No que me ensinaram, horizonte pode ser uma cadeia de montanhas, uma fileira de árvores de uma floresta, arranha-céus de uma cidade, onde o mar se encontra com o céu ou, simplesmente, uma linha.
O meu é um muro. Não é um muro feio, tem lá o seu charme, com seus tijolos vermelhos e vinhas com flores rosas. No que eu me lembro, quando fui ao médico, há muitos muros feios pelo mundo. Sujos, enferrujados, quebrados... Era uma vista triste.
O meu horizonte não. Ele é alto, muuuuito alto, e invencível. As irmãs me pedem para parar de olhar para ele e ficar com as outras crianças, mas como posso evitar? Para qualquer direção que olho ou de qualquer janela, ele está lá.
Eu não gosto muito de olhar na direção do portão. É mais alto que o muro e de madeira escura, como uma sombra sem vida, uma noite que não se vai. Há noites em que se ouve um choro vindo de lá e uma irmã traz um bebê, ou bebês... Dizem que comigo foi assim, eu vim para esse mundo através dele.
A única coisa que gosto do portão é quando ele se abre, mas é quase impossível de ver, as irmãs não deixam, nem uma espiadinha pela janela. Eu me lembro de gente com roupas diferentes, de veículos em uma estrada que vai indo, e indo, até chegar em uma curva onde tudo se acaba. Eu me lembro de prédios, eu me lembro deles porque eles estavam abertos e as pessoas podiam sair e entrar. Me lembro deles terem faixas e placas com letras engraçadas e desenhos coloridos, eram mais coloridos que o muro.
Mas o muro não é feio, não, ele é meu horizonte. Eu gosto de ouvir o som que está além dele. Os sons de passos e motores, pessoas conversando, crianças rindo e chorando. A distância é tão pequena que eu consigo me imaginar estando no outro lado.
Dizem que só há uma forma de sair daqui e nunca mais voltar, e é por aquele portão negro, e nunca sozinho. Algumas vezes adultos nos visitam e as irmãs pedem para nós nos comportarmos, pois eles podem ser nossas futuras famílias.
Eu tive um amigo. Ele achava engraçado eu ficar toda hora admirando o meu horizonte. Eu achava engraçado que ele comia as flores das vinhas e não ficava com dor de barriga, mas quando furou o dedo em um espinho, ele abriu um berreiro. Muito burro. No entanto, uns adultos gostaram dele e eu nem pude me despedir. Eles gostam de levar os mais jovens, aqueles que não entendem aonde estão e para onde vão, isso é tudo muito burro.
Ninguém me quer, mas irmãs dizem que não é problema. Deus pode ser meu pai, Ele sempre vai me querer.
Só que eu não me importo com o que os outros querem, eu me importo com o que EU QUERO.
Por isso ele é meu horizonte, uma linha para transpor e eu irei, irei, até aquela curva onde tudo acaba. Eu cortarei as minhas raízes com esse lugar assim como farei com as vinhas. Meus braços e pernas estão ficando mais compridos a cada dia, mas os meus dedos ainda são finos o bastante para me segurar nas frestas entre os tijolos vermelhos. Quando eu começar, só eu ditarei quando isso termina.
Se eu for contra Deus, as irmãs disseram que ele me envia para o inferno. Eu não me importo, eu faço o que for preciso.
Eu mato Ele.
Terra vermelha
As luzes do dormitório ascenderam.
"HORA DAS BELAS ADORMECIDAS ACORDAREM!"
"Ah merda..." Alice não queria abrir os olhos, já que os berros da Revenante lembraram ela de onde ela estava.
"VOCÊS TÊM DEZ MINUTOS PARA ARRUMAR A CAMA E USAR O BANHEIRO. VINTE PARA O CAFÉ DA MANHÃ. APRESSESSEM! HOJE SERÁ UM DIA ESPECIAL."
"Espe... ciawwwl...?" Maya bocejou e mechas de seu cabelo desarrumado entraram em sua boca.
"Isso é só pra motivar as trouxas." Alice deu tapas em suas próprias bochechas para acordar de vez.
O congestionamento no túnel para o banheiro foi o prenúncio da disputa acirrada pelas torneiras e papéis higiênicos. Era uma regalia muito grande as irmãs terem um banheiro no outro andar só para elas.
Alice e Maya, que não conseguiu ficar na frente do espelho tempo o suficiente para ajeitar o cabelo, seguiram para o refeitório o quanto antes. Lá elas encontraram Madre atrás do balcão da cozinha, com o sorriso estampado em seu semblante sereno de sempre. Havia pão, frutas secas e pasta escura de levedura.
[E nada de carne. Que porra!]
Maya sorriu com a reação da amiga. [Eles querem que o café da manhã seja rápido mesmo.]
O que era mais estranho era o fato de Madre estar distribuindo cantis para todos. "Por favor, fiquem com isso."
Assim que o recebeu, Alice chacoalhou o cantil e abriu a tampa para sentir o cheiro. [Parece ser água, mas por quê?]
O cantil vinha com uma alça comprida para vestir, que Maya experimentou. [Talvez Revenante não mentira.]
Após o curto café da manhã, as duas garotas retornaram ao dormitório. Lá elas viram um grupo de noviças mais experientes, que já haviam voltado e estavam sentadas em algumas camas e conversando animadamente com Sortuda.
"Dizem que Generalíssima come sementes da aflição com leite no café da manhã," uma noviça disse.
Sortuda assentiu, enquanto acariciava o par de orelhas de coelho de um de seus revólveres de pêlo branco. "Hehe. Todo dia! Pode apostar nisso."
Então outra noviça disse, "Sabem por que é difícil encontrar a Walpurgisnatch? Porque ela vive se escondendo da Generalíssima!"
E mais uma falou, "Dizem que Generalíssima matou Katrina com um soco."
Confusa, uma noviça indagou, "Mas isso não é verdade?"
Acompanhada por uma colega. "É, eu não me lembro bem da história do Bastião de New Orleans, se foi com um soco... mas eu tenho certeza que foi com um único golpe!"
A noviça que havia mencionado o feito da líder ficou ponderou. "Hmmm... Olha, pelo que eu sei, ninguém vivo estava próximo de Katrina para ver como foi. Só que quando Generalíssima agiu, a bruxa foi derrotada em um instante."
"Ei! Ei! Eu tenho uma ótima!" Sortuda girava freneticamente o tambor do seu revólver. "Se Generalíssima chutar sua bunda pra lançar você pro outro lado do planeta, não se preocupe, ela tem todo o tempo do mundo pra chegar lá e ficar te esperando." Então ela apontou a arma para a própria cabeça e puxou o gatilho, o tambor parou em um clique e nada mais.
As noviças estremeceram e arregalaram os olhos.
A garota coelha franziu a testa. "Ué? Não gostaram?"
"Desculpe irmã..." Uma noviça olhou para as outras. "Eu acho todas nós ficamos nervosas por um momento."
"Mas por quê?" Sortuda puxou o gatilho mais duas vezes. "Vocês sabem quem eu sou."
Uma noviça, mais relaxada, sorriu. "É verdade, mas essa uma reação natural."
"Haha! Não se preocupem, a sorte tá sempre do meu la-" Sortuda sentiu seu revólver ser puxado violentamente, ao ponto dela perder o equilíbrio e se apoiar na cama onde estava sentada. Quando ergueu a cabeça, ela ficou boquiaberta.
Com uma expressão séria, Revenante estava apontando a arma, com dedo já no gatilho.
A coelha se jogou. "Mer-"
A mulher negra apertou o gatilho e arma disparou. A bala quase acertou Sortuda, fazendo um buraco no travesseiro.
