Retratação: Saint Seiya e seus personagens não me pertencem. Mas a Liz e o Luc sim. Sukhi é personagem criada pela Dark Faye e a estou usando em forma de homenagem com o consentimento de sua criadora. Ah sim, créditos esquecidos, mas lembrados à tempo à Calíope Amphora pela sugestão do nome Luc para meu personagem mais que fofo, em uma conversa no MSN.

Recadinhos: nossa, como vocês fizeram bonito nesse capítulo, gente! Muito obrigado mesmo a todas as reviews, comentários via msn, emails, ameaças de morte (sim, eu as recebi!). Vamos lá, citando todo mundo! Anne, Chibiusa, Juzinha, Athena Sagara, Perséfone, Pipe, Ophiuchus no Shaina, Litha-chan, Kitsune Lina, Lili, Shakinha, Miluxa, Ia-chan, Elindrah, Otaku-chan01, Bela Youkai pelas reviews aqui no ff . net e em especial à minha primeira review internacional, com a Musha (espero que me entenda também, fiquei muito feliz com seus comentários! À Calíope Amphora via email. À Arsinoe e Faye, via MSN, como sempre, obrigada por tudo mesmo! Até a próxima!

Resumo: depois de sete anos longe do Santuário, Shaka volta à Grécia, onde pretende retomar a vida, mesmo que tudo tenha mudado à sua volta. Yaoi com flashback, lemon, um pouquinho de violência. Casais: Shaka/Mu; Miro/Kamus; Máscara da Morte/Afrodite.

Capítulo 15

Um Aniversário, Alguns Confrontos e Muitas Rosas Despedaçadas – Parte 2

Santuário, Grécia – À noite

Liz observava da janela de seu quarto, no templo de Virgem, a noite alcançar, majestosamente, as casas do Santuário. Voltou-se para dentro do cômodo, analisando seu reflexo no espelho. Suspirou profundamente, por fim, colocando uma blusa de gola alta preta, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo não muito apertado.

Já passava das nove da noite quando resolveu sair do templo, os compromissos pela manhã com Shaka cansando o cavaleiro, finalmente. Ela balançou a cabeça, desconfiada de que aquele não havia sido o único motivo pelo qual ele havia se recolhido mais cedo.

(FLASHBACK)

Subiam as escadas na direção da primeira casa do Santuário, abraçados e segurando inúmeras sacolas. Diante da casa de Áries, seu dono os observava com uma expressão nada satisfeita. Instintivamente, Liz separou-se de Shaka, sabendo que não deveria provocar o ariano, ou dar-lhe nenhum motivo para que cogitasse a possibilidade de ela e Shaka estarem juntos.

Mu. –Shaka disse, quase em um suspiro ao ver o até então amante parado a sua frente, com os braços cruzados. Imaginou nunca ter visto o ariano tão bonito, vestido em uma simples bata creme e calça marrom, os cabelos presos em uma trança.

Bem, eu vou deixá-los as sós. –Liz disse e se preparava para subir as escadarias sem Shaka, quando ouviu a voz doce de Mu se encher de seriedade.

Não será necessário, senhorita. –ele disse, polidamente.

Mu, temos que conversar. –Shaka tentou mais uma vez, não querendo desistir naquele momento, não depois da conversa que tivera com Liz no restaurante.

Mas a expressão nos olhos verdes de Mu lhe dizia que não haveria nenhum tipo de conversa, que ele estava irredutível a respeito daquilo.

Acredito não existir qualquer motivo para uma conversa entre nós dois, Shaka de Virgem. –a voz de Mu era seca e no instante seguinte o virginiano adotou a mesma posição, levantando uma das sobrancelhas, em uma postura quase autoritária.

Vamos, Liz. –ele disse, por fim, segurando o braço da mulher, que, incrédula, olhava para os dois homens.

(FIM DO FLASHBACK)

— Ariano temperamental. –ela murmurou, contrariada, saindo do templo, sentindo a primeira lufada de um vento gelado atingi-la, fazendo com que suas mãos procurassem abrigo nos bolsos da calça preta de algodão que usava.

Desceu as escadarias, agradecendo por encontrar o templo de Leão vazio. Realmente adorava Marin e Aioria, mas estranhamente ambos pareciam muito interessados em saber o que acontecera em seu passado, algo que ela acreditava ser extremamente perturbador e às vezes até intrometido. Encontrou o templo de Câncer no mesmo estado, para seu alívio, já que Máscara da Morte sempre a avaliava de maneira estranha; fitou apenas o sem número de cabeças lamuriosas penduradas nas paredes de maneira sinistra. Lugarzinho estranho esse Santuário, ela resmungou para si.

O templo de Gêmeos estava na mesma situação dos outros inicialmente, porém um cômodo que ela não havia reparado antes estava aceso, o que lhe indicava que Saga provavelmente estava lá. Sabia que não deveria espiar ou sequer entrar ali, mas sua curiosidade sempre fora responsável por seus maiores deslizes e daquela vez não foi diferente.

O cômodo iluminado tirou seu fôlego. Estava no que só conseguiu descrever mentalmente como 'sala de armas'. Há muito tempo não via nada naquele estilo, armas orientais presas nas paredes, as diversas katanas e kamas polidas perfeitamente; alguns tonfas, nunchucks e shurikens ¹, todos organizados por tamanho. Mas no meio daquele verdadeiro arsenal, uma em questão chamou sua atenção por sua quantidade, de diversos modelos e tamanhos. Correu os dedos pelos sais, sorrindo ligeiramente, não percebendo a aproximação de Saga, que parecia visivelmente surpreso com a presença dela.

— Não mexeria nisso se fosse você.

Rapidamente Liz retraiu a mão que tocava as armas de maneira gentil, quase familiar. Virou-se na direção da voz do cavaleiro que, vestido apenas com uma calça jeans e os cabelos presos em um rabo de cavalo semelhante ao dela, fez seus olhos tilintarem de maneira obscena.

— Não sabia que era colecionador. –ela disse, tornando a reparar nas sais.

— Não sou. E tome cuidado, são perigosas.

— Mesmo? –perguntou, fingindo desconhecimento e até uma certa inocência.

— Sim. –Saga respondeu, aproximando-se. Colocou a flanela e um frasco contendo um líquido branco em cima da mesinha que estava em um dos cantos da sala, para só então tornar a falar. — Por mais que você pense que são objetos inofensivos, por não terem lâminas...

— O quê te faz pensar que eu imagino que elas sejam inofensivas? –Liz indagou de maneira misteriosa.

— Bem...

