Retratação: como sempre, Saint Seiya e seus personagens não me pertencem. Porém, a idéia original desse fic sim e seus personagens originais. Portanto, se você resolver usar alguma coisa daqui, eu não me importo, contanto que os créditos sejam devidamente feitos.
Créditos: Saint Seiya pertence ao tio Kuramada, só uso os personagens pra me divertir
Resumo: depois de sete anos longe do Santuário, Shaka volta à Grécia, onde pretende retomar a vida, mesmo que tudo tenha mudado à sua volta. Yaoi com flashback, lemon, um pouquinho de violência. Casais: Shaka/Mu; Miro/Kamus; Máscara da Morte/Afrodite
Aviso: esse fic vai ter cenas de flashback e sempre que uma ocorrer, o texto estará em itálico e negrito, só pra situar todo mundo.
12.Felicidade para uns, Decepção para outros
Kamus subia as escadas do Santuário auxiliado por uma serva, que carregava tantas sacolas de papel quanto ele. Ainda era oito horas da manhã quando entraram na passagem alternativa a caminho de um dos templos.
Pararam à frente da oitava casa. Ofrancês dispensou a serva, deixando que ela subisse até à casa de Aquário, levando apenas duas sacolas. Tentou abrir a porta do templo, mas a mesma continuava trancada. Murmurou algo em francês, tirou um chaveiro de ouro branco no formato de uma estrela de cinco pontas do bolso da bermuda de linho creme que usava e abriu a casa de Miro.
Tudo parecia estar no mesmo estado que ele deixara na noite anterior, o que era a indicação de que Miro permanecia dormindo. Foi direto para a cozinha, deixando as sacolas de papel em cima da pia, no pouco espaço que encontrou. Franziu o cenho em visível desaprovação ao notar uma infinidade de pratos e copos sujos espalhados por todo o lugar. "Mon Dieu, Miro, como consegue?", ele pensou, prendendo os cabelos e tirando o suéter da mesma cor da bermuda, pondo-se a arrumar tudo.
Oito e meia era a hora que o relógio da cozinha marcava, e Kamus deu um sorriso. O lugar estava arrumado, os pratos, copos, talheres dispostos perfeitamente em seus lugares, a bancada aonde costumava-se fazer as refeições, sem nenhuma revista, ou qualquer coisa suja. Limpou as mãos em uma toalha e começou, por fim, a preparar o café da manhã que havia prometido ao grego.
Assou os pães, fritou ovos, preparou croissants, arrumou tigelas com geléias e queijo cremoso, enquanto o café ficava pronto e o suco de laranja era feito na hora. Qualquer pessoa que o visse daquele jeito surpreenderia-se, mas Kamus era um dos poucos cavaleiros que sabia preparar refeições rápidas e apetitosas. Sua curiosidade e educação, digna dos chefs d' cuisine, o colocavam em um patamar especial e digno dele. Tudo o que fazia era apreciado pelos outros com admiração e uma certa inveja.
Os croissants de queijo roquefort estavam terminando de assar quando ele decidiu arrumar a mesa. Saiu por alguns minutos do templo, contemplando um jardim nos fundos do templo de Escorpião, projetado por Afrodite, como sempre, que sempre fora seu lugar preferido ali. As flores estavam mal cuidadas, mas ainda assim era um lugar agradável. Arrastou a mesa branca de ferro para o centro do jardim, as cadeiras sendo as próximas a serem levadas até lá. Cobriu a mesa com uma toalha branca e voltou à cozinha.
Oficialmente o desjejum estava pronto. Deixou tudo disposto em cima da bancada da cozinha enquanto ia fazer a coisa mais difícil do dia: acordar um escorpião mal-humorado.
A porta do quarto de Miro estava encostada, e Kamus entrou de mansinho, sabendo como eram os hábitos do grego. Sorriu abertamente ao reparar no rapaz, deitado no centro da cama, uma das mãos sobre o peito descoberto, respirando com a boca ligeiramente aberta. Um ronco baixinho podia ser ouvido e aquilo lembrou o francês de como costumava comparar aquele som a um gato ronronando.
Aproximou-se lentamente, sentando-se ao lado de Miro na cama. Fitou-o por alguns segundos e antes que seus pensamentos lhe traíssem, levando-o para algum lugar que não gostaria de estar (aqueles onde ele sempre se pegava lembrando dos momentos com o grego), tocou o braço do outro levemente, tentando acordá-lo. Como sempre, não obteve sucesso e para tal, sacudiu-o um pouco mais forte. No mesmo instante, Miro resmungou, ainda de olhos fechados:
— Antares... — e virou-se de costas para Kamus, voltando a dormir.
O francês riu baixinho, achando uma graça tremenda na tentativa de golpe de Miro. Continuou a sacudi-lo, dessa vez, usando as palavras para ver se tinha um maior sucesso.
— Vamos, Miro. Acorde. O café já está pronto.
Miro resmungou novamente, algo como "me deixe em paz...", mas o francês insistiu, dessa vez usando o último recurso que tinha: fez cócegas no rapaz, que rapidamente abriu os olhos, querendo matar quem o estava perturbando.
— Por todos os espectros de Hades, que diabos você quer?
— Bom dia. Vamos tomar café. Acho que vai precisar depois de ontem à noite. — Kamus disse, fazendo força para não rir da expressão de Miro, que parecia tentar se asfixiar com o travesseiro.
— Que café que nada, francês...me deixa dormir. — ele disse, contrariado.
— Nada disso. Está um sol deprimente lá fora e eu perdi duas horas de sono pra preparar o café. Vamos logo. — Kamus comentou, prático, abrindo as cortinas, deixando o sol entrar no quarto.
Miro puxou o lençol para cima, cobrindo a cabeça, enquanto continuava a falar baixinho, cada palavra seguida de um "elogio" a todos os ancestrais de Kamus, que apenas ria com aquilo tudo.
— Vai me obrigar a puxar os lençóis?
— Que saco, Kamus! — ele gritou, ainda debaixo das cobertas.
— Cinco minutos, mon ami. Ou começarei a comer os croissants de roquefort sem você.
Kamus saiu do quarto batendo a porta, sabendo que Miro não demoraria muito a segui-lo. Além de seus dotes culinários serem apurados, o grego nunca resistiu ao croissant que ele fazia.
Debaixo das cobertas, um Miro furioso se espreguiçava. Questionava-se aonde Kamus havia aprendido a fazer chantagens daquele jeito. O francês sabia que ele não resistiria quando o assunto fosse relacionado à comida, especialmente preparada por ele. Ficou com água na boca só de pensar em tudo o que o exagerado cavaleiro de Aquário havia preparado.
Levantou-se rapidamente, sentindo o chão lhe faltar e ele cair novamente na cama. Começou a rir, olhando para o teto que girava descontroladamente, do estado lastimável que se encontrava e prometera nunca mais beber como fizera na noite anterior.
