CAPÍTULO X

Horas depois...

"E ele disse aonde ia?" perguntou Lois a Chloe, falando de um telefone público em frente ao Grant Hotel, enquanto a movimentação já estava praticamente normalizada, e Alfred a observava de longe, próximo do Rolls Royce estacionado ao lado da calçada.

"Ele simplesmente desligou o celular. Estou há um tempão tentando falar com ele" respondeu Chloe.

Lois suspirou e respirou fundo, na tentativa de se acalmar.

"Muito bem" disse ela. "Pela descrição que você me deu, a tal Condessa já está presa. Ou seja, não há mais perigo algum--"

E Chloe, do outro lado da linha, olhava pelo monitor do computador no Planeta Diário, a ficha aberta na tela da criminosa londrina Regina Doomsdale, vulgarmente conhecida como "Condessa", assassina profissional, e que era exatamente a mulher que Clark surpreendeu no quarto de hotel, enquanto Lois continuava:

"Provavelmente ele chegou bem a tempo de impedi-la de atirar em Bruce. Então, onde mais ele pode ter ido?"

"Não faço a menor idéia" respondeu Chloe, sincera, que não havia ainda mencionado à prima o fato de que Bruce pensou em matar Chill, conforme Clark a havia alertado antes.

Lois então olhou para Alfred.

"Engraçado, pois não acho que ele tenha voltado para a mansão" comentou, intuitiva, não apenas pelo fato de terem ligado pouco antes para lá e descoberto que ninguém atendia, nem mesmo Bruce que já havia saído do Tribunal com Rachel há um bom tempo.

"Não se preocupe, Lois" disse Chloe, tentando confortar a prima. "Clark sabe se cuidar"

"Ah, não sabe mesmo!" exclamou ela, irritada. "Precisava vê-lo em Suicide Slum... Se eu não estivesse lá--"

"Olha, Lois, notícia ruim corre rápido" interrompeu Chloe, que embora estivesse preocupada com Clark, tinha certeza de que ele estava bem. "Por que não volta com Alfred para a mansão e depois vemos o que acontece?"

"Priminha, você sabe bem que esperar não é meu forte" retrucou Lois, indignada com a paciência de Chloe.

"Sim, eu sei... e como sei" concordou Chloe. "Mas você tem uma sugestão melhor?"

"Chloe, você não entende--" protestou Lois.

"Olha, faça o que eu estou dizendo" interrompeu Chloe, certa de que não havia motivo para preocupação. "Tenho certeza de que ele está bem"

Houve um silêncio, até que Lois disse:

"Talvez você tenha razão... Mas quero que fique bem claro que não é com ele que eu estou preocupada" corrigiu. "É com o que ele pode fazer, afinal, tratando-se do Smallville, já sabe, não é mesmo?"

Chloe sorriu.

"Lois, falamos depois"

E não se dando por satisfeita, na certeza, porém, de que nada mais podia fazer, Lois desligou o telefone e olhou para Alfred, aparentemente mais tranqüilo ao saber que Bruce estava bem e na companhia de Rachel.

"Bom, acho que não nos resta muito a fazer exceto voltarmos para a mansão" disse ela, aproximando-se dele.

Percebendo a aflição de Lois, o mordomo disse, referindo-se a Bruce:

"Ele está bem, Srta. Lane"

Lois o encarou, e desejou realmente acreditar naquelas palavras.

"Espero que sim" disse ela, referindo-se a Clark.

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Pouco depois...

Clark seguia velozmente o carro de Rachel na rodovia principal de Gotham, quando, subitamente, viu o veículo sair de forma abrupta da pista para entrar numa rampa de saída a uma via alternativa de acesso.

Preocupado, ele parou no acostamento e observou confuso a mudança repentina de rota, e continuou a segui-los, até que percebeu que o conduzido atravessava agora ruas estreitas e escuras de um lugar desolado e muito diferente do suntuoso centro de Gotham. Eram as docas.

Foi então que Clark viu o carro de Rachel Dawes parar em frente a um clube, e não muito longe deles, ele também parou próximo a um beco e tentou descobrir o que estava acontecendo, usando sua super-audição.

"Todo mundo sabe onde encontrar Falcone" disse Rachel a Bruce, gesticulando em direção ao clube. "Mas ninguém pode fazer nada, pois é ele que mantém os maus no poder e os bons à mercê do medo. E quais as chances de Gotham quando alguém bom nada faz?"

