Eu consegui.
Após o banho com leite de carneiro, as aias estão esfregando cada parte do meu corpo com pedra lixa. Minha pele precisa estar perfeita para a consumação do casamento.
O cortejo foi tão magnifico, eu estou certa de que os outros que ele fez nunca foram tão grandiosos. Eram tantos elefantes, cada um com uma decoração diferente, luxuosa e colorida. Centenas de músicos tocavam enquanto eu estava ao lado do meu esposo, acenando para o povo do reino do qual eu não fazia mais parte.
Minha mãe estava muito satisfeita, agora ela poderá visitar o palácio e fazer parte da nobreza. Ela me preparou para esse momento desde quando eu ainda era uma criança e ele apenas o sucessor.
Agora estou na frente do maior espelho de prata que já vi, com moldura de ouro de pedras preciosas, e que agora era meu. Eu podia ver o meu corpo inteiro enquanto as aias passavam unguento perfumado em mim. Elas sorriem, sabem que a nova mulher dele é bela.
Contudo, o mais importante, além da virgindade, é o sorriso simples e ingênuo. Minha mãe disse que se o homem é uma árvore, a mulher é a vinha que se enrosca em seu tronco, dia após dia, até possuí-lo completamente. Eu ia até o rio carregando uma cânfora, sempre na mesma hora do dia, esperando a oportunidade de vê-lo cavalgando no outro lado, esperando que ele visse esse sorriso que se reflete no espelho agora.
Minha mãe me ensinou bem, mas aonde as ambições delas terminam, a minha apenas começa. Jóias e braceletes me adornam, um diadema com um véu transparente cobre meu corpo seminu, eu estou pronta.
Ele é considerado deus nesse reino, mas eu me deitarei com um homem. Sua força é tão grande quanto a sua insegurança. No meu caminho até o quarto onde devo esperar por ele, eu sou escoltada por guardas. As mesmas lâminas que mantém esse reino podem derrubá-lo. Serei sua confidente, ele encontrará no meu colo a segurança que ele não tem em seu trono.
Eu fico sozinha no quarto e me deito nas inúmeras almofadas, uma mais confortável que a outra. Há vinho, frutas frescas, e o ar tomado pelo aroma de incenso, tudo o que precisamos para passar a noite inteira.
Segundo o que a minha mãe disse, quando ela era jovem ela viu reinos e deuses desaparecerem. Tudo o que parece eterno e verdadeiro, muda ou morre. Essa é a única verdade que não muda? Se eu tiver filhos, a minha linhagem talvez sobreviva mais que esse reino, mas será a história deles, a minha terá sido esquecida...
Por hora, eu preciso que essa noite seja a mais inesquecível para ele do que para mim. Ele esquecerá as outras esposas, suas proles serão negligenciadas. Ele terá em mim o amor que sempre buscou.
Ele terá o meu corpo e eu terei a sua alma.
Inconfidência
Madre abriu os olhos na escuridão, para mais um dia. Ela deixou o colchão e acendeu a luz.
Seu pequeno quarto era quase desprovido de tudo, suas roupas e objetos pessoais ficavam no banheiro comum para as irmãs. Na parede havia um pequeno espelho e uma cruz antiga, parcialmente queimada.
Ela ficou de frente àquele objeto e fez o sinal da cruz. Depois ela juntou as mãos, enroladas pelo seu rosário vermelho. Agradeceu por mais um dia viva, ela tinha uma missão muito especial para cumprir.
Ela deixou o quarto para ir ao banheiro. As luzes do corredor se acenderam automaticamente, havia um bom tempo que ninguém havia passado por ali, era provável que ela tinha sido a primeira a acordar.
"...santificato..."
Ela ouviu a voz abafada vindo de uma porta de metal que ela estava passando, era o quarto de Inquisidor. Madre se aproximou da porta e olhou para os dois lados para confirmar que estava realmente sozinha no corredor, então ela aproximou o ouvido à superfície fria do metal.
"...i rimetti a noi i nostri debiti, come noi li remittiamo ai nostri debitori, e non c'indurre in tentazione, ma libraci dal male. Così sia."
Madre se afastou da porta e, com um sorriso, ela continuou com a sua rotina.
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Em sua poltrona confortável, seus olhos refletindo as luzes das telas, Invasora acompanhava a movimentação das noviças e irmãs pelas câmeras de segurança.
O horário do almoço se aproximava e a maioria das noviças já estavam no refeitório, colocando as mesas e cadeiras. Enquanto isso, Sortuda e Revenante estavam na cozinha.
Normalmente, Madre também estaria, mas naquela hora ela estava na sala de aula, aparentemente preparando a lição do dia.
Inquisidor estava no andar do meio, mais especificamente na sala de estoque. Ele estava carregando uma prancheta e abrindo caixas para ver o que estava dentro.
O andar mais baixo estava quieto como de costume, Matryoshka estava na sala de controle do reator e Nano devia estar trabalhando no projeto.
E Generalíssima estava prestes a chegar.