As noviças pularam de susto. Alice e Maya voltaram a atenção para aquele grupo, sem idéia do que havia acabado de ocorrer.
Ainda boquiaberta, Sortuda olhou para a outra irmã. "TU TAIS DOIDA?! QUER ME MATAR?!"
"Se você realmente confiasse na sua sorte, você estaria mirando na sua gema," Revenante afirmou, enquanto deixava cair a arma sobre a cama, "não era pra você estar limpando a cozinha? Hoje as noviças ficarão comigo."
Sortuda guardou arma e ficou de pé. "Bem, não precisa ter pressa..."
Revenante deu um puxão pelo braço, forçando-a a andar em direção a saída.
No entanto, Sortuda ainda parou e se virou, sorrindo. "Sem ressentimentos." E enviou um beijo.
A mulher cruzou seus braços musculosos e fez uma cara ranzinza, arregalando os olhos.
A coelha acenou e caminhou de forma descontraída até a saída, balançando seu rabo.
"Criatura..." Revenante foi para o meio da sala, falando consigo mesma, "hora de engrossar a pele dessas dondocas..." Assim que ela chegou, ela bateu palmas e anunciou com uma voz forte, "Noviças! Eu quero que me sigam! Nós vamos sair agora."
Alice e Maya se entreolharam, A loira logo disse, "O que ela quer dizer com 'sair'?"
A mulher deixou a sala, com uma fila de noviças atrás dela. Elas atravessaram os túneis até chegar na escadaria em espiral que conectava com andar inferior.
Foi nesse momento que para as duas amigas aquele dia se tornou especial. Descer aquelas escadas não era proibido, mas estava longe de fazer parte da rotina diária.
Chegando no cruzamento de corredores, elas viram Madre e Generalíssima, ambas com expressão de satisfação.
Contudo, Maya reparou mais no homem ao lado das duas irmãs, que parecia ser um padre vestido de branco. Ela não tinha coragem de olhar nos olhos dele, mas reparou na sua gema vermelha. Nas primeiras vezes que tinha visto ele, ela não acreditou, realmente haviam garotos mágicos?
Generalíssima perguntou, "Explicou para as recém-chegadas o que vocês irão fazer?"
Revenante sorriu com aquela conversa ensaiada tantas vezes. "Eu vou deixar que a pele delas digam por mim."
"Há muitas delas dessa vez," Madre disse, "tenha cuidado."
Aquilo não estava no script, Revenante parou de sorrir. "Eu aposto que elas estão desejando fazer isso agora mesmo." Ela então olhou para homem, mas ele não expressou nada, não havia um sinal de interesse. "Ok, vamos." Ela foi para o largo corredor escuro.
As luzes do corredor foram acendendo de forma automática, provavelmente por um sensor de movimento. Era isso que Alie e Maya concluíram. A rampa era longa e íngreme, elas não tinham idéia de quanto haviam subido, mas já podiam avistar aonde chegariam.
Uma porta gigante, a maior que elas tinham visto na vida, reforçada com metal maciço. Aquilo devia facilmente resistir a uma grande explosão.
Revenante parou diante daquilo e se virou para as noviças. "Certo, vocês podem descansar por um momento enquanto resolvo algumas coisas."
Alice estava ansiosa e estava certa que sua melhor amiga também. Aquela porta era a saída, não tinha como não ser, e logo elas estariam vendo a luz do Sol.
Revenante enviou uma mensagem telepática. [Invasora, qual é a situação? Tudo limpo?]
A resposta veio quase antes dela terminar a frase. [Não há ninguém em um raio de mais de cem milhas. Sem satélites fotografando a região no momento, um satélite espião chinês virá daqui a dois dias.]
[Então nós temos tempo. Pode abrir agora.]
Algumas noviças se assustaram com o súbito ruído. Eram as trancas da porta que haviam sido liberadas. Diferente das outras, aquela porta não deslizou e sim abriu para fora lentamente, fazendo o chão vibrar e deixando entrar um ar frio.
Alice e Maya ficaram boquiabertas, franzindo o cenho. Fora a luz proveniente do corredor, não havia nada lá fora além de escuridão, mas não era noite, as duas garotas nem cogitaram isso, pois nunca viram uma noite ser tão escura quanto aquilo. Onde terminava concreto, o chão era de uma rocha lisa e úmida, com pequenas poças.
"Para as que estão saindo pela primeira vez," Revenante instruiu, "vocês devem ter reparado que o chão parece escorregadio e é mesmo, então sejam prudentes aonde pisam. Vamos!"
O que antes era ansiedade, virou hesitação quando Alice e Maya passaram pela porta.
"Vamos! Vamos!" Revenante desapareceu na escuridão. "Nós temos que nos afastar da porta."
Estava ficando impossível enxergar alguma coisa, as duas ficaram mais próximas uma da outra tendo apenas como referência as noviças próximas.
A luz que vinha atrás delas começou a enfraquecer. Maya se virou, a tempo de ter um vislumbre da porta se fechando.
Escuridão total. Com o silêncio, se podia ouvir o som de gotejar e a respiração das garotas.
[Segura a minha mão.]
Maya ouviu a voz de sua amiga e sentiu ser tocada. Sua mão rapidamente buscou se segurar naquilo. Ao mesmo tempo, uma luz branca ofuscante atingiu a sua face. A fonte não estava longe e estava balançando.
"Todas vocês, acendam as suas gemas," Revenante falou.
As duas amigas notaram que as noviças mais experientes já haviam obedecido aquela ordem, usando os anéis de suas mãos como lanternas. Elas nunca haviam feito algo assim, bastava desejar?
De fato, era isso.
Maya apontou sua luz azulada para onde elas tinham vindo, tentando evitar acertar o rosto de alguém. A luz revelou uma parede de rocha e nenhum indício de que ali havia aquela porta imensa. Ela apontou para cima e viu um teto irregular, com muitas estalactites.
"Antes de sairmos desse buraco, eu tenho um aviso," Revenante afirmou, "eu tenho apenas uma semente da aflição, e ela é pra mim. Portanto, não façam algo estúpido com as suas magias. Agora sigam a minha luz."
Maya e Alice viram a mulher apontar a luz para uma parede, onde havia uma grande fissura.
Assim que ela chegou lá, Revenante escalou a parede até a fissura e se arrastou para dentro dela. Outras noviças logo fizeram o mesmo.
"Nós temos que fazer isso?" Maya perguntou, levando a mão à boca ao se dar conta que tinha falado em voz alta.
"É, acho que sim..." Uma noviça que estava passando disse, preocupada.
"Eu vou primeiro," Alice respondeu, "você vem logo atrás de mim, ok?"
Maya assentiu e viu sua amiga escalar a parede.
Quando a loira chegou na fissura, ela parou e olhou para baixo.
Era vez dela. A parede era fria e muito úmida, força não era um problema para uma garota mágica, mas ter onde colocar as mãos e os pés ainda era um desafio. Maya não viu outra maneira além de apoiar o corpo todo contra a parede, arruinando o uniforme.
"Segura o meu braço que te puxo."
Maya aceitou o braço ofertado por Alice, porém foi puxada com tanta força que seu joelho se chocou na superfície dura. Ela segurou o grito de dor.
"Você tá bem?"
"Sim... vai."
Alice entrou na fissura e Maya só conseguia ver a sola das botas dela com a luz vindo de seu próprio anel. Ela a seguiu, se rastejando também.
O que elas temiam se concretizou. O caminho por aquele túnel estreito era longo. A rocha lisa ajudava no ato de rastejar, mas era difícil encontrar um ponto de apoio para conseguir um impulso.
O pior de tudo para Maya ainda era a escuridão. Na sua tentativa de encontrar algo para segurar com a mão, ela acabou a cortando em uma rocha afiada. Com o choque da dor, ela levantou a cabeça e bateu contra o teto. O cheiro de calcário se intensificou com a respiração ofegante.
