2º Capítulo – Contacto

Tyson saiu disparado do gabinete. Queria vê-la uma vez mais mas a única pessoa que avistou foi o Kai parado no meio do corredor, completamente voltado para trás. Não conseguiu travar a tempo, acabando por esbarrar nele.

Poing!

Os dois caíram ao chão violentamente.

- O que pensas que está a fazer! – perguntou o Kai encolerizado.

- Ninguém te manda estares aí parado e olhar sei lá para onde.

A situação em que se encontrava o Kai humilhava-o, estava prestes a partir a cara ao seu companheiro quando chegaram os seus outros companheiros.

- Tyson! Kai!

Ajudaram o Tyson a levantar-se e quando iam ajudar o Kai, este negou a ajuda e ergueu-se sozinho. Assim que se viu livre do chão, Tyson correu até à ponta do corredor.

- Onde está ela? Para onde é que aquela rapariga foi?

Kai sacudiu as suas roupas mas permaneceu calado. Ainda se lembrava da sensação esquisita que tivera assim que se cruzara com ela.

- Kai, onde está ela?

- Eu sei lá!

……….

- Mas ainda não nos disse quem ela era! – insistia o Tyson no gabinete de novo. Tinham regressado para junto do Sr. Dickson e Tyson parecia hipnotizado ainda com a ideia de que vira a rapariga.

- Afinal porque é que vieram tão cedo? – mudou de assunto o homem, apesar de já saber a resposta. Encaminhou-se para a sua secretária e tirou os papéis que se encontravam em cima da mesa. – O regulamento saiu hoje mesmo, logo de manhãzinha. E ainda só tive tempo para dar uma olhadela mas confesso que este ano será tudo muito diferente. – voltou a colocar os papéis em cima da mesa e sentou-se na sua cadeira.

O Tyson voltou a si e recordou-se do assunto que os levara ali. O Sr. Dickson sorriu e voltou-se para o Max e para o Ray.

- Trouxeram o que vos pedi?

- É claro! Está aqui… – juntos, entregaram umas folhas cheias de assinaturas.

- Óptimo! As minhas suspeitas confirmam-se infelizmente e por isso temos um grave problema para resolver. – pegou nas folhas e após ter dado uma vista de olhos rapidamente, guardou-as na gaveta, a qual trancou como se tratasse de algo muito importante.

- Diga-nos o que se passa. – pediu o Kenny.

- Parece ser grave. – declarou a Hillary.

- Pois… – o velho homem suspirou e voltou a pegar no regulamento do novo torneio. A notícia que tinha para dar não era nada agradável. – Como eu disse, este torneio vai ser bastante diferente. Vão-se realizar as eliminatórias habituais e nas quais vocês vão ter de participar.

- Mas nós já somos campeões! – arreliou-se o Tyson – Não vamos combater com um bando de miúdos…

- É o regulamento! No entanto posso assegurar-vos que iram entrar em escalões diferentes de modo a que a equipa poderá formar-se de novo. Não irão combater uns com os outros.

- Era mais fácil nem fazer este torneio, se já se sabe quem será a equipa escolhida! – declarou a Hillary.

- Tens razão Hillary, mas todos os continentes vão fazer o mesmo.

- Todos os continentes! – espantaram-se todos.

- Sim. Este ano o campeonato será a nível continental. O nosso país irá representar a Ásia, a África também estará representada, a América e a Europa. Cada continente apresentará duas equipas, num total de 8 equipas na final! As eliminatórias para a escolha das equipas decorrerão ao mesmo tempo nos diferentes continentes. Nova Iorque foi a escolha da América, o Egipto de África e a Rússia da Europa.

- De qualquer maneira vamos voltar a ganhar e eu serei campeão de novo!

- Sim… Mas onde está a má notícia no meio disto? – perguntou o Max.

O Sr. Dickson suspirou e olhou para a gaveta onde guardara os papéis entregues pelo Max e pelo Ray.

- O regulamente é muito rigoroso desta vez! Apenas poderá representar o continente quem tiver a nacionalidade num dos países desse continente e de preferência no mesmo país que irá representar o continente.

Todos arregalaram os olhos e abriram as bocas. Estavam chocados com a notícia. (é claro que este "todos" não inclui o Kai).

- Por isso pedi ao Max para trazer uma autorização de nacionalidade. Como o pai dele é japonês, desde que tenha a devida autorização, pode representar o nosso país, apesar de ele ser americano. – Max suspirou de alívio e sorriu.

- Então era para isso que servia o documento!

- E o meu? – perguntou o Ray.

- Como tu és da China, esta é só uma autorização para representares o Japão. O Tyson é de cá, logo não precisará de autorização.

Levaram as mãos ao peito e respiraram de alívio. Durante instantes pensaram que era mau mas agora já não o parecia.

- Então está tudo tratado. A nossa equipa pode-se voltar a formar. – disse o Kenny.