A porta de metal abriu e Invasora ouviu os passos. Ela olhou de relance, vendo a mulher de cabelos rosa escuro. "O que você precisa?"
"Willa," Generalíssima disse, "algum sinal veio dela?"
Invasora balançou a cabeça, "Não, se ao menos houvesse uma tentativa de transmissão, eu teria te avisado."
Generalíssima olhou para a miríade de telas, "Como está a situação lá fora?
Invasora assentiu e sua gema no topo da sua cabeça brilhou.
As imagens das câmeras de segurança foram substituídas por canais de televisão de várias partes do mundo.
Notícias, filmes, novelas, eventos esportivos, desenhos animados... Nada escapava dos olhos gelados da bailarina azul. "Tudo parece normal e eu ainda acho isso estranho."
"Ainda que Irmandade seja a maior organização da história conhecida, nós ainda representamos uma parcela pequena das garotas mágicas do mundo," a voz Generalíssima ficou mais melancólica, "elas estão por aí, sozinhas, defendendo seus lares contra essas aberrações. Além do mais, Incubator tem feito poucos contratos nesse último ano, então a população de bruxas não cresceu em demasia."
"Falando sobre garotas..." Invasora fez com que as telas mostrassem apenas notícias sobre aquele assunto. "Houve um aumento de garotas desaparecidas que retornaram para as suas famílias. Todas elas contaram para as autoridades uma história similar, elas haviam deixados as suas casas devido a um desafio postado nas redes sociais. Há imagens desses posts."
"Forjado?" Generalíssima inquiriu.
Invasora pegou o seu rabo de cavalo, deixando sobre o seu colo enquanto o alisava. "Se eles são, quem fez isso é tão bom quanto eu."
"Então elas são bruxas."
Ela checou as pontas do cabelo. "Bem possível."
A mulher latina exalou e perguntou, "E sobre as nossas refugiadas?"
A garota asiática voltou a prestar atenção nas telas. Elas mudaram para as notícias locais. "A polícia segue com a investigação, mas sem progresso. Eles suspeitam que tem relação com esse desafio que te mencionei."
"Bom, talvez nós possamos usar essa história." Generalíssima fechou os olhos e pinçou com os dedos a raiz de seu nariz. "Contudo, são tantas garotas. Em geral nós recrutamos poucas de cada vez para evitar esse tipo de problema. Se essa crise continuar por mais tempo, nós vamos ter que inventar outra coisa."
"Eu não te mencionei isso ainda, mas astrônomos identificaram uma anomalia no ciclo solar."
Generalíssima arregalou bem os olhos, vendo que as telas agora eram um grande mosaico do Sol. "Quando?"
"O máximo solar havia sido alcançado e atividade da estrela estava em queda," Invasora explicou, "porém semanas atrás a atividade voltou a subir."
Generalíssima engoliu seco.
Com o longo silêncio, a garota na poltrona olhou para mulher que estava tensa.
"Eu não sei se isso é um bom ou mal sinal." A mulher assentiu. "Mas bom trabalho, Invasora."
"Generalíssima..."
A mulher olhou para garota, que parecia estar receosa em dizer algo.
"Quando reestabelecermos contato com Washington, você acredita que eles irão aprovar uma operação de larga escala em Mitakihara?"
Generalíssima desviou o olhar. "É difícil dizer."
Invasora ergueu as sobrancelhas.
"Tenho certeza que Washington já tem o seu próprio plano para essa crise. E mesmo se eles não tiverem, ainda teremos de convencê-los sobre a minha teoria. Você viu como foi difícil com o Inquisidor."
"Sim..." Invasora franziu o cenho, semicerrando o olhar. "Eu não me lembro exatamente do motivo daquela reunião ter terminado, mas o Inquisidor não havia concordado contigo, apesar dele ter tido um certo interesse pela Madoka Kaname."
"Seria bom captura-la, ou apenas destruir a semente dela assim como as das outras bruxas. Eu não sei se isso vai mudar algo, mas se Mitakihara for realmente a origem desse fenômeno, essa é a nossa melhor chance." Generalíssima respirou fundo e seu olhar ficou distante. "O problema são os civis. Se a teoria de Inquisidor estiver certa, as bruxas estariam controlando ao menos uma parte da população da cidade através de beijos de bruxas. Se elas detectarem a nossa presença, poderiam fazer a pessoas se virar contra nós ou simplesmente fazê-las se suicidarem. Isso é inadmissível."
"Não é somente as baixas civis que me preocupa."
Generalíssima voltou a olhar para Invasora.
A garota abaixou cabeça. "Peço perdão por estar sendo pessimista, mas a cada dia que passa eu penso mais e mais que nem todas nós vamos sobreviver a isso."
Generalíssima paralisou-se.
Com o silêncio, Invasora trocou olhares com a mulher por um breve momento.
"Não..." Generalíssima virou o rosto e fechou os olhos, cobrindo a boca com a mão para esconder os lábios trêmulos.
Invasora ergueu a cabeça, com a respiração presa.
