"UUUUHUUUULLL!"

A picape dá a partida e acelera, buzinando. Eu estou tão bêbada que eu me seguro no Jonas, mas ele também está bêbado e nós caímos no assoalho da caçamba.

Com tudo trepidando, Jonas pergunta, "Você se machucou?"

"Não, eu não senti nada," eu respondo, o que era bem verdade, pois eu estava zonza demais para pensar em dor. Eu o vejo se levantando com dificuldade para alcançar a janela que ficava na parte traseira da cabine do veículo.

Ele bate na janela e diz, "Cara, você quase nos matou! Porra!"

A música na cabine está alta, eu não ouço a resposta do motorista ou ele não respondeu.

Jonas volta a deitar ao meu lado. "Noah devia ter sido reprovado no teste para carteira de motorista."

"Você fala isso do seu amigo, mas é nós que estamos na caçamba da picape," eu digo. Eu posso estar bêbada, mas não sou burra.

Ele sorri, sabendo que eu estava certa. "Ele arranjou essa mina na festa e resolveu dar carona pra ela, fazer o quê, né? Isso vai mudar quando eu comprar o meu carro. O que achou da festa?"

"Eu nunca bebi tanto." Era a única coisa interessante que eu conseguia me lembrar.

"É, bebida de graça pra todo mundo. O anfitrião deve tá cheio da grana..."

Jonas sempre está falando de dinheiro e bens materiais. Essa é uma diferença entre mim e ele no nosso relacionamento. Naquele momento, eu só queria curtir a viagem louca do álcool misturado com as estrelas e as luzes dos postes passando rapidamente.

De repente o veículo faz uma curva fechada. Meu corpo bate contra a mureta da caçamba e Jonas quase rola sobre mim.

"Eita porra!" ele exclama, "ele saiu da pista? O que ele tá fazendo?"

Era verdade o que Jonas dizia. Tudo estava mais escuro, não havia mais as luzes dos postes. O terreno é acidentado e se pode ouvir os arbustos batendo contra lataria.

Não demora muito e a picape para. Jonas logo se levanta para tirar satisfação. Eu tento também me levantar, mas a minha cabeça dói muito.

A janela da cabine se abre, era uma dessas que funciona com controle remoto. A volume da música é abaixado e eu consigo ouvir Noah, "Eae... vocês tão confortáveis?"

Jonas fala, mas, diferente do que eu espero, sem raiva, "Você perdeu o controle? Tu tá muito bêbado?"

Noah responde, "Rapaz, a noite não acabou ainda."

Eu ouço a mulher, mas não consigo discernir o que ela diz. Contudo, eu entendi tudo quando Jonas diz, "Vocês vão fazer aqui? Agora?!"

Eu ouço risos vindo da cabine e Noah fala, "Eu deixo as crianças dormirem na minha caçamba. Não se preocupa."

"Vá se fuder."

Eu vejo a janela se fechar e Jonas deitando ao meu lado, meio que sorrindo. Eu pergunto só para ter certeza, "Eles vão fazer sexo?"

"A mina já tava fazendo um strip ali."

"Deus do céu!" Eu seguro um riso.

Nós ficamos um tempo vendo somente as estrelas, enquanto ouvimos certos sons vindos da cabine.

Jonas comenta, "Ah, isso tá ficando estranho. E se eles começarem a gritar?"

Eu não digo nada, eu não tenho idéia alguma do que fazer. Ir para casa a pé não era opção, nós estávamos no meio do nada e eu não estava em condições de me levantar.

"E se a gente fizer também?"

Jonas resolve ser muito criativo. Eu olho bem nos olhos para ver se ele está sendo sério. Ao menos ele parece estar mais sóbrio do que eu.

"Eu trouxe camisinha."

"Eu tô muito bêbada," eu respondo, minha voz está arrastada, "eu queria que a nossa primeira vez fosse mais romântica..."

"Ok." Ele se vira para ficar mais perto de mim. "Mas vamos curti um pouco... Pra gente se distrair."

Jonas é tão fofo com a cara de pidão dele. Eu acabo cedendo, dizendo, "Tá, mas só um pouco," e fazendo uma cara de emburrada só para garantir.

Ele sorri e coloca o braço sobre mim. Nossos lábios se encontram. Começa lento, mas logo a língua dele está entrando na minha boca, a minha está muita entorpecida para curtir isso. Eu toco o corpo dele com as minhas mãos, mas sem fazer nada exagerado para não dar sinal verde e ele ir longe demais.

Contudo, Jonas puxa a minha blusa, meu ventre sente o frio do ar. Lembrando das outras vezes que fizemos isso, aquilo me dá tesão. A mão dele é quente e desliza sobre a minha pele, alcançado o meu quadril e o apertando. É gostoso.

Jonas sussurra, "Deus, eu sou o cara mais sortudo do mundo."

Eu não sei se era para mim ou ele deixou escapar seus pensamentos, mas eu queria fazer parte daquela felicidade. Ele puxa mais a blusa e eu dou uma ajudinha, arcando as minhas costas, até ele chegar no meu sutiã. Eu seguro a mão dele firmemente para deixar claro que eu não queria remover nada. Ele entende e a mão dele passa a sentir as minhas costelas, depois retorna para minha barriga macia, onde eu quero. Entre nossos beijos, sorrimos um para o outro.

A mão dele agora está impaciente, seus movimentos menos inibidos. Ele brinca envolta do meu umbigo e desliza pelo meu caminho da felicidade com as pontas dos dedos. A minha pele se arrepia. Ele encontra uma brecha no elástico da minha saia para poder passar por baixo, mas não consegue o mesmo com a minha calcinha, empurrando-a.

"Olha essa mão boba," eu acabo dizendo.

Ele abre um grande sorriso. "Desculpa..."

A mão dele vai para outro lugar, enquanto eu fico imaginando o que aconteceria se ele tivesse insistido. Começa a me bater uma frustração, um desejo de poder voltar no tempo. Eu me sinto mais sóbria, volto a notar as estrelas acima de nós dois. Ele tem camisinha, era só uma questão de continuar e deixar acontecer. A idéia faz meu coração disparar, seria aquele o momento inesquecível que eu tanto buscava?

Eu ouço vozes altas vindo da cabine, não parecem ser eróticas. Há um tapa e a porta abre. Eu consigo ouvir claramente a mulher dizer, "Vá toma no seu cu, canalha!" e seus passos apressados se afastando do veículo. Os pés dela estão descalços?

"O que está acontecendo?" Jonas pergunta enquanto levanta a cabeça.

Eu não digo nada, pois eu queria prestar atenção. Eu ouço Noah deixar o veículo, falando em um tom reconciliador, "Ah, eu não ia fazer nada..."

Jonas se levanta, com certa dificuldade, eu vejo que ele está cambaleante. Eu tento me levantar também, mas volto a sentir tontura e dor de cabeça, e eu sinto frio também... É claro, pois a minha blusa ainda está levantada, eu corrijo isso.

Jonas levanta os braços e grita, "UUUUUHUUUUULLL! Mas que bunda sexy, Noah. Sem ser gay, beleza? O que tá acontecendo?"

Eu fico imaginando a bunda do amigo dele e sussurro, "ela tá pelada também?"

Jonas olha para mim e bota ambas mãos sobre o seu próprio peito. Eu leio os lábios dele e consigo entender que ela está usando roupas como toalhas para se cobrir. No mínimo está seminua.

É a mulher que começa a falar, "Seu amigo quer fazer sexo sem camisinha e eu não."

"Quê?!" Noah logo rebate, "Eu disse pra você que não vou fazer isso."