— Francês insuportável, onde você está? — Miro gritou, quando, enfim, conseguiu sair do quarto sem que caísse pelo caminho.
— Aqui fora, resmungão! — a voz de Kamus foi ouvida e Miro seguiu-a, sabendo que ele deveria estar no jardim.
Chegou até o lugar, reparando a mesa colocada para duas pessoas, o aroma do que Kamus havia preparado chegando até ele, seu estômago protestando furiosamente por um pouco de tudo aquilo. Caminhou lentamente, só então reparando em como o francês estava bem vestido, aquela imagem despojada de Kamus, em bermuda creme e camisa pólo azul bebê, os pés descalços, combinando perfeitamente com uma visão paradisíaca que ele tinha de um futuro feliz. Resolveu não pensar muito naquilo, mantendo a expressão de revolta por ter sido acordado tão cedo e sentou-se em uma das cadeiras, que ele puxou lentamente, fazendo com que o ferro riscasse o chão de mármore branco.
— Você é tão agradável, Miro... — Kamus disse, sarcasticamente, sentando-se também, de frente para o grego, debaixo de um guarda-sol que só cobria o lugar onde ele estava.
— Se queria que eu fosse legal, deveria ter me deixado dormir até às três da tarde. Isso aqui está bom, hein? — Miro comentou, já provando um dos croissants.
— Impossível. Reunião com a deusa hoje, caso não se lembre. Como está se sentindo depois do papelão de ontem à noite?
— Por favor, francês. Nem foi tanto assim. — ele disse, não querendo corar por ter sido repreendido por Kamus.
— Que o digam as duas garrafas de vinho, não é mesmo. Às vezes me pergunto por que você faz isso.
— Simples. — ele começou, servindo-se de uma xícara de café. Provou um pouco e quase pulou no pescoço do francês por conta do líquido estar, além de quente, forte demais. — Qual a graça de ir a uma festa e não beber? E mais, não tinha nada de melhor pra fazer mesmo... então não me culpe.
— É, e depois as coisas caem sempre no colo dos outros.
— Humm... não entendi.
— Você realmente não lembra do que aconteceu? De ter caído em cima de mim?
— Eu caí em cima de você?
— Sim. E eu devo dizer que você precisa de um regime...tá pesado, hein? –Kamus disse, de propósito, sabendo que aquilo iria irritar o grego.
— Vai pro inferno, francês! Eu não sou gordo, sou gostoso!
Kamus riu diante da espontaneidade de Miro. Era tão fácil estar com ele, aquele homem que não escondia os sentimentos, que falava tudo o que lhe vinha à mente, sem medo de agredir, agradar, emocionar, irritar. Miro era assim, diversão, simplicidade e perdição combinadas em um só cavaleiro.
— Se você diz... — Kamus comentou, servindo-se de suco de laranja. — Bem, tenho algo para você.
— Mesmo? O grande Mestre do Gelo está cheio de surpresas hoje! — Miro desdenhou, os olhos brilhando quando Kamus voltou para dentro do templo. Discretamente ,olhou para o próprio corpo, coberto apenas por uma calça de pijama azul. Procurou alguma gordurinha sobressalente na barriga, beliscando-se de leve. Quando deu por conta do que estava fazendo, balançou a cabeça. "Ah, Miro, deixa de paranóia!", ele pensou, servindo-se de uma fatia generosa de melão.
Kamus voltou para o jardim carregando algo em uma das mãos, escondida atrás das costas. A curiosidade do escorpiano foi aguçada e ele lutou para não pular no pescoço do francês, de tão ansioso que ficara.
— Anda logo, Kamus. O que é isso?
O francês em questão sorriu, as mãos agora à mostra segurando um ramalhete de singelas flores,roxas com os miolos amarelo clarinho(1). Costumavam ser chamadas de Miro pelos outros cavaleiros, porque sua tonalidade arroxeada se aproximava da cor dos cabelos dele. Miro abriu um sorriso encantador, levantando-se da cadeira e caminhando até o aquariano.
— Kamus, são...
— Sim, Miro. Narcisosroxos e dourados. São suas flores prediletas ou eu me enganei?
— Acertou na mosca! — o grego disse, tocando as flores com afeto, sentindo o cheiro agradável delas. — Como conseguiu? Aioria procurou por todos os lados e nunca mais as encontrou.
— Digamos que eu tenho meus contatos. — o francês comentou, estufando o peito ligeiramente, orgulhoso de seu feito.
— Obrigado, Kamus. Por tudo. — o grego falou baixinho, querendo dizer muito mais do que aquelas simples palavras de agradecimento.
— Não foi nada, sua casa está mesmo precisando de um colorido. Agora, não se atrase para a reunião com a Deusa.
— Argh, tem certeza de que tem mesmo reunião? — ele perguntou, baixando a cabeça, desconsolado. Havia tentado ignorar que o francês já havia mencionado aquilo, mas ele não deixara escapar.
— Sim, temos. Não se atrase, Escorpião. — Kamus disse, tocando o ombro de Miro e logo se dirigindo para a passagem do jardim que o levava à saída do templo.
— Kamus, por que está fazendo isso tudo? — Miro perguntou, por fim, aquela indagação lhe martelava a cabeça durante todo o desjejum.
— Desde que fomos ressuscitados, prometi que iria cuidar de você. Não poderia quebrar essa promessa, mon ami.
— Mas... — Miro pretendia falar alguma coisa, aquela frase de Kamus tocando-o profundamente. Porém, o francês o interrompeu, sorrindo ligeiramente.
— Não se atrase e cuide bem das flores.
Miro ficou observando o francês sair de seu campo de visão, deixando-o sozinho. Era difícil não pensar no que o outro lhe dissera. Todo o cuidado que Kamus tivera consigo funcionava como uma poderosa arma para que não desistisse do francês, sendo ele seu amigo ou amante.
Tocou as flores com cuidado, lembrando curiosamente de uma frase constante, na época em que ele e Kamus ainda não haviam se descoberto apaixonados. "Doces flores sozinhas podem dizer o que a paixão tem medo de revelar".(2)
Assim ele esperava.
Afrodite esperou que o relógio mostrasse nove horas completas para que pudesse se levantar. Não que tivesse dormido, na verdade, isso esteve longe de acontecer. Ficou aconchegado no peito de Máscara da Morte até ter a certeza de que o italiano adormecera e só então se permitiu sair da cama.
