Título: Grilhões de Sangue
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, RA
Pares: YohjixKen
Resumo: O passado esconde mágoas que nunca deveriam ser desenterradas. Finalmente Ken conhece a família de seu amante.
Grilhões de Sangue
Kaline Bogard
Parte I – Retorno
Passado abandonado
O dia estava perfeito.
Nem quente demais, nem com o clima seco demais. Apenas agradavelmente fresco.
Na Koneko no Sumu Ie, Yohji e Omi podavam algumas flores, cortando-lhes os galhinhos secos que poderiam ser prejudiciais. A loja estava vazia, pois era época de provas, logo as colegiais se retiravam cedo pra poder estudar.
Ken fazia umas poucas entregas na motoca cor-de-rosa da floricultura, e Aya fora ao hospital visitar sua irmã.
Haviam tido uma missão especial na noite passada, e a recompensa pelo êxito já fora depositada em suas contas bancarias, com isso Yohji e Ken pretendiam sair para comemorar assim que encerrassem o turno na Koneko.
Omi preferia ficar em casa com Aya, para preparar-lhe aquele jantar caprichado e quem sabe também comemorar de uma maneira mais íntima no quarto de um dos dois...
(Yohji sorrindo) Ei, chibi... quando você faz essa cara é porque planeja algo muito suspeito.
(Omi)... porquê diz isso?
(Yohji) He, he, he... pelo brilho desses olhinhos azuis. Céus, que Kami sama tenha misericórdia do pobre ruivo...
(Omi corando) Yohji! Pára com isso...
(Yohji) Nya... por quê? Adoro pegar no seu pé.
O jovem hacker não respondeu, porém sorriu de leve. Parecia que as coisas finalmente entravam nos eixos. A convivência entre os quatro não poderia estar melhor. Apesar das turbulências enfrentadas no passado, por culpa dos Schwarz e de Reiji Takatori...
Fazia tempo que não se envolviam com nada sobrenatural, nem com alienígenas (pra tristeza do jogador moreno), então apenas deslizaram para uma rotina previsível onde podiam controlar e, de certo modo aceitar, tudo o que acontecia.
(Yohji suspirando) Are are, o dia está realmente bonito hoje. Que desperdício ficar aqui... por que não fechamos a loja mais cedo, Omi? Aya não precisa ficar sabendo disso... seria o nosso segredinho.
(Omi)...
O arqueiro balançou a cabeça de maneira inconformada. Só mesmo aquele playboy pra ter uma idéia suicida dessas. Fechar a floricultura mais cedo sem a permissão do líder da equipe...
(Yohji) Assim eu aproveitava pra pagar a conta do telefone.
(Omi surpreso) Você vai pagar?
(Yohji sorrindo) O Ken deixou o dinheiro.
(Omi) Ah, entendo...
Porém antes que continuassem com a conversa o sininho da porta tocou, indicando que alguém chegava naquele momento.
Era um cliente. Um jovem colegial quase da idade de Omi. Tinha cabelo curto e loiro escuro. Os olhos eram estreitos e espertos, um tanto irônicos, em tom de cinza. As formas eram esguias e alongadas.
(Omi sorrindo) Bem vindo.
Mas o garoto o ignorou e caminhou até Yohji, que o observava de cenho franzido.
(Matsuo) Yo, Kudou. Vejo que está se saindo muito bem nessa... lojinha...
Os olhos cinzentos brilharam de maneira zombeteira, evidentemente debochando da condição do playboy trabalhar como florista.
Porém Yohji não se deu por perdido. Estava mais intrigado com a presença do garoto ali do que com suas colocações depreciativas.
(Yohji) Que raios está fazendo aqui, Matsuo?
(Matsuo suspirando) Me chame de Tanaka san. Não lhe dei intimidade pra me tratar por Matsuo.
(Omi)...
O chibi estava surpreso por aquilo. Quem seria aquele garoto tão grosseiro? Havia certa semelhança entre ele e o ex-detetive. Talvez fossem primos.
(Yohji) Vá a merda. Se apareceu aqui depois de todos esses anos, apenas pra me torrar a paciência pode dar meia volta. Já sabe o caminho da rua.