"É, mas quando eu pergunto sobre a camisinha, você diz que já vai buscar, mas fica esquecendo. Aí você bota o seu corpo sobre mim pra não deixar escapar e começa forçar com o seu pau pra entrar!"

"Você tá maluca! Eu fui te abraçar pra te beijar, se meu pau tocou, é natural."

"Aham... É isso que você quer, que seja 'natural'."

Jonas interrompeu a discussão. "Cara, você trouxe camisinha?"

Eu consigo ouvir um longo suspiro e então Noah fala, "É o seguinte, eu me lembrei que eu deixei elas na minha outra carteira lá em casa."

A mulher diz, "mas que merdinha..."

Parece que a briga vai recomeçar. "Eu juro! Eu não ia penetrar sem camisinha! Eu ia querer finalizar com uma masturbação ou sexo oral. Eu ainda tava pensando."

"Com a cabeça de baixo."

Jonas propõe, "Eu tenho camisinha comigo, eu não irei usar."

Enquanto eu ouvia a mulher dizer que não precisava, Jonas abaixa a cabeça para procurar em seus bolsos. Nisso eu noto que o corpo dele estava pendendo para frente. É tudo muito rápido. Ele perde o equilíbrio e tenta se segurar na mureta da caçamba, mas sua mão não alcança nada. Ele cai para fora do veículo e só ouço o impacto no chão. "Jonas?!"

Noah fala, "W-Wow! Tu tá puta de bêbado, rapaz."

Eu aguardo, aguardo por uma resposta de Jonas.

Mas quem fala novamente é Noah, "Jonas? Ei!"

Meu coração aperta e eu decido me levantar de uma vez. É uma sensação terrível, minha cabeça parecia ainda estar no chão e o mundo gira junto com o meu estômago.

A mulher comenta, "Olha a perna dele! Tá dura!"

Noah responde, agora com um fundo de desespero, "Ele caiu de cabeça!"

O mundo não para, minha boca e língua ficam secas de repente. Eu preciso ver ele.

"Ele não tá respirando!"

Eu me apoio na mureta da caçamba e quero gritar pelo nome dele, mas o meu corpo toma o controle de mim e uma torrente quente escapa da minha boca violentamente.

"Meu Deus!"

O pescoço dele. Meu vômito sobre ele. Eu nunca esquecerei.


Anátema

Sortuda saltitava pelo túnel, além dos quartos das irmãs e do banheiro, seguindo a faixa amarela na parede. Ela já tinha um sorriso no rosto, pois já esperava quem iria encontrar.

A faixa guiava até mais uma porta metal de tantas outras que havia na base, mas aquela sala era especial. Quando Sortuda abriu a porta, o cheiro de suor assaltou as suas narinas.

A academia era, por assim dizer, compacta, mas não era desculpa para não encontrar o que fazer. Generalíssima estava golpeando um saco de pancadas, seu chute preciso causou um forte som de impacto, enquanto Revenante estava fazendo agachamentos com barra com pesos.

Sortuda pulou para dentro da sala e abriu os braços. "Bom diaaa!"

Continuando o seu exercício, Revenante não olhou para ela. "Bom dia."

Generalíssima segurou o saco de pancadas para cumprimentar, "Olá Sortuda, o que você procura?"

"Eu só não tinha visto vocês hoje ainda, já tão um tempão aqui." Sortuda se aproximou de Revenante.

A mulher negra estava suando e esbaforida. Ela olhou com estranheza para a coelhinha.

Seguindo o movimento dos agachamentos, Sortuda abaixava e levantava a cabeça.

Até que Revenante parou, permanecendo de pé com a barra em suas costas. "O que é...?"

"Quanto peso tu colocou aí?"

"250 libras."

Sortuda ergueu as sobrancelhas. "Não creio, você deve tá usando magia."

"Tenho cara de... estar usando?!" Já irritada, Revenante continuou, "se eu tivesse, o treino seria inútil."

Revenante estava vestindo um top e Sortuda olhou mais de perto para o abdômen sarado dela, cutucando um dos gomos. "Deus, isso aqui tá uma rocha."

Revenante contraiu a barriga. "C-Criatura! Para com isso!"

Surpresa com a reação, Sortuda sorriu. "Awww... Você tem uma barriguinha sensível, que gracinha."

Em um rápido movimento, Revenante ergueu a barra, passou sobre a sua cabeça e se agachou para deixá-lo no chão.

"Você usou magia agora, eu senti," Sortuda disse, semicerrando o olhar.

Com os punhos cerrados e semblante intenso, Revenante indagou, "O que você tá fazendo aqui?"

"Você devia treinar."

Ambas olharam para Generalíssima.

A mulher de cabelos rosa escuro estava olhando especificamente para Sortuda. "A magia multiplica a força de que seu corpo pode exercer, então se você obtivesse alguns músculos, faria uma grande diferença."

Revenante concordou, "E não é difícil. Com a regeneração de uma garota mágica, os ganhos são rápidos."

Sortuda balançou os quadris. "Eu gosto do meu corpinho delgado e macio. Além do mais, vocês duas são lutadoras corpo-a-corpo." Ela acariciou seus coldres. "No meu caso, não há músculo que derrote as minhas balas." Então ela voltou a olhar para Revenante. "Ou será que há?"

A mulher negra cruzou os braços. "Você não tem nada pra fazer não?"

"Eu? Não que eu me lembre..." Sortuda puxou uma de suas orelhas de coelho. "Ou eu deveria?"

Generalíssima disse, "É por isso que perguntei sobre o que você estaria procurando aqui."

"Idem." Revenante assentiu.

"Ah... haha..." Sortuda desviou o olhar, coçando a bochecha de leve. "É hoje?"

"É agora!" Revenante rangeu os dentes. "Elas tão te esperando."

"Então, infelizmente, não posso mais ficar com vocês. Hehehe." Acenando com ambas as mãos, Sortuda foi recuando até a porta. "Até!"

Com a porta se fechando, Revenante ainda conseguiu ter vislumbre da Sortuda saltitando pelo túnel. "Ela pode ser forte, mas pra uma irmã ela devia ter mais maturidade. Ainda mais agora."

"Eu gosto dela assim."

Com um franzir de testa, Revenante olhou para Generalíssima.

"Ainda mais agora. Ela é irresponsável, faz piadas, ri..." A mulher ficou em posição de combate diante do saco de pancada. "Ela faz parecer que as coisas não estão tão difíceis, ajuda a manter alta a motivação das noviças."

"Então eu deveria ser mais como ela?" Revenante perguntou.

"Você não conseguiria mesmo se tentasse." Generalíssima enterrou seu punho firme no saco de pancada em um soco bem colocado.

/人 ◕‿‿◕ 人\

Um pouco afastadas das outras noviças, Maya e Alice examinavam a nova sala. Ficava no mesmo andar da rampa de saída e Madre havia deixado elas ali, pedindo para que elas aguardassem. As paredes e o chão estavam com marcas de tiro e cortes, além de manchas suspeitas. Em algumas partes era possível notar que o concreto era recente, indicando que ali havia uma cratera anteriormente.

"Tá na cara que aqui as garotas mágicas lutam entre si," Alice comentou.

"Ah, eu não quero fazer isso." Maya olhou para o túnel, a única entrada e saída. "Será que é a Revenante que irá chegar?"

"Deve ser ela." Alice olhou para Evie, que estava descansando com as costas contra uma parede. "Eu queria mesmo é que fosse com a Generalíssima. O que tem nela pra todo mundo dizer que ela é tão forte."