A sola das botas que ela estava seguindo haviam desaparecido.
"Alice..." Ela não tinha fôlego para chamar por sua amiga, o ar devia estar acabando. O túnel parecia se estreitar ainda mais adiante, elas ficariam presas ali. Então ela sentiu alguém empurrar a sua perna, uma noviça.
"Vai!"
A palma da sua mão estava úmida com um líquido espesso, devia estar sangrando. "Não dá!"
[Vamos, suas molengas! Eu sou maior que vocês, se eu consigo passar, vocês também conseguem!]
A voz de Revenante soou em sua mente e a vontade de chorar lhe veio. "Não dá..."
[Maya!]
Era voz de sua amiga e ela viu a sola das botas novamente.
[Eu não conseguia mais ver a sua luz. Segura o meu pé.]
Maya se agarrou a ele e com isso conseguiu o impulso que lhe deu esperança.
Mais adiante, o túnel ficou mais largo, mas também mais íngreme, e a rocha lisa voltou a ser um obstáculo. A única forma de conseguir algum progresso era pressionando as costas contra a parede para conseguir mais atrito.
Começou a vir uma idéia na cabeça de Alice de que elas haviam morrido e estavam no purgatório, quando enxergou uma claridade no túnel, do qual se intensificou rapidamente ao vencer a distância. De repente, a noviça a sua frente foi puxada.
Nuvens e o azul claro.
Braços vieram e ela foi puxada. Alice sentiu primeiro a brisa refrescar o seu suor e depois calor do Sol banhando a sua pele. Quando soltaram os seus braços, ela apoiou a mão no solo avermelhado, com muitas rochas. Ela respirou fundo aquele ar fresco e engatinhou para dar espaço para sua amiga, só quando as noviças puxaram Maya é que ela resolveu ficar de pé.
Maya logo se levantou, agradecida por não bater a cabeça ao fazer isso. Contudo, ela constatou que estava completamente imunda, a camisa com pequenos rasgos e marcas de sangue. A palma de sua mão realmente havia sofrido um corte profundo e o sangue havia misturado com a terra, formando uma massa grudenta sobre a ferida.
Todos ali presentes estavam em situação similar, inclusive sua amiga Alice.
Inclusive Revenante. "Demoraram demais pra saírem desse buraco! O Sol já tá muito alto!"
Enquanto a irmã e mais algumas noviças escondiam a entrada do túnel com rochas e pedaços de arbustos, as duas amigas tentavam descobrir onde elas estavam.
Era um pequeno morro rochoso e para onde se enxergava havia uma vastidão de solo arenoso vermelho, com uma esparsa distribuição de arbustos.
Essa vista trouxe um certo conforto para Maya. "É o outback..."
"É... Não saímos do país." Alice usou o braço para fornecer uma sombra aos seus olhos. "Só que não tô vendo uma estrada ou construção. Realmente nós estamos onde Judas perdeu a barba." Então seus olhos se encontraram com os da garota pálida, Evie. Ela estava olhando na direção delas!
"OK!" Revenante chamou a atenção de todas as noviças. "Isso aqui foi só começo." Ela então apontou com o dedo. "Tão vendo aquele rochedo lá no horizonte? NÓS temos que tá lá antes do meio dia, a não ser que vocês preferem cozinhar seus cús nesse Sol."
Vendo a mulher negra descer o morro, já sendo seguida pelas noviças, Alice comentou para a sua amiga. [Vamos indo, talvez a gente ache algum sinal de civilização.]
O relevo daquele quase deserto não era desafiador, mas a distância a ser percorrida era grande e o Sol, que outrora havia sido um reencontro abençoado, castigava cada vez mais. Somando isso tudo com o esforço para sair da caverna, Maya sentia tanta sede que o seu cantil já estava meio vazio.
Com sua pele escura brilhando de suor, Revenante parecia não se importar, acelerou passo e começou a cantar, "INCUBATOR, VÁ SE FERRAR!"
"INCUBATOR, VÁ SE FERRAR!" As noviças mais experientes acompanharam a canção.
"INCUBATOR, VÁ SE FERRAR!"
"INCUBATOR, VÁ SE FERRAR!"
Maya olhou para a sua amiga e viu que ela também estava fazendo uma cara de vergonha alheia. Outras noviças estavam tapando a boca para esconder o riso. Aquilo era engraçado de tão estúpido.
"EU SOU UMA GAROTA FELIZ!"
"EU SOU UMA GAROTA FELIZ!"
"A IRMANDADE ME ACOLHEU!"
"A IRMANDADE ME ACOLHEU!"
"E MATO BRUXAS DE MONTÃO!"
"E MATO BRUXAS DE MONTÃO!"
"HEYYYAAA!"
"HEYYYAAA!"
"VÁ SE FERRAR!"
"VÁ SE FERRAR!"
"INCUBATOR, VÁ SE FERRAR!" Alice cantou o refrão. Era estúpido, mas era uma boa forma de desabafar.
"PAREM!" Revenante ergueu o braço para deixar claro que aquilo não era parte da música. Enquanto as noviças paravam, ela andou envolta de um arbusto com frutas. "Tomates selvagens. Venham e peguem."
As noviças cercaram o arbusto. Maya não teve tempo de pegar, mas viu que os tomates, alguns maduros enquanto outros nem tanto, eram pequenos como cerejas, engraçadinhos.
"Não comam eles ainda, são venenosos, precisa secá-los primeiro." A irmã instruiu elas enquanto todos voltavam a caminhar.
E uma nova música foi entoada.
"MINHA GEMA É MEU ORGULHO!"
"MINHA GEMA É MEU ORGULHO!"
"A IRMANDADE É O MEU PROPÓSITO!"
"A IRMANDADE É O MEU PROPÓSITO!"
"SOMOS COMO UMA ALMA!"
"SOMOS COMO UMA ALMA!"
"QUE BRILHAS MAIS QUE AS ESTRELAS!"
"QUE BRILHAS MAIS QUE AS ESTRELAS!"
"U,U, URRAH!"
"U,U, URRAH!"
O rochedo estava ainda distante, mas Maya agora estava certa de que ele era imenso. O cantil estava quase vazio e a vegetação seria mais densa adiante.
Novamente o grupo parou. Atrás de tantas noviças, Alice ficou nas pontas dos pés para ver o que estava acontecendo.
Revenante estava encarando uma serpente. Seus passos eram cuidadosos enquanto se aproximava do animal. Quando o bote aconteceu, a mulher pulou com uma agilidade incrível, e foi rápida e precisa para agarrar próximo da cabeça dele. Sem esperar um momento, ela torceu a cabeça da serpente e a arrancou. Depois, ela ergueu a sua própria cabeça e deixou o sangue do corpo de sua presa escorrer para dentro de sua boca.
Alice arregalou os olhos e Maya fez uma careta de nojo.
Satisfeita, Revenante mostrou o corpo ainda se debatendo para as noviças. "Carne pra hoje à noite." Ela lambeu os beiços ainda manchados de sangue. "O rio tá próximo agora."
O rio na verdade era um leito seco, com algumas poças.
"Podem descansar enquanto esperam as outras encherem os cantis. Quem for usar um arbusto pra fazer as necessidades, confere se tá vazio primeiro."
Alice chegou perto de uma poça e não gostou do que viu. "A água tá imunda à beça..."
Revenante passou por ela, dizendo, "Uma cólera ou parasita não é nada pra sua gema comparado com uma desidratação."
Maya seguiu a mulher negra com os olhos até ver ela parar de repente e se virar para uma noviça.