(Matsuo) Certo. Não vou mais lhe 'torrar a paciência'. Vim apenas um recado. Arf, coube a mim a tarefa de lhe informar que Hiroki faleceu a noite passada.
Ao ouvir aquilo Yohji empalideceu profundamente. Um gosto amargo tomou conta de sua boca, e os olhos verdes se arregalaram de incredulidade.
(Yohji) O... que...? Como?!
(Matsuo) Vou poupá-lo dos detalhes. Deve saber apenas que Hiroki cometeu seppuku.
(Omi)!!
Ambos os Weiss demonstraram espanto parecido ao ouvir a revelação inusitada. Omi queria saber quem poderia ser aquele garoto Matsuo e quem seria aquele suicida Hiroki.
(Yohji) Quem... foi o segundo?
(Matsuo sorrindo) Eu.
(Omi)!!
A revelação abalou Yohji. Por instantes, um brilho estranho embaçou as belas íris de jade. Depois o playboy deixou os ombros caírem de maneira derrotada.
(Yohji) Você?! Não acredito... você teve coragem de assistir a morte de Hiroki?!
Matsuo fez um gesto de indiferença e começou a se afastar em direção a saída.
(Matsuo) Está avisado. Se quiser ir até lá... não que faça diferença.
Achando que já podia indagar alguma coisa, Omi voltou os olhos azuis na direção de Yohji.
(Omi) Quem é Hiroki?
(Yohji) Nosso irmão.
(Omi surpreso) "Nosso"?!
Não entendeu nada. Mas teve resposta quando Matsuo parou de andar e voltou-se furioso na direção do ex-detetive.
(Matsuo) Nosso?! Não seja ridículo. Matsuo Tanaka não tem irmãos. Lembre-se que possuímos apenas metade do mesmo sangue. Somos filhos de pais diferentes, e graças a isso Hiroki e você nunca poderão ser considerados meus irmãos.
(Omi) Vocês três...?
(Matsuo) Temos afinidades por parte de mãe. Hiroki era o mais velho, Yohji é o filho do meio problemático, e eu sou o caçula. Mas graças aos bons deuses não tenho o mesmo pai que eles.
Extremamente ofendido, Matsuo saiu da floricultura pisando duro e sem olhar para trás novamente. Parecia que a simples idéia de ser considerado parente de Yohji e Hiroki era revoltante e intolerável.
(Yohji) Hiroki...
Yohji não tinha a pretensão de se julgar muito íntimo de seu irmão mais velho, muito menos de seu irmão caçula, mas... seria impossível negar que a notícia o abalara além da conta.
Não podia acreditar que Hiroki, o cara mais cheio de vida que conhecia, cometera aquela coisa horrível que era o seppuku, e que Matsuo tivera a coragem de ser o segundo(1).
Omi piscou de maneira confusa. O que estava acontecendo parecia tão estranho e deslocado da realidade... lembrava a sensação de um sonho, difícil de ser filtrado pela mente.
(Omi) Yohji... você...
O chibi ia questionar o companheiro mais velho, e indagar se ele estava bem, apesar da palidez dizer o contrário. No entanto, o playboy saiu apressado de trás do balcão e caminhou em direção a porta, tendo a preocupação de conferir se a carteira com os documentos estava em seu bolso.
Simplesmente não podia acreditar que seu irmão mais velho estava morto. Claro que não eram tão íntimos assim, mas... haviam crescido juntos, e convivido bem até os dezesseis anos, quando suas vidas seguiram por rumos diferentes. Fazia muito tempo que não se falavam, não porque tivessem diferenças, mas apenas porque nunca havia tempo.
E pelo jeito não haveria nunca mais...
(Omi preocupado) Ei, Yohji!
Yohji não respondeu.
Abriu a porta de supetão e deu de cara com Ken, que chegava das entregas.
(Ken) Ufa! Finalmente terminei com aquela lista gigantesca. E nem pense em me dizer que tem mais encomendas, viu, Yohji? Yohji...? Que cara é essa?