Do túnel, Sortuda surgiu correndo. "Bom dia! Bom dia! Bom diiiIIIAAAAAA!"

Para o desgosto de Alice. "Ah não, a doida varrida. Será que ela veio pra assistir?"

Maya apenas sorriu de forma comedida.

"Desculpa o atraso, foi o trânsito." Sortuda deu pulinhos e socou o ar. "Vocês devem tá super empolgadas com a nossa aula sobre magia!"

Maya piscou os olhos. "Então... É ela."

"Deve ser uma piada idiota dela." Alice já estava focada em outra coisa. "Aula de magia? Eu já sei usar a minha, como ela vai ensinar algo se a magia dela é completamente diferente?"

Sortuda coçou a nuca. "Bem, o que vamos fazer... Ah!" Ela sacou um dos revólveres. "Saca só o que eu andei inventando!" Ela trouxe a arma para próxima de sua boca, sussurrando no par orelhas de coelho que o revólver tinha.

Bala: Água

Cadência: Fluxo

Modo: Constructo

Propriedade Especial: Diversão Medieval

As orelhas balançaram, como se estivessem confirmando a ordem, então ela apontou a arma para as noviças na sala. Elas prontamente saíam da linha de tiro.

Maya e Alice estavam distantes o bastante para não precisarem fazer isso. Contudo, Maya estava assustada. "Meu Deus..."

Sortuda puxou o gatilho e um jato contínuo de água saiu do cano do revólver enquanto o tambor ficava girando. O jato não tinha força o bastante para alcançar as noviças, formando uma crescente poça no chão.

"Eu sabia." Alice exalou, aliviada, mas não feliz. "Só uma piada idiota..."

A poça parou de expandir, ao invés disso a água começou a subir e adquirir uma forma com quatro pernas, para o espanto de muitas noviças.

Maya e Alice estavam sem palavras.

Evie também estava em silêncio, mas por estar descansando.

No final havia uma estátua de água de um cavaleiro de armadura com lança e escudo.

Sortuda soltou o dedo do gatilho. O tambor do revólver parou de girar junto com o jato de água. "Vamos nos divertir!"

De imediato, a estátua passou a se mover. O cavalo bufou, formando uma nuvem de umidade. O cavaleiro empinou a sua montaria antes de disparar a toda velocidade, apontando a sua lança contra um grupo de noviças.

"AAAAHHH!" As garotas correram, algumas se jogaram no chão.

O cavaleiro deu de encontro com parede com violência e estourou. A onda de água resultante varreu as pernas das noviças, as derrubando e molhando.

"KAAAAKAKAH!" Sortuda riu tanto que chegou a lacrimejar.

As noviças ainda estavam se levantando quando se deram conta que a água voltou a se mover, até mesmo os seus corpos e uniformes estavam ficando secos. A água se concentrou em um ponto, reformando-se no cavaleiro.

"Prontas pro segundo round?" Sortuda ficou rodopiando a arma envolta de seu dedo. "Quero ver quem derrota o meu brinquedo."

Uma noviça tomou a iniciativa. Depois de se transformar, ela fez girar três pequenos bambolês de metal em seu braço e os lançou. Os bambolês atingiram o cavaleiro e permaneceram boiando dentro do corpo dele.

"Bem..." Sortuda deu de ombros. "Boa tentativa."

Se o ataque foi ineficaz, ainda assim ele fez o cavaleiro se lançar contra o agressor.

Outra noviça, uma garota mágica de armadura leve e armada com uma grande bola de espinho com corrente, se posicionou no caminho do cavaleiro. No último momento, ela desviou da lança e usou a corrente para rodopiar sua bola.

O cavaleiro parou para se virar.

A garota mágica rodopiava a bola cada vez mais rápido, fazendo zunir, e estendendo mais a corrente até começar atingir o seu alvo. Primeiro foi a cabeça do cavalo, fazendo a água respingar contra a parede e algumas noviças. Movendo graciosamente o seu corpo e braço, a garota controlou seu círculo de morte para destruir parte por parte, inclusive decapitando o cavaleiro.

Apesar disso, ele trotou em direção a ela.

Confiante, a garota se preparou para desviar, mas notou tarde demais que a lança do cavaleiro havia se tornado uma maça.

Em um golpe certeiro, ele atingiu a face dela, a nocauteando. A bola de espinhos saiu voando, até se chocar contra uma parede, fazendo um buraco.

Para a diversão de Sortuda. "Vixe, Nano vai ter que consertar isso."

O cavaleiro regenerou a sua forma, já procurando seu próximo desafiante.

Uma noviça apontou o seu cetro, disparando faíscas vermelhas continuamente.

Sendo atingido, as águas borbulharam e o cavaleiro começou a evaporar. No entanto isso não fez ele parar, seu cavalo relinchou, liberando um jato de água.

A água atingiu a noviça com cetro, queimando a sua pele. "Ai, ai, AI!"

"Isso não foi muito esperto," Sortuda comentou, chegando a expressar preocupação, "ele tá mais perigoso do que era."

"Se afastem!" Uma garota armada com um grande aspirador se aproximou do cavaleiro e começou a sugá-lo. Era tão potente que ele não teve tempo de reagir antes de toda água parar no tanque nas costas dela.

As outras noviças comemoraram. "Ela conseguiu!"

"É assim que se faz." Logo após dizer essa frase, a garota sentiu seu aspirador tremer. "Hein? Ah!" A mangueira que conectava o aspirador ao tanque estourou e a água jorrou em alta pressão, retornando à sua forma original.

Vendo outras garotas mágicas se juntando na luta contra o cavaleiro, Alice não escondeu mais o que sentia. "Isso é tão estúpido."

Maya falou em tom baixo, "Parece que elas tão se divertindo..."

"Estúpido." Alice balançou a cabeça. "Essa retardada tá fazendo eu sentir saudades da Revenante."

Assistindo o esforço das garotas para derrotarem o cavaleiro, Evie suspirou e trouxe a sua mão esquerda aberta perto de seu peito. Da gema que estava no anel, um minúsculo dardo roxo surgiu. Após mirar, ela o deixou voar.

O dardo alcançou e penetrou o cavaleiro. As águas adquiriram um leve tom roxo por um momento e o cavaleiro parou, retornando a ser como uma estátua. Sem nenhum aviso, as águas colapsaram, formando uma enxurrada que novamente derrubou algumas garotas.

Sortuda ergueu a sobrancelhas, olhando para Evie.

"O que foi? Não era pra quebrar o seu brinquedo?" A garota de cabelo roxo e avermelhado deixou a parede. "Vamos Sortuda, começa essa aula de uma vez."

"Muito bom, Evie." A garota coelhinha voltou a sorrir para as outras noviças. "Esse foi o aquecimento. Antes de começar a lição de hoje, eu quero saber mais das novas garotas que temos por aqui." Ela olhou para uma dupla de garotas em específico, apontando com a mão aberta. "Você."

Maya sentiu que a irmã estava olhando diretamente para ela. "O quê? Eu?"

"Sim, belezinha." Sortuda deu uma piscadela. "Venha, será divertido."

"Ahhh..." Maya baixou a cabeça. "Por que eu de novo?"

Um pouco confusa, Sortuda respondeu, "Porque vocês não participaram da nossa brincadeira aqui. Não esquenta a cabeça, depois é a vez da sua coleguinha."

Alice deu um passo à frente. "Eu vou primeiro."

"Ora, ora, você acaba de me deixar com mais curiosidade." Sortuda assentiu. "Agora você vai ter que esperar."

"Não..." Alice sentiu sua mão ser segurada e olhou para Maya.