Revenante esbravejou, "Por que você não tá suando?!"
A noviça permaneceu em silêncio.
"Você usou magia pra não sentir calor?" A mulher colocou a mão na testa da garota. "Sua imbecil, seu cérebro tá fritando, isso vai custar caro pra sua gema. Há duas formas que uma garota mágica serve à Irmandade, lembre-se disso!"
Enquanto via Revenante empurrar a cabeça da garota e sair andando, Maya tentava compreender o que aquilo significava, ou aceitá-lo.
Após o 'rio', não houve mais nenhuma parada até o rochedo. O Sol estava a pino quando elas chegaram e a parede de rocha não fornecia muito abrigo.
Revenante olhou para o topo da parede. "Certo, vocês podem descansar um pouco, até o Sol se mover e termos uma sombra maior."
Mesmo sob as poucas sombras disponíveis, o calor era insuportável. Alice tomou um gole de seu cantil, o gosto da água barrenta era horrível, mas ela estava agradecida por isso, pois inibia ela de beber tudo de uma vez.
Maya puxou a gola de sua camisa para deixar entrar um ar. "Não encontramos nada."
"Ninguém vive nesse inferno, só essa Irmandade estúpida." Olhando para as outras noviças, Alice procurou pela garota pálida, buscando se contentar com o fato de que ela devia estar sofrendo também.
Na verdade, Evie não podia ser mais chamada de pálida, pois sua pele estava vermelha do Sol. Apesar disso, sua fisionomia era tranquila, sentada no chão sozinha, distante das outras noviças.
"O tempo de descanso acabou!" Revenante chamou a atenção de todas. "Nós vamos escalar agora."
Alice disse pra si mesma, "Eu sabia..."
Maya olhou para a gigantesca parede, franzindo o cenho. "Escalar?"
"Quando digo escalar, é escalar mesmo. Se eu ver uma garota voando ou pulando até o topo, eu vou atrás dela e vou esfregar a cara da infeliz no chão que a gente tá pisando agora!" Revenante assentiu e sorriu, mostrando o contraste de seus dentes em relação a sua pele. "Eu acho que as novatas já sacaram. Pra se tornar uma garota mágica forte, você precisa ser uma garota forte primeiro. Espero que seus desejos tenham valido a pena, pois a mamata acabou."
E todas começaram a subir a parede. Como na outra vez, Maya esperou Alice ir primeiro para segui-la.
A altura que elas precisavam escalar era preocupante, porém Maya se deu conta que não seria como na caverna. Não havia escuridão e a rocha estava seca e áspera. Não era difícil encontrar pontos para pôr a mão e o fato de uma garota mágica conseguir sustentar todo peso do corpo com um braço, sem esforço, tornava tudo mais fácil. Os únicos problemas eram a ferida na palma da mão que havia voltado a incomodar, e o estômago.
Alice estava preocupada, e impressionada com a velocidade com que Revenante havia escalado o rochedo. Enquanto ela e Maya nem haviam chegado na metade do caminho, a mulher já estava quase no topo. O pior era que Evie também estava indo bem. "Maya, nós temos que ir mais rápido. Eu não acho que elas vão esperar pela gente."
Ela viu sua amiga loira se arriscar mais para alcançar pontos mais altos com as mãos. "O-Ok..."
"Cuidado!"
"Hein?" Maya ouviu sua amiga e som de rochas caindo pela parede. Eram pedras pequenas, mas certamente podiam machucar. Então ela ouviu um grito vindo de cima, Ela olhou para ver o que era.
Um corpo de uma noviça caindo, então o impacto em sua face. Foi um instante para Maya notar que estava caindo também. Ela abriu os olhos e viu o chão aproximando. Não houve tempo para gritar, apenas o reflexo de se proteger com os braços, antes do choque. O lado direito de seu corpo foi o que atingiu primeiro e onde a dor era pior. Os olhos haviam fechado, um ato reflexo também, e ela não tinha coragem de abri-los, nem de respirar. Ela ouvia o som da brisa, uma calmaria, e se perguntou se o ferimento era grave. Lhe veio a mórbida idéia de morrer e seu corpo apodrecer ali, como a natureza pretendia. Ela logo descartou isso.
O som de outro impacto, o chão estremeceu um pouco, e alguém chamando.
"Maya! MAYA!"
Ela abriu os olhos e ergueu a cabeça, vendo as mãos de sua amiga Alice e a expressão desesperada dela.
"Consegue falar? Quebrou algo?! Onde tá doendo?"
A dor não era muito forte. Maya se moveu com cuidado e passou mão no lado direito de seu corpo. O braço estava ok e não parecia haver nenhum osso quebrado, nem sequer uma costela, um milagre se ela não fosse uma garota mágica. "Eu acho... que tô bem. Me ajuda a ficar de pé."
Alice a ajudou e ela procurou quem havia caído com ela.
"Desculpa..." A noviça ainda estava sentada no chão, arfando. A cartilagem da orelha havia quebrado e estava sangrando muito.
"VOLTEM A ESCALAR, AGORA!"
O grito da Revenante ecoou do topo do rochedo e a noviça ficou de pé, e foi para parede dizendo para as outras duas garotas, com toda a sua experiência, "É assim que é..."
Alice e Maya se entreolharam.
A subida não teve mais incidentes, mas foi lenta e cuidadosa, ninguém queria tomar o risco de perder todo o progresso novamente. Devido a isso, o resultado final não seria outro.
Quando finalmente as duas amigas rastejaram e rolaram os seus corpos sobre o solo do topo do rochedo, Revenante as aguardava, com os braços cruzados. "Congratulações, vocês foram as últimas. Como prêmio pelas suas performances, ninguém aqui teve o direito de descanso, então LEVANTEM-SE!"
Elas obedeceram. Alice olhou atravessado para a mulher.
"Eu sei que é a primeira vez de vocês duas, mas vocês acham que uma bruxa liga pra isso?" Revenante apontou para o que estava acontecendo atrás dela. "Ajudem a outras a limpar a área e preparar a fogueira. Isso tem que tá pronto ao anoitecer. Enquanto isso, eu estarei caçando algo mais pra nós comermos."
Alice viu a mulher ir até a beirada do precipício e dar um grande salto, aterrissando em um ponto distante. "Que cretina, por que ela não desceu escalando, hein?"
Maya não respondeu, estava absorta observando a paisagem. Ela encontrou o pequeno morro onde era a entrada da caverna e ela descobriu que havia um lago por perto, mas nenhuma construção ou estrada.
O Sol começava a se pôr, e um vento constante e cada vez mais frio era o prelúdio de como seria a noite. As noviças trabalham em conjunto para remover os arbustos e juntar galhos e folhas secas para a fogueira. Apesar de haver muito para fazer, Alice notou que aquela área não tinha uma vegetação tão densa quanto o resto do topo do rochedo. Provavelmente as outras noviças já haviam estado ali outras vezes.
Com pilha de galhos e folhas ficando grande, Maya se perguntou como o fogo seria feito. Ela se lembrou de um show na televisão onde esfregavam gravetos para isso, porém essa idéia se foi quando viu uma garota lançar faíscas vermelhas de sua gema.
Não havia mais Sol, apenas uma claridade no céu próximo do horizonte. O solo não estava mais quente e o vento fazia a pele arrepiar. As noviças ficavam os mais próximas possíveis do fogo, que era alimentado com mais galhos e folhas.
Sentindo-se fracas e com fome, Alice e Maya já haviam se conformados que iriam dormir ali.
"Uma boa fogueira, bom trabalho." Revenante surgiu da escuridão, carregando algumas folhas verdes e dois coelhos mortos. "Vejam o que eu trouxe, duas Sortudas!"