- Não é bem assim Kenny. – cortou o velho homem gravemente. – Ainda temos um problema a resolver. – e dito isto, tirou uns papéis de outra gaveta e estendeu-os na direcção de Kai.

Foi então que os rapazes voltaram-se para o canto mais escuro do gabinete e aperceberam-se da presença do rapaz, encostado à parede e calado desde o momento em que tinham entrado. Até se tinham esquecido da presença dele.

Kai afastou-se da parede e pegou nos papéis estendidos. Lentamente deu uma vista de olhos e voltou a entregá-los.

- És tu Kai que me preocupas. – desabafou o Sr. Dickson. – Não sei como vamos conseguir a autorização do Voltaire para que possas representar a equipa.

Pareceu que uma faca se espetou no coração de todos. Tinham-se esquecido daquele pormenor… Kai não era japonês… era russo, o que o fazia dependente daquela autorização. Mas como a iria conseguir? Voltaire era avô de Kai, mas pode-se dizer que era a pior pessoa que eles tinham conhecido. Um homem que usara o seu próprio neto em proveito pessoal sem se importar com mais nada e que tinha espetado com o mesmo em criança numa Abadia para que recebesse um treino cruel. Pedir uma autorização a Voltaire era o mesmo que dizer que Kai estaria fora deste torneio e logo do campeonato mundial!

- Já mandei um pedido ao Voltaire mas não posso garantir nada.

- Mas deve haver outro meio! – suplicou o Tyson, com os seus olhos a brilharem de fúria. – Tem de haver algo!

- Lamento Tyson… Ou conseguimos essa autorização, ou o Kai só vai puder representar a Rússia se for às eliminatórias de lá, ou então… – o homem fez uma cara de desagrado. – O Kai não participará neste campeonato!

……….

A rapariga entretanto voltara a entrar na limusina e a viagem de regresso decorria calmamente.

- Correu tudo bem? – ouviu-se uma voz ao seu lado.

- Conforme planeado! Propus a troca e agora só temos de esperar.

- Óptimo! – regozijou de novo a voz que era seca e pertencia de certo a um homem já de idade. O barulho de papelada a ser amachucada ouviu-se. – E o Dickson ainda tem esperanças que eu reconsidere… Balelas! Aquele homem nunca aprende. Mas desta vez tudo será conforme os meus planos. Estás a ir muito bem minha querida Maylene. Excelente, diria mesmo!

Maylene sentiu-se orgulhosa e voltou o seu olhar para a janela do carro.

- Muito obrigada, senhor Voltaire! Apenas tento agradá-lo e agradecer-lhe pelo que me fez.

(FLASH BACK)

- May… Está aqui um senhor que quer falar contigo!

- É um prazer conhecer-te Maylene!

Isto acontecera à 1 ano atrás, quando aparecera no orfanato um homem podre de rico e apenas pedia para conhecer uma rapariga. Ela tinha lhe sido apresentada e ainda se lembrara do ar de satisfação da cara do homem ao ver que correspondia aos requisitos.

- Gostarias de mudar de vida? Posso oferecer-te uma vida melhor…

- E qual o pagamento que lhe terei de ceder?

- Nada de especial! Apenas quero fama e glória! Tenho uns planos para ti, que de certo te agradarão. É claro, se aceitares fazeres par comigo.

(FIM DO FLASH BACK)

- Foste o meu melhor achado! Maylene…

Maylene! Aquele nome dava muitas recordações do seu passado… Era um passado comum a muitos mas ao mesmo tempo obscuro e intrigante. Estava resumida a um simples nome – Maylene – não tinha outro nome. Sempre fora só Maylene e sempre seria Maylene.

Tinha apenas dias quando um homem a deixara no orfanato. Não sabia quem era esse homem, pois nunca o conhecera. Tinha lhe dado o nome de Maylene e desaparecera como nunca tivesse existido. Não constava registo dele na sua ficha, nem uma simples descrição, mas ela sabia que tinha de lhe agradecer pela vida que lhe dera. Não era uma boa vida ser criada num orfanato, mas pensando de outro modo, ela podia nem ter sobrevivido, ou podia fazer parte desse grupo de crianças que vivia na rua ou que simplesmente serviam de cobaias aos desejos sexuais de várias pessoas. Vivera num lugar protegido, com comida e abrigo e agora é que se apercebia da sorte que tivera. Aprendera a falar russo, a sua língua materna e além disso, também aprendera japonês.

Mas nem tudo fora fácil visto desta maneira. Nunca tivera amigos! Todas as pessoas que conviviam com ela no orfanato chamavam-lhe de "estranha". Lembrava-se agora da primeira vez em que pegara num Beyblade e destruíra quase metade do orfanato. A partir dessa altura começara a ser evitada por todos e a sua personalidade modificara-se. Era agora orgulhosa, confiante de si e desinibida, o que nunca fora antes. Tinha lá culpa que o Beyblade libertasse tanto poder sempre que era ela a puxar o tirante.