A garota de pele escura olhou bem nos olhos da loira. [Contrariar os outros não vai nos ajudar a sobreviver.]

Alice virou a cara e fechou os olhos.

"Eu acho que tá resolvido," Sortuda disse, "venha."

Maya deixou sua amiga e se aproximou do grupo de noviças, porém ainda mantendo uma cautelosa distância daquela excêntrica irmã.

Ela perguntou, "Como se chama?"

"Maya."

Sortuda arregalou os olhos, sorrindo. "Sério?!"

Maya não reagiu, sem saber o que aquela expressão da irmã significava.

"'Maya' pode ser traduzido como 'ilusão' ou 'magia'. Em uma língua indiana, se eu me lembro bem..." Sortuda apontou para a noviça. "Combina contigo, é um belo nome."

"Obrigada..."

"Agora eu quero que você se transforme."

"Claro." Maya abriu sua mão esquerda e seu anel se transformou em sua gema da alma azul pálido por um breve instante, antes de seu corpo ser envolvido por uma luz da mesma cor. Quando a luz se dissipou, ela tinha um grande visor transparente azul em sua face. Ela estava usando um vestido, uma única peça, cor azul escuro, com largas listras prateadas que convergiam para o ventre, formando uma figura estilizada que lembrava um olho ou uma aranha. No centro do desenho da figura havia um buraco, deixando o exposto o umbigo. A saia do vestido era longa e se dividia em quatro partes iguais, permitindo a visualização das pernas nuas. Seu calçado era um par de tamancos cinzas e na tira do tamanco direito estava a sua gema na forma de um quadrado.

"Armas, por gentileza."

Atendendo ao pedido da irmã, ela conjurou um par de lâminas exóticas, uma em cada mão.

"Espadas-gancho? Eu adoro espadas-gancho!" Sortuda deu um pulinho de excitação. "Então você luta de perto, sinceramente eu não imaginava que você fosse assim."

Maya desviou olhar. "É, eu meio que luto de perto."

Sortuda ficou mais curiosa. "O que você quer dizer com isso? Você arremessa as suas espadas-gancho?"

"Não."

"Qual é a sua magia então?"

Maya fez uma careta. "É difícil de explicar..."

Sortuda abriu os braços. "Mostre, ora bolas."

Ela balançou a cabeça. "É perigoso."

"Melhor ainda!"

Maya continuou balançando a cabeça.

"Mostra pra elas."

Ouvindo Alice, Maya olhou para a sua amiga, surpresa.

A loira insistiu, "Mostra."

"É!" Sortuda também. "Eu tô aqui, não vai ter problema."

"Tá bom..." Maya se posicionou, cruzando as suas espadas-gancho na frente de suas pernas e fechando os olhos. "Mas não hesitem em usar a força pra me parar." Ela exalou e começou movimentar o seu corpo e suas espadas, como uma dança.

A sala ficou em silêncio, todos aguardando.

Sua dança tinha passos, mas ela quase não saía do lugar. Maya continuava com olhos fechados enquanto suas lâminas passavam rente ao rosto.

Entre as noviças começaram alguns cochichos e risinhos.

"O que ela tá fazendo?" "Ela vai ficar só dançando?" "Ela deve tá enrolando a Sortuda." "Coitada, ela deve ter se tornado uma garota mágica recentemente." "Será que é por isso que ela não gosta de lutar?"

Evie continuava em silêncio, observando a dançarina, com um semblante mais sério do que apático.

Alice sorriu e murmurou para si mesa. "Isso, mostra pra elas do que você é capaz."

Apesar de não haver magia ainda, Sortuda estava entretida com os movimentos sensuais da noviça e suas lâminas. Entretanto, ela forçou a vista, pois sua visão estava embaçada.

Não era isso. Outras noviças começaram a notar que a imagem de Maya estava borrada, apesar de seus lentos movimentos.

A dançarina parecia ter agora mais braços e pernas devido aos vultos que faziam movimentos diferentes da original. Na verdade, já estava difícil discernir Maya de seus espectros.

Logo um dos vultos semitransparentes abandonou a posição e cortou o ar próximo com as suas espadas, seguido por outro vulto, e outro... Ocupando mais e mais espaço da sala.

Nenhuma noviça estava mais sorrindo, exceto Alice.

Sortuda também ainda estava relaxada. "Hmmm, legal."

O zunido de dezenas de lâminas cortando o ar passou a ser audível e os espectros estavam chegando mais perto. As noviças deram passos para trás, algumas já olhando para o túnel de saída.

"Entendi, funciona como um ataque e defesa, interessante..." Sortuda assentiu e disse, "Maya, pode parar agora."

Porém a caótica nuvem de imagens da garota e suas lâminas continuou a expandir.

"Maya?"

Algumas noviças carregavam a expressão de medo em suas faces, decidindo se iriam correr ou lutar.

Alice estava com o sorriso escancarado.

Evie preparava um dardo roxo.

Sortuda deu um passo para trás, sentindo o movimento ar causado pelas lâminas que passavam perto demais. "MAYA, VOCÊ VAI MACHUCAR A SUA AMIGA!"

Os espectros de Maya abriram os olhos ao mesmo tempo e recuaram em um instante, de volta para onde estava a garota, parada no meio de um movimento de sua dança. Ela olhou para Alice.

"Isso deu certo." Sortuda suspirou em alívio, assim como muitas noviças.

"Oh... D-Desculpe." Maya baixou a cabeça, sem coragem de olhar para ninguém. "Por isso que é perigoso. Eu preciso me concentrar pra isso funcionar, mas eu acabo perdendo a noção do que tá acontecendo."

"Eu percebi, é algo que precisa melhorar," Sortuda afirmou, "sua magia envolve velocidade, mas isso seria limitado pelo quão rápido seu cérebro consegue funcionar. No seu caso, você bloqueia os seus pensamentos pra superar essa limitação, fazendo com o que seus ataques não tenham um objetivo claro, mas continuam sendo ataques, muitos deles."

Maya estava surpresa com aquela detalhada explicação vindo da garota coelhinha, "Minha magia faz isso?"

"Você não sabia? Não é à toa que não consegue controlá-la." Sortuda colocou as mãos na cintura. "Bem, o que tem mais pra mostrar?"

Maya respondeu, "Mais nada."

Sortuda franziu o cenho. "Apenas isso?!"

Alice rangeu os dentes ao ouvir a irmã falando daquele jeito para a sua melhor amiga.

Já Maya voltou a se desculpar, "Eu s-sinto muito por não ter mais nada pra mostrar..."

Evie revirou os olhos.

"O maior problema é que sua magia é especializada em algo tão genérico. Qualquer garota mágica pode ser super rápida, basta usar mais magia pra melhorar a performance de seu corpo. Também é possível emular isso com um pouco de criatividade." Sortuda sacou os seus dois revólveres. "Deixa eu lhe demonstrar isso em uma luta."

"Quê?" Maya arregalou os olhos. "Luta? Você vai lutar comigo?"

"Isso mesmo." Sortuda apresentou os seus revólveres peludos. "Essas são a fofolete & fofuxa!"

"Você vai atirar em mim?"

"Sim."

Ouvindo a confirmação, Alice cerrou seu punho esquerdo.

Maya balbuciou, "M-Mas você é experiente, eu não tenho chance alguma."

"É claro que você não tem." Sorrindo, Sortuda deu uma piscadela. "Relaxa, essa não é uma luta séria."

"Ah..." Maya assentiu timidamente.

"Só me deixa eu fazer os preparativos." Então Sortuda sussurrou para um de seus revólveres.