"Não, você não está sendo..." A voz de Generalíssima soava mais como um murmúrio. Seus olhos agora reluziam mais as luzes das telas. "Não há declaração e nunca haverá, mas quando agirmos, não importa o plano, isso será uma guerra total."
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Na frente do balcão da cozinha, as noviças formavam uma fila, carregando bandejas com prato e talheres. Apesar da fila ser curta, ainda havia uma espera, pois havia apenas uma irmã distribuindo os alimentos.
Quando uma noviça viu o que a irmã pôs em seu prato, ela fez uma cara de nojo. "Eca, que é isso?"
"Sopa de ervilha com fígado de frango," Revenante disse, enquanto colocava um pedaço de pão e um copo de água na bandeja.
A noviça fez uma careta ainda maior. "Isso cheira e parece com um vômito de criança."
Sem tirar os olhos da garota, Revenante pegou a colher na bandeja e a usou para provar o que estava no prato, fazendo questão de fazer barulho de sugar.
A noviça ficou boquiaberta.
Ela colocou a colher no prato, seu olhar ainda mais sério. "Tá delicioso, agora come."
"Droga..." Relutante, a noviça levou a bandeja embora.
Revenante então anunciou. "EU QUERO VER TODO MUNDO DEIXANDO OS PRATOS VAZIOS NO FINAL!"
As noviças foram escolhendo as mesas para sentar. Alice e Maya sentaram juntas com outras noviças. Como de praxe, a loira viu que Evie estava com uma mesa só para ela, mas evitou trocar olhares, ainda mais com Revenante observando.
"A Irmandade tá sendo difícil pra vocês, né?"
"Hã?" Maya se deu conta que uma das noviças na mesa havia perguntado para ela e sua amiga.
Alice respondeu, sorrindo, "Nós somos garotas mágica, não tenho medo de me machucar."
Uma noviça mais velha falou, "Você devia ser mais prudente se quer ser uma irmã algum dia."
"Eu não quero ser porra nenhuma."
As noviças ficaram espantadas com a loira.
Alice olhou para a sua amiga. "Assim que essa crise acabar, a gente vai voltar pra casa e rever nossas famílias."
Maya mostrou um pequeno sorriso enquanto, preocupada, olhou de relance para as outras na mesa.
A noviça que fez a primeira pergunta disse, "Mas você pode fazer isso e ainda continuar fazendo parte da Irmandade."
"Você não devia julgar a Irmandade assim," outra noviça entrou na conversa, "isso é uma situação excepcional, senão nós não estaríamos aqui e sim em nossas cidades. Vocês só precisariam reportar suas atividades para alguma irmã de vez em quando e se prontificar se fosse chamada."
E outra noviça ficou empolgada. "Sim, e se vocês convidarem outras garotas mágicas e elas forem recrutadas como noviças, vocês ganham sementes da aflição de brinde!"
Uma noviça assentiu, dizendo, "A Irmandade pode ajudar se estiverem em apuros. A Madre é muito boa para mediar disputas de território ou se for uma bruxa, eles enviam a Sortuda."
"Aquela puta louca?" Alice franziu a testa. "E a Generalíssima? Vivo ouvindo que ela é forte bagarai."
"Se for uma classe ômicron..." A noviça mais velha sorriu. "Mas você provavelmente já estará morta."
Alice fez uma cara feia para ela.
Enquanto isso, em outra mesa, uma noviça estava colocando fios de cabelo na sopa de outra mais jovem.
"Paaaara!"
"Hehe. Qual o problema? Essa comida é tão ruim que até o meu cabelo serve de tempero."
As outras noviças na mesa se divertiam com a situação, até perceberem quem estava chegando.
A noviça que estava usando cabelo como 'tempero' notou que elas haviam ficado sérias, comendo a sopa, então sentiu e viu uma mão em uma luva preta sobre o seu ombro.
A noviça mais jovem também se virou para ver quem era e viu um homem, um padre. As feições dele eram jovens, mas a barba lhe dava um ar de maturidade e seriedade.
Ambas as noviças permaneceram em silêncio, e o homem também. Ele pegou os dois pratos de sopa e os trocou entre as duas garotas.
A noviça mais jovem então teve coragem de falar, "Mas... ela tava comendo essa sopa, tá com a... baba dela..."
O homem continuou sem dizer uma palavra, mas seu olhar agora era mais intenso.
As duas rapidamente se viraram e começaram a comer a sopa.
Do balcão da cozinha, Revenante havia testemunhado aquilo.
"Parece que Inquisidor consegue lidar com elas tão bem quanto você."
"Eu não diria isso." Revenante virou a cabeça, vendo que Sortuda estava ao seu lado, ainda vestindo um avental com a estampa de um coelho segurando um trevo de quatro folhas na boca. "Parece mais que ele faz isso pra massagear o ego dele."
"Eu não acho que ele é esse tipo de pessoa." A garota coelhinha sorriu e ergueu uma sobrancelha. "Você tá preocupada que ele tome o seu lugar..."
