Título: Grilhões de Sangue
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, RA
Pares: YohjixKen
Resumo: O passado esconde mágoas que nunca deveriam ser desenterradas. Finalmente Ken conhece a família de seu amante.
Grilhões de Sangue
Kaline Bogard
Parte 3 – Memórias
Uma única direção...
A noite estava um tanto fria. Eram meados de setembro, então a queda acentuada de temperatura não era tão surpreendente assim.
Assustador era o desespero que tomava conta das atitudes daquele homem quando ele entrou no quarto.
Tratava-se de um loiro muito alto, de corpo esguio. Possuía cabelos curtos levemente ondulados, olhos verdes estreitos e pele pálida, perfeita. A bela face estava contraída numa expressão séria, angustiada.
(Ayumi) Naka... o que está acontecendo?
(Nakata) Ayumi... Ayumi...
A voz grave tremulou um pouco. Ambos se fitaram, olhos nos olhos. A jovem mulher percebeu no mesmo instante que algo estava errado, muito errado na verdade. Seu marido, Nakata Kudou, não era homem de se desesperar por pouco.
(Ayumi) Querido...
O loiro aproximou-se dela e colocou ambas as mãos sobre seus ombros.
(Nakata) Quero que pegue os meninos e vá para Tokyo imediatamente.
(Ayumi surpresa) Mas... agora?! Já passa das onze horas e...
(Nakata) Ande, Ayumi. Não se preocupe com roupas e bagagem! Acorde Hiroki e Yohji e os leve para a capital.
(Ayumi) E você?!
(Nakata) Tenho um assunto importante pra resolver aqui, sobre a empresa...
A moça arregalou os olhos entendendo tudo.
(Ayumi) Sobre a... empresa? Tem algo a ver com Tanaka? Céus, Naka! O que houve?
Nakata respirou fundo. Passou as mãos pelo cabelo curto e fechou os olhos angustiados. Nunca escondera nada de sua esposa, agora se arrependia um pouco, pois se tivesse mantido segredo sobre Tanaka, ela não ficaria tão preocupada!
(Nakata) Sim. Ele insistiu em comprar a empresa... você sabe que não quero fazer isso. Com certeza Tanaka vai usá-la para a Kakureta Ryu e não posso admitir tal coisa.
(Ayumi) Ele ainda persiste nessa idéia?
(Nakata) E hoje me mandou um ultimato. Dois brutamontes estavam me esperando... consegui despistá-los mas... tenho certeza de que Tanaka não vai desistir.
(Ayumi suspirando) Deve denunciá-lo a policia, e vir com a gente para Tokyo.
(Nakata) Fugir não é a solução... não resolve nada.
(Ayumi) Então não vou fazer isso! Ficarei ao seu lado!
O desespero tomou conta dos olhos verdes de Kudou. Porque Ayumi tinha que ser tão teimosa?! Era uma cabeça dura!!
(Nakata) Seja sensata...
(Ayumi) Sensata? Naka... esse homem surgiu em nossas vidas quase do nada, justamente agora que a empresa está crescendo! Sei que Satoru Tanaka tem ligações com a Kakureta Ryu, e é um homem perigoso, mas... porque tudo isso? Não vamos fugir dele!
Nakata engoliu em seco. Havia apenas uma coisa que escondera dela, e que alimentava a urgência de suas atitudes. Decidiu que era hora de revelar-lhe.
(Nakata) Ayumi... quando eu me recusei a abrir mão da empresa, Tanaka me ameaçou... tenho que tomar providências, mas antes quero garantir a sua segurança e a dos meninos.
(Ayumi) Oh!
Então Tanaka ameaçara seu marido?! Horrorizada Ayumi passou os braços pela cintura dele, puxando-o para um abraço apertado. Porque aquilo estava acontecendo com eles? Não podiam ter um pouco de sorte na vida que logo atraiam olhares cobiçosos?
No entanto Nakata não prolongou mais o momento.
(Nakata) Vá arrumar os meninos, Ayumi. Ligarei para o aeroporto marcando um vôo.
(Ayumi assustada) E você?!
(Nakata sério) Vou resolver isso com aquele maldito, e logo vocês poderão voltar.
(Ayumi) Mas... você disse que não devemos fugir dos problemas! Não vou abandoná-lo aqui sozinho.
(Nakata) Vai sim! A segurança de meus filhos é mais importante do que tudo! Você partirá agora mesmo para Tokyo.