Poucas noviças chegaram a rir. Contudo, a atmosfera ficou mais animada. Maya estava feliz em saber que ela não havia trazido mais cobras.
Revenante deixou os corpos perto do fogo e se afastou. "Eu preparo eles depois, agora eu quero que vocês formem um grande círculo envolta de mim. Vocês podem sentar se quiserem."
Todas as noviças aceitaram a última sugestão. Com o círculo formado, Maya comentou com a sua amiga. [O que será? Um discurso?]
[Ela deve querer que a gente faça uma oração.] Alice olhou para Evie e seus olhos encontraram com os dela. Ela estava novamente olhando na direção delas!
"Agora eu quero que vocês tirem as suas roupas," Revenante disse.
Tanto Maya quanto Alice ficaram estupefatas, incertas de que haviam ouvido direito, até elas virem as outras noviças tirarem as camisas.
Revenante já havia tirado a camisa e estava baixando as calças. "Vamos! É pra tirar tudo, até os calçados."
Alice viu que Evie já estava pelada. "Merda..." Ainda relutante, ela começou a tirar a roupa, tentando encontrar uma justificativa para aquilo. Considerando o perfil religioso da organização, ela só podia concluir que era uma espécie de ritual de iniciação. Após tirar as botas e confirmar que a sua calcinha estava em um estado deplorável, ela se abraçou e foi ver como Maya estava.
A garota ainda estava completamente vestida. Apesar de estar segurando a camisa, fazendo menção que ia tirar, ela não se movia.
"Maya, Maya!" Alice a chamou, olhando de relance para Revenante. "Tem que tirar ou o bicho vai pegar."
Maya sussurrou, "Mas tá frio!"
Era tarde demais. A mulher negra viu e avançou em direção a noviça. "Por que ainda tá com a roupa?!"
Ouvindo a reprimenda, ela abaixou a cabeça.
"Você de novo..." Revenante chegou bem próxima dela. "Você gosta de sempre ser a última, noviça?"
Sem as roupas, a mulher era ainda mais intimidadora com os seus músculos, mesmo assim Alice tentou explicar, "Ela tá com frio, só espe-"
"Cala boca!" Revenante não tirava os olhos da garota vestida. "Não vai me responder? OLHA PRA MIM! LEVANTA ESSA CABEÇA!"
"COMO?" Maya estremeceu. "Com essa moita na minha cara..."
Revenante ergueu as sobrancelhas e chegou a ouvir uns risinhos vindo das noviças.
Devido a tensão, contudo, logo havia apenas o som do crepitar da fogueira.
A mulher perguntou para garota. "Qual é o seu nome?"
"Maya."
"Cocô de cachorro? Esse é o seu nome mesmo? Combina contigo."
"Hein?" Ela olhou para a mulher.
"Agora você levanta a cabeça..." Revenante pressionou os lábios. "Um cocôzão bem gordo, saindo pelo cu de um cachorro. Desses que dá desgosto de ver."
"Ei!" Alice tentou se levantar, mas foi interceptada facilmente pela mão da mulher.
"Senta!"
Como se fosse feita de papel, Alice foi jogada contra o chão.
"Parece que essa noviça quer sofrer mais que tu. Por que será? Ah, já sei..." Revenante sorriu para Maya. "Ela é a cadela que cagou você."
Algumas noviças não seguraram o riso. Esse não era caso de Evie, muito pelo contrário, ela observava o desenrolar da cena atentamente.
"Agora, cocô de cachorro..." Em um aspecto de fúria, a mulher arregalou os olhos e escancarou os dentes. "Tira essa roupa ou eu vou arrancá-la de você! E farei você voltar pelada pra base!"
Maya retirou rapidamente a camisa e, cabisbaixa, começou a tirar a calça.
"Eu não quero ver lágrimas por aqui." Revenante retornou ao centro do círculo.
Ainda sentindo o corpo dolorido, Alice perguntou para a sua amiga. [Você tá bem?]
[Sim.]
"Cocô de cachorro tava incomodada com a minha buceta peluda," Revenante disse para as noviças, "o que chega ser engraçado, pois bruxas eram garotas mágicas e a maioria das garotas mágicas são adolescentes. Nessa idade o que elas têm em mente? Dentro de barreiras, eu já me deparei com muitas 'expressões artísticas' de genitálias, mas isso nunca me distraiu." Ela ficou mais séria. "Se você se distrai, você morre."
A loira rangeu os dentes. [Ela vai pagar por isso.]
[Não, não vai. Ela muito forte, só de ver você já sabe disso.]
Ouvindo a sua amiga, Alice teve que admitir. Para piorar, ela notou que Evie estava mais uma vez olhando para elas.
A mulher foi até a pilha de galhos que estavam sendo usados para alimentar a fogueira e pegou um. "Mas não é por isso que estamos peladas." Ela retornou até onde as noviças estavam e começou a desenhar um círculo no chão. "As pessoas começaram a usar roupas pra se protegerem, elas se sentiam vulneráveis. É isso que eu quero que vocês sintam. O frio, o chão duro, os insetos..." Depois de terminar, ela ergueu o braço com o galho, apontando para o céu estrelado. "Com o universo sobre nossas cabeças para lembrar o quão pequenas e frágeis nós somos. O mesmo pode se dizer pra nossas almas, não importa o quão poderosa seja a garota mágica. Se entenderem isso, talvez vocês consigam chegar na minha idade." Ela observou por um momento a reação das novas noviças e deixou o círculo que havia desenhado. "A regra é simples, duas noviças entram no círculo, só uma permanece dentro dele. Feitiços e armas tão proibidos, não ouse me tapear, mas fortalecer os seus corpos com magia é permitido."
"Ela quer que a gente lute?" Maya pensou em voz alta, horrorizada, a noite estava ficando pior.
Alice também não havia gostado, imaginando quando poderiam comer. Contudo, ela sentiu uma oportunidade. Ela olhou de relance para Evie.
Naquele momento, a garota pálida estava prestando atenção na irmã, carregando na face a expressão apática de sempre.
"Você, e você." Revenante apontou para duas noviças experientes. "Mostrem pras novatas como é que se faz."
Maya viu as duas garotas entrarem no círculo. As duas estavam sorrindo, deviam estar acostumadas com aquilo. Sem nenhum aviso de início da luta, as duas se engalfinharam, cada uma tentando empurrar a outra para fora do círculo. Com o impasse, uma das garotas resolveu pular...
Assim como a sua amiga, Alice perdeu a duas de lutadoras de vista. O pulo foi tão alto que elas desapareceram no céu.
Olhando para cima, Revenante não estava nem um pouco impressionada.
De repente um baque no solo.
"Ahh!" Maya se assustou com a noviça caída no chão, notando tardiamente que a outra também teve o mesmo destino. Nenhuma terminou dentro do círculo.
Revenante deu o seu veredito. "Ambas perderam."
As duas lutadoras se levantaram com alguma dificuldade, mas sorriram uma para outra em sinal de camaradagem.
"Em uma situação de vida e morte não existe empate." A mulher negra apontou para outras duas noviças.
Ciente que uma hora chegaria a vez dela, Maya balançou a cabeça. "Não, eu não vou fazer isso..."
[Você consegue.] Alice a encorajou. [Nós não temos escolha.]
As lutas continuaram. Quando se definia o vencedor, não havia uma comemoração, apenas um gesto de aprovação de Revenante antes de selecionar as duas novas contendoras.
"Você..."
O coração de Alice acelerou ao ver mulher apontando para ela. Ela ficou de pé, olhando para Evie.
A garota pálida trocou olhares com ela, mas logo seu interesse estava voltado em Maya.
A garota de pele escura sentiu um certo receio.
Já Alice quase não conseguia segurar sua ansiedade, tentando não sorrir em tom de desafio.