"QUÊ?!"
"Shhh." Sortuda olhou de relance e sussurrou, "Ele tá vindo."
Inquisidor chegou no balcão e pegou uma bandeja com prato e talheres.
"Bom diaaa!" Sortuda cumprimentou com a cara mais feliz do universo.
"Bom dia," respondendo sem o mesmo entusiasmo, o homem recebeu o pão e o copo de água, "nós temos sopa hoje."
"Sim." Sortuda apontou para o próprio avental. "Fui eu que cozinhei."
"Parece bom." Inquisidor trocou olhares com Revenante enquanto ela preenchia o prato. A mulher negra estava bem quieta.
"Ah, Obrigada!" Sortuda puxou as suas orelhas de coelho para baixo. "Eu aprendi essa receita com a minha mãe. Não tem nada como a comida de casa, né?"
"Sim." Inquisidor partiu em busca de uma mesa.
Revenante esperou que ele se afaste-se mais para empurrar e acompanhar Sortuda até o fundo da cozinha.
A coelhinha ficou pasma com aquela atitude súbita.
Revenante olhou para ela da cabeça aos pés e semicerrou o olhar.
"O que foi?" Sortuda perguntou.
"Você tá interessada nele?"
"Hmmm..." Ela desviou o olhar e pendeu a cabeça de lado. "Sim, talvez."
Revenante pressionou os lábios e falou em um tom mais baixo. "Você sabe que ele é uma garota mágica, não sabe?"
"A garota mágica mais gato que já vi." Sortuda ergueu as sobrancelhas e sorriu. "Não precisa ficar com ciúmes, eu já lhe disse que sou bi se for você."
A mulher negra bufou e revirou os olhos. "Como você pode pensar nessas coisas com o que está acontecendo?"
"Justamente!" Sortuda levantou a voz como se tivesse toda a razão do mundo. "Não posso passear pelas cidades e ir em festas, encontrar rapazes bonitos... Eu tô na seca!"
"Se a Generalíssima pegar você tentando seduzir ele..."
"Eu não preciso tentar." Como uma diva, a jovem mulher sardenta ergueu o queixo e usou ambas as mãos para jogar o cabelo para trás.
Ignorando aquela pose 'sexy', Revenante olhou para o balcão e viu uma pequena mão sobre ele. Ela se apressou para atender, ficando surpresa com quem era. "Nano?"
A garotinha também estava surpresa. "Ah, é você, Revenante? Eu pensei que era Madre que ficava aqui."
"Ela tá ocupada."
"Nano?!" Sortuda quase se jogou sobre o balcão. "É você mesmo? De carne e osso?"
"Hahah..." Com a sua manopla, Nano coçou a cabeça, encabulada. "Eu sabia que ia causar uma comoção."
"É bem raro você aparecer. Eu já tinha separado a comida pro seu drone buscar," Revenante disse, "aconteceu algo?"
"Nada em particular..." Nano olhou para o refeitório. "Invasora não veio almoçar?"
"Não ainda." Sortuda deu um leve sorriso. "Ela deve tá na sala de segurança."
"Generalíssima tinha ido falar com ela," Revenante complementou.
"Generalíssima está com ela? Então deve demorar." Um pouco frustrada, Nano pediu, "Pode preparar um prato para mim?"
Enquanto Revenante trabalhava, Sortuda continuava curiosa. "Como anda aquele projetão? Tá quase pronto, né?"
"É, quase, mas não dá para ter pressa." Nano sorriu enquanto os circuitos em sua testa brilharam. "É ciência de foguetes, sabe."
Nessa hora, Maya estava terminando o prato de sopa. A aparência e o cheiro não eram dos melhores, mas era saborosa.
"Ei, ei. Olha lá."
Ela prestou atenção em Alice e seguiu os olhos dela até o balcão da cozinha.
"Tá vendo aquela noviça novinha? Sem uniforme."
Maya assentiu. "Ela tem uma luva esquisita com cabos. Eu acho já vi isso um comercial de TV, é pra realidade virtual."
"Que seja," a loira disse, irritada, "o fato é que ela tá sem uniforme e aquelas duas irmãs não tão repreendendo ela, tão até sorrindo!"
Uma noviça afirmou, "Aquela garotinha é a Nano."
"Hein? Nano?" Alice franziu as sobrancelhas. "Você tá me dizendo que ela é uma irmã?"
As noviças na mesa ficaram em silêncio.
"Vocês tão de brincadeira comigo. Como uma criança pode ser uma irmã?!"
A noviça explicou, "Ela é membro da Irmandade faz anos."
Maya voltou a olhar para a criança, que estava se dirigindo para uma cadeira vaga para comer. "M-Mas ela nem deve ter dez anos de idade."
Outra noviça falou, "Há uns boatos de que ela entrou na Irmandade quando tinha cinco anos."
"Kyuubey faz contratos com garotas tão jovens?" Maya ficou estarrecida.