(Yohji)...
O loiro franziu as sobrancelhas e fez a expressão de quem não pretendia perder tempo respondendo a questão do amante. E o moreninho não ficou atrás, endureceu as feições e deixou claro que não sairia da frente da porta enquanto não tivesse uma resposta satisfatória.
Omi acompanhava aquela 'guerra' expressiva com interesse e alívio óbvios. Ken conseguiria cuidar muito bem da situação, não duvidava disso.
(Yohji) Preciso ir. Tive uma notícia desagradável.
(Ken) O que foi?
(Yohji) É assunto pessoal. Vou cuidar disso sozinho.
(Ken irritado) Desde quando você tem 'assuntos pessoais' que esconde de mim? E há mais de um ano você não tem o direito de cuidar de nada sozinho.
(Yohji suspirando) Alguém já te disse que você é muito teimoso e cabeça dura para o próprio bem?
(Ken sorrindo) Sim! E você é o que mais me diz isso...
(Yohji pensativo) Acho que não é bom deixar o chibi sozinho na floricultura. Se fecharmos mais cedo dessa vez Aya não pode reclamar.
(Ken surpreso) Fechar mais cedo?
(Yohji suspirando) Ken, um dos meus irmãos faleceu...
(Ken) Oh!
E aquela exclamação deixava evidente uma gama infinita de sentimentos contraditórios, que iam do mais profundo pesar à curiosidade quase infantil de descobrir mais sobre aquele irmão.
(Yohji) Vamos conversar na cozinha. Preciso ir até minha casa.
(Ken)... sua casa é aqui...
Yohji deu um sorriso triste. Colocou a mão sobre o ombro de Ken, e apertou de leve, como se seu amante precisasse de consolo e não o contrário.
(Yohji) Foi apenas uma expressão, Ken. Claro que minha casa é aqui, ou onde quer que você esteja, mas... minha mãe deve estar mal, e com esse insensível do Matsuo ao lado dela...
(Ken) Matsuo?
(Yohji) Vamos fechar a Koneko, depois eu te explico tudo.
oOo
Omi terminou de preparar o café e serviu aos amigos.
(Ken suspirando) Então sua mãe ficou viúva e se casou outra vez com esse tal de Satoru Tanaka?
Yohji balançou a cabeça concordando. Segurava a xícara de café entre os dedos alongados, mas parecia ter esquecido de tomá-lo, apenas apertava com alguma força, como se pudesse arrancar o calor da porcelana e enviá-lo para o próprio coração.
(Yohji) Eu era um pivete de uns cinco anos. Não lembro direito das coisas... apenas que foi tudo muito rápido. Menos de duas semanas depois da morte de meu pai, minha mãe casou-se com Tanaka.
(Ken) Rapidinha sua mãe...
(Omi)...
O loirinho corou e imaginou que Yohji fosse dar uma resposta grosseira ao jogador. Mas isso não ocorreu.
(Yohji) É. Hiroki e eu ficamos confusos com tudo aquilo, e Tanaka não facilitou em nada. Ele não admitia ser chamado de 'pai' por nenhum de nós dois.
(Ken) Já vi que é um mal-educado e eu não irei com a cara dele.
(Omi) Ele...
Queria perguntar se aquele tal de Tanaka era violento e batia neles ou coisa do tipo. Só não sabia como perguntar uma coisa dessas. Porém não foi preciso. O ex-detetive pareceu adivinhar a dúvida do jovem hacker.
(Yohji sorrindo) Tanaka nunca ligou pra gente, nem pelo lado bom, nem pelo ruim, simplesmente era como se Hiroki e eu não existíssemos. E minha mãe estava sempre ao lado dele, tentando agradá-lo... aquilo me irritava muito. Menos de um ano depois... eis que surge Matsuo Tanaka, meu meio irmão caçula e a verdadeira menina dos olhos de Satoru Tanaka. Aí Hiroki e eu não tivemos chance mesmo. Quando fiquei maior de idade simplesmente cai fora e me tornei detetive particular. Hiroki encarou como desafio pessoal: fazer Saturo aceitá-lo. Aí a gente acabou se afastando e perdendo o contato. Uma pena.