Bala: Regeneração

Com a mesma arma, ela apontou para a sua própria coxa e apertou o gatilho.

O som do disparo fez Maya estremecer.

Ao contrário da Sortuda, que continuava com a mesma expressão sorridente, enquanto o sangue jorrava do buraco feito pela bala, escorrendo pela perna e arruinando o calçado.

Confusa, Maya se limitou a balançar a cabeça.

A mulher sardenta sussurrou para o seu outro revólver.

Bala: Aceleração

E, assim como anteriormente, ela apontou e disparou contra a sua própria carne. O sangue respingou pelo chão.

Alice havia franzido o cenho, além de estar boquiaberta.

"Vamos começar." Sortuda girou os seus revólveres. "Prepare a sua melhor defesa!"

"O-Ok..." Maya levantou suas espadas-gancho, aguardando o movimento de sua oponente.

"OOOOIIII!"

"AAAHHHH!" Maya deixou cair suas armas quando se deu conta da face de Sortuda cobrindo todo o seu campo de visão.

"BEIJO DE ESQUIMÓÓÓ!"

Antes que Maya pudesse dar um passo para trás, Sortuda já estava esfregando o nariz dela com o seu. Maya fechou os olhos, mas logo de imediato os abriu ao ouvir o estampido e sentir um impacto em sua coxa seguido de uma dor profunda. "AAIIIEEEE!" Ela caiu no chão e pôs a mão aonde estava doendo, sentido que estava molhado de sangue.

"Ora essa..." Sortuda ficou olhando para a garota caída, desapontada. "Eu disse pra você se preparar. Por que não bloqueou a dor se sabia que eu ia atirar em você?"

"SE AFASTA DELA!"

Sortuda olhou para fonte daquele grito e viu uma garota mágica com capacete e motosserra.

Alice mostrou que a sua motosserra já estava ligada. "Eu vou te matar, puta!"

Ainda caída no chão, Maya já havia bloqueado a dor, mas continuava cobrindo seu ferimento com mão, tentando conter o sangramento. Contudo, ela tinha agora outra preocupação. "Alice, NÃO!"

"Oh, você quer lutar comigo até a morte?" Sortuda abriu um grande sorriso. "Isso seria legal."

A loira contorceu o seu pulso esquerdo, onde estava o seu bracelete, conjurando serras circulares flutuantes. "Vamos ver se vai ser legal quando eu acabar com-" Ela sentiu socos fortes em seu peito e sons de tiro em sucessão, uma terrível dor em suas costelas, espalhando para braço e pescoço como uma onda. Um longo instante, ela viu a sorridente Sortuda apontando com o revólver, quando ela havia levantado a braço? O mundo rodou.

Alice sentiu o impacto das suas costas contra o chão, o teto de concreto como sua única vista. Engasgou e tossiu, sentindo o gosto de sangue, respingos avermelhadas pousaram sobre os seus olhos, misturando-se com as lágrimas.

"AAAALLIIIICCEEEE!"

O grito de sua amiga, sua melhor amiga. Alice bloqueou toda a dor, mas não conseguia mover o corpo. A boca estava cheia de sangue, fluindo para fora. O teto estava desfocado.

Eu vou morrer?

O grito de sua amiga, agora um eco distante, parecia ser a confirmação disso. Tudo havia ficado escuro. Se agarrando aos pensamentos, Alice juntava forças por um milagre.

Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. Maya. MayaMayaMayaMayaMayaMayaMayaMayaMayaMaya

Engasgou novamente. Dessa vez não foi uma tosse, ela vomitou o sangue, vendo formar uma larga poça no chão. Então puxou o ar pela boca, sem controle, os pulmões se expandido até o limite e um formigamento de alívio envolveu todo o seu ser. Começou a raciocinar, se dando conta que estava conseguindo enxergar e mover o seu corpo. Ela se levantou com dificuldade e logo viu Sortuda, sempre sorridente, e Maya, de alguma forma, de pé ao lado dela.

"Eae Alice," Sortuda disse, "curtiu a sua morte?"

"Eu não tô morta ainda." Alice finalmente conseguiu ficar de pé e manter o equilíbrio. "Mas você vai tá..."

Maya demandou calmamente, apesar das lágrimas em sua face, "Para."

"Não!" Alice vociferou, "ela atirou em você!"

"Eu não tô ferida!" Maya mostrou a perna, ela estava ensanguentada, mas, ao limpar com a mão, não havia nenhum ferimento visível. "Vê?"

Sortuda fez a mesma coisa com sua coxa, dizendo, "E você também não tá."

Alice franziu a testa e olhou para o seu uniforme encharcado de sangue. A camisa tinha buracos feito pelas balas, porém ela pressionou com o dedo e sentiu a pele. "Que... bruxaria é essa?"

"Balas que curam!" Sortuda apontou o revólver contra a própria testa. "Uma boa forma pra descobrir qual é a sensação, exceto que Madre vai forçar você a remover a sua massa cerebral das paredes." Ela abaixou a arma. "Sua amiga estava chorando, achando que tava mentindo quando disse que você não tava morta. Bem, você ficou uns cinco minutos estirada no chão, sem respirar."

Sem palavras, Alice olhou para Maya e as outras noviças, em uma vã esperança daquilo ser uma piada.

Com um ar de desapontamento, Evie balançou a cabeça.

"Você é muito burra, Alice. Você ameaçou alguém armado com super velocidade quando tinha o elemento surpresa." Sortuda sorriu. "Mas eu gostei das suas serras circulares. Você pode fazê-las aparecerem a qualquer distância?"

Surpresa com o súbito interesse, a loira respondeu com certa humildade, "É... Eu já fiz elas aparecerem distante de mim, mas nem sempre exatamente como eu quero."

"Você precisa treinar isso." Sortuda segurou o próprio pescoço. "Se você fosse esperta, teria conjurado um aqui e ter me decapitado instantaneamente. Ou você poderia ter conjurado um onde tá a minha gema, mas isso não seria esperto, pois você nunca conseguiria escapar da Generalíssima e ela iria tornar você em um pudim de carne retorcida. Hahahaha!"

Alice e Maya se entreolharam, ambas assustadas.

Sortuda estava ainda mais empolgada. "Você consegue fazer serras microscópicas?"

Alice balançou a cabeça. "Eu... Eu não sei..."

"Imagina se você consegue conjurar milhares dessas serrinhas dentro do corpo de alguém?" A irmã coelha arregalou os olhos. "Seria como moer carne de dentro pra fora!"

"Só uma mente doentia pensaria isso." Alice fez uma cara de nojo.

"Eu prefiro dizer que tenho uma mente aberta." Sortuda assentiu. "Você duas caçam juntas, certo? Vocês tiveram sorte. Caso tivessem que enfrentar uma bruxa em estado líquido, como o cavaleiro que eu trouxe aqui, como fariam isso com as suas lâminas? Há muito a se trabalhar com vocês duas. Comigo, vocês irão aprender que versatilidade é poder." Do canto do olho, ela sentiu alguém chegando pelo túnel.

Era Generalíssima, acompanhada de Revenante e Madre.

Algumas noviças prontamente começaram a formar uma fileira.

Generalíssima fez um gesto com a mão, indicando para que continuassem relaxadas.

"Ora, que surpresa." Sortuda deu uma piscadela. "Vieram aprender algum truque novo comigo?"

Vendo todo aquele sangue, Madre comentou, "Essas sãos as novas noviças..."

Generalíssima assentiu. "Já está 'matando' elas, Sortuda?"

Ela deu de ombros. "A loirinha pediu por um curso rápido."