— A falta de lâminas se dá ao fato de que elas ficam escondidas ou seguras no antebraço da pessoa que as maneja. Geralmente é usada em pares, mas uma terceira pode ser usada também, escondida nas costas. É uma arma chinesa e já foi confundida com itens de agricultura. As sais são armas únicas para cada pessoa, já que o modelo ideal deve ser aquele que se encaixe na medida que vai do antebraço ao dedo médio.²

Saga estava impressionado com a descrição que a mulher lhe dera sobre uma de suas armas preferidas e teve de admitir que o fato de ela saber tudo aquilo, aguçou ainda mais sua curiosidade a seu respeito. Mas não iria deixar que Liz percebesse aquilo.

— Muito bom. Leu direitinho os livros sobre armas orientais. Estou impressionado. –respondeu, por fim, sem demonstrar qualquer emoção.

Liz gargalhou de maneira cristalina e caminhou na direção de Saga. Os dois trocaram um breve olhar de reconhecimento, a mulher perdendo-se momentaneamente nos profundos e misteriosos olhos azuis do geminiano, mas logo desviou-se deles.

— Aprendeu rápido a me responder, estou orgulhosa. –ela comentou, passando por ele, indo em direção à saída do templo, tocando o ombro desnudo de Saga com a ponta dos dedos, não ignorando a corrente elétrica que sentiu com aquele breve contato.

— Aonde vai? –Saga perguntou, tentando prolongar a estadia de Liz em sua casa. Ela o surpreendia, o enervava e ele não sabia o porquê de tudo aquilo. Ou talvez não quisesse admitir que sabia.

— Ah, isso eu acho que não é da sua conta, como é mesmo seu nome? –ela perguntou, estreitando os olhos, imitando perfeitamente alguém que tentava lembrar fatos que lhe foram contados anteriormente.

— Saga! Meu nome é Saga! Por quê não consegue se lembrar? –o geminiano perguntou, com as mãos na cintura, em clara desaprovação. Liz deu de ombros.

— Você faz perguntas demais, Gêmeos. Volte a polir a prataria da casa, nos falamos qualquer hora dessas.

Com aquela declaração, Liz saiu do templo, mesmo com Saga observando-a atentamente. A mulher, namorada, o que quer que ela fosse de Shaka era mais estranha que ele pensava. E não combinava em nada com o virginiano que todos no Santuário conheciam. Por um momento imaginou no quê o outro deveria ter visto nela. Sorriu, sabendo que não precisava pensar demais para ter aquela resposta. Liz era simplesmente diferente. E talvez aquilo atraísse todos a sua volta.

Droga...aonde será que ela foi a essa hora da noite?, ele pensou, preocupado. Algo me diz que ela vai aprontar.

X X X X X X X X X X

Shura e Sukhi bebericavam em uma mesa afastada da confusão que uma boate da agitada noite grega sempre oferecia, não se importando em trocar beijos lascivos e toques mais quentes.

Desde que haviam chegado à conclusão óbvia de que eram namorados (a garota havia questionado, imprensando Shura perigosamente contra uma das pilastras da casa de Capricórnio, se eles eram apenas parceiros de cama, o que rendera um Shura corado e uma Sukhi satisfeita), não se importavam com as demonstrações públicas de carinho e até possessividade.

Fora em uma das muitas tentativas de Sukhi recuperar o fôlego, que ela avistou a figura imponente entrar na boate.

Lindo, havia sido seu primeiro pensamento.

Máscara da Morte era o tipo de homem, Sukhi concluiu mentalmente, que sabia de seu poder de sedução, tinha as armas necessárias para mantê-lo e não se importava de mostrá-las a qualquer momento. Ele caminhava, imponente, sem olhar ninguém diretamente nos olhos, mas atraindo olhares para si. Seu sorriso discreto nos lábios seduzia mulheres e alguns homens até, mas ele parecia não se importar em revidar nenhuma das propostas que pudessem lhe oferecer.

— Ele se acha o dono do lugar, não é mesmo? –Sukhi disse, mais em forma de comentário para si mesmo que uma pergunta. Reparou na maneira em que o italiano ajeitou a camisa social branca, dobrada cuidadosa, porém displicentemente, até os cotovelos, e nos três botões de cima estrategicamente abertos. O visual se completava com uma calça jeans um pouco desbotada e sapatos em tom caramelo.

— Na cabeça dele, ele É o dono do lugar. –Shura comentou, sorridente, vendo o amigo encontrá-los com os olhos e caminhar na direção deles com uma certa rapidez.

— Não acha que está faltando algo ali?

— Você anda reparando demais nele. –o espanhol disse, visivelmente enciumado com as declarações da namorada.

— Estou falando do Afrodite, meu querido espanhol ciumento. –ela afirmou, gargalhando diante do que Shura lhe dissera.

O espanhol relaxou claramente e recostou novamente na poltrona escura, puxando Sukhi para perto de seu peito. Não demorou muito para que novamente trocassem beijos, sendo interrompidos somente pelo o objeto de início de discussão, Máscara da Morte, que sentou-se entre os dois.

— Quando me convidaram, achei que não iam ficar de agarramento na minha frente. –o italiano comentou, tomando um gole da cerveja que estava em cima da mesa.

— Se não queria presenciar o que chama de 'agarramento', deveria vir acompanhado, não acha? –Sukhi disse, ríspida.

Shura retesou os músculos do ombro, não gostando do rumo daquela conversa. Sukhi podia ser extremamente agradável, mas quando era contrariada ou quando algo não a agradava, não media esforços para mostrar que não estava contente com a situação. E naquele momento, ela não estava nem um pouco contente, ele podia dizer pelo brilho felino nos olhos escuros da namorada.

Máscara da Morte sorriu sarcasticamente com o que acabara de ouvir. Shura realmente era um homem de sorte.

— Mas isso não é problema pra mim, bella.

Sukhi estreitou perigosamente os olhos, querendo tirar aquele sorrisinho do rosto de Máscara da Morte de qualquer jeito. Não conseguia entender os homens, em especial aquele italiano. Shura havia contado a ela tudo o que o italiano e Afrodite viveram durante os anos e era cristalino para ela que eles se amavam. Não sabia, então, o que impedia que o cavaleiro de Câncer simplesmente encerrasse o joguinho.

— Sabe, você é um idiota. –ela começou, em tom baixo e quando Máscara da Morte fez menção de que não estava escutando, ela repetiu novamente, em voz alta. — Mas o Afrodite é mais idiota que você.

Ao ouvir o nome que o atormentava desde a manhã, Máscara da Morte preparou-se para levantar, mas Sukhi segurou-o pelo pulso. Shura apenas observava a cena, talvez se mais alguém falasse, o italiano tomaria alguma atitude adulta.