"E você."
Outra noviça se levantou e se dirigiu ao círculo, para o desapontamento de Alice.
"Vamos!" Revenante bateu palmas. "Isso aqui não é pra levar a noite toda!"
Alice já havia entendido que a luta começava assim que ela entrasse no círculo. A noviça que ela iria enfrentar tinha um corpo maior, era mais pesada. Nada disso mais importava, apenas raiva, de não poder lutar com Evie, de não poder andar de trator com o papai, de não poder sentir o cheiro da madeira cortada, de ver as árvores crescerem. Raiva, especialmente, de ver Maya sofrer por causa daquela estúpida Irmandade.
A noviça ficou surpresa com a fúria que a loira veio correndo para cima dela. Ainda assim, ela estava preparada, com a gema em seu anel brilhando.
Alice colidiu contra ela usando o ombro, mas foi como se chocasse contra uma rocha. Com ombro dolorido, ela recuou e a sua adversária aproveitou a oportunidade para empurrá-la. Alice fez a sua gema brilhar mais ainda, mas estava sem equilíbrio e perdendo terreno rapidamente.
"Não adianta!" a noviça disse, "você só tá gastando magia atoa."
"FODA-SE!" Aproveitando-se a da baixa estatura, Alice alcançou e pegou por baixo da virilha de sua adversária. "AAAAHHHH!"
A noviça arregalou os olhos quando os seus pés não puderam mais sentir o chão.
"AAHH! AAAAHHHH!" Com corpo de sua adversária erguido sobre a sua cabeça, Alice correu e a arremessou contra quem ela queria compartilhar todos aqueles sentimentos das últimas semanas.
A noviça voou em direção aonde estava Evie. Ela e as noviças próximas conseguiram segurá-la sem dificuldade.
Com os punhos cerrados, Alice dessa vez não escondeu o sorriso enquanto olhava para ela.
Evie permaneceu apática. Ela olhou para loira e quase de imediato passou a olhar para a outra que estava sentada.
Maya virou a cara.
"Ah, nós temos uma guerreira aqui." Revenante empurrou Alice. "Só precisa aprender a voltar ao seu lugar. O que nós fazemos não é por glória, mas uma obrigação..." Ela então voltou a sua atenção para uma velha conhecida. "Evie, quer ir agora?"
A garota pálida se levantou.
Com um gesto, Revenante chamou outra noviça ao círculo.
Alice já havia sentando quando notou que a noviça olhava intensamente para Evie. Ela também devia ter contas para acertar.
A duas entraram na área demarcada e começaram a andar em círculos, uma analisando a outra e fingindo que partiriam para cima, buscando um erro do adversário.
Evie tomou a iniciativa ofensiva, mas parou no meio do caminho, já esperando o contra-ataque.
A noviça avançou com os braços à frente, mostrando a intenção de empurrar, mas era apenas um engodo para esconder sua verdadeira arma: um chute na canela.
Evie estava prestando atenção. Ela tirou o pé de apoio, ou o golpe fortalecido com magia quebraria a sua perna.
A noviça pressionou o ataque, improvisando o próprio corpo para empurrá-la.
Dando um longo passo para trás, Evie conseguiu evitar a maior parte do impacto, ciente de que a luta seria decidida nas próximas frações de segundos.
Com a mão como se fosse um bico de pássaro, a noviça deu um bote certeiro visando o olho de sua oponente.
Evie pendeu a cabeça de lado e sentiu a dor súbita de sua bochecha sendo cortada por uma unha. Isso só aumentou o seu foco, notando que a sua oponente estava sendo negligente com o braço que ela não havia usado no ataque. Ela o segurou e o torceu.
Era vez da noviça sentir dor. Ela olhou para a fonte disso e sentiu uma mão segurar o seu pescoço. Ela arregalou os olhos para a sua adversária.
Com o rosto ensanguentado, Evie não mostrava mais do que apatia. O duelo havia terminado, seu polegar pressionou a jugular.
A noviça tentou retribuir o gesto, mas não conseguia pois a outra garota havia abaixado a cabeça. Como último recurso, ela começou a socar violentamente.
Os golpes sempre acertavam a cabeça, mas Evie já havia bloqueado toda a dor e se manteve firme, até ver a sua opoente revirar os olhos e seu corpo desfalecer. Ela não a deixou cair no chão, ela rapidamente a carregou e deixou fora do círculo.
A noviça puxou ar pela boca e seus olhos retornaram ao normal, olhando para a vitoriosa.
"Ela tá bem..." Evie disse.
"Você foi lenta dessa vez," Revenante comentou, "ela te deu trabalho."
"Ela foi bem." Com sangue agora também saindo pelo nariz e ouvido, Evie retornou ao seu lugar.
[Ela também é forte.] Maya disse para a sua amiga.
Alice não respondeu, imaginando se sairia melhor.
Comparado com a de Evie, os duelos que se sucederam eram brincadeira de criança. Nada disso deixava Maya mais relaxada.
"Cocô de cachorro, vem!"
Com o inevitável, ela se levantou.
[Você consegue.]
Nessas horas, o encorajamento de sua melhor amiga era tão doloroso. Lentamente, Maya se aproximou do círculo. A noviça que ela teria que encarar era baixa, com o corpo ainda pré-pubescente, os braços e a pernas eram bem finos.
"Entra logo, cocô de cachorro."
As duas entraram no círculo ao mesmo tempo. Maya viu que a garotinha estava receosa. Ela devia ser uma refugiada também, e agora estava suja, cansada, com frio e com fome.
A noviça começou se aproximar, com os braços prontos para empurrar.
Maya ergueu os braços também, mas continuou onde estava.
Fazendo uma careta, a noviça inclinou o corpo para alcançar a adversária.
Maya recolheu os braços para proteger o corpo e, para sua surpresa, aquele 'leve' empurrão tirou os seus pés do chão. Quando tentou pisar de novo, ela só viu as estrelas e sentiu as costas bater contra algo duro.
"QUE PORRA QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?!"
As estrelas foram cobertas pela face furiosa de Revenante. Maya ergueu o torso e se viu fora do círculo.
"COCÔ DE CACHORRO! Eu tô te perguntando, que porra foi ESSA?"
Maya olhou para a noviça dentro do círculo. "Ela é uma criança..."
"É isso?" Revenante disse, incrédula, "então se uma bruxa tiver a aparência de uma criança, você deixa ela matar você."
Maya franziu o cenho. "Não, não foi isso que eu di-"
"COMO É QUE VOCÊ AINDA TÁ VIVA?!"
Evie, que estava assistindo a bronca da Revenante, prestando bastante atenção na reação da novata, notou que Alice havia ficado de pé.
Maya olhou para a sua amiga, vendo que ela estava de punhos cerrados e ansiosa em agir. Quando trocaram olhares, ela balançou levemente a cabeça, parecia mais um tremor.
Alice rangeu os dentes e olhou para baixo, antes de relaxar os punhos e voltar a sentar.
A noviça vitoriosa não estava muito feliz com aquela repercussão. "Desculpa..."
Ao ouvir aquilo, Revenante se virou para ela.
Sob aquele olhar intenso, a noviça ficou paralisada.
Em um súbito movimento, a mulher negra preparou um soco.
A garotinha se encolheu e usou os braços para se proteger, mas a pancada foi tão forte que ela foi a nocaute, seu corpo ficou imóvel no chão.
"Quê?!" Maya arregalou os olhos. "VOCÊ É MALUCA!"
"Você não queria que ela se machucasse, né?" Revenante olhou para ela. "Pois bem, é isso o que acontece quando você FALHA."
A noviça começou a mover a face, sua boca estava sangrando e lágrimas desceram pelos olhos ainda fechados.