(Ken) Nossa, parece que foi difícil pra vocês.
(Yohji pensativo) Ah, podia ter sido pior. Bem pior... materialmente não faltava nada, pelo contrário. Mas depois que Matsuo nasceu... as coisas ficaram realmente complicadas. Foi então que comecei a achar que não fazia falta para minha mãe.
(Ken) Que coisa horrível de se dizer, Yohji. Toda mãe sente falta de seus filhos. Ela deve estar sofrendo muito pelo que aconteceu.
(Yohji)...
(Omi) Ken está certo.
(Yohji) Quando comecei a trabalhar na Koneko, enviei uma carta para minha mãe, informando-a do meu endereço. Mamãe nunca respondeu.
(Ken)...
(Omi) Você está sendo amargo, Yohji. Talvez a carta tenha extraviado.
(Yohji) Sei...
(Omi) Não julgue sua mãe pelas lembranças que você tem de sua infância. Pode se arrepender depois.
(Yohji) Nhé. Disso eu duvido, Omi. Definitivamente não sou homem de abandonar nada. Mas... minha família é algo que deixei para trás.
Ao ouvir aquilo os grandes olhos do chibi ficaram vagos, como se um pensamento o levasse para longe dali.
(Omi baixinho) Eu... fui abandonado pela minha família e você, Yohji, escolheu abandonar a sua...
(Yohji)...
Ken correu os olhos chocolate de um para o outro. Pelo jeito ambos os loiros da Weiss não tinham experiências boas com seus parentes. Ao passo que Aya e ele haviam sido coroados com famílias realmente maravilhosas. Como a vida era engraçada.
Suspirando, o jogador bebeu o restinho de seu café, que já estava um tanto morno.
(Ken) Não importa o que diga, eu vou com você, Yotan.
(Yohji)...
(Ken sorrindo) Pode me apresentar como seu amigo, assim como eu fiz com você quando o levei para a minha casa.
(Yohji sério) Não vai funcionar. Tanaka nunca aceitaria a presença de alguém que não fosse da família. Se você quer mesmo ir comigo, terá que ser como meu namorado, e não um simples amigo.
(Ken)...
Apesar de engolir em seco, o moreninho não titubeou, deixando claro que aceitaria as regras ditadas pelo assassino mais velho, mesmo que estas o deixassem em maior evidência, coisa que gostaria de evitar.
(Omi) Isso significa que Aya e eu não poderemos ir lhe dar apoio.
(Yohji) Não se preocupem comigo. Já disse que Hiroki e eu não éramos tão chegados assim. Tínhamos uma convivência pacífica mas... nenhum laço forte demais. Eu estou bem.
No entanto um brilho estranho dominava as belas íris de jade, comprovando que aquela afirmação talvez não fosse totalmente verídica.
oOo
Pouco tempo depois, Yohji e Ken estavam sentados no carro do playboy, rumando para Ginza, no centro de Tokyo. Como o loiro explicara, sua família morava em Osaka, mas todos os acontecimentos marcantes e importantes eram realizados na residência de Tokyo, o que levou o jogador a desconfiar de que talvez se tratasse de pessoas com situação financeira melhor do que a maioria.
Era Ken que dirigia o automóvel, e surpreendentemente Yohji não reclamara nenhuma vez do excesso de velocidade com que seu amante guiava o veículo.
Quando o moreninho atravessou um sinal vermelho e o ex-detetive nem pareceu notar o fato perigoso, Ken achou que devia fazer alguma coisa. Desviou os olhos do tráfego por alguns segundos e concentrou-se no loiro.
Yohji afundara o corpo no assento macio do carro e virara o rosto para o lado da rua, aparentemente observando o movimento através da janela. Sem saber o que dizer, Ken soltou a primeira frase que lhe veio a mente.
(Ken) Me fale de seu irmão.
O loiro ficou em silêncio por um segundo, parecendo meditar sobre aquele pedido.
(Yohji) Qual deles?