Sentou-se sob a luz da lua, na poltrona branca que ficava a frente da cama e pôs-se a analisar, mesmo contra sua vontade, o que havia acontecido ali. Observava Máscara da Morte dormindo o sono dos justos, parecendo estranhamente satisfeito pelo que acontecera naquele quarto. Mesmo que ele também se sentisse assim, não podia deixar de pensar em cada ato, cada gesto, cada palavra. O italiano nunca foi de assumir nada, de se comprometer, de se deixar levar e tudo isso acontecera ali. O sueco o possuíra, o amarrara, demandara por respostas, e o canceriano, como um bonequinho, simplesmente o obedeceu.
Aquilo estava fora da ordem natural das coisas. E o incomodava.
Inicialmente, a luxúria da noite anterior o deleitou plenamente, mas agora se sentia sufocado, estranho, perdido. Era como se o homem que dormira consigo em nada se parecesse, em suas atitudes, com aquele que ele estava acostumado. Todos os questionamentos, pequenos para quem estava olhando de fora, tomavam uma proporção astronômica, e a ele só restava uma alternativa: procurar o único que o ouviria, que poderia ajudá-lo.
Mu.
Manteve-se acordado durante o restante da noite, admirando o italiano deitado em sua cama, tentado a voltar para lá, mas simplesmente não conseguia. Achou que seus sentimentos o trairiam caso ele assim o fizesse, especialmente quando Máscara da Morte agia tão atipicamente, dormindo em seu templo pela terceira vez desde que começaram o que ele chamava de 'relacionamento' e o canceriano de 'isso aí'.
E o dia veio, o sol despontando forte logo pela manhã, obrigando-o a fechar as cortinas. Não queria que Máscara da Morte acordasse, não antes que ele saísse e conversasse com Mu. Trocou de roupa, não pensando muito no fato de ainda estar com o cheiro do italiano impregnando seu corpo.
Fechou a porta com cuidado, percebendo que o outro nem se movimentara, e saiu do templo. Descendo as escadarias encontrou com Kamus à frente do templo de Shura. O francês estava com uma aparência cansada, mas, ainda assim, contente e por um segundo ele teve vontade de perguntar o que havia acontecido. Mas achou melhor não, do jeito rápido que Kamus cruzou com ele, não deveria estar querendo falar com ninguém.
O templo de Áries estava silencioso. Mu abriu um dos olhos, deixando que a claridade entrasse pelas frestas das cortinas claras do quarto. Virou-se na cama, deparando-se com o peito desnudo de Shaka. Sorriu, contente. O virginiano havia se entregado, havia ficado a noite toda. Não pôde deixar de relembrar cada pequena coisa que acontecera, que parecia tanto com o que ele imaginara inicialmente com a primeira noite entre eles: seria cálido, passional, tranqüilo, vigoroso.
E havia sido, em cada sentido de cada uma daquelas palavras.
Passou os dedos de leve pelos longos fios loiros que emolduravam seus travesseiros, o perfume deles agora misturado aos seus, combinando-se perfeitamente. O fato do outro não ter acordado o deixava ainda mais satisfeito. "Se ele pensava que seria moleza me agüentar...", ele pensou, sentindo-se livre pela primeira vez.
O estômago que roncou, contra sua vontade, foi a deixa para que ele saísse da cama. Cobriu o corpo nu de Shaka, que nem se mexeu, e saiu do quarto. Quando se preparava para fechar a porta, lembrou-se de algo e voltou correndo para corrigir seu erro.
Caminhou até a cozinha, disposto a fazer o café da manhã para ambos, quando sentiu um cosmo familiar e atormentado se aproximar. Mudou a direção e foi até a sala, esperando pela visita.
— Bom dia, Afrodite! — Mu disse assim que o pisciano colocou um dos pés dentro do templo.
Pela aparência assustada dele, o ariano podia adivinhar que o havia surpreendido. Era curioso e engraçado ver Afrodite ser pego de surpresa daquele jeito. Alguma coisa deveria estar muito errada.
— Pela minha deusa Athena! Por que você faz isso?
— Primeiro porque é engraçado ver você assustado, não é comum isso acontecer. Qual é a bomba dessa vez?
Afrodite, antes de responder, observou o amigo ariano cuidadosamente. Àquela hora da manhã, Mu estava sorridente, despojado, despreocupado, contando piadas. Aquilo não era típico do amigo certinho que tinha, especialmente depois que Shaka havia voltado para o Santuário. Mu sempre aparentava estar receoso, nervoso, ele poderia até arriscar descontrolado.
— O que está acontecendo com você? — Afrodite perguntou, olhando para Mu, que fugiu de seu olhar inquisidor.
— Que tipo de pergunta é essa? Eu é que deveria estar falando isso.
— Mu, não fuja do assunto. Me responda, você está feliz demais.
— Depois conversamos sobre isso, agora me fale você. Qual o propósito da sua visita?
Foi a vez de Afrodite ficar sem saber como começar aquele assunto. Subitamente, sentiu-se envergonhado de contar sobre suas dúvidas, especialmente se mencionar o que havia acontecido na noite anterior. Mentalmente criticou-se, Mu era o único ali que sabia de tudo sobre ele e obviamente não iria julga-lo.
— Dormi com Máscara da Morte ontem.
— E qual é a novidade nisso? Não vou te criticar depois de tudo o que aquele covarde fez, porque você já ouviu demais, mas não faz o que eu digo mesmo.
— Foi... diferente, Mu.
— Não consigo imaginar, mas tudo bem. Diferente como?
— Ele... bem... eu... nós...
— Afrodite...
Um suspiro por parte do sueco.
— Ele me deixou comandar.
Mu arregalou os olhos verdes, aquela revelação sendo muito intrigante, inesperada para ele. Sorriu, sabendo, então, o porquê de toda aquela insegurança de Afrodite. Estava a ponto de dar sua opinião quando o sueco resolveu o interrompeu.
— Não que nunca tenha pensado que isso poderia acontecer. Mas é que foi estranho, Mu. Não parecia ser ele, foi...
— Bom demais pra ser verdade? — Mu perguntou, vendo que o amigo abaixara a cabeça, não querendo dizer que ele estava certo. O ariano levantou-o pelo queixo, sorrindo. — Oras, meu querido. Por mais que deteste dizer isso, quem sabe ele não está mudando?
— Homens como ele não mudam, Mu, por mais esperançoso que eu esteja, não acredito que isso seja um bom sinal.
— Não entendi.
— Eu acho... — mais um suspiro. Afrodite parecia estar descontente com aquilo tudo. —...que ele deixou isso acontecer para se redimir pelo que quase fez.
— Agora, essa é uma atitude que não combina com aquele italiano, Dite. Mas se é isso o que você pensa, nada melhor do que uma boa conversa.
— É, talvez adiante... — e ele passou a mão pelos olhos em um movimento vigoroso, como se tentasse enxugar lágrimas que queriam cair. Rapidamente sorriu, discreto, lembrando-se de outra coisa. — Mas Mu, me conte... você está com uma carinha muito boa, muito animada. O que aconteceu, hein? Faz tempo que não te vejo assim.