— Se fosse comigo, você já seria passado. Ninguém suporta, por maior que seja o amor, ser tratado como um nada. E é isso o que você faz com ele. Agora, será mesmo que você o acha um nada? –ela perguntou e quando os olhos dele ficaram em um tom de azul mais escuro, ela sorriu. — Ótimo, já tenho minha resposta. Agora, eu realmente espero que ele te esqueça. Pra você sofrer pelo menos um pouquinho do que ele sofre.

Sukhi levantou-se da poltrona e preparou-se para sair de perto do italiano, quando foi segura por Shura, que finalmente havia feito alguma coisa, além de observar a quase discussão entre os dois cancerianos que mais admirava. Uma vez brava, quando percebeu que se tratava do namorado, as feições dela relaxaram completamente e ela permitiu-se sorrir.

— Vou pegar bebidas, não me demoro. –disse, em tom doce.

Máscara da Morte e Shura ficaram em silêncio, o primeiro deixando tudo o que a garota, praticamente uma desconhecida havia lhe dito, fazer efeito, enquanto o espanhol pensava na mulher tão decidida que estava ao seu lado. Se fosse outra pessoa, nunca teria coragem de desafiar o 'louco Máscara da Morte'.

— Italiano... –ele começou, mas o homem em questão o interrompeu.

— Eu...eu preciso ir, Shura. Deveria estar em outro lugar. –ele disse, resoluto, levantando-se. Olhou para trás um minuto e deu um sorriso, mínimo. — Você tem uma boa mulher nas mãos. Não a faça sofrer.

Shura ficou observando o amigo se afastar até a saída da boate para então balançar a cabeça, sorrindo. "Realmente, todos loucos...", ele pensou.

X X X X X X X X X X

Paris, França

Quando desembarcou no Aeroporto Internacional de Orly, Kamus já antecipava os acontecimentos que estavam por vir. Deixou-se perder, entretanto, por alguns minutos, na adorável cidade que o abraçava, com suas cores, cheiros e pessoas tão característicos. "É bom estar em casa", ele pensou, aspirando o ar gelado daquele início de noite, gostando até mesmo da maneira como seus cabelos eram desarrumados pelo vento, dando-lhe um ar mais jovial, menos preocupado e até um tanto relapso.

Entrou no primeiro táxi parado na saída do aeroporto, dando as direções do hotel Ritz. Estar tão interligado com os assuntos da Fundação Kido, davam-no a oportunidade de saber tudo o que acontecia, incluindo todos os passos de Miro.

Deixou a mente vagar mais uma vez até o escorpiano. Mal podia esperar para encontrá-lo, deleitar-se com a surpresa nos olhos sempre tão verdadeiros do grego. Chegava a ser infantil o sentimento que sentia, mas acreditava não estar ali por acaso, e justamente no dia do aniversário de Miro. Era como algum tipo de sinal, que ele não pretendia ignorar, como fizera das outras vezes.

Pensar em Miro fez os trinta minutos que separavam o aeroporto do hotel passar rapidamente e quando se deu conta, o carro já se encontrava estacionado na frente imponente de um dos mais conhecidos hotéis de Paris. Foi recepcionado elegantemente por um porteiro, que levou sua mala de mão para o interior do lugar.

Kamus não se demorou muito na recepção, a reserva feita por Saori enquanto ele se dirigia ao aeroporto grego fez com que ele somente precisasse pegar as chaves e seguisse para sua suíte, no mesmo andar de Miro. Mentalmente, anotou que precisava agradecer mais uma vez à Deusa por aquele pequeno detalhe.

Havia acabado de sentar-se confortavelmente em uma poltrona de chamois marfim, depois de desfazer a mala, quando seu celular tocou, de maneira insistente. Olhando no identificador de chamadas, sorriu prontamente e atendeu o aparelhinho, com uma certa alegria.

— Senhorita...

Presumo que tenha feito uma boa viagem, Kamus.

— Agradável sim, senhorita. Obrigado pela suíte. –o francês disse, e pôde jurar que conseguia imaginar o sorriso de felicidade no rosto da Deusa. Durante o passar dos anos, desde que Saori havia fixado moradia no Santuário, ele e Saga, por trabalharem ao lado dela, perceberam o quanto a mulher se esforçara para apagar a imagem de autoritária e mimada que todos sempre tiveram.

Era o mínimo que podia fazer. Espero que tudo dê certo. E, Kamus, mais uma coisa. –o tom de voz dela ficou um tanto sério e o francês se ajeitou na poltrona, em alerta.

— Sim.

Tire alguns dias de folga. Folga, Kamus. E nada de pressionar Miro para trabalhar. Desconfio que vocês terão muito o que conversar. E aproveitar. –ela finalizou de um jeito brincalhão e, ao mesmo tempo, malicioso.

Kamus relaxou consideravelmente na poltrona, podia sentir suas faces ruborizarem junto com o sorriso gostoso que dançava em seus lábios finos, a imagem de Miro sorrindo-lhe, aparecendo mais uma vez em sua cabeça, fazendo-o esquecer-se de que Saori ainda estava do outro lado da linha.

Kamus, está me ouvindo?­ –ela perguntou, um pouco mais alto. Finalmente, ele piscou algumas vezes, forçando-se a voltar para a realidade.

— Sim, senhorita. E muito obrigado mais uma vez.

Desligaram e Kamus passou os minutos seguintes sem saber o que fazer em primeiro lugar. Caminhou até a janela, que lhe dava uma ampla visão da Place Vendôme, mas aquilo não contribuiu para que seu cérebro entrasse em funcionamento. Foi somente quando descalçou os sapatos pretos e caminhou por alguns segundos, de um lado para o outro, sentindo o chão forrado em um aveludado carpete marfim massagear-lhe os pés confortavelmente, que sabia qual seria seu primeiro passo. Sorriu, não entendendo como uma coisa tão simples podia funcionar daquela maneira.

Preciso comprar um presente para Miro. E deve ser um presente perfeito.

Com aquele pensamento em mente, dirigiu-se ao banheiro, onde um bom e relaxante banho poderia ajudá-lo a pensar em algo especial e que expressasse tudo o que tinha a dizer nos anos em que ficara afastado do grego.

Não se demorou a vestir-se, mas assim mesmo, esbanjava elegância e logo já estava de saída da suíte. O elevador parecia levar uma eternidade até a recepção e quando consultou o relógio uma última vez, constatou que já estava próximo das nove da noite.

— Por favor, poderia me dar uma informação? –perguntou, polidamente, a uma das recepcionistas.