Clark se virou para ver o clube, enquanto Rachel e Bruce ainda conversavam no carro:

"Não sou um dos bons" corrigiu Bruce, ao perceber que Rachel o incluía entre as pessoas boas de Gotham. "Chill tirou isso de mim"

"O quê quer dizer com isso?" indagou ela, confusa.

E Bruce tirou do bolso do casaco a arma.

"Eu mesmo ia matá-lo" explicou.

Clark observava de longe, e imaginava se devia fazer alguma coisa, já que não confiava em Wayne, mas tanto quanto este, surpreendeu-se ao quando Rachel o esbofeteou na face.

Ao ver que Bruce não reagiu, ela o esbofeteou novamente, e olhando-o firmemente nos olhos, disse:

"Seu pai teria vergonha de você"

Clark enrugou a testa, na certa tão surpreso quanto Bruce, até que o viu descer do carro, que simplesmente desapareceu rua acima. Observou-o então agora sozinho, parado no asfalto molhado, olhando a arma nas mãos, e logo depois atirá-la contra as águas escuras da baía.

Confuso, Clark ficou imaginando o que Wayne pretendia fazer, quando o viu se virar e caminhar em direção ao clube.

"Cai fora, garoto!" exclamou um dos leões de chácara.

Bruce tirou do bolso um maço de dinheiro e lhe entregou metade.

Foi então que Clark o viu entrar no clube, e correu ao seu encalço.

"Ei, quem pensa que é?" indagou o outro segurança para Clark que se atravessava à sua frente, enquanto o anterior acompanhava Bruce para dentro do estabelecimento. "Não pode ir entrando assim--"

E Clark o encarou, e depois olhou para dentro do lugar. Usou sua visão de raio-x e descobriu que o lugar estava repleto de pessoas, a maioria armada, e Bruce se aproximava de um mesa aos fundos, onde provavelmente estava Carmine Falcone.

"Cai fora!" exclamou o segurança, indignado com sua indiferença enquanto o empurrava pelas escadas.

Clark deu um passo para trás, fitando-o nos olhos, e antes de pensar em reagir, olhou novamente para o interior do clube, não muito certo da reação de Bruce ao vê-lo ali, e decidiu esperar do lado de fora, acompanhando todo o movimento de dentro do lugar porta afora, preparado, porém, para usar seus poderes a qualquer momento, caso necessário.

"O jovem garoto rico. Sem armas? Sinto-me insultado" disse Falcone, enquanto Bruce estava parado em frente à sua mesa e era revistado com uma faca apontada para ele.

"Não preciso de armas" retrucou Wayne, sentando-se à sua frente.

"Claro que precisa"

E um dos capangas de Falcone apontou o cano de um revólver contra a cabeça de Bruce, enquanto os demais freqüentadores no clube apenas ignoravam a situação, como se fosse algo bastante comum.

Clark aproximou-se novamente da porta do clube, pronto para entrar, quando ouviu Falcone rir:

"Dinheiro nada vale por aqui. O medo sim"

"Ei, cai fora, garotão!" disse novamente o segurança para Clark, que dessa vez, com um pequeno empurrão com as pontas dos dedos, o fez cair para trás, bater a cabeça e desmaiar.

Ao entrar no clube, da porta de entrada, Clark viu um dos capangas de Falcone jogar o maço de dinheiro que Bruce lhe dera antes sobre seu colo, fazendo desfeita após o comentário do arrogante mafioso.

"Você podia apenas ter me mandado um bilhete de agradecimento" continuou Falcone.

"Eu não vim aqui para agradecer" disse Bruce com frieza, fitando-o nos olhos. "Vim mostrar que nem todos em Gotham têm medo de você"

E Falcone riu, enquanto Clark observava calmamente a tudo do outro lado do bar, já não muito certo se devia intervir, expondo-se e colocando a vida de Wayne em perigo.

"Ei!" chamou o barman.

Clark se virou para vê-lo.

"Vai beber alguma coisa?"

Enquanto isso, Falcone ainda ria da petulância de Bruce:

"Apenas os que não me conhecem" disse ele. "Mas devo admitir que você tem colhões, garoto. Só que esse lugar não é pra você. Não jogamos limpo por aqui--"

E Bruce o encarava com firmeza, enquanto o mafioso continuava:

"Agora, volte para sua bela mansão, para seus lençóis de cetim, que eu mando alguém para confortá-lo--"

"Você não se veste tão bem para um cafetão" desafiou Bruce, enquanto Falcone acendia um charuto e o encarava com olhar inexpressivo.