(Ayumi irritada) E a sua segurança é tão importante pra mim quanto a de meus filhos! Porque não entende isso?
(Nakata suspirando) Me obedeça. Tenho que resolver meus problemas como um homem.
(Ayumi)...
A moça não rebateu tal argumento. Afastou-se de seu marido e saiu do quarto. Antes de fechar a porta teve a chance de ver Nakata pegando a bela katana da parede e sobrepesando-a em suas mãos.
As coisas ganhavam um aspecto assustador!
oOo
Apressada, Ayumi foi ao quarto de seu filho mais velho. Hiroki estava dormindo como um verdadeiro anjinho, ressonando de leve, tranqüilamente. Os olhos verdes correram pelas paredes do quarto, pintadas de azul claro, enfeitadas com diversos pôsteres de jogos de vídeo game. Seu primogênito adorava aquelas novidades tecnológicas.
Foi com muito pesar que o tirou do sono.
(Ayumi) Querido... Hiro chan... acorde!
O garotinho de quase dez anos abriu os grandes olhos verdes e resmungou baixinho em protesto de ser arrancado de seu sono tão gostoso.
(Hiroki) Mamãe...
(Ayumi) Hiroki, preciso que você seja um menino mais bonzinho do que já é. Vamos viajar: você, Yohji e a mamãe.
(Hiroki) Ahn?
A mulher foi até o guarda-roupas e pegou algumas peças. Não podia levar o garotinho de pijamas para o aeroporto. Depois o tomou pela mão e o obrigou a sair da cama.
(Ayumi) Sei que está com sono, mas... será um passeio divertido! Prometo! Agora precisamos ir até o quarto de seu irmão e acordá-lo também.
(Hiroki) Pra onde vamos?
(Ayumi) Para Tokyo!
(Hiroki animado) Tokyo?! Oba!!
Ambos saíram apressados do aposento, quase correndo. O quarto de Yohji ficava imediatamente ao lado. Assim que Ayumi colocou a mão sobre a fechadura, ouviu um barulho alto, parecendo com o som de porta sendo arrombada.
(Ayumi)!!
(Hiroki assustado) O que foi isso, mamãe?
A casa era grande e espaçosa, mas de apenas um andar... e o barulho vinha da direção da sala de estar.
(Ayumi) Nada, meu bem... mamãe quer que você entre no quarto de seu irmãozinho e fique com ele, está certo? Tente não acordá-lo...
(Hiroki) Mas...
A mulher se abaixou e fez um carinho no rosto de seu filho, procurando acalmá-lo, e passar a sensação tranqüilizante de que tudo estava bem.
(Ayumi) Eu vou apenas chamar o papai e pedir que ele vá ver o que houve... volto logo e iremos para Tokyo.
(Hiroki) Hn!
Decidido, o garotinho entrou no outro quarto. Assim que considerou que ambos estariam em segurança, Ayumi começou a se mover em direção a sala de estar. Ia devagar, sondando o terreno, com receio do que pudesse encontrar pela frente.
Em segundos alcançou a passagem que ligava o corredor a entrada da casa. Seus olhos verdes se arregalaram de incredulidade e medo, gerados pela cena que se desenrolava a sua frente: Satoru Tanaka, em pessoa, estava parado no centro da sala. Empunhava uma magnífica katana de cabo vermelho, enquanto ameaçava Nakata Kudou, que também empunhava uma afiadíssima espada de cabo negro.
Nenhum dos dois registrou a presença da jovem mulher, e Ayumi recuou sobre os próprios passos, horrorizada pelo que vira.
Nos olhos azuis de Tanaka brilhava a fria determinação de alguém com propósitos mortais. Já o jovem loiro estava de costas pra ela. Ayumi só podia deduzir que seu marido estava tenso, muito tenso. Isso era óbvio pela posição ereta de suas costas.
Preocupada, correu primeiro ao quarto do casal, pegou a dachi que fazia par com a katana do marido e a escondeu na manga do kimono. Depois se dirigiu ao quarto de seu filho caçula.
Sabia que um duelo entre dois homens estava prestes a começar. Não tinha direito de interromper aquela contenda, por mais que lhe doesse saber que o adorado marido corria risco de vida.
E o pior, do resultado da luta dependia não só a sua vida, mas a de seus dois filhos...
(Ayumi) Oh!
