha em sua direção rumo à saída do auditório, Clark rapidamente se virou, sorriu amigavelmente para o Sargento Gordon e caminhou apressado, porém, atento pelos corredores do Tribunal de Gotham em direção à saída do prédio, imaginando que Wayne aparentemente havia desistido da insana idéia de matar Chill, mas que provavelmente ainda corria perigo e que em qualquer lugar podia haver um assassino à espreita.
Enquanto caminhava em direção à porta, o celular de Clark começou a tocar.
Imaginou, então, que não poderia ser em pior hora.
Foi então que Bruce Wayne passou por ele pelo corredor do Tribunal e entrou num banheiro. Clark arqueou as sobrancelhas, surpreso por não ter sido percebido pelo transtornado bilionário, certo, porém, de que aquele devia ser um momento difícil para o mesmo.
"Chloe?" indagou Clark ao atender a ligação, enquanto olhava em direção à porta do banheiro onde Bruce havia entrado.
"Clark, a coisa está pior do que imaginávamos!"
"Disso eu não tenho dúvidas" concordou ele, virando-se para trás, para ver que o policial que o havia abordado ainda o observava de longe. "Bruce está na audiência--"
"Como? Você está no Tribunal?"
"Eu o segui. O problema é que parece que ele quer acertar as contas com o passado--" completou, em voz baixa.
Houve um silêncio, e Chloe finalmente disse:
"Bom, então nada mesmo pode ficar pior--"
Preocupado, porém, com Bruce, Clark usou sua visão de raio-x e o viu sozinho no banheiro, com as palmas das mãos sobre a pia, olhando para seu reflexo no espelho, provavelmente pensando no que pretendia fazer.
Clark então olhou ao redor, e certo de que Wayne estava a salvo, porquanto não havia nada de suspeito dentro do Tribunal, continuou caminhando rumo à saída principal, atento a todos os movimentos dentro do prédio.
"O corpo de Maxwell Jensen foi encontrado boiando hoje pela manhã na Baía Hobb" continuou Chloe.
"Como?" indagou Clark, surpreso.
"A boa notícia, é que eu cheguei antes da polícia no escritório dele e encontrei uma coisa--"
"Você o quê?" perguntou ele, estarrecido e preocupado com a periculosidade da situação.
"Tudo bem, Clark. Não foi nada demais comparado a invadir a Luthorcorp" disse ela, tentando acalmá-lo.
"O quê você encontrou?" perguntou Clark, já do lado de fora do Tribunal, olhando para todos os lados da rua.
"Bom, nada" respondeu ela.
"Como assim, 'nada'?"
"Pois é. Essa também foi minha reação" disse ela. "Até que vasculhei o lixo e descobri um papel amassado com o nome de um lugar onde acho que o assassino pode estar--"
"Que nome?" perguntou Clark olhando atento para o outro lado da rua.
"Grant Hotel" disseram em uníssono.
"Como você adivinhou?" indagou Chloe, confusa.
Mas Clark não havia adivinhado. Ele simplesmente viu, com sua visão aguçada, numa janela do terceiro andar do Grant Hotel em frente ao Tribunal, um vulto que se movia de modo suspeito, mais ainda pelo fato de que se tratava de uma pessoa inclinada sobre um rifle com mira de longo alcance.
"Chloe, preciso desligar" disse ele.
"Clark, espere!" gritou Chloe ao telefone, porém, em vão.
E Clark se virou, e viu que Bruce Wayne saía do privativo e caminhava tranqüilamente pelo saguão do Tribunal, completamente vulnerável, bem na direção da entrada do prédio, onde o assassino poderia perfeitamente tê-lo em seu alvo.
Foi então que Clark Kent correu o mais rápido que podia em direção ao hotel.
----------------------------------------------------
Enquanto isso...
"Não pode ir mais depressa?" pediu Lois no banco de trás do Rolls Royce.
"Desculpe, Srta. Lane, mas o tráfego não permite" justificou Alfred, angustiado, sem saber ainda o que era tão urgente para ela estar na audiência.