(Ken) Er... eu tava pensando em Hiroki. Matsuo pelo que entendi é apenas meio irmão, não é?
(Yohji surpreso) Tem razão... onde eu estava com a cabeça...?
(Ken)...
(Yohji) De qualquer maneira não há muito a ser dito. Hiroki é... era... quatro anos mais velho do que eu...
Calou-se. Era difícil pensar em seu irmão no passado. Talvez fosse mais ligado a ele do que queria acreditar.
Ken permaneceu em silêncio. Diminuiu a velocidade ao dobrar uma curva fechada. De certo modo apenas aguardou. Tinha certeza de que tudo o que seu amante precisava era acostumar-se com a idéia. Deduziu corretamente que isso ocorreria naturalmente, e o primeiro passo seria o desabafo.
(Ken) Não há mais nada que você possa me dizer sobre a personalidade de seu irmão? Apenas sobre a diferença de idade entre ambos?
(Yohji pensativo) Acho que eu deveria dizer que sempre tivemos personalidades diferentes... opostas na verdade. Hiroki sabia estabelecer uma meta e não descansava enquanto não a realizasse. Era desses caras certinhos demais, que sempre jogam pelas regras. Estava sempre tão calmo e reservado... às vezes o jeito dele me irritava e eu o chamava de "marcha-lenta". He, he, he. E nem isso o aborrecia.
(Ken)...
Pelo visto o 'chibi' Yohji havia sido um verdadeiro espeto em criança... pobre Hiroki.
(Yohji suspirando) Ele não bebia e nem fumava... e era muito... reservado quanto a outras pequenas diversões, se é que me entende... arf, eu sempre disse que ele morreria cedo.
(Ken) O que quer dizer é que Hiroki não era um devasso como você.
(Yohji)!!
(Ken) Tinha um dia-a-dia saudável e controlado. Não cometia excessos e não era extremista como você, que acha que a vida não passa de uma bela orgia.
(Yohji)!!
(Ken) Parecia um bom rapaz.
(Yohji) E era. Sempre soube perdoar. Sempre... sabe, tem uma coisa que aconteceu quando a gente era criança... uma coisa terrível que eu fiz e... nunca esqueci.
Ken desviou os olhos do trânsito mais uma vez. Estranhou o tom de voz deprimido e tristonho. Porém o amante ainda observava as ruas do outro lado da janela do automóvel.
(Ken) E o que foi?
(Yohji) Pode soar ridículo, uma bobeira de crianças... mas acho que foi a partir daí que descobri essa coisa idiota que conhecemos por 'consciência'...
(Ken)...
(Yohji) Eu era um pivete de uns doze anos, ainda não queria nada com nada, só matar aula e andar o dia todo pelo centro de Osaka... mas Hiroki não. Ele já tinha um emprego de meio expediente, porque queria juntar dinheiro para comprar um vídeo game.
(Ken) Parece natural.
(Yohji) Me lembro que logo começou o festival de verão de Osaka, mas eu não tinha permissão para ir a noite, quando começava a melhor parte. Então implorei para Hiroki me levar e ele recusou, porque tinha que trabalhar na escala da noite.
(Ken) Oh.
O jogador piscou, tentando descobrir onde seu amante queria chegar com aquela história.
(Yohji) Nem preciso dizer que fiquei puto da vida. Eu havia marcado um encontro com a menina mais bonita da escola, e queria que ela fosse minha primeira namorada. Porém Hideki não me levou, e assim dei um belo cano na coitada. No outro dia, acordei bem cedo, ainda espumando de raiva. Fui ao quarto dele, sabendo exatamente onde guardava o cofrinho com todas as suas economias.
(Ken) Não diga que...
(Yohji suspirando) Exatamente. Eu peguei o cofrinho e quando fui pra escola joguei dentro do rio Tama.
(Ken surpreso) Yohji! Que maldade!
(Yohji) Eu sei... eu sei... quando cheguei em casa Hiroki agiu normalmente, e eu imaginei que ele não tinha descoberto ainda. Mas... os dias se passaram e ele não veio me questionar em nenhum momento (eu estava pronto pra partir pra briga quando isso acontecesse).