Invadiu o quarto de Yohji. O aposento era quase idêntico ao de Hiroki, com a diferença dos pôsteres: ainda não tinha idade pra se ligar em nada dessas coisas.
(Ayumi)...
Os olhos verdes caíram suaves sobre a cama. Hiroki havia se deitado na cama ao lado do irmão e puxara um pedaço do edredom para cima do próprio corpinho. Cochilava inocentemente.
Permitiu-se observá-los por um instante. Ambos eram esguios, com certeza ficariam tão altos quanto o pai. Haviam herdado os mesmos cabelos loiros e olhos verdes de seus progenitores.
Porém as semelhanças eram apenas físicas, já que as personalidades de ambos não podiam ser mais diferentes: Yohji era um verdadeiro espetinho, sempre disposto a descobrir coisas novas, sempre com um sorriso nos lábios infantis. Hiroki, por sua vez, era o contrário. Parecia sempre sério e pensativo, como se analisasse profundamente todas as coisas. Era mais afável e gentil, mostrando-se disposto a pedir desculpas mesmo que não fosse o culpado de nada.
Lágrimas afloraram aos olhos de Ayumi. Amava tanto aqueles dois! Eram o seu tesouro mais precioso, eram a sua família, construída com algumas dificuldades e sobretudo muito amor, essencialmente muito, muito, muito amor.
Agora, um monstro chamado Satoru Tanaka entrava em seus caminhos, guiado pela ganância e agindo de modos escusos, ameaçando destruir todos os seus sonhos!
Evitando fazer barulho, a jovem mãe foi até o leito e puxou o edredom com carinho, cobrindo os dois garotos.
(Ayumi) Não vai machucar meus filhos...
Sentou-se a moda oriental sobre o carpete e tirou a dachi da manga do kimono colocando-a sobre as pernas. Os lábios moviam-se numa prece silenciosa, recorrendo à proteção de todos os seus ancestrais.
No entanto grossas lágrimas desciam pelo belo rosto. Sua intuição de mulher e seu coração de mãe lhe diziam que Nakata iniciara uma jornada sem volta. O brilho homicida dos olhos de Satoru era a garantia de morte mais inquestionável que poderia existir.
O inimigo vinha preparado para matar.
Assustada, Ayumi ergueu a cabeça. Escutara passos. Passos lentos e de certo modo vacilantes.
Endireitou as costas e apertou a dachi entre os dedos. Se fosse Satoru, lutaria com todas as suas forças.
A porta se abriu, porém quem entrou foi seu marido. Por um segundo o alívio da garota foi tão grande, que ela sorriu por entre as lágrimas e preparou-se para saudá-lo quando seus olhos captaram algo assustador: um grande ferimento no lado esquerdo do peito de Nakata e um filete de sangue que escorria pelo conto da boca.
Nakata estendeu a mão em direção a esposa, e deixou a katana cair no chão.
(Nakata) A...yu...
O rapaz loiro desmoronou, tombando inerte no chão.
(Ayumi)!!
Chocada, a jovem mulher perdeu a fala. Viu todos os seus sonhos, todas as suas ilusões caírem juntamente com o marido, ferido de morte.
Mas não teve tempo de amargar a tragédia. Logo Tanaka surgia à porta. Era um homem grande e forte, imponente em seus quase um metro e noventa de altura.
Antes de mais nada, os frios olhos azuis fixaram-se sobre seu oponente caído no chão frio. Avançou impiedoso e numa mostra de total crueldade cravou-lhe a katana nas costas, torcendo a lâmina para ambos os lados.
(Ayumi)!!
Não pôde acreditar: o golpe de misericórdia em seu marido fora desferido bem diante de seus olhos. Seu corpo todo começou a tremer de maneira incontrolável ao mesmo tempo em que as lágrimas secaram dos olhos verdes.
Somente após ter a certeza da morte do jovem loiro, Tanaka pareceu prestar atenção na mulher. Ao se ver presa de um olhar tão indefinido, Ayumi apertou a dachi entre os dedos, evidenciando suas intenções de defesa.
Tanaka endureceu as feições.
(Tanaka) Que pretende fazer?
(Ayumi)...
(Tanaka) Hn. Vai tentar me matar? Ou pretende se matar?
(Ayumi) Maldito!
Fez menção de se levantar do chão, mas o invasor a deteve com um único movimento de mão.
(Tanaka) Nenhuma das opções é válida, mulher. A não ser que pretenda abandonar seus filhos nas minhas mãos. Você é a única barreira entre eles e eu.