Mas as coisas haviam mudado… Aparecera um homem rico que apenas procurava uma criança interessada no Beyblade, capaz de suportar treinos e de estar ao seu lado. Ela tinha sido esse achado! Bonita, como ainda lhe diziam, óptima no Beyblade (tinha nascido assim, pois nunca treinara em toda a sua vida) e obediente para com o seu senhor. Voltaire dera-lhe tudo, um nome, uma casa, roupas, a altas contas de cabeleireiro e manicure e tudo o que envolvesse dinheiro ele não lhe negara. Até um professor de Beyblade lhe arranjar e agora ela estava melhor que nunca, tinha até um bit-bicho. E em troca não tivera de fazer absolutamente nada. Apenas obediência e dedicação lhe pedira o homem. O maior pedido que lhe fizera estava prestes a torna-se realidade. Queria glória, queria dominar o mundo, ser honrado e venerado. O plano era ela ganhar o campeonato de Beyblade e desta forma fornecer à Bio-Volt a liberdade de acção que sempre ansiara. E era exactamente isso que ela queria: ganhar, vencer e subir. Então qual era a paga? Nenhuma.

Mas havia uma condição que teria de cumprir. E essa talvez fosse a mais difícil de satisfazer. Tinha de trazer o Kai de novo para junto do seu avô. Tinha de fazer equipa com ele e desta maneira os dois imortalizarem o nome de Voltaire. Não havia nada mais fácil… mas seria?

……….

- Vou ter uma reunião. Lamento, mas terás de esperar.

- Deixe-me então no parque, por favor! Gostava de conhecer melhor esta cidade.

- Muito bem! Se assim desejas…

O carro parou e a rapariga saiu.

- Mandarei alguém buscar-te mais tarde.

……….

Após as tristes noticias que Dickson dera, Kai retirara-se do edifico da BBA. A questão era se havia de partir imediatamente para o seu país e aí inscrever-se ou ficar no Japão à espera da assinatura do avô que sabia que nunca havia de chegar. O torneio começaria no dia seguinte, o que lhe deixava muito pouco tempo. Ou partiria agora mesmo ou simplesmente acabava a sua participação no campeonato, mas algo impedia-o de ir. Algo obrigava-o a ficar. Ainda lhe restava um fio de esperança de que iria puder participar.

Deixara os companheiros ainda no gabinete e encontrava-se agora no miradouro da cidade. Estava apoiado no corrimão que limitava a plataforma de observação e fitava intensamente o horizonte.

Não se apercebeu de passos a aproximarem até que uma presença de alguém parou atrás de si a fitá-lo. Virou-se para trás e voltou a encontrar a rapariga que vira na associação. Ela fitava-o espantada, também não contara com a presença de alguém ali, muito menos de Kai.

Observou-o de alto a baixo. Aqueles cabelos, aqueles olhos, … Era sem dúvida o Kai, o neto do Voltaire. Segundo o que se lembrava, chamava-se Kai Hiwatari. Hiwatari… Este nome não era o verdadeiro nome do Kai, não passava de uma farsa, de um nome que usava para se esquecer do seu verdadeiro nome.

- Kai!

- Como sabes o meu nome? – espantou-se Kai, ao mesmo tempo que a olhava impacientemente.

- Digamos que és bastante conhecido! Um mestre de Beyblade é o que te chamam, mas pareces não passar de um rapaz. Como é que escondes tanto poder?

Mas não houve tempo para respostas, o vento soprou, cortando o imenso calor e o chapéu de Maylene foi atirado pelos ares. Kai apanhou-o mesmo a tempo antes de este cair da plataforma. Aproximou-se dela e olhou-a de novo. Vista de perto e sem o chapéu era outra coisa completamente diferente. Os seus cabelos negros esvoaçavam ao sabor da pequena aragem e as suas ondulações faziam-no parecer vivo. O rapaz experimentou uma sensação que nunca vivera antes. Um íman o atraía desalmadamente, o seu coração não lhe obedecia e o seu corpo parecia estar a reagir àquela atracção.

Estendeu-lhe o chapéu e ela sorriu-lhe enquanto recuperava o seu objecto. Houve um momento em que as suas mãos se tocaram. Um ar gélido subiu pelo corpo do Kai e o mesmo também aconteceu à rapariga. Uma sensação impossível de se explicar… Kai nem queria acreditar! Tocara na mão da rapariga mas parecia que se tinha tocado a ele próprio. Não suportou aquela sensação e ela também não pois largaram-se simultaneamente e ficaram a olhar-se curiosamente.

Foi Maylene que quebrou aquela transmissão de sensações. Colocou o seu chapéu e agradeceu:

- Obrigado. – e retirou-se.

Fim do 2 º Capítulo