— Claro, senhor. –a moça respondeu, corando ligeiramente. Naqueles últimos dias pareciam estar vivendo em uma verdadeira invasão de homens bonitos no hotel e Claudia considerou-se afortunada por estar ali.

— O hóspede do quarto 718. Poderia me informar se ele por um acaso ele falou algo ao sair? –Kamus perguntou. Aquela pergunta soava pouco comum, mas o francês conhecia bem Miro e seus hábitos e podia quase jurar que o grego fizera amizade e admiradoras naquele lugar. Com aquela beleza, não seria muito difícil mesmo., ele pensou.

— Me desculpe senhor, mas não podemos oferecer informações sobre os hóspedes do hotel. Sinto muito. –respondeu, visivelmente chateada por não poder ajudar aquele homem tão atraente.

— Conheço bem o protocolo, cherie, mas ele é meu amigo e hoje é seu aniversário, por isso gostaria de fazer uma surpresa.

Mais uma vez, a garota corou de maneira embaraçosa e Kamus quase riu de seu desconforto. Ela olhou para ambos os lados, como se procurasse alguém e finalmente espalmou as mãos sobre o balcão dourado, muito bem polido, e disse em um sussurro quase inaudível.

— Ele pediu um táxi para a Torre Eiffel. É só o que sei.

Kamus sorriu majestosamente para ela e segurou em uma de suas mãos, apertando-a ligeiramente, em agradecimento. Miro realmente tinha razão. Charme era uma arma poderosa.

— É o suficiente, cherie. Au revoir.

"Torre Eiffel. Bem pensado, mon ange. Muito bem pensado. Depois do seu presente, nos encontraremos.", ele pensou, saindo do hotel, acenando mais uma vez para a recepcionista, antes de passar pela porta giratória e tomar um táxi.

X X X X X X X X X X

Santuário, Grécia

Liz sorria sutilmente à medida que se aproximava do templo de Áries, ainda se lembrando da vaga conversa que tivera com Saga. Tinha que reconhecer que o geminiano era por demais atraente, com seus cabelos azuis e rebeldes, os olhos que sempre a vasculhavam, como se quisessem despi-la. Seria proveitoso e revigorante envolver-se com ele, sem compromisso, sem arrependimentos. Mas não deveria e sabia muito bem daquilo.

Deixou de pensar no geminiano quando constatou estar à frente do templo de Áries. Observando a primeira casa, apagada e, ao mesmo tempo, tão imponente, Liz estava com uma sensação incômoda. Todos os outros templos, mesmo vazios, pareciam-lhe convidativos, mas não aquele. A aura ali era intimidadora e ela não conseguia entender como os outros cavaleiros, em especial Aioria e Aldebaran, afirmavam que Mu era uma pessoa calma, compreensiva e, principalmente, amigo. Ela havia visto pouco o ariano, mas nas vezes que o encontrara, nenhum dos adjetivos que os cavaleiros citaram pareciam estar presentes no outro.

Aproximou-se dos primeiros degraus, sentindo um inebriante e delicioso perfume de jasmim que a atraía cada vez mais, como se a incitasse a subir os degraus, a desvendar o que aquele templo tinha para lhe mostrar. Observou, já dentro do lugar, uma iluminação um pouco fraca, que quase a impedia de enxergar o final do templo.

A sala do templo de Áries era bem parecida com a do templo de Virgem, o que trouxe um certo sorriso ao rosto de Liz. Shaka e Mu eram realmente parecidos até mesmo na decoração minimalista de suas casas. Em cima de uma estante de madeira rústica, ela reparou em um sem número de porta-retratos, cada um com uma foto do cavaleiro, com diversas pessoas. Alguns rostos lhe eram familiares, como os Cavaleiros de Ouro a que havia sido apresentada, porém outros, especialmente as que mostravam o cavaleiro de Áries quando pequeno, lhe eram desconhecidos. Curiosamente, a pessoa mais presente em cada uma daquelas fotos, era Shaka. O ariano e o virginiano pareciam estar sempre ligados de alguma maneira e somente por aquelas fotos, Liz tinha a certeza de que teria mesmo que fazer alguma coisa para que eles se acertassem de vez.

Ainda sorrindo, não percebeu quando um vulto movimentou-se em sua direção, lenta e sorrateiramente, parando a apenas alguns centímetros dela. Quando virou-se para trás, sentindo aquela familiar sensação de estar sendo observada, deparou-se com intensos olhos verdes, duas adagas flamejantes em sua direção. Estremeceu, dando um passo para trás, encontrando-se encurralada entre os olhos de Mu e a estante de retratos.

— Por quê invadiu meu templo?

A voz dele era maligna, sombria e arrepiou Liz por completo. Não conseguia ver nenhum tipo de compaixão em seus olhos e, pela primeira vez desde que chegara ao Santuário, sentiu medo.

X X X X X X X X X X

Máscara da Morte subiu as escadarias do Santuário um tanto apressado. Resolveu não passar pelo interior dos templos, não queria ser interrompido por nenhum cavaleiro desnecessariamente.

Desde que saíra do bar, as palavras de Sukhi o atormentavam, queimavam como ferro em brasa, o faziam ser pateticamente prático, tão prático que o assustava: gostava, não, aquela palavra não era certa; amava Afrodite, desde que dormira com ele pela primeira vez ou até mesmo antes daquilo. Mas também amava sua liberdade, o fato de não precisar se atar a ninguém, de não manter compromissos, usar todas as justificativas que os jovens inconseqüentes ou farreiros usam para fugir das responsabilidades.

— Mas eu não sou mais um garoto irresponsável. –disse, baixinho, enquanto passava pelo próprio templo.

Adentrou o templo de Peixes sem cerimônias, subindo os degraus que levavam ao segundo andar do lugar, onde ficavam os quartos. Depois da quase discussão que tiveram pela manhã, podia apostar que o pisciano deveria estar embaixo dos lençóis, agarrado a uma caixa de bombons e amaldiçoando-se por sempre chorar por um italiano que não lhe dava o mínimo de valor. Máscara da Morte fechou os olhos, irritado consigo mesmo, decidido a dar um fim naquilo tudo, de uma vez por todas.

Abriu a porta, já chamando por Afrodite, mas encontrou o quarto impecavelmente arrumado. Os lençóis brancos sem nenhuma ruga e todas as luzes apagadas, indicavam realmente que o outro já havia saído há algum tempo, o que lhe preocupou. Procurou por algum vestígio do sueco por ali e um súbito medo lhe veio à cabeça: e se ele tivesse resolvido ir embora? E se tivesse cansado de tudo o que acontecera e simplesmente havia partido, como Miro fizera dias antes? Tudo bem que o grego havia viajado, oficialmente, para resolver negócios da Fundação a pedido da Deusa, mas aos olhos dos outros, aquela havia sido a maneira que o escorpiano encontrara para ficar longe de Kamus.