A loira arregalou os olhos. Não compreendia as intenções de Tanaka. Entendeu somente a ameaça óbvia a segurança de seus dois garotinhos.
(Ayumi) O que... quer...?
(Tanaka) Você.
(Ayumi)!!
(Tanaka) Você é a mulher mais bela que já conheci.
(Ayumi surpresa) Mas... a empresa... Nakata...
(Tanaka) A empresa foi apenas um pretexto. Nunca tive a intenção de deixá-lo viver, mesmo que aceitasse meus termos.
(Ayumi) Oh!
Então o destino de seu adorado marido já estava traçado. Fora decidido no instante em que aquele terrível inimigo colocara os olhos sobre sua esposa.
(Tanaka) A vida de seus filhos, pela sua fidelidade. É isso que lhe ofereço.
(Ayumi) Oh...
(Tanaka) Preciso de uma esposa. E quando a vi ao lado de Kudou, percebi que tinha de ser você.
A loira abaixou a cabeça. Não podia acreditar num destino tão amaldiçoado. Era responsável pela morte do homem que amava, e agora a vida das duas pessoas mais importantes para ela dependia de uma decisão ingrata e absurda.
(Ayumi) Eu...
(Tanaka) Posso garantir sua segurança, e a de seus filhos.
(Ayumi) Entretanto ser líder da Kakureta Ruy não traz muita segurança... quem me assegura que seus inimigos não me alcançarão?
Ayumi e Tanaka se encararam. Duas pessoas se avaliando e se medindo, tentando descobrir o quão duro o outro podia ser. Satoru não se surpreendeu por Ayumi saber da Kakureta Ryu. Ela parecia uma mulher de fibra, daquelas a quem os maridos se sentiam a vontade para fazer confidências. Era mesmo perfeita.
(Tanaka) A Kakureta Ryu é coisa que logo pertencerá ao passado. Tenho interesses em contratos com o governo, por isso preciso de uma esposa, pelas aparências. E nesse caso, porque não a mais bela?
(Ayumi) Você é uma pessoa egoísta.
(Tanaka) Não. Apenas gosto de ter o melhor.
(Ayumi)... nunca poderei te dar amor.
(Tanaka) 'Amor' não é tudo o que um homem necessita. Mas isso é coisa que mulheres não precisam saber.
(Ayumi) Minha fidelidade... pela segurança de meus filhos...?
(Tanaka) É uma oferta mais que generosa.
A jovem abaixou a cabeça outra vez. Deixou a dachi cair de entre seus dedos, ao mesmo tempo em que uma lágrima escorria por sua face.
Seria a última que derramaria pelos próximos dezessete anos, e era aquela pequena lágrima que firmava o acordo: Tanaka teria sua fidelidade se fosse a garantia de que tudo ficaria bem com seus dois filhos.
oOo
Ken piscou incrédulo. Aquela mulher crescera muito em seu conceito. Jamais suspeitaria que uma história surpreendente daquelas pudesse ter acontecido de verdade. E com uma pessoa tão próxima a si.
(Ken) Céus, Yohji nem mesmo suspeita disso! Se ele souber... se ele desconfiar...!
(Ayumi) Ele nunca vai saber, e nunca vai desconfiar. Você me deu a sua palavra.
(Ken)!!
(Ayumi) Todos esses anos e meu sacrifício seriam jogados no lixo, se Yohji descobrisse a verdade. Com certeza ele iria tirar satisfação de Tanaka e querer se vingar, assim como Hiroki...
(Ken surpreso) Então o irmão mais velho de Yohji...?
Ayumi balançou a cabeça dizendo que sim. Hiroki era muito esperto, muito maduro, e já tinha quase dez anos quando aquela tragédia acontecera. Ele simplesmente amargara toda a dor silenciosamente e quando se achara a altura de enfrentar Tanaka, o desafiara.
(Ayumi) O desafio foi terrível, não pude impedir. Tanaka venceu, e... deixou Hiroki vivo, porque ele me prometera que não faria mal a nenhum de meus filhos, nem mesmo por um duelo. Mas Hiroki se recusou a viver carregando a derrota nas costas... Hiroki...
(Ken) Oh!