Lois olhou para a rua. Os carros sequer se moviam na avenida principal do centro de Gotham. Calculou então que não devia estar muito longe do Robinson Park a julgar pelo pouco que reconhecia daquelas ruas.
Decidida, abriu a porta do carro e disse:
"Não se ofenda, Alfred, mas nos encontramos lá!"
O mordomo apenas se virou para vê-la correr entre os carros e, confuso e atordoado, só conseguia imaginar que se tratava de algo sério envolvendo Bruce.
----------------------------------------------------
A poucas quadras dali...
Sem ao menos ser visto por conta de sua super-velocidade, Clark atravessou o hall de entrada do Grant Hotel e subiu as escadas até o terceiro andar. Viu pelas janelas dos corredores a que direção ficavam os quartos de frente ao Tribunal, e parou em frente à suíte que acreditava ser o do atirador. Usou sua visão de raio-x, mas nada havia no quarto.
Confuso, Clark examinou o quarto ao lado, quando então viu uma pessoa à janela, segurando um rifle.
Com um pequeno chute que arrebentou a porta, Clark entrou abruptamente, surpreendendo a atiradora, que repentinamente se virou segurando o rifle, e começou a disparar contra ele.
Mais do que depressa, porém, Clark desviou das balas, que acertaram a parede do corredor e, velozmente, foi em sua direção, arrancando-lhe a arma das mãos.
Estarrecida, a matadora o fitou, e tentou fugir pela porta afora, mas com um pequeno toque do dedo indicador em sua testa, Clark a fez desmaiar.
Ele então se abaixou sobre a inconsciente assassina, e revirou seus bolsos. Não havia carteira ou qualquer identificação de quem ela era, o que o fez deduzir que se tratava da tal Condessa. Foi quando ele encontrou um celular num dos bolsos da jaqueta de couro. Na tentativa de descobrir as últimas ligações, notou que constava uma chamada às oitro horas da noite anterior do mesmo número de telefone em Metrópolis que havia passado para Chloe, em nome de Maxwell Jensen, provavelmente sua última ligação antes de ser assassinado.
Clark se levantou e caminhou em direção à janela, de onde tinha uma visão nítida e clara do que se passava no Tribunal.
Uma multidão de repórteres se aglomerava no saguão do prédio do Tribunal de Justiça na medida em que Joe Chill saía da sala de audiência. Não muito longe, estava Bruce, que o observava, cercado por fotógrafos, vir em sua direção até a saída. O jovem bilionário estava com as mãos nos bolsos do casaco, e segurava com firmeza o revólver que trazia consigo.
Nisso, Clark, que via tudo, arqueou as sobrancelhas, certo de que Wayne ainda estava prestes a cometer um grande erro, e com sua super-velocidade, amarrou a assina com as cordas da cortina do quarto do hotel e foi até o Tribunal do outro lado da rua.
Porém, segundos depois, quando parou logo atrás de Bruce, algo aconteceu:
"Joe! Hey Joe!" chamou uma repórter loira que emergiu da multidão em frente a Chill, bloqueando o ângulo de visão de Wayne.
Todos se voltaram para ela, que surpreendente e rapidamente, tirou algo de dentro do casaco:
"Falcone mandou dizer 'oi'!"
E um tiro à queima-roupa simplesmente derrubou o recém-liberto prisioneiro antes que Clark, tão estarrecido quanto Bruce com o incidente, pudesse fazer qualquer coisa para impedir.
Policiais surgiram por todos os lados e seguraram a falsa repórter loira pelos braços, desarmando-a, enquanto a atenção dos fotógrafos estava agora totalmente concentrada no corpo morto de Joe Chill em meio ao saguão do Tribunal.
Chocado como no dia em que viu seus pais serem mortos, Bruce olhou para baixo para ver a arma em sua mão. Guardou-a discretamente no bolso do casaco e continuou olhando Joe Chill estendido entre o aglomerado de pessoas.