Sentou-se na ponta da cama, sem ação por um segundo. Imagens de um Afrodite embarcando para longe penetraram em sua mente e ele escondeu o rosto nas mãos, puxando os cabelos de maneira até descontrolada. Levantou-se rapidamente e caminhou até o armário, abrindo todas as portas, verificando, por fim, que as roupas do sueco estavam todas ali, todos os casacos preferidos, as blusas caras e com seu perfume irresistível de rosas frescas. Suspirou, a pressão incômoda no coração aliviando consideravelmente; Afrodite não havia ido embora, não o havia abandonado.

Ele estava escondido em algum lugar, era isso! Devia ter sentido seu cosmo e se escondeu para deixá-lo daquele jeito. Saiu correndo do quarto novamente, chamando por Afrodite. O templo continuava no mesmo silêncio de sempre e o italiano parou no meio da sala, olhando tudo a sua volta. Uma nova possibilidade veio à tona e ele sentou-se no sofá, dessa vez.

E se Afrodite estivesse com outra pessoa? E se ele tivesse levado sua frase de que "estava solteiro" ao pé da letra e tivesse procurado outra pessoa, alguém que o entendesse, que o admirasse, que até o amasse? Cerrou os dentes, a raiva consumindo-lhe, o sangue entrando em ebulição ao imaginar um outro qualquer beijando os lábios do sueco, tocando a pele macia e alva, admirando a pintinha que tinha no rosto, sorrindo com cada comentário divertido que ele fazia. Quando percebeu, já estava estrangulando uma das almofadas do sofá, imaginando aonde poderia resgatar seu Afrodite das mãos do outro.

Impotente, fez a única coisa que lhe veio à mente naquele momento.

— Shura, você ainda tá no bar? –perguntou e sabia que a resposta era óbvia porque o barulho do outro lado da linha era característico.

O quê é que você quer? Não encontrou o Afrodite? –a voz do espanhol estava longe, mas parecia preocupada e irritadiça.

— Ele não apareceu por aí não? –a pergunta era estúpida, mas aquele era o bar preferido deles, de repente ele e o sueco haviam se desencontrado.

Não. E você não tá falando coisa com coisa. Vai dormir, italiano! –e no instante seguinte, Shura desligou o telefone, deixando Máscara da Morte olhando para o celular em suas mãos, visivelmente contrariado.

Decidiu não se martirizar mais com o fato de não saber do paradeiro de Afrodite. Talvez aquilo fosse um sinal para que eles ficassem do mesmo jeito de sempre. Apenas como amantes, sem amarras que os deixasse preocupados, se culpando, brigando. Seu cérebro prático e acomodado lhe dizia aquilo, mas seu coração tolo, cada vez mais dando-lhe mostras de que era um canceriano, afirmava que não era bem assim. A hora de assentar havia chegado e Afrodite era a única opção, o único que o aceitaria de braços abertos, ignorando seus defeitos, amando suas poucas qualidades, defendendo-lhe quando precisasse.

— Maldição! Eu vou enlouquecer! –ele gritou, por fim, caminhando na direção da saída do templo. Saga tinha razão às vezes. O amor era realmente uma droga e ser feliz era a prova maior de como os seres humanos eram patéticos.

Não conseguiu prosseguir porque o telefone tocou. Depois do terceiro toque, ele finalmente resolveu atender, vai que era um dos casos de Afrodite? Como um tolo ciumento, decidiu que iria pôr fim em cada um deles, nem que para aquilo, começasse com os telefonemas.

É da casa do senhor Afrodite, não é mesmo? –a voz era educada demais e Máscara da Morte odiou-a no mesmo instante.

— É sim, quem é que está falando? –perguntou, rude.

O senhor é parente dele?

Máscara da Morte franziu o cenho. Aquela pergunta não combinava muito com qualquer papo que um caso de Afrodite poderia lhe perguntar.

— Do quê se trata?

Estamos com um paciente no Hospital Central chamado Afrodite e só encontramos esse número em sua carteira. Talvez o senhor poderia vir até aqui, se é parente dele.

O italiano segurou o telefone com mais força do que podia e quase o quebrou. Sua garganta, subitamente seca, fechou, o impedindo de falar qualquer coisa. Afrodite estava em um hospital. Não havia ido embora, não o estava traindo. Estava em um hospital. Sozinho.

Senhor? –a voz do outro lado da linha perguntou mais uma vez, impaciente.

— Sim. Eu sou o parceiro dele. Não me demoro. –respondeu, desligando o telefone em seguida. As palavras saíram com tamanha facilidade que ele mesmo se surpreendeu, enquanto corria para fora do templo de Peixes, descendo as escadarias.

Parceiro de Afrodite.

Sim, ele poderia ser.

X X X X X X X X X X

Paris, França

O táxi havia acabado de deixar Miro na Avenida Gustave Eiffel quando ele avistou Luc esperando-o, encostado em um dos muitos postes de luz, com um enorme sorriso nos lábios e algo nas mãos que se parecia muito com uma...

— Não me diga que vamos fazer um piquenique. –disse, olhando para a cesta de vime, que o ruivo segurava.

— Não, isso é muito romântico, mon cher. Vamos apenas comemorar seu aniversário. Me acompanha? –perguntou, sedutor como sempre, estendendo um dos braços para o grego. Jurou que pôde ouvir Miro murmurar um "franceses e suas manias...", mas ignorou-o.

Atravessaram a avenida, encontrando o jardim do Parc du Champ um pouco vazio àquela hora, por ser em um dia de semana. Sentaram-se confortavelmente, de frente para a Torre, que estava com suas luzes tradicionais acesas. Miro parecia perdido em pensamentos e não notou quando Luc estendeu-lhe um croissant.

— Pensando em quem?

Miro suspirou e olhou para o ruivo. Surpreendentemente não pensava em ninguém em especial. O lugar era lindo, tinha um amigo ao seu lado, comemorava o aniversário de uma maneira diferente, mas não menos interessante. E, pela primeira vez, Kamus não aparecera em suas lembranças.

— Em como meu aniversário está sendo bom. –respondeu, com um sorriso, aceitando o pãozinho que lhe era oferecido.

— Vai ficar melhor, espere alguns minutos. –o outro disse, misterioso.