(Ayumi) E agora Yohji é tudo o que me resta de Nakata! Não posso deixar que algo aconteça a ele, e por isso continuarei suportando tudo! Prefiro que continue trabalhando naquela floricultura, a salvo de qualquer perigo. Foi um alívio pra mim quando abandonou a carreira de detetive particular.
(Ken)!!
Ah, se ela soubesse! Yohji arriscava o próprio pescoço mais vezes do que uma pessoa comum, assim como seus companheiros de missão. E se dissesse a Ayumi que o filho do meio já havia morrido três vezes...? Er, quatro na verdade, se fosse contar a luta contra Toshiro e o sacrifício de Setsuko...
(Ayumi) Você vai dividir esse fardo comigo, porque você mesmo quis.
Ken ia responder alguma coisa, quando o playboy entrou na sala. Trazia uma expressão tão séria que cortou o assunto entre Ayumi e o moreninho naquele minuto.
(Yohji) Vamos embora.
(Ken) Mas...
(Yohji) Quando a poeira baixar eu faço uma visita ao túmulo do meu irmão. Espero que as cinzas sejam enterradas junto com as de meu pai, aqui em Tokyo.
(Ayumi) Assim será.
O jogador voltou os olhos castanhos para Ayumi. A jovem senhora tinha o tom de voz tão sereno... como se nada tivesse acontecido. O Weiss sacou que ela já colocara novamente a máscara de indiferença sobre sua bela face.
(Yohji) Pelo menos isso, não é, Ayumi?
(Ken) Yohji!! Não fale assim com sua mãe!
(Yohji) Yep. E por falar nisso, está fazendo um excelente trabalho com Matsuo. O moleque tá um relo. Se continuar desse jeito não vai ganhar o prêmio de mãe do ano... mas não vai mesmo...
O jogador ia responder quando um brilho nos olhos verdes da mãe de seu amante o deteve. Ayumi lhe suplicava que não interferisse. E Ken ia respeitar a vontade daquela mulher tão sofrida e injustiçada pelo destino.
(Ken) Vamos pra casa.
(Yohji) Eu sabia... eu sabia que não devia ter vindo aqui.
(Ken)...
(Ayumi sorrindo) Sabe que sempre será bem vindo, Yohji.
O Weiss moreno sentiu a garganta arder quando lágrimas proibidas juntaram nos cantos dos olhos castanhos. Naquele momento ele mirava fixamente Ayumi, preocupado com a expressão serena.
Entendia agora a sensação desagradável que tivera ao ser recepcionado pela mulher: contrariando o sorriso perfeito, os olhos apresentavam uma tristeza sufocante e esmagadora.
Indiferente a tal fato, Yohji deu as costas a mãe e afastou-se com passos ligeiros.
Ken e Ayumi fitaram-se em silêncio. O jovem assassino curvou-se inesperadamente em uma discreta reverência. Ato que conseguiu atingir Ayumi profundamente, arrancando dela o primeiro sorriso espontâneo de muito tempo.
Um sorriso regado pela gratidão.
Ken também deu as costas, seguindo seu amante. Quando se toma uma decisão tão drástica, existe uma única direção a se seguir, e nunca, em hipótese alguma devemos olhar para trás, ou o peso do remorso esmagaria o coração, fazendo-o sangrar gotas de desespero.
Os olhos castanhos fixaram-se nas costas do playboy, e quase sem querer Ken lembrou-se de uma bela melodia que admirara muito em sua infância.
"Hoje muitos choram, mas não desistem de viver...
Hoje muitos choram, sorrindo..."
Finalmente ele entendera aquela estrofe. Não sabia em que proporção podia se julgar apto a acreditar que 'compreendia' Ayumi, porque na verdade não a compreendia.
Enfim, cada escolha tem um preço. E cada preço deve ser pago. Não importasse o quão alto pudesse ser.
(Ken baixinho) Hoje muitos choram... sorrindo...
Por um segundo desejou não ter sido insistente com a mãe de seu namorado e não ter que partilhar aquele terrível segredo. Mas é claro, já era tarde demais.
oOo
Somente muito tempo depois foi que o playboy se permitiu visitar o túmulo do irmão mais velho, onde as cinzas haviam sido depositads.
Obviamente, Ken o acompanhou.
Por uma coincidência Hiroki foi enterrado no mesmo cemitério onde o corpo de Setsuko descansava.
(Ken baixinho) Yotan, eu vou levar essas flores pra Setsuko, está bem?