(Ken) Ele nunca descobriu?
(Yohji) Claro que descobriu. Mas era bom demais pra me dar bronca. No dia do lançamento do vídeo game que ele tanto queria, acabei matando aula e voltando mais cedo pra casa. Não espera encontrar ninguém por lá. Mas encontrei... Hiroki estava lá. Sozinho no quatro, sentado no chão e chorando baixinho...
(Ken) Oh!
(Yohji) Aquilo partiu meu coração. Hiroki era sempre tão cheio de vida. Eu nunca o vira chorar depois da morte de papai. Entendi que era por minha culpa que ele sofria.
(Ken) E o que você fez?
(Yohji suspirando) Sai do quarto sem que ele percebesse, e no dia seguinte consegui um emprego de meio período.
(Ken)!!
(Yohji) Assim que juntei a mesma quantia de antes comprei um cofrinho, guardei as economias lá dentro e devolvi ao esconderijo secreto de meu irmão, foi uma forma de me redimir. E pouco tempo depois ele conseguiu comprar o vídeo game.
(Ken) Então ficou tudo bem.
(Yohji) Não. Não ficou. Recolocar o dinheiro no lugar não mudava o fato de que tinha feito Hiroki chorar. Por puro egoísmo de minha parte.
(Ken) Vocês eram apenas crianças.
(Yohji) Isso torna tudo muito pior. Acho que foi então que ambos começamos a abandonar nossas inocências. Hiroki descobriu que mesmo as pessoas que amava podiam ser bem cruéis... e eu descobri que consciência pesada dói pra burro... e realmente não valeu a pena em nada, porque jogar as economias dele fora não me deixou nem um pouco feliz.
(Ken)...
(Yohji) Eu sempre fui orgulhoso demais pra pedir desculpas. Acreditei que teria uma oportunidade amanhã... num futuro distante, quando estivéssemos velhinhos, ou... eu morreria durante uma missão, e nesse caso não seria minha culpa.
(Ken) Ainda é uma maneira mesquinha de pensar.
(Yohji) Talvez no fundo... eu seja uma pessoa mesquinha.
Ken não rebateu. Com certeza Yohji estava afetado pela atmosfera nefasta dos últimos acontecimentos e tentar fazê-lo entender o absurdo do que dizia provavelmente geraria uma briga.
Mas... seu amante também era humano. Tinha o direito de ficar deprimido, afinal, acabara de perder uma pessoa de sua família.
oOo
A casa dos pais de Yohji era realmente muito bonita. Tinha dois andares e fachada imponente. Era feita ao mais puro estilo oriental, com um ou dois detalhes ocidentais, como a grande clarabóia localizada no lado norte do telhado.
Sob orientação do playboy, Ken estacionou o carro em frente a residência. Depois ambos saltaram e avançaram. Yohji nem se preocupou em bater a porta.
O Weiss moreno estava um tanto nervoso, mas prometera a si mesmo que não esmoreceria, estaria firme para apoiar Yohji em todos os momentos.
Assim que ganharam o amplo hall de entrada, foram interceptados por um homem de meia idade vestindo uniforme negro. Sorriu ao reconhecer Yohji.
(Yohji) Olá, Shin. Que bom que ainda trabalha aqui.
(Shin) Senhor Yohji... quanto tempo... muito na verdade! Bem vindo. Sinto imensamente que a ocasião seja tão triste. Receba meu sincero pesar.
(Yohji) Obrigado.
Ken apenas observou a troca de palavras amigável.
(Shin) Seus pais e o jovem senhor Tanaka estão na sala sul, dos Hibiscos.
(Yohji) Ah, ta. Faz sentido...
Fez um sinal para Ken segui-lo, e o moreninho obedeceu.
(Shin) Vou lhes preparar um pouco de chá. Deixarei na sala oeste, das Orquídeas.
(Yohji) Obrigado. Leva um pouco de uísque também.
(Shin) Puro, sem gelo.
Yohji balançou a cabeça e saiu do hall, ganhando um longo corredor. Assim que ficaram sozinhos, explicou quem era aquele mordomo para o jogador.