— Não aconteceu nada, Dite. — o ariano respondeu rapidamente, não querendo prolongar-se naquele assunto. Será que estava tão óbvio que ele estava contente?
— Vamos lá, carneirinho... você está com cara de menino que fez arte. E uma arte bem gostosa, se você me entende...
— Diabólico... –Mu comentou, virando os olhos, mas sorrindo logo em seguida. Afrodite sempre conseguia o que queria, era verdade o que todos diziam.
Estava a ponto de começar a contar de sua noite com Shaka quando um grito ecoou em seu quarto. Mu imediatamente levantou-se do sofá enquanto Afrodite o acompanhava com os olhos, se segurando para não rir.
— Essa voz não é do...
— É. E ele parece irritado...é melhor que você vá embora... — Mu disse, puxando Afrodite pelo braço, fazendo com que ele levantasse do sofá.
E então o sueco riu. Teve uma crise histérica, contorcendo-se em meio às almofadas do sofá de Mu. Mesmo que o amigo tentasse levantá-lo, ele não conseguia.
— Mu de Áries, se você não me soltar em cinco segundos, vai se ver comigo! — Shaka gritou mais uma vez e Afrodite teve mais uma crise de risos.
— Afrodite, vá embora! — Mu disse, sem muita convicção, querendo rir também.
— Então é isso que você andou fazendo aqui no templo? Seu mundano! E depois reclama de mim! Mu de Áries, quem diria! — o pisciano levantou-se do sofá, ajeitando as roupas.
— Não comece, tudo bem. A culpa é sua se ele está lá.
— Minha? — o sueco levantou uma das sobrancelhas, desconfiado.
— Sim, usei aquela echarpe maluca que não solta ninguém.
— Ah...e depois eu sou o diabólico! Você não me engana, ariano. — Afrodite puxou o amigo para mais perto, os narizes tocando-se ligeiramente. — Depois quero todos os detalhes! — ele disse, beijando os lábios de Mu carinhosamente.
— Sai daqui, seu fofoqueiro! — o ariano comentou, sorrindo abertamente agora, jogando uma almofada na direção da porta.
Assim que a porta do templo foi fechada, Mu suspirou aliviado. Caminhou em passos incertos até o quarto, abrindo a porta bem devagar. Nem queria imaginar a cena que o virginiano lá dentro ia aprontar.
— Bom dia, Virgem...
Máscara da Morte abriu os olhos assim que sentiu o cosmo de Afrodite se afastar do templo. Suspirou profundamente, sabendo que não conseguiria fitar o sueco logo pela manhã. Estava uma atmosfera estranha ali e era algo que ele não estava preparado para encarar assim, sem preparação. E pela saída inesperada do pisciano, ele não era o único.
Sentou-se na cama, um filme passando por sua cabeça. Cada um dos pequenos gestos, das pequenas coisas que ele e Afrodite fizeram, tudo parecia aparecer com uma disposição esquisita para lhe lembrar de como havia sido bom, de como ele não poderia fugir.
Mas ainda assim, não se sentia preparado para simplesmente abdicar de tudo o que construíra, sua imagem de homem, heterossexual, galinha. Mesmo que fosse para deixar tudo por Afrodite, a quem ele tinha mais do que certeza de que valeria a pena.
Vestiu as roupas que estavam amassadas no chão, no mesmo lugar da noite anterior e chegou a conclusão de que precisava conversar com alguém. O pisciano, ele sabia, podia contar com aquele ariano metido a valentão para qualquer coisa, mas ele... a quem poderia recorrer sem ser julgado?
Uma idéia passou em sua cabeça e ele saiu do quarto, disposto, finalmente a resolver aquela situação esquisita. De uma vez por todas.
— Tá sozinho aí? — ele chegou, abrindo a porta do templo, sem ao menos bater.
— Cacete, Máscara da Morte! Não costuma bater?
— Sempre, mas hoje está meio cedo para o treino não acha, Shura?
O espanhol murmurou alguma coisa ininteligível e voltou a sentar-se em uma das cadeiras da sala de jantar. Havia uma mesa muito bem posta, com inúmeras frutas e pães para o café da manhã, que ele parecia estar tomando sozinho.
— Veio de cima ou lá de baixo? — o espanhol perguntou, despreocupado.
— Por que isso é importante? — o italiano devolveu a pergunta, defendendo-se. Por um momento achou que o amigo poderia saber de alguma coisa.
— Tão arredio. Por nada, criatura. Não quer falar, não fala!
— Estou vindo do meu templo. — ele mentiu, sentando-se em uma das cadeiras. Pegou uma maçã e mordeu-a.
— Dormiu no chão de novo? Ta com uma cara péssima. E hoje tem reunião, espero que não apareça lá vestido assim.
— Ah, pára de querer parecer o bom moço, Shura. Você é o meu companheiro de bebedeira, o grande ganhador de mulheres, assim como eu.
Shura na mesma hora largou o pãozinho que estava comendo em cima do prato e cruzou os braços. Ele era um dos poucos que conhecia Máscara da Morte tão bem, pelo simples fato de ser o único que conseguia aturá-lo diante de tantas patadas e frases de duplo sentido. Percebeu que o amigo estava com algum problema porque sempre que ele começava a falar sobre como eles dois eram "os grandes conquistadores do Santuário", algo estava muito errado.
— Vamos lá. Qual é o problema dessa vez?
— Eu não tenho problema algum. Passa o pão?
— Máscara da Morte! Fala logo. — Shura disse, colocando a travessa com os pães para mais longe. Percebeu que o canceriano suspirara profundamente.
— Bem...eu dormi com uma pessoa.
— E qual a grande novidade?
— O gênero dela, pra começar.
Shura, que voltara a comer o pedaço de pão, parou no meio da ação. Fitou o amigo, como se pedisse que ele continuasse.
— Era um homem.
— Meu amigo italiano, eu espero sinceramente que tenha sido o Afrodite. Ele vai ficar tão desapontado se ficar sabendo que não foi ele o seu primeiro... — o espanhol disse, divertido.
Máscara da Morte imediatamente olhou para Shura, como se o que ele tivesse dito fosse a notícia mais importante dos últimos tempos.
— Do que você está falando? Como assim? O que o Afrodite tem a ver com isso?
— Por Athena, me poupe. Vai dizer que nunca desconfiou que aquele peixinho sempre quis nadar na sua praia?
— Shura, esse comentário foi altamente brega.
— Não posso evitar, são as raízes latinas...
— De qualquer maneira, foi o Afrodite.
— Graças ao meu bom Zeus. E foi bom?
— Shura! Ainda está pra nascer alguém que consiga me fazer falar das minhas intimidades amorosas.
— Quer dizer que foi um ato de amor então?