Alguns minutos em silêncio e Miro percebeu o que Luc quis dizer com ficar melhor. Lentamente, pontos na Torre iam acendendo aleatoriamente, pequenas luzes dispersas, que, em sua totalidade, transformaram a já bela Torre Eiffel em uma espécie de árvore de Natal metálica. Quando o grego pensou não poder contemplar nada mais belo, as luzes começaram uma dança cadenciada e bonita, como uma companhia de balé bem ensaiada. Seus olhos se encheram de lágrimas e ele sorriu livremente, agradecido pelo presente.

— Me diz que isso não foi obra sua. Porque se foi...

— Não. Eu sou um homem de influência, mas não vamos exagerar. A iluminação está aí para a comemoração da nossa Revolução. Mas achei que gostaria de vê-la. –ele disse, sorrindo.

— É linda. –disse, como um menino perdido em uma loja de doces. Não cansava de admirar a coreografia ininterrupta das luzes, como se elas o estivessem hipnotizando. —Me diz por quê não viemos aqui antes.

— Porque alguém disse que não queria ver essa beldade. Não queria estragar lembranças jamais tidas.

Miro desviou o olhar de Luc por um momento, notando, pela primeira vez, que o amigo havia se esforçado para entender seus problemas. Deveria ter sido difícil para ele não mostrar algo que os franceses de orgulhavam tanto.

— Retiro o que disse. –aproximou-se, colocando a cabeça no ombro de Luc. — Quero novas memórias. Reais. Concretas. Felizes.

— Você as pode ter, cherie. Quando quiser. É só saber aproveitar. –afagou os cabelos de Miro de leve, com um sorriso nos lábios bonitos. Finalmente havia conseguido fazer o grego temperamental sair de sua casca, que em nada combinava com ele.

— Muito obrigado, Luc. Está sendo um aniversário maravilhoso.

— Sim, mas ainda falta uma coisa a mais. Não me demoro. –comentou, afastando o grego levemente, enquanto se levantava do tapete gramado, que era o Parc du Champ. Ajeitou a calça marrom e caminhou para longe de Miro, atravessando outra rua oposta a que estavam. O escorpiano apenas balançou a cabeça, voltando a fitar a imagem enigmática e iluminada da Torre Eiffel.

Kamus nunca abominara tanto o trânsito e sua falta de tato em escolher presentes. Havia levado exatamente trinta e um minutos para escolher algo que combinasse com Miro e chegar até a Torre Eiffel. Agora estava parado em um cruzamento de duas ruas, com a caixinha de couro preta em suas mãos, olhando, impacientemente para o relógio.

Monsieur, je voudrais rester ici. –disse, ignorando toda sua etiqueta. Não iria ficar dentro de um táxi esperando o trânsito naquele horário fluir mais rápido. Seria melhor ficar por ali mesmo e cruzar o Parc du Champ a pé. Ignorou os olhares atravessados que o homem lhe lançou e depositou uma boa quantia de euros no compartimento para o pagamento das corridas e desceu, fitando o enorme gramado à sua frente. No instante seguinte, o trânsito voltou a fluir normalmente. "Maldita Lei de Murphy, Saga diria se estivesse aqui e eu o compreendo.", pensou.

A raiva momentaneamente passou quando observou a Torre a sua frente, um pouco longe, era bem óbvio. As luzes acenderam aos poucos, tornando-a ainda mais perfeita, mais imponente, mais importante. Estufou o peito, orgulhoso e feliz por saber que o aniversário de Miro seria comemorado diante de uma das mais importantes obras já construídas.

Pensando no grego novamente, apertou mais uma vez a caixinha, que agora estava no bolso de seu casaco preto, imaginando como o Miro ficaria com aquele presente. Havia sido, realmente, uma idéia formidável.

(FLASHBACK)

Você se atrasa demais, Miro! Qualquer dia desses, eu te deixo sozinho e vou embora!

Não me culpe, amour... quinze minutos não é atraso, é charme! –Miro disse, ajeitando a gravata branca que usava na frente do espelho, enquanto o francês andava de um lado para o outro no quarto, impaciente.

É atraso e falta de educação! Talvez devesse lhe dar um relógio de presente! Somos os padrinhos do casamento, devemos estar lá antes da noiva, sabia?

Marin vai se atrasar, como toda noiva. Noivas se atrasam, você não vê filmes? E nada de relógios! Eles não combinam comigo. Aliás, eu sou belo demais para qualquer tipo de acessório que faça alguém nota-los e não a mim. –comentou, sabendo que aquilo iria provocar ciúmes no aquariano.

Às vezes você me lembra o Afrodite... –retrucou, sem paciência para uma discussão. — Anda logo, você não é a noiva!

(FIM DO FLASHBACK)

Sim, um relógio seria um bom presente, para que eles nunca mais se atrasassem. Para que nunca mais ficassem separados, para que nunca mais esquecessem a hora de parar de brincar, de parar de se fazerem de tolos e ignorar o que sentiam um pelo outro.

Era chegada a hora do perdão e da reconciliação.

Aproximava-se cada vez mais da Torre, sempre procurando, no meio das poucas pessoas que estavam ali admirando-a, pelo grego. Não seria muito difícil, já que os belos cabelos azuis do outro não seriam fáceis de serem imitados. Seu coração palpitava de maneira irregular e estranha, talvez só comparado ao dia em que finalmente ele e Miro se declararam, aos pés do templo de Libra. Havia sido um lugar inusitado, mas não importava, os sentimentos postos para fora eram muito mais significativos.

Avistou seu 'alvo' a alguns metros de si, sentado de costas no gramado, os cabelos soltos, cobrindo-lhe quase toda a extensão das costas. Teve vontade de correr até Miro, mas seu senso prático o avisou que provavelmente ele pareceria uma mocinha de filmes românticos quando reencontrava o amado depois de um longo tempo de separação. Se parasse para pensar, era mais ou menos aquilo o que estava acontecendo.

Porém, resolveu ser cauteloso. Caminhou rápido, mas metodicamente, formulando frases de aproximação, uma maneira criativa para surpreender Miro de uma só vez, para simplesmente tira-lo do chão com sua presença, com sua surpresa, com seu amor.

— Champanhe e torta de chocolate? Você não existe, Luc! –Miro exclamou, olhando para o ruivo que vinha em sua direção.

Kamus sentiu um frio imenso dentro de si, o que lhe era estranho, já que era alguém que deveria estar acostumado com temperaturas baixas. As mãos haviam se transformado em pedras, cerradas, prontas para bater, machucar, ferir, mas ele não conseguiu. Simplesmente ficou observando Miro e o outro homem que se aproximava com uma torta e uma garrafa de champanhe. Eles estavam se divertindo, aproveitando o aniversário do grego.