O loiro apenas balançou a cabeça concordando. Agradeceu intimamente por Ken lhe dar aquele momento de privacidade. Observou o jogador se afastar com o buquê de magnólias nos braços.
oOo
Ken caminhou devagar, sabendo com certeza a direção do túmulo de uma de suas grandes amigas. Aproveitara a oportunidade para visitar o lugar onde a garota repousava e levar-lhe aquelas flores prestando-lhe uma homenagem.
Nunca seria demais, e nunca, nunca poderia agradecer-lhe a altura.
Mas antes que chegasse a seu destino, os olhos castanhos captaram uma pessoa conhecida. Alguém com quem mal tivera contato, mas que registrara perfeitamente os traços em seu subconsciente.
Matsuo Tanaka.
O jovem o olhava fixamente, demonstrando certa surpresa.
Decidido, Ken avançou até ele, desviando o caminho.
(Ken sorrindo) Olá.
Matsuo olhou de um lado para o outro, talvez procurando por Yohji. Quando Ken achou que seria ignorado, o jovem respondeu ao seu cumprimento.
(Matsuo) Yo.
(Ken)!!
(Matsuo) O que foi? Que cara de idiota é essa? Eu posso ser civilizado quando quero.
(Ken)...
(Matsuo) Na verdade, só faço aquelas coisas pra manter o idiota do Kudou afastado da gente.
(Ken)!!
Matsuo viu a incredulidade brilhando nos olhos do Weiss e suspirou impaciente.
(Matsuo) Sei que conversou com mamãe. E ela lhe disse coisas que nunca revelou nem mesmo ao Hiroki. Desconfio do que falaram, mas... de uma única coisa eu tenho certeza: mamãe está bem. Finalmente bem.
(Ken surpreso) O que? Porque diz isso?
(Matsuo suspirando) A preocupação dela com o bem estar de Hiroki e Kudou era algo realmente enervante. Quando Hiroki morreu, achei que ela não suportaria e isso poderia fazê-la fraquejar diante de Kudou.
(Ken) Não entendo.
(Matsuo) Não? É possível que seja tão otário quanto Kudou?
(Ken) Yohji não é otário. Tem a consciência das coisas afetada, porquê ele não é imparcial.
(Matsuo) Sei. Não acha engraçado como o amor pode ser uma faca de dois gumes? Ele traz coisas boas, e por isso mamãe relaxou, quando percebeu que você se preocupa muito com Kudou.
(Ken) Ela tem razão.
(Matsuo triste) Mas... Hiroki gostava tanto de mamãe que desafiou meu pai... sim, não me olhe espantado. Eu sei de mais coisas do que parece. Mas não tema, não falei nada para Kudou, e nunca vou falar.
(Ken) Sinto muito por vocês.
(Matsuo) Tsc. Não sinta. Hiroki sempre soube que não venceria papai. O desafio foi apenas uma desculpa para o seppuku. E foi por isso que aceitei fazê-lo como segundo.
(Ken)!!
(Matsuo) A preocupação com Hiroki e Kudou transformou minha mãe numa prisioneira. E Hiroki sabia que apenas isso a mantém ao lado de papai.
(Ken preocupado) E foi por isso que ele se matou?! Para libertar sua mãe da preocupação?!
(Matsuo pensativo) Engraçado não acha?
(Ken)...
Não. Ken não achava.
(Matsuo) A morte de Hiroki foi a pior coisa que podia ter acontecido a nós, no entanto foi a melhor. Mamãe chora de tristeza pela perda ao mesmo tempo em que sorri, porque sabe que meu meio irmão está a salvo.
Ken piscou, tentando descobrir a qual meio irmão Matsuo se referia.
(Ken) Garoto...
(Matsuo) Yep. O destino é implacável, existe apenas uma direção... e Hiroki não vacilou. A vida realmente passa como um rio... pena que as coisas não são mais tão lindas.
(Ken)...
Matsuo achou que já era hora de terminar aquela conversa. Sorriu para Ken, surpreendendo o Weiss com a expressão infantil.
(Matsuo) No fim das contas o suicídio de Hiroki não passa de uma fuga. A mais covarde e nefasta de todas, mas ainda assim uma fuga. Não acha uma decisão egoísta? Agora estamos sozinhos... fomos abandonados por quem tinha que nos compreender, por quem confiávamos.
Ken ficou sério. Pensara exatamente isso de Hiroki, só que ao contrário. Sentia que Hiroki é quem fora abandonado naquela história. Mas é claro que desconhecia todos os fatos.