— Você está impossível, espanhol. E estamos fugindo do foco.
— Não, nós estamos no foco, quer dizer, você está no foco. Você e a sua noite de amor com o Afrodite. Conta mais.
— Às vezes eu acho que morar perto dele faz com que você pegue esse péssimo hábito de fofocar da vida alheia. Mas bem, eu não sei o que fazer.
— Como assim? Vai dizer que abandonou o Dite lá no templo?
— Não, é claro que não. Ele saiu primeiro.
Shura começou a rir. Máscara da Morte inseguro era algo novo, especialmente por ele estar inseguro com relação a outro homem. Por um segundo pensou se não se encontrava em uma dimensão paralela.
Seu silêncio por alguns segundos pareceu ser a deixa para que o italiano desandasse a falar mais e mais sobre a noite. Percebeu que ele às vezes parecia conter-se para não falar demais, o que o intrigou. Será que seus amigos já estavam naquele envolvimento há mais tempo e ele nunca desconfiara? "Impossível...", ele pensou.
— Olha, meu amigo. Eu acho que isso tudo que você falou só vai ter uma solução se vocês conversarem. É o único e certo conselho que posso dar a você numa hora dessas.
— Adiantou bastante. Aliás só você ter ouvido já foi de grande ajuda. Bom... — ele disse, levantando-se da cadeira. —...eu vou pro meu templo agora.
— Vai nada! Vai é se atrasar pra reunião com a Deusa. Vai tomar um banho que eu te empresto algumas das minhas roupas.
Máscara da Morte sorriu, pela primeira vez naquele dia. Realmente, contar com a opinião de Shura havia sido uma ótima idéia. Agora ele finalmente tinha alguém para compartilhar aquela loucura toda.
— Ah, Shura... você é impossível...
As reuniões do Santuário sempre eram incrivelmente monótonas e nada produtivas, como os cavaleiros costumavam reportar. E aquela parecia não ser diferente, a não ser no tocante dos próprios membros da mesma. Cada um dos cavaleiros parecia estranhamente perturbado ou distante.
Miro olhava para os slides que Kamus mostrava e que eram descritos por Saori, mas volta e meia pegava-se fitando o francês, que raramente retribuía o olhar, de tão compenetrado no trabalho que estava.
Máscara da Morte, acompanhado de Shura, escrevia em um bloco alguns pensamentos a respeito de um certo pisciano, que a toda hora eram respondidos pelo espanhol. Afrodite, por sua vez, procurava não prestar atenção na interação entre os dos amigos, mas falhava sempre, geralmente pela falta de opções: tinha de escolher entre os "benefícios da nova sede da Fundação Kido em Paris" ou os chamegos por baixo da mesa entre Shaka e Mu, que estavam sentados ao seu lado. Chegou a conclusão, por fim, de que a bela visão do italiano e do espanhol à sua frente era muito mais agradável.
— Portanto, meus cavaleiros, eu preciso que em três dias, um de vocês se prontifique para ir à França supervisionar o final das obras.
— Senhorita, se me permite. — Aioria começou, levando todos os olhares dos cavaleiros e da deusa. Quando ela assentiu, ele prosseguiu. —Viagem à França. Por que a senhorita não designa o Kamus? Quem melhor do que um legítimo francês naquele país?
— Kamus tem sido muito útil para mim aqui no Santuário, por isso não o recrutei para essa tarefa. Mas se ele se prontificar, não tenho como me impor. — Saori sorriu, fitando o cavaleiro de Aquário. Kamus permanecia impassível, naquela postura tão típica dele. Ele parecia não se importar se alguém o colocava na fogueira, simplesmente nada o abalava.
— Tudo bem então... três dias é o prazo, certo? — Aldebaran perguntou, recebendo a confirmação da Deusa.
— França... parece interessante. O que acha? — Shaka perguntou, apertando a coxa de Mu, que deu um pequeno salto. Afrodite, que estava ao lado do amigo, simplesmente virou os olhos em desaprovação.
— Estão dispensados, então. Se alguém tiver uma resposta, não se acanhe em me procurar a qualquer hora.
E Athena saiu, deixando os cavaleiros dispersando a sala de reuniões calmamente. Todos estavam prestes a sair, menos um, que, de óculos escuros, parecia não se mexer.
— Ô SAGA! –Miro gritou aos ouvidos do geminiano, que por pouco não caiu da cadeira. — A reunião já acabou! Pode acordar!
— Droga, Miro...não dava pra ser mais discreto? Tô morrendo de sono...
— Problema seu. Agora, quem sabe você pode se candidatar para ir à França pra limpar a sua barra? Porque eu, com certeza, não me meto nessa furada!
— França? Do que está falando?
Miro gargalhou, abraçando o amigo.
— Que coisa feia. Um cavaleiro de ouro dormindo nas reuniões... e você acha que pode ser Mestre? Muito feio, Saga de Gêmeos. Muito feio mesmo.
— Vai pro inferno, Escorpião... — ele rosnou, empurrando Miro para longe, que saiu gargalhando novamente.
Estavam todos reunidos ao pé da escadaria, entre o templo de Peixes e o do Grande Mestre, em grupinhos, conversando. Miro dirigiu-se rapidamente ao grupo onde Afrodite conversava animadamente com Mu e Kamus.
— O que vamos fazer hoje, qual é o programa? — ele perguntou, abraçando Afrodite, que sorriu.
— Estávamos conversando sobre isso. Mu já tem planos. — Afrodite respondeu, olhando para o ariano, que o fuzilou.
— Não são planos, é apenas um pensamento.
— Tá, a conversinha paralela já ficou chata, podem me dizer quais os planos?
— O Mu quer levar o... — Afrodite começou a falar, mas recebeu um sonoro tapa na boca, do ariano, que o fez calar-se imediatamente.
— Já vi que você vai aprontar, carneirinho. Vamos, Kamus...você é um homem sério, não pode se contaminar com esses cavaleiros tarados e seus pensamentos e idéias impuras... — o escorpiano estava muito animado e pegou o francês pelo braço, levando-o até o outro grupinho.
A conversa ali parecia render, mas Shaka não era visto em nenhum lugar. Mu desculpou-se com Afrodite e disse que iria procurar o virginiano. O pisciano apenas sorriu marotamente, desconfiando do que poderia acontecer entre os dois amigos.
Mu desceu as escadarias rapidamente, tentando sentir o cosmo de Virgem. Sentiu-o no templo do loiro, logo quando estava aproximando-se da casa de Libra. Passou rapidamente por lá, entrando no templo de Shaka sem pedir licença.