Subitamente sentiu-se um invasor naquela comemoração quase que íntima. Parecia não ter direito de estar ali, era como espiar pelo buraco da fechadura, ler a correspondência alheia. Não era certo. Por mais que quisesse entender que o outro era o invasor, que o outro estava tocando, abraçando e se divertindo com seu Miro, ele apenas não conseguia aceitar aquele fato.

Deu as costas, não querendo olhar mais, presenciar a felicidade genuína nos olhos daquele que tanto o amara. Felicidade que sempre lhe fora estendida gratuitamente e ele, por um tolo orgulho, havia deixado de lado, aceitando apenas as migalhas da amizade que Miro cruelmente havia se imposto a oferecer.

O trajeto até o hotel passou como um borrão e quando ele havia se dado conta, já estava com a sacola de viagem arrumada, na recepção, fechando a conta do hotel. Nunca sua bela França lhe deu tanta tristeza, nem mesmo quando teve de abandoná-la para viajar para a Grécia.

— Senhor, já vai tão cedo? –a recepcionista da noite disse e Kamus não a respondeu, pegando apenas um dos papéis timbrados com o logotipo do Ritz e deixou um bilhete. O único pensamento, a única resposta que existia para tudo o que acontecera naqueles últimos anos e culminando com o que vira era uma única. E estava escrito naquele pequeno pedaço de papel.

— Faça com que essa caixa chegue ao hóspede do quarto 718, junto com esse bilhete, por favor. E não mencione meu nome. Em hipótese alguma.

Sua voz soou fria como o gelo, como ele era, o Mestre do Gelo. Defesas sempre armadas, um soberano contra os sentimentos alheios e os seus próprios. Não havia mais porque mudar aquilo. A única pessoa importante havia seguido adiante e ele faria o mesmo.

Se conseguisse.

X X X X X X X X X X

Santuário, Grécia

— Eu perguntei por quê você invadiu meu templo. Não deve ser uma pergunta difícil de responder.

Liz havia conseguido se desvencilhar da incômoda pressão de Mu e agora estava a uma distância considerável dele, próximo a um dos sofás da sala. Mas, mesmo assim, se sentia intimidada pelo ariano. Mu vasculhava seus olhos de maneira impiedosa como se pretendesse hipnotizá-la a responder o que queria, com aqueles intensos olhos verdes.

— Eu não estava invadindo, apenas... –respondeu, e se sentiu estranha ao perceber quão infantil sua voz havia saído.

— Entrando sem pedir permissão, portanto, invadindo. Quem lhe deu esse direito? –perguntou, avançando na direção de Liz novamente, que recuou dois passos.

Mu não estava em um dia relativamente bom. Havia se sentido culpado por não ter ouvido o que Shaka tinha a lhe dizer no final da tarde e Kiki o irritara o resto do dia com sua falta aos treinos ou até mesmo displicência. Cada dia que passava, o ariano chegava a duas conclusões: ou estava ficando velho ou precisava de um novo aprendiz que estivesse à altura da armadura de Áries.

Então quando Liz, a responsável por todos seus pesadelos simplesmente apareceu ali em seu templo, usando roupas formais, com aqueles cabelos loiros impecavelmente presos, os olhos verdes tão parecidos com os de Eric, mexendo em suas coisas, olhando suas fotografias, explorando seu canto de recordações com Shaka, de um tempo em que ela nem ao menos fizera parte, ele perdeu a cabeça.

— Olha, Mu... –ela começou, incerta, não olhando nos olhos do ariano.

— Não importa. Você é uma forasteira e o cavaleiro de Virgem deveria ter te ensinado as regras do Santuário. Ou talvez ele estivesse mais interessado em fazer outras coisas e esqueceu de seu dever como protetor de Athena. –completou, notando que a garota havia mudado a postura amedrontada, para uma indignada. Ótimo, ele pensou, vou me divertir com isso.

— Não é o que você... –Liz disse, novamente, mas parou no meio da frase, quando percebeu um vaso flutuando atrás do ariano. Engoliu em seco e subitamente pensou que ir até ali sozinha realmente não havia sido uma boa idéia.

— Sabe, por uma questão de respeito, todos os cavaleiros pedem permissão para entrar nos templos dos outros cavaleiros. Por quê você não fez isso? Alguém poderia realmente se irritar com o que você faz, sabia? –disse, em tom baixo, mas um tanto ameaçador. No mesmo instante, o vaso voou rapidamente na direção de Liz, que só teve tempo de se abaixar, vendo-o espatifar-se na pilastra atrás de si.

— Você ficou maluco? –ela perguntou, em um grito quase estrangulado, olhando para trás e depois para o ariano. O quê ele estava tentando fazer? Ela só queria conversar.

— Maluco? –ele devolveu a pergunta, sombrio, sorrindo ligeiramente e seus olhos tornaram-se de um verde mais escuro, mais ameaçador, como se fossem olhos de uma serpente, prontos para dar um bote em sua presa. — Imagine, senhorita. Estou apenas defendendo meu templo do invasor. –completou e mais um vaso, dessa vez um consideravelmente maior fez o mesmo percurso do outro.

Liz abaixou-se novamente, vendo o tão "nobre, gentil e amigo" cavaleiro de Áries tentar acertá-la com mais um vaso, que passou por um triz de sua cabeça. Nunca mais em sua vida entraria naquele lugar sem pedir a tal permissão, aliás, esperava nunca mais sequer cruzar com Mu. Ele conseguia ser mais louco que Máscara da Morte, que colecionava cabeças.

Saiu de trás do sofá novamente e olhou para a porta de saída. Estava longe demais, não conseguiria sair dali sem ser acertada por Mu e não sabia como ainda não tinha se cortado ou caído naquele lugar desconhecido e mal iluminado.

— Eu só quero conversar, seu louco! –ela gritou, mas Mu não parecia querer dar-lhe ouvidos, ele parecia preso em alguma espécie de transe, enquanto objetos voavam à sua volta e ameaçavam atacá-la e recuavam, dando à mulher uma sensação de pânico inesperada e horrível.

Mu na verdade estava se divertindo com toda aquela situação. Não mais estava estressado e ainda conseguia amedrontar sua 'rival'. Nunca teve realmente vontade de golpear a garota com qualquer um dos objetos que destruíam o templo, apenas assustá-la. Quando ela provavelmente contasse o que havia acontecido, ninguém acreditaria. Afinal, o cavaleiro de Áries era tido como um dos mais controlados e sábios de todo o Santuário.

Mas ao usar sua telecinese para levitar as ferramentas que costumava consertar armaduras, não esperava que Liz corresse na mesma direção que havia lançando a pequena adaga que usava para os detalhes finais das armaduras. O grito de dor ecoou de maneira aterrorizante no templo e por um segundo ele se desconcentrou, todos os objetos que voavam caindo no chão ao mesmo tempo.