"Eu nunca vi garotas mágicas nessa idade." A noviça também olhou para Nano. "Porém ela muito especial, foi ela que construiu esse lugar."
"O quê?" Alice ficou boquiaberta. "Sozinha?"
As noviças na mesa começaram a falar ao mesmo tempo.
"Ela é um prodígio!" "Washington enviou ela." "Eu soube que ela é canadense." "Só a Generalíssima é mais importante que ela."
Então elas se silenciaram.
Uma noviça mais velha decidiu falar, "É difícil ver ela por aqui, ela é muito ocupada. Eu não sei o que ela anda fazendo, mas eu ouvi uma conversa da Generalíssima com outra irmã e eu estou sabendo que ela está precisando de muitas sementes."
"Hmmm..." Alice se virou em sua cadeira para poder ver melhor a criança, a pessoa que havia construído aquele lugar, aquela prisão. "Então é ela..."
Revenante anunciou, "NOVIÇAS! A hora do almoço de vocês tá acabando, terminem de comer e tragam a bandeja. Se preparem pra se encontrarem com Madre."
Elas obedeceram, permanecendo apenas Nano e Inquisidor nas mesas.
Entrando no túnel com as outras noviças, Maya e Alice viram alguém muito peculiar chegando. Muitas noviças olhavam para aquela pessoa mascarada com tubos, que estava usando um casaco de couro marrom pesado e capuz azul.
Maya acabou trocando olhares com a pessoa ou, melhor dizendo, ela foi vista por essa pessoa, pois Maya não conseguia enxergar o que estava por detrás daquele par de visores da máscara.
A pessoa deixou em seu rastro uma fragrância agradável, mas que sobrecarregava as narinas.
[Esse lugar é um show de horrores.]
Ouvindo Alice em sua mente, Maya comentou, [Ela deve ser uma irmã ocupada que nem Nano.]
Revenante ainda estava atrás do balcão da cozinha quando viu quem havia chegado. "Você veio cedo hoje. Nós temos sopa."
Matryoshka parou na frente dela. "Isso é maravilhoso, уголь."
Qualquer sinal de cordialidade em Revenante se fora. "Pode parar com isso."
"Com o quê, уголь?"
"Para de falar coisa que não entendo. Pra mim, você tá me xingando."
Matryoshka ficou em silêncio, mas só por um momento. "Извините."
"Eu disse pra parar!"
"Ладно."
Revenante rangeu os dentes. "Se eu arrancar fora esses tubos na sua cara, você morre?"
"Calma, Revah!" Sortuda interviu. "Ela só tá brincando um pouquinho contigo."
Matryoshka assentiu. "Você sempre é muito sensata, крольчи́ха."
"Viu?" Sortuda falou para Revenante. "Ela me chamou de kra alguma coisa, significa coelha."
"E уголь é relacionado a diamantes." Matryoshka retornou sua atenção para a mulher negra. "Você é uma mulher dura, não é?"
"Eu não sei o que você quer dizer com isso." Revenante ainda estava tensa. "Mas eu só quero você fale a minha língua, e SOMENTE a minha língua."
"Sem problema." Matryoshka tirou as mãos dos bolsos e começou ativar alguns interruptores sob a sua roupa. "Eu não devo ocupar mais do seu tempo, mostre-me a sopa."
Revenante abriu a panela.
A pessoa mascarada estendeu um de seus braços. Sob seu pulso, um tubo transparente começou se mover como um tentáculo, alcançando e entrando dentro da sopa.
Para Sortuda, aquilo era sempre incrível.
Matryoshka abriu uma alça e o tubo começou a sugar a comida. "Eu já posso sentir o cheiro, é fígado, não é?"
"Vê se não pega tudo," Revenante disse, "tem gente que não comeu ainda."
Depois de fechar a alça, Matryoshka recolheu seu tubo. O tubo emitiu um flash de luz verde e de repente estava limpo. Ela ativou outros interruptores e usou outra alça, com a sopa agora aparecendo em um dos tubos que iam em direção a sua máscara.
Vendo-a provar a comida, Sortuda perguntou, "O que achou?"
"Isso é sopa de ervilha, sim? Eu não tinha sentido que era no início, pois está salgada demais para o meu gosto, talvez seja a carne..." Matryoshka olhou para quem estava no refeitório.
Nano estava comendo depressa, mas ela notou e abriu um sorriso.
Enquanto Inquisidor já estava olhando para ela, sentado com os braços cruzados e o prato vazio. Ele não estava mais ali por causa da comida.
"A carne? Eu salguei um pouco," Sortuda comentou, "na próxima vez eu acerto a mão!"
"Sim, sim, você irá." Ainda trocando olhares com ele, Matryoshka deixou o recinto.
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"...E, clamando com grande voz, disse: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? conjuro-te por Deus que não me atormentes.
Porque lhe dizia: Sai deste homem, espírito imundo.
E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? E lhe respondeu, dizendo: Legião é o meu nome, porque somos muitos.
E rogava-lhe muito que os não enviasse para fora daquela província.