(Yohji) Shin trabalha com a gente desde a época do meu pai. Considero muito esse cara.
(Ken) Ele parece legal.
(Yohji) É. Shin me conhece muito bem. Se tornou um pai melhor que Tanaka. Enfim, preparado?
(Ken)...
(Yohji) Minha família não vai te comer vivo. Creio que vão apenas lhe ignorar. É o que eles sempre fazem, e fazem bem, de qualquer modo.
(Ken)!!
Pararam em frente a uma porta.
(Yohji) Esta era a sala preferida de meu irmão. Por isso Shin e eu a chamamos de sala dos Hibiscos... Hideki adorava hibiscos brancos.
Ao ouvir a revelação Ken fez uma careta. O irmão mais velho de seu amante não podia ter escolhida uma flor mais sem graça e desprovida de beleza. Nem aroma a plantinha possuía!
(Ken pensativo) Você gosta de orquídeas e seu irmão apreciava hibiscos?! A diferença é realmente gritante!!
(Yohji) Mas entendo perfeitamente o porquê. Hibiscos são simples. Pura e simplesmente isso. O símbolo mais apropriado para ilustrar a humildade.
(Ken) Oh!
O jogador surpreendeu-se ao identificar admiração na voz do playboy.
Com certeza ainda havia laços. Por mais que negasse, o loiro ainda era ligado ao irmão mais velho.
Não teve tempo de levar isso em consideração. O amante abriu a porta da sala e entrou no local, obrigando Ken a segui-lo rapidamente.
Primeiro o Weiss moreno observou a sala. Era um lugar muito simples, todo pintado de branco. Havia apenas um jogo de sofás na cor marfim, e uma raque onde descansava um aparelho de som de última geração.
Numa das paredes fora aberta uma enorme janela de vidro, de onde era possível observar um grande e diversificado jardim de inverno. Seria maravilhoso relaxar ouvindo música naquele local aparentemente tão calmo, tendo por vista o cenário de conto de fadas.
Finalmente os olhos castanhos caíram sobre as pessoas que se encontravam na sala. Eram apenas três.
O mais jovem de todos tinha alguma semelhança com Yohji. Era um colegial bonitinho, dono de cabelos loiros bem escuros e estreitos olhos cinzentos. Parecia possuir personalidade forte. Com certeza tratava-se do meio irmão do ex-detetive.
Matsuo observou o meio irmão, depois os olhos cinzas caíram sobre Ken, brilhando de curiosidade.
(Matsuo) Ei, Kudou... sabia que não ficaria longe daqui.
Ao ouvir a frase escarnecedora, a única mulher presente na sala abriu os olhos e encarou os visitantes.
Ken teve certeza de que só podia ser Ayumi Kudou, mãe de Hiroki, Yohji e Matsuo. Ao observá-la, o jogador piscou surpreso.
Ayumi era mais jovem do tinha imaginado a princípio. Com certeza casara muito cedo. Porém acima dessa constatação, era o fato de estarem diante de uma das mulheres mais bonitas de Tokyo. Se não, do Japão.
Ela possuía longos e ondulantes cabelos loiros, que chegavam abaixo das costas, uma franja um tanto longa e repartida do lado adornava o rosto levemente oval. Os olhos eram verdes e brilhantes, nem grandes demais nem estreitos demais. O nariz perfeito combinava maravilhosamente com os lábios cheios, vermelhos, que haviam sido cobertos com um discreto baton.
Usava um kimono escarlate sem estampas que colocava em destaque a pele perfeita de branco porcelana. Não havia uma única ruga ou marca de expressão. Estava sentada no sofá, e apesar disso parecia ser alta.
Quando a mãe de Yohji sorriu, Ken pode perceber uma fileira de dentes alinhados com perfeição singular. Logo a voz harmoniosa e calma tomou conta do ambiente.
(Ayumi) Yohji. Bem vindo.
Yohji retribui o sorriso de maneira um tanto tristonha.
(Yohji) Obrigado, Ayumi.