Maya notou e ficou de pé para ir até ela.
Revenante interviu. "Volta pro teu lugar, cocô de cachorro."
"Teu cú que eu vou!"
O empurrão lançou Revenante para longe, mas a mulher manteve-se de pé com o seu semblante firme.
Maya também tinha similar expressão, mas logo deixou isso de lado para ajudar a outra noviça ficar de pé.
Passando a língua no sangue que ainda escorria do nariz, a apatia de Evie passou a ser um sorriso malicioso.
Assistindo Maya levar a outra noviça de volta ao lugar dela, Revenante assentiu e apontou para outras duas garotas. "Certo! Eu quero você e você no círculo. Eu não vou esquecer de ninguém, hein?"
Houve algumas poucas lutas a mais até que todas noviças tivessem participado.
"Quem quiser lutar de novo fique à vontade." Revenante invocou uma pequena lâmina, feito de um material metálico verde, em sua mão. "Eu vou preparar a carne. Alguém ajuda com a secagem dos tomates."
Enquanto a irmã tirava a pele e as tripas dos coelhos e da cobra, algumas noviças usaram galhos como espetos para os tomates e levaram eles até a fogueira.
Alice estava preocupada com a sua amiga. Depois de ajudar a noviça, ela estava muito quieta e com um olhar perdido. "Você tá bem?"
As mãos de Maya tremiam. "Estou com fome..."
As noviças trouxeram os tomates, quentes e murchos. Mesmo sendo pequenos, cada noviça só podia comer um pedaço ou não sobraria para todos.
Alice sentiu o cheiro e sua boca salivou de pronto, ela pegou um pedaço que desmanchou em sua mão. Ela não se importou muito com isso e o lambeu. O sabor era forte, azedo seguido de um fundo amargo, não era como o do supermercado, mas era como se fosse o melhor que ela já tivesse comido em sua vida.
Também usando galhos como espetos, Revenante já estava assando a carne. O primeiro que ficou pronto foi a serpente, do qual a mulher comeu boa parte dele, oferecendo o resto para as mais corajosas e famintas que se aproximaram. Quando os coelhos ficaram prontos, ela os levou para o resto do grupo. "Depois de comerem vocês podem ir dormir. Quem quiser mais, sirvam-se." Ela apontou para a pilha de tripas no chão.
O tamanho dos coelhos era modesto e, assim como foi com os tomates, cada garota só tinha o direito a uma pequena parte.
Quando Maya recebeu um pedaço, ela não sabia ao certo de que parte do animal era. Estava chamuscado, com alguns pedaços de folhas grudados na superfície, o cheiro não era dos melhores. Quando colocou na boca, sentiu o gosto de sangue misturado com fumaça, as folhas que supostamente serviam de tempero não ajudavam muito. Contudo, a carne estava macia e quando pedaço quente desceu pela garganta, trouxe uma esperança comparável a uma semente da aflição sendo usada em sua gema.
Depois de comer a sua parte, Alice resolveu checar Evie. A garota pálida havia colocado a calça dela bem dobrada sobre o par de botas, improvisando um travesseiro, e a camisa iria ser o cobertor ou o colchão. A loira, então, notou outra coisa. "Ei, você viu a Revenante?"
"Não..." Maya franziu a testa, compreendendo a preocupação de sua amiga. "A última vez que vi ela foi quando ela trouxe a carne."
Uma noviça estava passando na frente delas.
Era a vizinha de cama da Alice, ela a chamou, "Ei, cadê a Revenante?"
Com sobrancelhas erguidas, a noviça olhou para elas e depois olhou envolta. "Ah, ela deve ter ido conversar com Deus."
Alice fez uma careta. "Quê?"
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Sentada no ponto mais alto do rochedo, com os contornos de sua pele negra reluzindo com a luz das estrelas, Revenante contemplava o horizonte. Ela estava certa de que a o fraco leque de luz que ela podia enxergar era de uma vila há mais de uma centena de milhas de distância.
Um movimento no céu chamou-lhe a atenção. Era uma estrela cadente, desenhando uma efêmera linha na complexa arte da Via-Láctea e do infinito.
"São tantas garotas que estão sob o meu cuidado."
Ela sorriu, apesar do vento frio batendo em suas costas.
"Eu aprendi tanto contigo e ainda assim estou com medo."
Ela ergueu a mão e fingiu que os luzeiros no céu eram como uma nuvem de glitter flutuando no ar. Tudo seria mais fácil de alcançar.
"Eu não irei falhar nessa missão, eu não irei falhar contigo..."
Revenante deixou o braço cair e abraçou as próprias pernas, encostando a testa contra os joelhos e sussurrando, "Eu sinto saudade de ti..."
Ela retornou aonde estava as noviças. A fogueira estava extinguindo e, para enfrentar o frio, muitas garotas dormiam abraçadas umas às outras. Caminhando com cuidado entre elas, a mulher chegou aonde havia deixado as suas roupas e pegou a semente da aflição que estava no bolso da calça, e então passou a procurar por aquelas que mais necessitavam.
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"ACORDEM, PARA DE PREGUIÇA!"
A manhã ainda estava para chegar quando todas se vestiram e saltaram do rochedo. Elas fizeram o caminho de volta, atravessando o 'rio' e cantarolando entre os arbustos que deixavam para trás.
Elas levaram menos tempo. Sem uma pausa, Revenante obrigou as noviças a entrarem na caverna. "Eu vou por último para esconder o buraco."
Com uma noite mal dormida e sem café da manhã, Maya e Alice tiveram que dar adeus ao Sol para desbravar a escuridão naquele ambiente duro, ao menos agora era uma descida.
As noviças que iam chegando no salão grande da caverna aguardavam pelas luzes das outras que ainda estavam para chegar.
Especialmente a luz branca da gema da Revenante. "Ok, fiquem paradas enquanto eu contato a Irmandade."
Maya e Alice apontaram as luzes delas para verem a mulher se aproximar de uma parede.
[Invasora? Eu estou com as nossas noviças aqui. Alguém nos viu?]
A resposta veio logo.
[Bom dia. Nem eu estava sabendo que vocês haviam chegado.]
[Ótimo.] Revenante se afastou da parede. [Estamos prontas para entrar.]
Todos ouviram o som abafado, mas reconhecível, das travas e então a parede se moveu. As luzes do túnel acenderam, revelando a longa rampa descendente.
"Nós podemos apagar as nossas gemas agora." Revenante liderou elas.
Quando chegaram no cruzamento de corredores da base, Madre estava lá.
Revenante se separou do grupo, apontando para escadaria que subia. "Vão tomar banho antes de ir ao refeitório. Eu aposto que ninguém mais vai reclamar da comida daqui."
Madre acompanhou a irmã. "Todas estão bem? Algumas estão manchadas de sangue."
"Elas tão melhor do que saíram." A mulher negra entrou no banheiro.
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Após o muito bem-vindo banho, Maya foi até o seu armário para se secar. Conveniente, alguém já havia deixado uniformes novos e uma cesta para as roupas sujas e danificadas. Ela se perguntou se tinha sido Madre.
Ela não teve mais tempo para pensar nisso, pois alguém a puxou pelo ombro.
Era Evie. "Por que você fica agindo assim?"
Maya arregalou os olhos. "Hã?"
"Isso não vai funcionar comigo." E a garota pálida demonstrava estar sendo séria com a sua falta de apatia.
Alice empurrou Evie, ficando na frente de Maya.
"Eu já esperava por isso." O olhar roxo ficou mais intenso enquanto ela abria um sorriso para loira. "Você não consegue resistir, né?"
Alice levantou o queixo. "Por que tu não cuida da tua vida, hein?"