E andava ali pastando no monte uma grande manada de porcos.
E todos aqueles demônios lhe rogaram, dizendo: Manda-nos para aqueles porcos, para que entremos neles.
E Jesus logo lho permitiu. E, saindo aqueles espíritos imundos, entraram nos porcos; e a manada se precipitou por um despenhadeiro, eram quase dois mil, e afogaram-se no mar..."
As noviças haviam formado um semicírculo com as suas cadeiras para ouvir o Evangelho.
Depois de terminar o capítulo, Madre fechou a Bíblia lentamente. "Essas são as palavras do Senhor."
"Graças a Deus!"
Madre se levantou de sua cadeira para guardar a Bíblia e então ficar dentro do semicírculo. "As noviças mais experientes sabem o porquê de dispor as cadeiras na sala dessa forma. Hoje é dia do ciclo de confissão. Normalmente, eu preparo uma nova noviça por um período, para ficar mais confortável com a idéia antes de começar, pois o processo pode ser muito duro. Infelizmente, nós temos muitas que chegaram recentemente, então usarei uma de vocês para mostrar na prática como é." Ela olhou e assentiu para uma noviça. "Maya, por gentileza."
Alice franziu o cenho.
Evie quase não conseguiu esconder o sorriso.
A garota de pele escura arregalou os olhos. "Mas... Eu sou uma noviça nova."
"Sim, eu acho que você entendeu errado," a mulher ruiva disse, "uma noviça experiente pode fazer isso parecer ser mais fácil do que é. Venha."
Maya se levantou de sua cadeira e viu mulher se ajoelhar.
"Por favor, ajoelhe-se na minha frente." Madre pôs mão no chão para mostrar a posição.
Maya trocou olhares com Alice. Sua amiga estava desconfiada, mas não parecia ser algo perigoso. Ela foi e ajoelhou-se diante da mulher.
Madre sorriu.
Aquele semblante sereno removeu um pouco da ansiedade que Maya tinha, porém, a garota olhou envolta, para todos que estavam olhando para ela agora.
"Não é confortável."
"Hã?" Maya voltou sua atenção para a mulher.
"Estar assim, exposta," Madre continuou, "nós buscamos esconderijos para esconder nossas vergonhas dos outros. Ao fazermos isso, caímos em uma incongruência, pois estamos temendo mais pessoas do que ao nosso Senhor, que sempre saberá o que você faz e pensa."
"Oh..." Maya assentiu levemente, mais preocupada do que antes.
"Então..." Madre abriu os braços, olhando para os outros na sala. "Conte para nós, Maya, sobre as suas vergonhas. Revele tudo o que teme revelar."
Maya abaixou a cabeça, não tendo mais coragem de olhar a face dela. Era uma confissão, isso havia sido mencionado, o que ela estava esperando? Contudo, o que Maya entendia de confissão era ir falar com o padre em um lugar privado, não assim.
"Agora vocês estão entendendo como isso é difícil," Madre falou para as novas noviças e então dirigiu palavra para garota na sua frente, "Maya, não se preocupe, sua reação é completamente normal. Eu vou lhe dizer que quando você confessar, você vai começar a se sentir melhor, e as confissões subsequentes serão mais fáceis. Lembre-se, Deus já sabe e é Ele que irá lhe jugar no final."
"Ok..."
Ao ver garota ajoelhada levantar a cabeça, Evie se inclinou para ouvir melhor o que ela tinha a dizer.
Com um sorriso nervoso, Maya começou, "Ahnn... Eu... Eu..." Ela respirou fundo e disse de uma vez, "teve uma vez que eu tinha que terminar a lição de casa, mas naquela noite teria o episódio final de uma série de TV que eu estava acompanhando. Era um episódio especial e mais longo, então eu sabia que ia ficar sem tempo. Quando a minha mãe me perguntou sobre a lição, eu disse que tinha feito e mostrei algumas páginas que eu tinha começado a fazer na escola pra convencê-la, mas não era-"
"Não..." Madre interrompeu, balançando a cabeça e sorrindo.
"Não?" Maya estava confusa.
"Não, isso são trivialidades. Eu quero que você exponha os segredos que definem o seu ser." A mulher pegou a mão esquerda da garota, tocando no anel. "Algo que moldou a sua personalidade e a garota mágica que você é."
Maya arregalou os olhos e pressionou os lábios.
"Certo, eu irei confessar para você, assim talvez possamos fazer uma troca." Madre acariciou a mão da garota. "Eu me tornei uma garota mágica por vingança."
Até aquele momento, Alice não havia sentido a vontade de levantar da cadeira como agora.
"Vingança?" Maya começou a reparar que a sua mão estava sendo segurada firmemente.
"E usei Deus para isso."
Consciente de sua respiração, Maya questionou. "O que isso significa?"