Próximo de onde tudo o que havia acontecido, ao lado de seu chefe, estava Rachel Dawes, que se virou e viu Bruce a poucos metros de distância. Ela então correu em sua direção, sem notar Clark que estava logo atrás, e que se moveu em direção aos pilares para não ser visto.
"Vamos Bruce" disse ela. "Não precisamos ver isso"
Mas ele sequer se virou para vê-la, e com o olhar fixo no corpo sem vida do assassino de seus pais, disse:
"Eu preciso"
Clark suspirou, e na certeza de que não havia mais nada a ser feito, afastou-se, quando então viu outro movimento em frente ao hotel, e notou que a assassina que havia imobilizado instantes antes estava agora sendo levada algemada por alguns policiais, dentre os quais, aquele que o havia abordado pouco antes.
Certo de que a situação estava sob controle, pensou em voltar para a mansão e enfrentar a ira de Lois por não tê-la acordado a tempo, quando então a viu surgir na porta de entrada do Tribunal.
Sem percebê-lo, porém, com a atenção em Bruce, Lois correu para o saguão, passando pelos pilares onde estava Clark, que a observou passar por ele.
"Rachel!" chamou o Promotor Finch, cercado por repórteres.
Rachel se virou para seu chefe e depois para Bruce, que permanecia inexpressivo, e sem dizer coisa alguma, foi até Finch.
Clark observava a tudo a poucos metros de distância.
Rachel se afastava de Bruce e Lois se aproximava dele.
E uma mão tocou o ombro de Wayne, que ainda estava imóvel e chocado.
"Bruce" disse Lois com sua voz suave e reconfortante.
Mas ele sequer se moveu ou disse alguma coisa.
Lois então se atravessou à sua frente, e o olhou nos olhos, tirando finalmente sua atenção de Joe Chill.
"Acabou" disse ela, quase lacrimejante, e totalmente solidária aos sentimentos tumultuados que certamente dominavam o coração apertado do jovem Wayne.
E Lois o abraçou afetuosamente, enquanto ele, retribuindo o calor do gesto, com o rosto mergulhado entre seus cabelos, continuava a fitar Chill, certo de que a justiça havia sido feita.
A poucos metros, ao ver o quanto Lois amava Bruce, Clark suspirou e, cabisbaixo, deu-lhes as costas, deixando lentamente do prédio para esperá-los do lado de fora.
Foi então que seu celular começou a tocar.
"Chloe" disse, ao atender.
"Clark, o quê houve?" perguntou ela, olhando em tempo real pela Internet, o que se passava no Tribunal de Gotham. "Mataram Joe Chill? Espero que não tenha sido quem penso que foi--"
"Não" disse Clark. "Está tudo bem" completou, virando-se para ver Lois e Bruce, que permaneciam abraçados. "Agora está tudo bem--"
"Não importa o que aconteça, estarei sempre aqui com você" sussurrou Lois para Bruce.
Ao ouvir aquelas palavras com sua super-audição, Clark teve a certeza de que ela o amava, e descobriu que alguma coisa estranha estava acontecendo com ele naqueles últimos dias ao lado de Lois. Não sabia exatamente como reagir. Sentia-se, pela primeira vez na vida, confuso e perdido. Era como se o chão se abrisse sob ele. Seus pensamentos eram turbulentos. Suas emoções estavam à flor da pele. E um aperto no seu coração, mais forte do que ele próprio, uma dor humana que jamais havia experimentado, mais intensa do que qualquer dor física, apoderou-se dele. E Clark Kent finalmente começava a se dar conta de que estava com ciúmes de Lois Lane, e só havia uma coisa que podia fazer: estar o mais longe possível dali.
Virou-se, olhando em direção à rua, e disse:
"As coisas estão meio complicadas por aqui, Chloe. Depois nos falamos"
"Clark, eu--" protestou ela, porém, novamente em vão.