"É bom que elas aprendam rápido," com um olhar de desaprovação, Revenante disse após ranger os dentes, "mas sabendo como tu és, você nem deve tá com uma semente da aflição. A noviça podia ter se tornado uma bruxa!"

Sortuda balançou a cabeça, sorrindo. "Eu dei um monte de tiro pra garantir que ela ia perder a consciência rápido."

"Certo..." Generalíssima olhou para todas as noviças na sala, levantando a voz. "Quando eu cruzei caminho com Madre, eu tive a idéia de observar o treinamento de vocês, mas, como entramos nesse assunto, eu irei ensinar para as novas noviças o que vocês serem as suas almas significa." Ela deu as costas para a mulher negra. "Revenante."

Sortuda fez uma careta, semicerrando o olhar. "Oh, vocês vão fazer a demonstração."

Alice e Maya voltaram a ficar tensas, elas estavam preparadas para tudo.

Como um único movimento, Revenante veio por trás, segurando a face de Generalíssima com uma mão e a puxando, enquanto usava a outra mão para socar a parte traseira do pescoço.

Generalíssima colapsou no chão, sua cabeça em uma posição anatomicamente impossível.

Maya nem sequer estremeceu. A mulher estava imóvel e sem respirar, ela parecia e devia estar morta, porém Maya já havia aprendido que isso era apenas uma inconveniência para uma garota mágica. A única coisa que a incomodava era o fato de que a mulher, em seu semblante cadavérico, parecia estar olhando direto em seus olhos.

[Como vocês devem estar vendo...]

Aterrorizada, Maya deu um passo para trás. "Ela tá falando!"

Não somente ela, como outras noviças inexperientes estavam perplexas.

[... Revenante quebrou a minha espinha. Eu parei de respirar, meu coração também está parando. Eu estou rapidamente perdendo os sentidos.]

Alice notou que o olhar da mulher agora estava ficando sem foco, sem vida.

[Contudo, eu consigo manter a minha consciência, pois estou ciente que eu sou a gema que está no anel da minha mão esquerda. Esse corpo é apenas uma extensão dele. A gema tem um sexto sentido, um que vocês já usaram sem se dar conta, eu posso sentir a presença de suas fontes de magia, suas gemas, vocês. Assim, conectando a minha alma com a de vocês, eu consigo me comunicar. Nós chamamos isso de telepatia, mas é uma forma grosseira de dizer.]

As noviças se entreolharam, algumas olharam para as suas gemas.

[Entendam que isso requer um longo tempo de... condicionamento espiritual para se obter resultados. O primeiro passo é superar o medo da morte e o desespero que dele provêm, mas isso é o mais simples.]

Alice olhou para o seu uniforme ensanguentado, o grito de Maya pelo seu nome assombrou suas lembranças. Aquele era o passo mais simples e ela havia falhado.

[É uma questão de tempo que uma garota mágica na minha situação se torne em uma bruxa, mas é possível postergar isso. As nossas gemas buscam curar os nossos ferimentos, mas elas não levam em consideração se conseguirão antes de corromperem-se completamente. Eu sei que a minha espinha está quebrada, mas normalmente não teremos idéia do estado dos nossos corpos. Por isso que estou usando da minha vontade sobre a gema para não ocorrer cura alguma. Exceto se você tenha uma capacidade miraculosa de autocura, sua esperança deve ser a ajuda externa.]

Madre se aproximou e ajoelhou ao lado do corpo de Generalíssima. Com cuidado e em silêncio, ela colocou a cabeça da irmã caída na posição correta e pousou a mão sobre o pescoço.

[Outro perigo ocorre quando você está consciente nessa situação por um longo período. Você descobre que sua alma tem uma 'fome' por sensações. Sem um corpo, é sua magia que irá providenciar. Começa como um sonho ou uma memória, então você esquece que está morta e o mundo real se torna distante. Se sua gema não for continuamente purificada, a ilusão que seduziu a sua alma se degrada em uma barreira, e você em uma bruxa.]

Madre sorriu levemente e tirou a sua mão.

Generalíssima começou a respirar e piscou. Sua palidez se foi quando ela se levantou, ajudando Madre a ficar pé também. "Obrigada."

As novas noviças estavam impressionadas com a segunda ressureição do dia, mas ainda assim uma levantou a mão. "E... se perderem o corpo?"

"Hã?" Generalíssima perguntou, "o que quer dizer?"

"Se o corpo cair em um lago de lava ou coisa do tipo..."

"Oh..." A mulher de cabelos rosa escuro assentiu. "É possível criar um novo corpo se houver uma amostra de DNA, um fio de cabelo por exemplo, é claro que isso requer um poderoso feitiço e muitas sementes."

Maya nem sequer piscava o olho. Aquela mulher havia respondido tão prontamente... Ela tinha muito conhecimento sobre garotas mágicas. Madre também parecia saber muito, mas não era mesma coisa, ela não transpirava a mesma segurança em suas palavras. Em sua introspecção, a garota reconheceu que, na dúvida, Madre tinha Deus. Aquela mulher, Generalíssima, parecia ter apenas a si mesma.

Generalíssima continuou, "Portanto é importante que não sejam imprudentes. Mesmo que o corpo de uma garota mágica seja apenas uma ferramenta, ele É a ferramenta mais preciosa. Eu gosto de dizer que a nossa alma é uma eterna criança. Sem os nossos sentidos e as nossas experiências para filtrar a realidade, só resta o caos."

[Atenção! Todas as irmãs devem comparecer com urgência à sala de segurança.]

"Invasora?" Sortuda ficou surpresa.

E as noviças ficaram surpresas com a reação de Sortuda. Evie semicerrou o olhar.

Generalíssima trocou olhares com as outras irmãs e deixou a sala em silêncio.

Revenante olhou para Sortuda. "Vamos criatura!"

"O-Ok! Espera por mim."

Como a última irmã ainda na sala, Madre instruiu, "Garotas, eu quero vocês retornem ao dormitório agora e fiquem lá. Não se preocupem com a limpeza." Atípico para quem a conhecia, ela deixou sala de forma apressada, quase correndo.

"O que é isso?" Maya sentiu um aperto no peito. "Por que tão de repente? Aconteceu alguma coisa?"

"Sem dúvida." Alice pressionou os lábios, perguntando a si mesma se deveria desfazer de seu traje mágico.

/人 ◕‿‿◕ 人\

A porta de metal se abriu e a primeira pessoa que Generalíssima viu na sala de segurança foi Inquisidor, ele estava mais infeliz do que o costume, mais nervoso também.

Invasora girou em sua cadeira. "Que bom que vocês vieram."

Junto com Madre e Sortuda, Revenante entrou na sala antes da porta fechar. "É Washington?"

"Não." Invasora abaixou o olhar. "É melhor que o Inquisidor explique isso."

Ele cruzou os braços. "Eu só vou dizer quando todas as irmãs estiverem aqui... Se isso vai ocorrer."

Cerrando os punhos, Generalíssima se aproximou do homem. "O que está acontecendo?"

Porém todos ficaram em silêncio ao notarem uma nuvem cinza metálica vindo do duto de ventilação. Ela se solidificou, adquirindo a forma de uma garotinha robô, seus olhos acenderam como duas cruzes de luz. A voz de Nano veio do alto-falante no lugar da boca, "Oi pessoal."

"Era para você estar aqui," Inquisidor disse, "e não enviar as suas máquinas."

O robô pendeu a cabeça de lado. "Eu sempre fiz isso quando eu sou chamada."

"Não dá para ver onde você está pelas câmeras de segurança," o homem andou em direção ao robô, com um olhar ameaçador, "apareça, AGORA!"