Sorriu, encontrando o loiro sentado no tapete junto com o filho, ambos brincando com alguma coisa que ele ainda não identificara. Observou os dois por alguns minutos, deliciado em como os dois se pareciam, até mesmo nos gestos. Era bem verdade que Eric era um pouco mais esperto que o pai naquela mesma idade, mas isso não minimizava a semelhança entre eles, o que lhe fazia pensar mais uma vez na mãe do menino. Como aquela mulher deveria ser? E por que não estava ali com o filho e o marido? Arrepiou-se involuntariamente ao pensar naquela palavra.
— Vai fazer um buraco no chão de tanto passar o pé de um lado para o outro, Áries.
Mu piscou inúmeras vezes para só então conseguir focalizar o dono daquelas palavras. Surpreendentemente, elas haviam partido de Eric, que o analisava veementemente. Ao ariano restou sorrir, tentando ganhar aquele mini mistério aos poucos.
Shaka observava a cena de longe. Havia tentado conversar com Eric a respeito de Mu, mas simplesmente não sabia por onde começar. Teve uma idéia, que a princípio parecia perfeita. Era só convencer Mu.
— Estive pensando, Mu. — Shaka disse, aproximando-se dos dois.
— Será que é uma coisa boa? — o ariano devolveu a pergunta, sorrindo.
— O que acha de sairmos pra jantar hoje?
Mu na mesma hora travou, olhando rapidamente para Eric. O menino estava com uma expressão enigmática no rosto e ele não sabia se aquilo era positivo ou negativo. Fitou então Shaka, que sorria, esperando uma resposta positiva da parte dele.
— Só nós três. Acha uma boa idéia, Eric?
— Se ele for, tudo bem. — o menino respondeu, sem olhar para o ariano.
Shaka sorriu abertamente e Mu não teve outra opção a não ser aceitar aquele convite estranho, mas não menos interessante. Sair com Shaka e com Eric prometia ser um teste e se ele queria estar ao lado do loiro (e era óbvio que ele assim desejava), teria que passar por ele perfeitamente.
— E você acredita mesmo, depois do que me contou, que eles vão simplesmente aparecer aqui? Conta outra, Dite! — Miro comentou, tomando mais um gole de cerveja.
— Nem comenta que eu comentei com você isso, Miro... o Mu me tranca em uma Crystal Wall.
Miro gargalhou, observando Afrodite, que afetadamente dava três batidinhas na mesa do bar. Correu os olhos pelo lugar, quando uma cabeleira conhecida entrou em seu campo de visão. Cutucou o sueco, que rapidamente olhou para o lugar onde ele apontava.
— Eu disse que eles vinham.
Shaka andava no meio das pessoas, que abriam passagem para ele, segurando uma das mãos de Mu. Alguns os olhavam surpresos, provavelmente por raramente encontrarem aquele tipo de beleza no bar. Ambos vestidos absolutamente de preto, destoavam apenas nos tons de olhos e cabelos; Shaka usava os seus fios loiros presos em um rabo de cavalo, enquanto Mu os seus lavanda soltos, e como sempre, exalando um cheiro maravilhoso.
Logo encontraram os cavaleiros, no segundo andar do bar badalado da cidade e juntaram-se a eles. Mu foi o primeiro a sentar-se, enquanto Shaka corria até o bar, onde Máscara da Morte e Shura já pediam bebidas.
— Como foi o jantar? — Afrodite perguntou, recebendo um sorriso iluminado por parte do ariano, como resposta. – Nossa, nem preciso de mais nada. Você ganhou o moleque.
Mu nada respondeu, mas sua cabeça o levou até a deliciosa refeição que tivera ao lado de Shaka e Eric. Se o meninoestava de alguma maneira tentando testá-lo, não demonstrou, muito pelo contrário; o filho do virginiando estivera por demais interessado em saber histórias do Santuário e sobre o próprio pai, só que descritas por ele, a quem se referiu como 'conhecedor do cavaleiro de Virgem, segundo o tio Dite'.
A refeição dividida por eles em um restaurante moderninho da cidade havia sido agradável, mas Mu desejava não precisar conter-se diante de Eric. Não quando Shaka estava a sua frente, com uma das pernas discretamente entre as suas, acariciando-o. E além daquilo, tinha vontade de finalmente proferir seus sentimentos em voz alta, mas ainda assim acreditava que o momento não deveria ser aquele.
— No que está pensando? — Afrodite perguntou, passando a mão pelos olhos do ariano, que piscou algumas vezes.
— Em nada que você deva saber, pisciano metido. — ele respondeu, sorrindo. — E quanto a você? Como andam as coisas?
Afrodite suspirou, procurando Máscara da Morte no bar. O italiano conversava animadamente com Shaka e Shura, e o sueco sorriu por um segundo. Aquela pergunta não era justa, simplesmente porque ele não tinha uma resposta concreta para dar ao amigo. Desde a reunião da manhã, parecia que o canceriano o estava evitando e ele ainda queria arrumar uma maneira de estar frente a frente com ele, para que pudessem conversar, esclarecer coisas, o que quer que fosse.
— Tudo está na mesma, Mu, você sabe como.
Mu virou os olhos em desaprovação, mas resolveu não opinar a respeito daquilo, apenas porque Afrodite nunca o ouviria. Já estava cansado de dizer que o cavaleiro era demais para o outro pelo qual ele seria capaz de revirar o mundo e nada adiantava.
— Vamos dançar, ande... — Shaka disse, materializando-se na frente de Mu e Afrodite, segurando dois copos, que ele logo colocou em cima da mesa.
— Nada disso, eu não danço. — Mu respondeu, enquanto Afrodite sorria, os olhos ligeiramente fitando Máscara da Morte, que também havia aparecido com Shura.
— Agora você dança! –o loiro respondeu, já puxando Mu pela mão e levando-o até a pista de dança.
— E você, não vai dançar não? — Máscara da Morte perguntou, fitando Afrodite por alguns segundos. Só então reparou em como o sueco estava bonito, com os cabelos azuis presos em um rabo de cavalo alto, o rosto perfeito emoldurado por alguns cachos que caíam displicentes.
— Isso é um convite? — o pisciano devolveu a pergunta e não percebeu quando Shura virou os olhos em evidente descontentamento.
Máscara da Morte, para surpresa de Afrodite, simplesmente segurou-o pela mão, imitando as ações de Shaka e também caminhou com o sueco para a pista de dança. O que ele não reparou era que o outro tinha um enorme sorriso no rosto, aquele mero gesto funcionando como uma amostra pública de algum tipo de sentimento.
— Eu não sei como você sabe fazer isso.
— Me poupe, Mu, é só colocar um pé na frente do outro e se balançar. –Shaka respondeu, aproximando-se do ariano, passando uma das mãos pela cintura dele. Juntou os dois corpos, tentando movimentá-los, não conseguindo a princípio. — Vamos lá, ariano... você já me deu mostras que se balança bem.