"Por que você vive protegendo ela?" A voz de Evie ficou mais suave. "Já se perguntou disso?"
"Nossa, que pergunta difícil..." Alice também sorriu, um sorriso sarcástico. "Deve ser porque eu AINDA tenho uma amiga pra proteger."
O sorriso de Evie se foi enquanto uma luz roxa envolveu o seu corpo, chamando a atenção das noviças que ainda ignoravam aquela briga. Quando a luz se dissipou, ela vestia uma jaqueta preta sem manga, com um grande estampado roxo na parte inferior que lembravam gotas atingindo uma superfície líquida. A jaqueta estava aberta e ela não vestia nada por baixo, nem mesmo um sutiã, mas não que ela tivesse muito para mostrar. Ela usava botas pretas de cano longo, fechados com zíper, e uma calça legging brilhosa, com tema xadrez roxa e preta, com uma gema roxa com o formato de uma estrela de quatro pontas na altura da cintura. Seus antebraços eram cobertos por braçadeiras de tecido negro.
Algumas noviças começaram a deixar o banheiro com pressa.
"Uuuuhhh..." A loira ergueu uma sobrancelha. "Doeu, né?"
"A-Alice?" Maya chamou, preocupada.
"Relaxa, ela quer ganhar no susto."
Balançando a cabeça em descrédito, Evie falou, "Sério, você já matou uma garota mágica?"
"Se eu já matei?" Alice deu de ombros. "Bem, pelo o que a Irmandade diz, eu já matei um monte."
"Você sabe que não é disso que tô falando."
"É, eu tenho que admitir, eu nunca matei alguém, mas..." Um flash de luz amarela e Alice estava usando um capacete de obras amarelo, com uma faixa preta que começava da viseira até metade do caminho até o topo. Usava uma camisa branca de manga curta e de gola justa, com uma faixa preta que começava na gola e passava entre os seios, terminado um pouco abaixo deles. A camisa era curta e deixava a barriga de fora, contudo, havia inúmeras correntes que conectavam a camisa com a calça amarela, onde a corrente que cobria o umbigo tinha uma placa de metal contendo uma gema quadrada de tom mostarda. A calça tinha uma faixa preta em cada coxa e joelho, lembrando de um ponto de exclamação, e nas faixas haviam vários cortes no tecido, expondo a pele. Ela calçava um moderno par de tênis com velcro. Em seu pulso esquerdo havia um bracelete e uma luz envolveu seu antebraço direito, materializando-se uma motosserra. "Você tá fazendo isso ficar muito, muito fácil."
Maya levantou a voz. "Alice! Não!"
Evie pendeu a cabeça de lado, sorrindo e olhando para a garota de pele escura. "Você pode pôr um fim nisso."
Maya desviou o olhar.
A garota pálida novamente parou de sorrir. "Ou você não consegue?"
"Ei!" Alice apontou para si mesma. "Essa briga é comigo, sua fracassada."
Evie ficou boquiaberta e piscando os olhos. "Eu já fui chamada de muita coisa, mas fracassada?"
"É, eu tô sabendo da sua história. Perdeu uma guerra e tá aqui há um bom tempo como noviça." Alice assentiu. "Agora você fica descontando as suas frustrações nos outros."
"Sua idiota sem cérebro, isso aqui não é escola não," Evie disse, sem demonstrar muita raiva, "a Irmandade escolhe as irmãs baseado no que elas precisam, mais do que qualquer outra coisa. Essa crise com bruxas travestidas como garotas mágicas é a oportunidade perfeita pra mim."
"Aham..." Alice assentiu mais uma vez. "E eu aposto que o seu nome de irmã seria Víbora."
Evie paralisou por um momento e então sorriu. "Isso não era pra ser um segredo mesmo..." Acima de suas braçadeiras começou a surgir um enxame de pequenos dardos roxos de energia, que começaram a rotacionar com grande velocidade envolta de seus antebraços.
"É... Chega de papo." Alice acionou a sua motosserra, que produzia apenas o som da corrente.
"Não..." Maya não via outra alternativa para parar aquela loucura além de gritar, mas quando tentou, sua voz foi anulada por um som explosivo.
Poeira e pedregulhos atingiram a face de Alice, que não teve nenhuma chance de evitar. "Ah... Cof! Cof! Mas que merda?!" Quando a nuvem de poeira foi baixando, ela viu que agora havia uma barra de metal verde entre ela e Evie. Aquilo estava fincado na parede de concreto, formando grandes rachaduras.
Não, não era uma barra, mas uma azagaia. Em sua superfície havia gravuras que pareciam ser faces em agonia. Quando a arma evaporou, todas olharam para onde ela havia sido lançada.
Revenante estava usando um largo colar de ossos cilíndricos e era a única coisa que cobria o seu torso. Ela vestia uma saia metálica verde com detalhes em tom de cobre, não parecia ser muito flexível e sua superfície lisa refletia o ambiente a sua volta. A saia tinha uma grande abertura no centro, até a altura da coxa, permitindo ver o espaço entre as pernas. Ela estava descalça, mas havia braceletes de cobre nos tornozelos, assim como nos pulsos no pescoço. Um adorno, também de cobre, cobria parcialmente a metade do topo de sua cabeça onde o cabelo estava raspado.
Evie fez os seus dardos desaparecerem.
Mesmo assim, Revenante se aproximou com um olhar furioso para ela.
A garota pálida não baixou a cabeça e nem desviou olhar, mesmo quando a mulher musculosa estava respirando nela e a empurrando apenas com o seu corpo.
Revenante rangeu os dentes e falou, quase como um sussurro, "Você me desaponta..."
Alice sorriu. A mulher negra dava duas Evie, não, três.
Revenante olhou para trás. "Por que ainda tá com a tua arma? Tá grudado no teu braço? Vou ter que arrancá-lo?"
A loira se desfez de sua motosserra, mas a tensão só aumentou quando a mulher ficou na sua frente. "F-Foi ela que começAAHHH!"
Mesmo com sua amiga sendo puxada violentamente pela camisa, Maya não ousou dizer uma palavra sequer.
Revenante colocou Alice e Evie face a face e deu um passo para trás. "Agora peçam desculpas uma para a outra."
Alice fez uma careta para a irmã, duvidando do que havia acabado de ouvir. "Como é?! Eu não vou pedir desculpas pra essa prepotente, uma desqualificada que só sabe incomodar! Não dá!"
"Desculpa, Alice."
A loira olhou para Evie, reforçando a sua careta de desgosto.
Coma a sua cara apática, ela continuou, "Eu acabei me deixando levar pelo momento e com as suas bravatas, mas eu realmente não tenho nada contra ti. Eu espero ser a sua amiga de verdade um dia."
"Parece que ela consegue." Revenante cruzou os braços, olhando para Alice. "E é isso que esperamos na Irmandade."
"Foda-se a Irmandade!" Alice esbravejou, "a gente não veio aqui pra fazer parte do seu grupinho de fanáticos."
"Você não entendeu nada mesmo..." Revenante pressionou os lábios, contendo a raiva. "A Irmandade não é uma organização, nem um lugar."
Alice franziu a testa e balançou a cabeça.
"Se uma bruxa aparecer e vocês tiverem que depender uma da outra, vocês duas serão a Irmandade!" Revenante puxou o cabelo de Evie e Alice, trazendo as duas para perto de sua face. Com os olhos arregalados, ela disse, "Se querem odiar alguém, odeiem A MIM!"
As duas garotas foram lançadas contra a parede como bonecas de pano e estatelaram-se no chão.
Revenante trocou um último olhar com Maya, que estava como se estivesse com pés pregados no chão, antes de se virar e sair.
"Eu aguento."
Próximo capítulo: Inconfidência