Ken franziu as sobrancelhas ao ouvir Yohji se dirigir a mãe pelo primeiro nome, no entanto decidiu que ainda não era hora de interferir. Achou melhor observar o padrasto de Yohji.
Satoru Tanaka era um homem alto e forte, de presença marcante. Tinha cabelos curtos e negros, começando a branquear nas têmporas. Os olhos estavam fechados, e Ken não conseguiu ver-lhes a cor. O homem trajava um kimono azul marinho com detalhes prateados. A expressão era severa e compenetrada. Nem mesmo se dignou a dar as boas vindas ao enteado.
(Yohji) Onde está o... corpo...?
(Ayumi suspirando) Estamos esperando. Satoru preferiu cremá-lo, logo a urna chegará.
(Matsuo) Yep. Enquanto isso temos que ficar aqui. Eu precisava ir ao dojo treinar um pouco, estou começando a enferrujar.
(Ken)...
Yohji lançou um olhar feroz em direção ao garoto. Porém evitou brigas desagradáveis.
(Yohji) Este é Ken Hidaka.
Não especificou mais nada. Eles que imaginassem o que quisessem.
Ayumi voltou os olhos verdes para o jogador e sorriu com os lábios.
(Ayumi) Bem vindo.
Apesar do sorriso e das palavras gentis, o moreninho não se sentiu nem um pouco acolhido. Desconfiou de tanta polidez num momento como aquele. Nenhuma lágrima borrara a maquiagem da bela mulher, pela perda de seu primogênito.
(Ken tenso) Obrigado.
Então Yohji colocou a mão sobre o ombro de seu amante e o puxou para um dos sofás de dois lugares que estava vazio. Ambos se sentaram em silêncio.
Suspirando de leve, Ken deixou seus olhos passearem por toda a sala. Foi então que as íris chocolate caíram sobre um pequeno porta-retratos, em cima da raque.
A moldura exibia a foto de um rapaz extremamente parecido com Yohji. tinha olhos grandes e verdes, os cabelos eram loiros e curtos. Possuía um sorriso espontâneo e sincero nos lábios. A imagem da humildade... comparando a hibiscos. Realmente apropriado.
Ken pensou em comentar esse fato baixinho com o amante. Virou o rosto na direção de Yohji e as palavras morreram em seus lábios. O playboy permanecia com a cabeça baixa, com a franja ocultando os olhos. Porém Ken pôde ver as lágrimas sentidas que pingavam sobre a calça preta e justa.
(Ken)...
De repente o atleta sentiu-se sufocar por um clima estranho, por uma sensação tão nefasta e incrivelmente triste que era impossível descrever.
O que estava acontecendo ali? Que família era aquela? Nenhum dos três parecia lamentar realmente a morte do rapaz... apenas Yohji, que se mantivera a distância todo esse tempo.
Pobre Hiroki. Fora contemplado por um triste destino, sofrendo com a fria indiferença de quem devia entendê-lo... amá-lo...
Qual seria a dor de ser abandonado por quem tinha que nos proteger?
Continua...
(1) SEPPUKU: consiste em enfiar a katana no próprio estômago, rasgar transversalmente e depois subir na direção do tórax. SEGUNDO: samurai que fica ao lado para decepar o suicida quando ele estiver agonizando. Poucos tinham essa honra.
-Essa fic eh parte integrante da saga "dark side historys". Como eu avisei antes, nem todo sofrimento será físico, mas psicológico também. E essa fic é o contrapeso na balança. "Yoroshiku Dozo" a fez pender para o lado das boas famílias. Mas já que em Weiss tudo é muito equilibrado, eu tinha que elaborar algo mais pesado pra família do yohji.
Momento propaganda: Leiam "Feliz aniversário, Ken" da Freya de Niord. Essa fic faz parte do "Universo Weiss Kreuz"! XD
E ta muito legal!
Ei, Duo chan! O que seria dos review se não fosse você?! Vou anotar essa do 'concerto' e 'conserto' na minha agenda! Huahauhauhuaa. Eu sabia que tinha diferença, mas fiquei com preguiça de pesquisar qual era qual! XP