Com a mão no peito, Generalíssima empurrou ele, "Ow, ow, ow, calma! O que diabos está acontecendo?"

"Nossas sementes..." A raiva na face dele passou a ser frustração. "Alguém roubou as nossas sementes."

O silêncio tomou conta da sala.

Com os olhos ainda arregalados, Generalíssima finalmente balbuciou, "Quan... Quantas sementes nós ainda temos, Inquisidor?"

O homem balançou a cabeça e fungou o nariz.

Ela vociferou, "INQUISIDOR!"

"Todas as sementes estavam no cofre para a purificação." Ele cobriu a face com ambas as mãos. "Ele está vazio agora..."

Generalíssima novamente ficou sem palavras.

Inquisidor puxou o cabelo para trás, olhando para o teto. "Nós não temos sementes."

"Ehh..." O robô levantou a mão. "Eu ainda tenho três sementes comigo aqui no silo."

Sortuda sorriu. "Ah, menos mal então, podemos ficar reciclando essas três."

"Não," Inquisidor disse, ainda tenso, "com o feitiço que eu usar para matar três bruxas agrupadas juntas, eu poderia ter matado dez. Não é eficiente e eu não vou ficar todo o tempo na sala de purificação com esse ladrão à solta. Ainda mais agora que ele sabe que há mais três sementes."

"O quê?!" Revenante rangeu os dentes. "Tu tá achando que foi uma de nós que fez isso?"

O homem franziu a testa. "E você ainda pergunta isso?"

O robô falou, "Não poderia ser uma noviça?"

"Elas não têm acesso ao andar inferior," Madre afirmou, "elas nem sabem que existe um cofre."

"Isso foi planejado." Inquisidor assentiu. "Tem que ter sido feito por alguém que teve acesso frequente ao local. Uma noviça acabaria sendo flagrada por uma irmã ou pelas câmeras de segurança."

"Vai saber?" Sortuda deu de ombros. "A gente tá falando de garotas mágicas."

"Chega de especulação, vamos resolver isso agora." Generalíssima se aproximou de Invasora. "Mostra gravação da entrada da sala de purificação."

Inquisidor disse, "Por que acha que eu estava aqui?"

"Hã?" Generalíssima olhou para ele.

"Desculpa, Generalíssima, mas..." Invasora girou em sua cadeira, olhando para uma tela.

Generalíssima olhou para a mesma direção, vendo que a tela estava apagada. "O quê...? Essa câmera ainda não tinha sido consertada?"

"Eu consertei ela," Nano afirmou através do robô, "estava funcionando. Invasora verificou isso junto com o Inquisidor."

A bailarina na cadeira assentiu.

"Isso mesmo," o homem confirmou, "agora a câmera quebrou novamente."

"Então foi o ladrão?" Madre cogitou, "se essa câmera quebrou anteriormente, pode ser que já era uma tentativa dessa pessoa."

Invasora continuava olhando para a tela preta. "Podia ser um teste para verificar a nossa reação. Como não tomamos nenhuma medida severa quanto ao ocorrido, o ladrão se sentiu seguro para agir."

Revenante contraiu os seus músculos. "Desgraçado."

Sortuda murmurou, "Putz, eu nem tinha notado..."

"O quê?" A mulher negra se virou para a coelhinha.

"Eu nem tinha notado..." Sortuda sorriu, "que vocês tavam falando sobre a câmera por causa daquela tela apagada, hehe..."

Revenante revirou os olhos.

Generalíssima demandou, "Mostra a última coisa que essa câmera gravou."

"Eu já havia checado isso. Essas são imagens de ontem." A gema de Invasora brilhou e tela preta começou a mostrar a entrada da sala de purificação, estava vazia. De repente, a imagem ficou em preto e branco e, momentos depois, havia apenas preto.

"Certo, agora mostre a imagem da câmera no corredor principal que vigia o acesso para a entrada da sala de purificação. Ou ela quebrou também?"

"Não, ela ainda está funcionando. Contudo..." Invasora apontou para outra tela, sincronizando com as imagens da tela anterior. Ela retrocedeu a gravação. "Como pode ver, a última pessoa que esteve na entrada da sala de purificação era o Inquisidor, muito antes da câmera parar de funcionar."

Revenante frisou as sobrancelhas. "Você tá querendo dizer que a câmera quebrou sozinha?"

"A pessoa deve ter feito isso por um ponto cego," Madre argumentou.

"E como Inquisidor não viu ela antes de sair? A sala é minúscula," Revenante rebateu.

Sortuda comentou, "Talvez Nano não consertou a câmera direito."

O robô não tinha a função de expressões faciais, mas a voz de Nano era mais do que suficiente para mostrar o quanto ficou irritada, "Nós testamos! Eu não cometeria esse erro."

"Você não é uma máquina." Sortuda sorriu. "Ou vai me dizer que foi um fantasma que fez isso? Nossa base tá assombrada agora?"

"Chega!" A voz de Generalíssima foi energética, "Não vamos desperdiçar tempo com discussões bobas." Então ela retornou sua atenção ao Inquisidor. "Então a última vez que você viu as sementes foi ontem."

Ele assentiu. "Isso mesmo."

Invasora perguntou, "Em todas vezes que você checou o cofre?"

Generalíssima ficou confusa. "O quê?"

"Eu estou verificando todas as vezes que a câmera do corredor principal capturou alguém passando durante o provável tempo que ocorreu o roubo." A gema de Invasora brilhava forte enquanto ela prestava atenção em algumas telas. "Após a câmera que mostrava o cofre quebrou, Inquisidor visitou quatro vezes a sala. Bem, na última vez ele saiu correndo, vindo para cá."

Revenante semicerrou o olhar. "Consegue ver se ele tava carregando sementes nas outras vezes que ele saiu?"

A garota asiática balançou a cabeça. "Não estou vendo nada nas mãos dele."

Inquisidor arregalou os olhos e franziu o cenho. "O que vocês estão insinuando?"

Revenante disse friamente, "Que você poderia esconder as sementes sob as suas roupas."

Ele rangeu os dentes e vociferou, "SE EU TIVESSE ROUBADO AS SEMENTES, POR QUE EU ESTARIA AQUI ALERTANDO SOBRE O OCORRIDO?"

"Isso é uma simulação?" Generalíssima olhou bem nos olhos dele. "É algo que você vai pôr na sua 'lista de checagens' que vai enviar para Washington?"

"Não seja tola!" Inquisidor socou o ar. "Eu nunca faria algo assim."

Com a paciência exaurida, Generalíssima apontou para as telas mostrando ele. "Então que porra é essa?"

O homem se acalmou. "Você deve saber dos detalhes da história da primeira vez que essa câmera quebrou. Nano e Invasora cogitaram que eu havia danificado ela com a minha magia, mas eu disse para elas que podia ser que uma barreira de bruxa tenha vazado da sala de purificação durante o processo. Depois que a câmera foi reparada, me veio na minha mente a possibilidade de que a barreira poderia ter vazado do próprio cofre, de uma semente que não havia sido devidamente purificada. Portanto eu fiz algumas visitas para ver se havia alguma reação vindo das sementes."

"Isso é tudo?" Generalíssima continuava fitando intensamente ele.

"Sim, isso é tudo."

"Nossa..." Sortuda pôs as mãos atrás da cabeça e se espreguiçou. "De fantasma pra bruxa. Agora dá pra acreditar."

Madre afirmou, "É verdade que uma barreira causaria um mau funcionamento na câmera, mas Inquisidor já teria sentido isso."