— Tarado... — Mu respondeu, não conseguindo prender o riso. Resolveu seguir os conselhos de Shaka e rapidamente estavam em um bailado cadenciado e único, para a alegria do virginiano.
Máscara da Morte e Afrodite estavam em um lugar mais afastado dos outros casais, mas os imitavam na dança. Não trocavam palavras, mas os olhares de pura luxúria explicavam bem o que ambos sentiam. Palavras, aliás, nunca foram necessárias entre eles.
Mas para Afrodite aquilo não parecia correto. Ele precisava falar, explicar, ouvir, era um hábito que contraíra e não conseguia mudar, por mais que se policiasse veementemente.
— Então...quando voltei não te encontrei no templo.
— Quando acordei você não estava lá também.
— Resolvi conversar com Mu.
— Resolvi conversar com Shura.
Afrodite parou de dançar por um segundo. Máscara da Morte havia dito Shura? Ele havia contado sobre eles a um outro cavaleiro? Aquilo não poderia ser verdade.
— Parece surpreso. — o italiano disse, contido, não querendo mostrar que era aquela a reação que esperava do sueco.
— Chocado, diga-se de passagem.
— Por quê, Peixinho? Você fofoca com o Mu, por que não posso falar com Shura?
— Não é isso. É que imaginar você contando sobre o nosso namoro pro Shura nunca me passou pela cabeça.
E Máscara da Morte travou. Ouvir a palavra namoro era um indício de que as coisas estavam indo longe demais. Parou de dançar também e os dois cavaleiros ficaram apenas se olhando por alguns segundos. Afrodite foi o primeiro a sorrir, querendo quebrar aquele clima.
— Oops, palavra proibida, me desculpe. Não pare de dançar por conta disso. — ele disse, mesmo que no fundo, aquilo soasse como uma pequena derrota.
Máscara da Morte sorriu junto com ele, pelo simples fato de não resistir à mudança de humor de Afrodite. Ele era realmente impossível. Por que então não conseguia ignorar tudo o que lhe dizia que aquilo não daria certo?
— Se quer saber... — o italiano começou, sentindo a necessidade de falar algo, de dar a última palavra.
— Humm... –Afrodite respondeu, os olhos já brilhando de curiosidade.
— A noite de ontem foi muito interessante. — ele terminou, com um sorriso e arrancando uma gargalhada satisfeita do sueco, que pulou em seu pescoço.
Realmente era muito fácil agradar Afrodite. Bastava que tentassem.
Miro encontrou Kamus debruçado em uma das grades do segundo andar. Ele parecia curiosamente interessado em algo na pista de dança. Aproximou-se lentamente, estendendo uma taça de vinho a ele, que não recusou.
— Vamos dançar? — Miro convidou, observando Shaka e Mu de um lado do salão, enquanto Shura dançava com uma loira e Saga com uma ruiva, ambos próximos um do outro.
— Fica para uma próxima, mon ami, minha companhia acabou de chegar. — o francês respondeu, displicente, reparando em um loiro que cruzara olhares com o aquariano.
— Mas... — ele disse, atônito.
— Prometo que na próxima, dançamos a noite toda, Miro! –ele comentou, já descendo as escadas.
Miro observou, revoltado, Kamus enlaçar possessivamente o loiro desconhecido e começar uma dança pra lá de sensual. Sentiu o sangue ferver, seu sangue escorpiano, cheio de ódio e angústia, envenenado de sonhos destroçados pelas palavras duras e frias de Kamus.
Pensou em atacar o francês, mas logo desistiu. Algo deveria ser feito. Ele não podia ficar ali, parecendo um idiota, esperando as migalhas atiradas a esmo por Kamus quando ele bem entendesse. Mas o que poderia fazer?
— Está sozinho aqui? — um ruivo perguntou, aproximando-se de Miro e ele reconheceu-o no mesmo instante. Um brilho maligno apareceu em seus olhos e ele sorriu.
— Não estou mais.
— Quero fazer uma coisa... — Mu disse, murmurando no pescoço de Shaka. Estavam dançando há mais de uma hora e agora que havia pego o jeito da coisa, não queria parar. Aprendera, naquele curto espaço de tempo, que a dança era uma maneira bem interessante de provocar o virginiano.
— Faça o que quiser. — o loiro respondeu, beijando o topo da cabeça do ariano.
Mu sorriu, as mãos subindo pelas costas de Shaka, por cima da camiseta preta que ele usava, parando nos cabelos. Tateou-os por alguns segundos até ouvir um gemido baixo do virginiano. Soltou, então os fios dourados de sua prisão, que caíram como uma cascata de ouro por sobre os ombros alvos do amante.
— Bem melhor assim... mais selvagem.
— Você é impossível, Mu...e é exatamente assim que eu te quero. Sempre impossível.
Aproximavam-se para um beijo quando Mu foi empurrado de encontro a Shaka, antecipando o toque, que não aconteceu, pela surpresa do ato. Logo o ariano virou-se para ver quem havia sido o responsável por aquilo e qual não foi sua surpresa quando viu Kamus partir para a saída do bar. Rapidamente, eles decidiram seguir o francês.
Kamus estava com a mão na porta para empurrá-la quando foi seguro por Shaka. Ao fitar o aquariano, o loiro percebeu que havia algo muito errado.
— Kamus, o que aconteceu?
— Shura disse que Miro saiu com um homem daqui, resmungando algo sobre "fazer valer a fama que ele sempre teve". Isso não está me cheirando bem.
— Miro é adulto pra fazer o que ele bem entende, você não deveria se meter nisso. —Mu comentou, cruzando os braços.
— Você não entenderia, Mu. Agora, me dê licença. — ele respondeu, educado, puxando o braço e saindo do lugar, ainda sob os olhares atentos do casal.
— Acha que devemos ir com ele?
– Não. Kamus tem que aprender sozinho que o fato de ele ter terminado com Miro implica em liberá-lo potencialmente para qualquer tipo de relacionamento.
— Falou o doutor em casos amorosos, Mu de Áries! –Shaka comentou, abraçando o ariano e levando-o para a pista de dança novamente.
Miro havia acabado de apresentar seu templo para o estranho e agora estava despindo-o lentamente, na sala principal mesmo. Pouco importava se alguém poderia vê-los, e o rapaz não parecia interessado em conhecer seu quarto. Na verdade, a sedução escorpiana, tão característica sua, havia funcionado rapidamente.
Jogou o rapaz seminu em cima do sofá e beijou-o logo em seguida. Embora seus toques parecessem cheios de desejo, Miro via-se a cada segundo que passava, se questionando a respeito do real motivo de estar ali, com um completo desconhecido, para fazer algo que claramente ele não estava com vontade. "Por quê? Para atingir Kamus? Ele nem está aqui... nem sabe ou não se importa", ele pensou e quando pretendia dizer para o rapaz que aquilo havia sido um erro, sentiu um cosmo mais do que familiar adentrar em seu templo.