E Clark desligou o celular enquanto atravessava lentamente a rua, na medida em que carros da polícia e da imprensa se aglomeravam em frente ao Tribunal e ao Grant Hotel. Suspirou mais uma vez, ignorando completamente o circo que se instalava em Gotham e, determinado, resolveu voltar caminhando para Smallville até quando decidisse usar sua super-velocidade, já que não havia mais pressa e ninguém mais precisava dele, pretendendo usar o tempo que tinha a caminho de casa para refletir a respeito tudo o que estava lhe acontecendo, principalmente no que dizia respeito a Lois Lane.
----------------------------------------------------
Enquanto isso, Lois e Bruce, em meio ao saguão do Tribunal, desvencilharam-se gentilmente, e ela percebeu que alguma coisa estava errada. Olhou ao redor, e notou algo estranho.
"Onde está Clark?" perguntou, preocupada.
Bruce, que sequer ouviu o que ela disse, se virava para ver os paramédicos levarem o corpo de Chill coberto por um lençol para a ambulância em frente ao Tribunal, quando Rachel se aproximou:
"Você viu Clark?" perguntou-lhe Lois.
"Não" respondeu Rachel, confusa.
Mas Lois continuava a olhar ao redor, visivelmente preocupada, até que viu um movimento incomum em frente ao hotel do outro lado da rua.
"Bruce, vamos embora daqui" disse Rachel, enquanto Lois se afastava em direção à entrada do prédio.
"Clark, onde você está?" murmurou Lois, mordendo os lábios, cheia de aflição.
"Lois!" chamou Rachel aproximando-se dela com Bruce.
Lois se virou para vê-los, e sorriu-lhes amigavelmente, tentando disfarçar a tensão que lhe dominava por conta da estranha ausência de Clark.
"Vou levá-lo para casa" disse Dawes com o braço enganchado no de Bruce. "Quer vir junto?"
"Não. Tudo bem" disse Lois, que continuava a olhar ao redor, à procura de Clark. "Eu tenho que encontrar o meu... bom, o Clark" explicou, confusa.
Rachel sorriu, indiferente, e se virou para Bruce, que estava com o olhar perdido, completamente atribulado com todos aqueles acontecimentos.
Lois então o encarou, e lembrou de vê-lo exatamente daquele modo no dia do enterro de seus pais. Era como se o passado viesse à tona, e ela compreendia o que devia estar se passando na mente confusa e atordoada de Bruce, por mais que agora suas preocupações estivessem completamente voltadas para Clark.
"Tem certeza de que vai ficar bem?" perguntou, olhando-o nos olhos.
Ele a fitou, compreendendo sua aflição, e sem nada dizer, apenas balançou a cabeça, e um pequeno sorriso surgiu no canto de seus lábios.
Lois então novamente o abraçou, e disse:
"Falamos depois, ok?"
E ela se virou para Rachel. Sorriu-lhe um sorriso amistoso. Sabia que ele agora estava em boas mãos, afinal, aquela era a mulher que o amava tanto quanto um dia ela mesma acreditou que o amou.
Enquanto Rachel e Bruce iam embora, Lois continuava a procurar por Clark, e ao novamente ver o movimento em frente ao hotel do outro lado da rua, notou uns policiais examinando uma janela do quarto andar. Imaginando que era de lá que pretendiam matar Bruce, desconfiada da ausência de Clark, Lois correu o mais depressa possível para saber o que havia acontecido, com o coração apertado, esperando que ele estivesse bem.
----------------------------------------------------
Pouco depois...
Clark caminhava a alguns quarteirões acima, menos movimentados, e já bastante afastados do centro de Gotham, dominado por seus pensamentos e emoções conflituosas, quando, de repente, viu um carro passar por ele pela rua. Notou que era o mesmo carro que havia saído da mansão Wayne naquela manhã, e ao ver que se tratavam de Rachel e Bruce, acreditando que ele ainda estava atordoado e que alguma coisa ruim ainda podia acontecer, resolveu segui-los.
Continua...