"Não é algo para se entender, apenas abominar." Os olhos de Madre eram frios como o metal. "Eu tomei o lugar Dele e derramei o cálice da ira sem medir as consequências. No entanto, naquela época eu achei que era justo e necessário. Hoje eu sei que cometi um erro terrível, e o caminho da redenção é longo, mas ainda sou tentada a duvidar dessa convicção. Eu sou uma pessoa vingativa, a raiva cochicha dentro de mim. Você consegue imaginar o que aconteceria se minha bruxa ficasse à solta?"
Maya franziu a testa. "Sua bruxa?"
"Você não se pergunta agora o porquê de garotas de boa índole se tornarem bruxas que destroem e matam? Elas são a manifestação de tudo aquilo que guardamos dentro nós, de nossas vergonhas, achando que assim estaremos seguras, mas que na verdade estamos represando um desespero maior mais adiante." Madre soltou a mão da garota e trouxe as suas mãos para o seu próprio peito. "A luta contra as bruxas tem que começar aqui. Nós devemos parar de ter medo e fazer as pazes com o Senhor. Se estivermos em paz consigo mesmo, iremos minimizar a ameaça que as nossas bruxas representam quando o nosso dia chegar." Ela olhou para as outras noviças. "Como eu disse, não espero que seja fácil, mas tem que ser feito."
Evie assentiu e baixou a cabeça.
Até Alice ao menos abaixou o olhar.
Voltando a sorrir, Madre falou para a noviça a sua frente, "Agora é com você."
Maya tentou retribuir o sorriso, mas seu coração estava tão acelerado que o seu único semblante era de nervosismo. "Bem... Há algo que eu odeio em mim. Eu não sou boa em nada, e eu não estou falando de ter algum talento, eu sou um desastre."
Madre assentiu em silêncio.
A garota entendeu que aquilo era um sinal de que ela devia continuar, "E... E... É por isso que eu não tive muitas amizades."
Evie sorriu levemente.
"Para as outras pessoas, tudo parece ser tão rápido e fácil. Quando vou fazer mesma coisa, eu sou tão lenta, eu fico pensando em como vou acabar estragando tudo," as palavras começaram a vir em sua mente e Maya as soltou, "as pessoas me deixam pra trás, não por causa de algum ressentimento ou traição, eu simplesmente não consigo acompanhá-las. Minha existência é uma soma de inconveniências pros outros. Eu odeio isso."
"Bom," Madre disse, "você foi muito melhor. Como você se sente agora?"
Maya ficou surpresa, e aliviada, ela mostrou um sorriso genuíno. "Depois que eu comecei a falar, tudo foi ficando mais fácil."
"É assim mesmo," com a plena serenidade, Madre falou, "agora sobre a sua punição..."
O sorriso de Maya foi esmaecendo. "Hã...?"
Alice arregalou os olhos.
"Não veja isso como um julgamento, mas como um aviso." A mulher ruiva de olhos cinzas afirmou, "Você está tomada pela inveja."
Maya olhou para outras noviças, que continuavam prestando atenção. "Inveja?"
"É um pecado covarde. É normal haver pessoas melhores do que nós, assim como é normal nós estarmos nos melhorando. No seu caso, você se mantém nessa posição inferior em relação aos outros para continuar se lamentando. Há orgulho também."
Voltando a olhar para a mulher, Maya fez uma careta. "Eu? Com orgulho de mim mesma?"
Madre balançou a cabeça. "Não de você, você disse que odeia, mas de sua posição. Você se sente no direito de receber pena, espera que os outros façam as coisas por ti, pois você se esforça para mostrar o quanto incapaz você é. Você se sente confortável ao receber ajuda de alguém que é melhor que você, lhe faz sentir no controle. Isso é patético."
Maya estava estupefata.
Madre colocou ambas as mãos no ombro da garota. "É um aviso, não um julgamento. Essa autopunição irá ajudar você e as pessoas irão parar de deixar você para trás. Você entendeu?"
"S-Sou eu que terei que fazer isso?"
"Eu vou te ensinar, é bem simples." Depois que Madre trouxe as suas mãos para si, ela comentou, "você não deve estar acostumada a ficar ajoelhada. Sente algum desconforto e dor?"
Ainda processando tudo aquilo, Maya respondeu com uma voz branda, "A princípio sim, depois não senti mais nada."
"É porque você bloqueou a dor com magia. Nós instintivamente fugimos dela, mas ela não é nossa inimiga." A mulher mostrou o anel em sua mão. "Assim como você pode bloquear, você também pode amplificá-la. Concentre-se em sua gema e pare de usar magia, deixe sentir a dor."
Maya assentiu e fechou olhos, pensando em sua gema. Desejou em não usar magia alguma. De repente, seus joelhos pareciam estar queimando e sua espinha parecia estar prestes a arrebentar. "Auuu..."
Enquanto isso, Evie olhou de relance para Alice, vendo a loira tensa na cadeira.
Reconhecendo a face de dor como legítima, Madre disse, "Ótimo, agora concentre na dor e a amplie."
Maya abriu os olhos. "Isso não é o bastante?!"
"Não, tem que ser algo insuportável."
[Maya! Não faça isso!]
Ela ouviu a voz de Alice e olhou para a sua amiga.