"Sente falta da mamãe e do papai?" perguntou, após uma longa baforada. "Pois fique sabendo que se resolver voltar aqui, vou mandá-lo para junto deles" concluiu, levantando-se e saindo do clube acompanhado por seus capangas.

Clark disfarçou inclinando-se sobre o bar enquanto o mafioso passava por ele, e depois se virou para ver Bruce aos fundos do clube, que não o percebeu enquanto era escoltado para fora do clube pelos seguranças, que o atiraram contra a calçada.

Ao sair do clube, ao topo das escadas, Clark viu ao seu lado dois seguranças do estabelecimento tentando reanimar o que ele havia feito desmaiar instantes antes e, à sua frente, Bruce, que se levantava desajeitado, enquanto observava Falcone entrar em sua limusine e seguir rua acima.

Enquanto se ajeitava, três vândalos passaram por Bruce, mas simplesmente desviaram dele.

"Não se preocupe. Ninguém vai se meter com você" disse uma voz vinda da escuridão próxima a alguns containers de carga do outro lado da rua.

Bruce se virou para ver quem era, e notou que se tratava de um mendigo tentando se aquecer junto a uma fogueira improvisada.

"Vestido desse jeito por aqui--" continuou ele enquanto Bruce se aproximava, e Clark descia as escadas do clube, observando-os de longe, confuso quanto ao que se passava com o jovem e atordoado bilionário. "Significa que você quer provar alguma coisa. E quando alguém quer provar alguma coisa, é porque é perigoso"

Pensativo, Bruce tirou do bolso a carteira e removeu dela todo o dinheiro que tinha, atirando-a contra a fogueira, e entregando o maço de notas de dinheiro ao mendigo.

Não muito longe dali, Clark enrugou a testa, imaginando se Wayne pretendia fazer o que ele pensava que faria.

"Pra quê isso?" indagou o mendigo.

"Seu casaco" disse Bruce, tirando a gravata e jogando-a também às chamas da fogueira.

Sem pestanejar, o mendigo aceitou o dinheiro e tirou o casaco apressadamente, imaginando se o estranho mudaria de idéia.

Bruce também tirou seu casaco e quando se preparava para jogá-lo na fogueira, o mendigo o impediu:

"Deixe-me ficar com ele. É um bom casaco"

Bruce e o mendigo trocaram os casacos, e enquanto vestia as vestes sujas e desgarradas do sem-teto, advertiu-o:

"Cuidado com quem o vir com ele. Vão estar à minha procura"

"Quem?" perguntou o mendigo.

"Todo mundo" respondeu Wayne, sorrindo.

Menos incongruente com seu "novo" casaco, Bruce caminhou em direção ao containers de carga, dando as costas para a nefasta Gotham City, quando, de repente, ouviu alguém chamá-lo:

"Espere!"

Bruce parou, e lentamente se virou para ver quem era.

"Clark?" indagou, surpreso e confuso, olhando ao redor, imaginando se Lois também estava por perto.

"Não se preocupe" disse Clark. "Ela não está aqui"

Bruce balançou a cabeça, satisfeito por Lois não vê-lo naquele estado deplorável, pois, mais do que o casaco de um mendigo, não estava preparado para encará-la depois de quase cometer o maior erro de sua vida.

"Ela também não sabe o que aconteceu no Tribunal" completou Clark, como se tivesse lido seus pensamentos, enquanto se aproximava dele, e o mendigo, desconfiado, afastava-se o mais depressa que podia dos dois.

Bruce sorriu enquanto Clark o examinava.

"Então imagino que você já sabe o que estou fazendo" disse ele, tão determinado quanto achava que estava quando pensou matar Joe Chill naquela manhã.

"Fugir não vai levar a nada"

"E quem disse que estou fugindo?" indagou Wayne, enigmático.

Clark suspirou.

"Pode me fazer um favor, Kent?" pediu Bruce, fazendo uma pausa, enquanto Clark consentia com seu silêncio. "Cuide bem da Lois"

E Clark permaneceu imóvel e calado.

"Cuidarei" disse ele.

Bruce sorriu, e enquanto se virava para ir embora, viu que um navio preparava-se para zarpar, quando então correu o mais rápido que podia para embarcar clandestinamente.

Estranhamente, a intuição de Clark era que de que não devia impedi-lo, e que algum dia voltaria a vê-lo. Sorriu um sorriso amargo ao imaginar que muito provavelmente, quando isso acontecesse, ambos já não seriam mais os mesmos.

Continua...