E na verdade, quem era ele para julgar alguém?
Os passos de Matsuo quebraram o momento pensativo do moreninho.
(Ken) Espere.
Matsuo enfiou as mãos nos bolsos e continuou se afastando.
(Matsuo) Hiroki queria apenas a felicidade de mamãe. Ela não poderá ser livre enquanto sentir que tem a obrigação de defender seus filhos com a fidelidade para com meu pai. E então... Hiroki arrebentou o primeiro grilhão de sangue. Qual o próximo passo?
(Ken)...
(Matsuo) O amor é realmente engraçado... quero que mamãe seja feliz mas... mas... tsc. Como é mesmo seu nome? Ah, não importa. Acho que não vamos nos ver mais.
O Weiss engoliu em seco. Qual seria o significado oculto das palavras despreocupadas?
(Ken) O que você vai fazer?
Matsuo parou de andar. Virou o pescoço na direção do moreninho e o observou de canto de olho.
(Matsuo) Vou tomar uma decisão egoísta. Hiroki indicou o caminho e agora só nos resta uma direção... e no fim... no fim, a decisão será toda de Kudou. Mas... acho que não verei isso... serei eu a quebrar o segundo grilhão...
Voltou a se afastar com passos rápidos, quase corridos.
Ken apenas engoliu em seco. Achava que compreendera finalmente as palavras do menino mais jovem.
(Ken) Céus...
Ken jurara não interferir. Mas desconfiava que Ayumi não resistiria a perda de mais um filho. E Matsuo deixara evidenciada as intenções terríveis nas palavras misteriosas.
O assassino moreno decidiu que manteria os olhos naquele garoto, independente do fato dele morar em Osaka. Sabia que podia contar com a ajuda de Omi para isso.
(Ken) Essa história está longe de acabar.
Os olhos castanhos brilharam intensamente, adquirindo um novo e precioso objetivo.
Quando Matsuo sumiu de seu campo de visão, Ken retomou o caminho em direção ao túmulo de Setsuko.
oOo
Yohji acompanhou Ken se afastar com expressão indiferente na face pálida.
Depois se abaixou e depositou gentilmente o arranjo de hibiscos sobre o túmulo do irmão.
(Yohji baixinho) Nhé, você tinha um péssimo gosto, Hiroki. Veja esse arranjo que fiz: por mais que tentei caprichar ainda ficou horrível!
Suspirando, o Weiss tirou um cigarro do maço e o levou aos lábios acendendo em seguida.
Tragou longamente, tanta fumaça quanto seus pulmões podiam agüentar. O que não era muito, desde que enfrentara a sádica vingança de Toshiro e tivera um dos pulmões perfurado. Prendeu-a por mais tempo que o necessário, depois expirou.
Os olhos verdes caíram sobre a plaquinha onde estava gravado o nome de seu irmão, e as datas de seu aniversário e seu óbito. Hiroki partira com apenas 26 anos de idade... tão jovem...
(Yohji)...
Percebeu que as letras com o nome de Hiroki começavam a se cobrir de poeira. Sua morte ainda era recente e mesmo assim... era como se ninguém se importasse. Como se o rapaz tivesse sido definitivamente abandonado.
O loiro não entendia uma decisão tão drástica, tão absurda de atentar contra a própria vida.
Porque? Porque?!
Nunca teria a resposta.
Porém, não precisava de respostas. Não precisava de mais nada.
Desperdiçara um tempo precioso... e apesar de toda a tristeza não olharia para trás.
Havia uma única direção e ele seguiria em frente. Tão bem como sempre fizera. Ou melhor: seria mais fácil ainda, pois não estava sozinho. Tinha Ken ao seu lado.
Com tal decisão tomada, Yohji achou que devia voltar para casa.
No entanto não se moveu. Seu corpo se recusava a obedecer-lhe. E antes que desse acordo do que fazia, retirou o lenço branco do bolso e começou a limpar as letras do nome do irmão com extremo cuidado, uma por uma.
(Yohji baixinho) Sinto muito, Hiroki. Será que... você poderia me perdoar...?
Lágrimas quentes rolaram pela face pálida e pingaram sobre a lápide sombria.
O pedido era sincero e quase desesperado, mas infelizmente... viera tarde demais.
Fim
A pergunta que não quer calar: ¬¬ Porque raios eu ainda meto os peitos com angust?!