O tom de Madre passou a ser mais imperativo, "Faça, de uma vez!"
Alice balançou a cabeça levemente.
Antes que pudesse pensar naquilo, Maya notou que Madre havia virado a cabeça para olhar na mesma direção. Ela rangeu os dentes e desejou a pior dor possível. "uuuuEEHHHAAAAHHHH!" Seu corpo e mente não agüentaram e ela caiu nos braços de Madre.
A mulher a abraçou. "Já passou, já passou..."
Alice passou a mão na cabeça, quase arrancando o próprio cabelo.
Os olhos estavam lacrimejados e o coração acelerado, mas Maya não sentia mais dor alguma.
"Você bloqueou novamente, não foi?" Madre a ajudou a se recompor.
Maya passou as mãos nos olhos para secar as lágrimas e assentiu, em um movimento quase imperceptível.
"Fez bem, isso não é para ser uma tortura. Estou feliz com a sua coragem, você não devia se rebaixar," Madre então instruiu, "agora, quando você tiver esses pensamentos maus, reserve um momento em seu dia para refletir e fazer o que eu acabei de te ensinar. Você só não precisa gritar, você não é a vítima aqui."
"Eu não sei se consigo fazer..."
"Então eu lhe darei isso." Madre pegou o seu rosário vermelho e depositou na palma da mão da garota.
Maya olhou para ela, surpresa.
"Isso vai ajudar você a se lembrar desse momento, fique com isso até não precisar mais." A mulher juntou as mãos sobre o seu peito. "Eu irei rezar para que isso aconteça."
Maya manuseou o rosário, que parecia ser muito antigo com o seu aspecto rústico. Seus dedos sentiram detalhes da cruz com um sol atrás.
Madre falou para as outras noviças, "Agora que vocês testemunharam como é, quem será a próxima?"
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No dormitório, as noviças deitavam em suas respectivas camas para dormir.
Sob a vigilância de Revenante. "Eu estarei acordando vocês todas daqui a oito horas, não quero ver ninguém perambulando pelos túneis antes disso." Ela desligou as luzes e saiu.
Com olhos ainda não acostumados com a escuridão e ouvindo alguns cochichos distantes, Maya não sentia vontade de dormir. Sua mente ou alma, ela não sabia ao certo, ainda se lembrava da dor proveniente daquele aviso.
[Eu ainda acho que você não devia ter feito isso.]
Maya ouviu Alice, novamente com aquele assunto, mas aquela distração era bem-vinda. [Hoje não deu tempo de todas participarem do ciclo de confissão, mas na próxima vez você deveria ser a primeira a se voluntariar. Deve ser mais fácil pra você do que pra mim, e isso vai ajudar a gente a não virar bruxas.]
[Eu não acredito mais nisso.]
[O que você quer dizer?]
A voz de Alice ficou mais ríspida. [Você não enxerga? A Irmandade é um culto! Garotas mágicas se tornam bruxas, Kyuubey na verdade se chama Incubator e é um alienígena, e agora as bruxas estão se tornando garotas mágicas novamente. Só faltam dizer que Jesus tá voltando e que a gente deve se matar pra se unir a Ele.]
[Mas será que não tem alguma verdade por trás disso?] Maya esperou por uma resposta de sua amiga, mas o silêncio perdurou. [Alice?]
[É minha culpa.]
"Hã?!" Maya pôs a mão na boca. [Do que você tá falando agora?]
[Foi um erro aceitar a oferta delas de proteção. Agora nós tamos aqui e vejo você sofrendo, sem idéia de como ajudar sem que fique pior. Eu devia ter pensado na minha família, na sua família.]
[Não tínhamos como saber que acabaríamos aqui.] Maya procurou desviar o assunto. [Como será que tá a madeireira do teu pai?]
[Deve tá indo bem, eu desejei por isso.] A voz de Alice ficou mais calma, mas triste. [Mesmo que meu pai não esteja trabalhando, procurando por mim.]
[Olha, o que aconteceu, aconteceu. Vamos pensar em nossas famílias pra sermos fortes. Eu não me importo de sofrer um pouco, nós temos que nos manter vivas.]
[A gente vai sair dessa juntas, Maya.]
A forte afirmação de Alice fez Maya pressionar os lábios e seu corpo enrijecer. [Sim, eu sei que você vai me proteger.]
[É claro, eu sou a sua melhor amiga.]
[Eu vou dormir agora, ok? Boa noite.]
[Boa noite.]
Maya aguardou sem mover um músculo, ouvindo Alice se mexendo na cama para dormir. Quando veio o silêncio e ele permaneceu, ela relaxou em alívio, mas com uma culpa por estar sentindo aquilo. Ela se virou lentamente na cama e pôs mão por debaixo de seu travesseiro.
Seus dedos tocaram em um pedaço de papel.
Ela tirou a mão e respirou fundo. Sua mente sabia, sua alma sabia, seu coração sabia.
A dor seria infinita.
Próximo capítulo: Anátema