Sentou-se no sofá, ao lado do rapaz despido, que olhava para a figura altiva, molhada da chuva que começara a cair impiedosamente há pouquíssimo tempo. Kamus os observava, superior, mas por dentro, tinha vontade de arrancar a cabeça daquele homem que ousava aproximar-se de Miro. E Miro... o escorpiano merecia ser surrado por simplesmente agir daquele jeito.
— O que diabos está fazendo aqui? — Miro perguntou, recobrando a postura séria.
O francês não respondeu, apenas aproximou-se do sofá, perigosamente. Segurou o homem pelo braço, levantando-o daquele lugar. Miro pensou em protestar, mas o olhar de Kamus o silenciou por alguns segundos. Ele reparou em como o ex-namorado jogou o outro para fora do templo, com as peças de roupa nas mãos.
— E nunca mais volte aqui! — ele gritou, batendo a porta do templo. Virou-se para Miro em seguida e caminhou até ele, que já havia levantado do sofá.
— Quem você pensa que é pra entrar aqui desse jeito?
— Quem você pensa que é pra quebrar as regras do Santuário e trazer aquele homem até aqui?
— Se o queria tanto, Kamus, era só dizer, não precisava fazer essa cena.
O francês sentiu o sangue ferver, como somente Miro conseguia. Será que o outro estava pensando que ele tinha algum interesse naquele homem que saíra dali? Como Miro podia ser tão burro?
— Você perdeu toda a sua compostura, Miro, trazendo esses homens pra cá.
— E você não pode falar em compostura quando anda por aí se agarrando com vários deles! Saía do meu templo, Kamus!
— Aonde está o Miro que eu conheci há tanto tempo atrás, hein? Por que você precisa fazer essas coisas?
— Aquele Miro estúpido morreu, Kamus! Qual é o seu problema? Acha que só você pode dormir com outros homens? E quanto a mim?
Kamus estava extremamente irritado. Nada do que Miro falava fazia sentido. Ele não estava tão irritado porque o grego queria dormir com outros homens. Era apenas o fato de levá-los ao Santuário. Era aquilo, somente aquilo.
— Tanto me importa o que você vai fazer da sua vida, Miro!
— Então não se meta! Pelos Deuses! –Miro explodiu e acabou caindo na gargalhada. Não conseguia entender aquela discussão idiota por parte de Kamus. O que ele havia feito era errado, tudo bem, mas não era pra todo aquele estresse. — Acho que seu problema é ciúme.
— Ciúme? Você enlouqueceu?
— Ciúmes, sim. Ciúmes porque achou que eu ia ficar que nem uma viúva em casa desde que você me chutou, não é isso, Kamus? Admita! — Miro gritou, ponderando cada palavra com o dedo em riste.
Cada frase de Miro soava mil vezes mais séria do que ele estava disposto a aceitar e talvez por isso sua resposta tenha sido a mais impensada, improvável e inexplicável de todas. E definitivamente, não combinava com sua personalidade.
— Acha mesmo que eu teria ciúmes das suas vadiagens por aí, Miro? Você melhor do que ninguém deveria saber que esses casos não valem de nada, mas provavelmente essa seja a sua natureza, não é mesmo? Não ser nada, não ter nada de valioso. Viver essa vida ordinária, apenas aproveitando-se...
E Kamus não pôde terminar a frase porque um tapa foi desferido em sua face esquerda, calando-o por alguns segundos. Os olhos de Miro estavam tão frios que ele lembrou-se de uma única vez que pôde contempla-los daquela maneira: quando lutaram em lados opostos, a princípio, na batalha de Hades. Viu quando o grego passou por ele, abrindo a porta do templo sem dizer mais nenhuma palavra. Resolveu segui-lo.
A chuva que caía não era como as outras; os pingos eram grossos, machucavam a pele, causavam buracos fundos na terra, mas Miro não sentiu nada daquilo enquanto subia as escadarias do Santuário com um único pensamento em mente. As palavras de Kamus lhe feriram da pior maneira possível, mexeram com a sua essência, com quem ele realmente era, com a maneira como se mostrava para o mundo. E pelo jeito, era uma visão podre que os outros tinham dele. Mas ele estava disposto a mudar aquilo de alguma maneira.
O templo do Grande Mestre estava escuro àquela hora, a não ser por um dos cômodos no segundo andar, que permanecia aceso. Adentrou o lugar e já se precipitava pelas escadas, quando uma voz o interrompeu.
— Miro, senti seu cosmo um pouco perturbado. O que deseja?
Saori nunca parecera a Miro tão divina, tão Athena. Ele fez uma reverência corriqueira e ela logo se aproximou dele, tocando-o de leve no braço. No mesmo instante, ele não conseguiu segurar-se, desabou nos braços da Deusa, as lágrimas correndo tão fortes quanto a chuva que caía do lado de fora. O cosmo dela o reconfortou e depois de minutos, ele olhou-a, um simples sorriso, em agradecimento, nos lábios.
— Não vou lhe perguntar o que aconteceu, Miro...
— Por favor, não o faça. Gostaria de lhe pedir uma coisa.
Conversaram por alguns minutos e uma hora depois, Miro saía do Santuário, ainda no meio da madrugada, com uma sacola de viagem, sem despedir-se de ninguém. Ele havia se prontificado a ser o cavaleiro a supervisionar a obra da Fundação Kido na França.
Continua...
Notas da autora:
Como o site não está permitindo que os autores se prolonguem muito nos comentários, apenas cito as pessoas maravilhosas que deixaram reviews no capítulo anterior. Para os meus recadinhos, tanto dessa fic como em Inferno, por favor, visitem meu blog: celly (ponto) still (traço) angels (ponto) com.
Ju, Calíope, Ia-chan, Chibiusa-chan, Anne, Faye, Litha-chan, Shinomu, Lili e Perséfone-san. Muito obrigada mais uma vez. Um agradecimento também a quem lêmas não comenta e em especial à minha escondidinha preferida, que sabe muito bem quem é!
(1) tia Celly não é entendedora de flores, por isso não sei se existem narcisos roxos e amarelos. Mas achei que seriam mais bonitos assim, uma combinação bem Miro. Liberdade de criação!
(2) a frase do Miro é do escritor Thomas Hood, e foi tirada do poema "A Linguagem das Flores".
No capítulo 11, deixei de explicar a calça que o Shaka estava usando. Estou me redimindo com demoras, mas aqui vai: dhoti é um tipo de calça indiana, sem fechos. Ela é presa somente por amarras e nós firmes. A mode agora estilizou a calça, colocando zíperes e velcros na mesma, para facilitar o uso. Era exatamente uma nesse estilo que o virginiano estava usando!
Boa leitura e até o próximo capítulo!