A calça de Liz estava rasgada na altura da coxa, com um pequeno corte, que sangrava profusamente, não condizendo com o tamanho do ferimento. Amaldiçoou-se por ter sido tão leviano e cogitou se ela contaria a Shaka o que havia acontecido. Provavelmente. Ela criaria uma intriga homérica, mas o virginiano iria acreditar nele, todos sempre acreditavam.

Mas Mu não contava com uma outra presença ali, alguém que gritara o nome de Liz e que naquele momento estava agachado ao lado da garota, supervisionando o machucado.

Saga.

Sempre enxerido, sempre nos lugares errados, na hora errada.

— Mu! –o geminiano exclamou, visivelmente assustado, olhando para o sangue na perna de Liz e para o ariano, que mantinha a mesma postura serena de sempre. Quando questionara se deveria seguir Liz, não imaginou que encontraria aquela cena. Pensou em uma discussão, afinal, ver a garota entrando no templo de Mu era quase que sinônimo de confusão, sabendo-se de tudo o que estava acontecendo nos últimos dias. Mas o ariano atacando uma mulher indefesa? Impossível!

— Ela invadiu. Eu me defendi. –disse, simplista.

— Você é um Cavaleiro de Ouro, ela é apenas... –olhou pra Liz, que estava com os olhos fechados, pressionando o ferimento com uma das mãos. — Por Zeus, Liz, você está bem? –perguntou, tentando tocá-la, mas ela se afastou, como se tivesse levado um choque ou pudesse se contaminar com o toque do cavaleiro.

Levantou com uma certa dificuldade, fitando o ariano com fúria. Nunca pensou que poderia ter aquele tipo de sentimento novamente, odiar tanto alguém que poderia perder a cabeça. Olhou para o corte em sua perna e para a mão de Saga que tentava ajudá-la. Sabia que Mu estava magoado e que ela deveria ser como uma ameaça para ele, mas aquilo não justificava que ele tentasse matá-la, atirando objetos, especialmente quando ela só queria uma conversa esclarecedora. "Maldita hora em que resolvi ser boazinha", pensou, balançando a cabeça negativamente.

— Você é louco. Não se aproxime do meu filho. Ou eu juro que arrumo um jeito e mato você. –ela caminhou lentamente, tentando manter-se firme, o ferimento não era grave, mas ardia consideravelmente.

— Liz, espera... –Saga disse, olhando uma última vez para Mu e caminhando na mesma direção da garota.

Mu ficou olhando em sua volta para o estado de seu templo. Havia cometido um erro e não havia sido o de ter acertado Liz com a adaga. Sabia desde o início que ela não tinha nenhuma intenção de fazer-lhe mal algum, não queria invadir o templo ou qualquer coisa parecida. Talvez tivesse sido aquilo que o irritara tanto. Ninguém iria deliberadamente ali para simplesmente conversar, não sabendo o que acontecia, não sabendo da verdade entre ele e Shaka. Ninguém era tão tolerante, especialmente uma mulher. Mas agora não tinha certeza do que poderia acontecer. Saga era uma testemunha e ele não mais poderia usar sua imagem para proteger-se do que acontecera.

Ignorou a bagunça e caminhou para o final do templo, na direção do quarto. Pensaria no que fazer no dia seguinte. O máximo que aconteceria seria perder Shaka... e Eric. Já estava pensando nos dois como uma família e agora acontecia aquilo. "É, ariano, você realmente tem sorte.", pensou, ironicamente, enquanto fechava a porta do quarto.

— Liz, espera! –Saga disse, segurando o braço da garota, quando já estavam na frente do templo de Gêmeos. — Venha comigo, eu vou fazer um curativo.

— Eu não quero nada com nenhum de vocês! São todos loucos! Colecionadores de cabeça, adoradores de templos vazios, congeladores ambulantes, lançadores de objetos! Fique longe de mim! –ela concluiu e Saga nada pôde fazer. A realidade realmente assustava a quem conhecia o Santuário pela primeira vez. Pensou em segui-la mais uma vez, mas Liz parou no meio do caminho e virou-se para ele. — Nenhuma palavra sobre o que aconteceu ao Shaka.

— Mas...

— Nenhuma só palavra.

Saga, intrigado, entrou em seu templo, resolvendo não pensar no que poderia significar aquelas palavras. Em situações normais, qualquer pessoa faria intrigas, mas ele deveria desconfiar que Liz não era exatamente o que se pudesse chamar de 'normal'.

Liz já havia tomado um banho quente logo após verificar que Shaka e Eric dormiam profundamente. Caminhou, enrolada em uma toalha branca até seu quarto, onde fez habilmente um curativo no ferimento causado pela adaga. Se não tivesse sido mais rápida, talvez precisasse de pontos. E aquilo poderia ser um problema.

Ainda estava revoltada com o que Mu havia feito. Sua cabeça não descansava um só segundo e ela lembrou-se de suas próprias palavras, do ataque, de seu ferimento, do filho, de Shaka...

Suspirou profundamente, como se quisesse recuperar um pouco da sanidade que a pouco lhe faltou. Abriu a sacola de viagem para tirar o pijama que costumava usar. Um objeto no meio das roupas entrou em contato com seus olhos, fazendo-os brilhar de maneira mais bonita, o verde ficando mais claro, mas aquilo não a agradou. Tirou rapidamente a muda de roupa ali de dentro e fechou a sacola, não esquecendo do cadeado. "Não, Liz... nunca mais. Você prometeu."

Continua...

¹ - diversos tipos de armas orientais, mais explicações e fotos no meu livejournal!

² - eu ia explicar o que seria os sai, mas a Liz fez um trabalho perfeito orgulhosa. Se ainda estão confusos, sais são as armas que a personagem de HQ Elektra usa.

Recados de última hora: minha esclerose é tamanha que no capítulo passado coloquei o aniversário de Miro como sendo no dia nove de novembro. Mas minha lindinha Pipe, a aniversariante desse dia em questão, me corrigiu, então, vamos lá...dia oitoe não nove... (Celly se esconde atrás dos pilares do templo de Poseidon). Mais detalhes sobre esse capítulo, sobre a Liz, sobre Luc, sobre os sais, assim como respostas às reviews (que estou devendo desde Inferno, eu sei!), já estão todas no meu livejournal: livejournal (ponto) com (barra) users (barra) mscellym

Até o próximo capítulo... Atualizações rápidas vêm na mesma rapidez e proporção dos comentários! LOL

Celly M. em /08/2005.