"Generalíssima."

"O QUÊ?" Ao responder a Invasora, ela se deu conta que havia levantando demais a voz. "Desculpa..."

Invasora balançou a cabeça. "Eu que devo me desculpar, pois eu tenho certeza de outra pessoa que passou por aquele corredor naquela hora..."

Generalíssima olhou para as telas. A gravação mostrava uma bailarina caminhando. "Você?"

"Isso é antes da câmera na sala de purificação quebrar," Invasora explicou, "eu fui visitar Nano no silo."

O robô assentiu. "É, ela ficou um tempo comigo por algumas horas. Ela me ajudou a resolver um problema no algoritmo de navegação dos meus drones, foi bem produtivo."

"Horas?" Generalíssima questionou, "E quem ficou na sala de segurança?"

Invasora fez uma menção com a cabeça em direção para uma outra tela. Ela mostrava as imagens dentro da sala de segurança e todos viram uma garota coelhinha sentada cadeira, com os olhos fechados e com a boca aberta, babando. Depois todos olharam para essa mesma pessoa que estava presente.

"Ah, me pegaram! Hihihiii..." Sortuda estava com um sorriso envergonhado. "Eu tava pagando um débito que eu tinha com a Invasora, mas essa cadeira é muito confortável. Bem, vejam pelo lado bom, não pode ter sido eu."

"Mas que merda, criatura!" Revenante puxou uma das orelhas de coelho.

"Ai! Ai! Não arranca!"

Inquisidor perguntou para Invasora, "Você contou com antecedência para alguém sobre essa sua saída do posto?"

"Não."

"Então o ladrão deve ter visto você sair dessa sala." Ela apontou para as telas. "Consegue mostrar esse momento?"

"Claro." A gema de Invasora brilhou e uma das telas mostrou ela saindo da sala e descendo as escadas. No mesmo corredor estava uma mulher negra testemunhando aquilo.

"Eu me lembro disso," Revenante comentou, "eu até alertei Generalíssima."

A mulher latina frisou as sobrancelhas, "Você fez isso?"

"Sim, telepaticamente, você não respondeu."

"Eu não me lembro."

Inquisidor inquiriu, "Onde você estava?"

"Naquele momento?" Generalíssima balançou a cabeça. "Eu não tenho certeza."

Porém Invasora tinha a resposta. "Ela foi na central de dados."

"Uma sala que não tem câmeras," o homem afirmou.

"Eu estava registrando os últimos suprimentos que eu havia trazido." Ela semicerrou olhar para ele. "Conforme você queria."

O silêncio foi uma canção curta da tensão entre os dois. Sem tirar os olhos de Generalíssima, Inquisidor falou, "Madre, onde você estava?"

"Em um lugar que não há câmeras também," a mulher ruiva disse, "meu quarto."

"É verdade o que ela diz." Invasora confirmou pelas gravações. "Ela ficou no quarto por várias horas."

"Eu estava preparando o material para o próximo encontro com as noviças."

A garota na cadeira olhou para ela. "Você faz isso na sala de aula."

Madre abriu a boca e piscou os olhos, antes de dizer, "Sim, normalmente. Nesse caso eu estava fazendo uma seleção de leituras bíblicas que pudessem trazer esperança nesses tempos difíceis e eu preferi fazer isso onde eu medito. Sabe, nossas crianças têm sido muito fortes, mas eu sinto que estamos chegando no limite. E agora nós temos esse problema para lidar..."

Inquisidor assentiu, esfregando a sua barba. "Você sabe o que é mais estranho de tudo isso?"

"O quê?" Generalíssima cruzou os braços.

"Quando eu pedi para Invasora que chamasse todas as irmãs, eu não esperava que todas estariam aqui."

"Você achou que o ladrão já teria saído da base com as sementes?" Generalíssima balançou a cabeça. "Não é tão fácil."

Sortuda sorriu. "Pra Generalíssima é moleza!"

"Cala boca, criatura," Revenante disse.

Deixando a coelhinha confusa, "O que foi?"

Invasora explicou para o homem, "A porta de saída só pode ser aberta e fechada daqui."

Ele perguntou, "Não há uma abertura manual?"

"Há, para emergências, mas requer um código que deve ser inserido mecanicamente. Apenas Nano, Generalíssima e Madre sabem como fazer isso."

"E se a porta for aberta dessa forma, ela não pode ser fechada," Generalíssima complementou, depois se virou para Invasora, "mas pode me dizer se alguém tentou sair?"

A garota asiática se concentrou em uma tela onde a gravação era mostrada em um ritmo extremamente acelerado. "Não há registros, nem sequer as luzes da rampa foram acionadas."

Inquisidor olhou para as telas. "Não haver registros não significa muito para mim, mas vamos considerar que o ladrão estava ciente de que não conseguiria escapar, ele teria então planejado um esconderijo para as sementes. Nesse caso, nós... devemos..."

Com súbita pausa e a face de surpresa dele, Generalíssima olhou para as telas também, procurando por qualquer coisa. A câmera do corredor mostrava uma pessoa mascarada em um casaco de couro de fronte ao acesso à entrada da sala de purificação. "Invasora, isso é ainda a gravação de ontem?"

"Sim, sim... Eu estava tão distraída procurando por outras coisas..." A gema azul em forma de asa brilhou e ela ficou boquiaberta. "Isso... Isso é de antes da última vez que Inquisidor esteve lá."

Em um tom agressivo, Revenante questionou, "O que Matryoshka tá fazendo lá?"

"Ué." Sortuda deu de ombros. "Ela vive naquele andar."

Generalíssima olhou para o robô. "Ela visitou o silo ontem?"

Nano respondeu, "Não, e as minhas máquinas não detectaram a presença dela."

Invasora foi narrando o que ela via na tela, "Ela está olhando de um lado para o outro do corredor, ela põe as mãos nos bolsos e... ela entra no acesso."

Um grande silêncio tomou conta da sala de segurança.

"Quanto tempo ela ficou lá?" Generalíssima indagou.

"Sete minutos e trinta e dois segundos." Invasora olhou de relance para o Inquisidor.

O homem estava ainda mais próximo das telas. A luz exacerbava os contornos tensos de sua face.

Invasora abaixou o olhar, segurando as suas mãos próximas ao seu peito. "Você não havia dito sobre o que se tratava quando pediu que eu chamasse todas as irmãs, e ela não é uma, então..."

"Onde ela está agora?" Ele perguntou.

A voz dele estava calma e controlada, o que deixou Invasora mais preocupada. "No laboratório improvisado dela, perto do reator. Eu irei chamá-la."

"Não." Inquisidor foi para a porta. "Nós vamos até lá."

Ele saiu sem dizer mais nenhuma outra palavra, deixando as irmãs na sala se entreolhando.

"Ok, irmãs, vamos segui-lo." Generalíssima foi para a saída, mandando uma ordem para o robô, "Nano, pare o que você estiver fazendo no silo. Eu quero que você se encontre conosco lá embaixo."

A luzes dos olhos dos robôs piscaram. "Eu farei isso."

"E traga as sementes!"

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A porta de metal se abriu. Inquisidor entrou primeiro e logo a sala estava cheia de pessoas.

Matryoshka estava no fundo da sala, cuidando do que parecia ser um aquário sobre as caixas, com um estranho maquinário dentro da água, com muitos conectores e cabos ligados a dispositivos fora dele. "Bom dia." Ela se virou para os visitantes. "Vocês não estão com cara de que vieram testemunhar meu experimento de fusão fria com água pesada." Ela então notou alguém e sua voz carregava mais surpresa, "Até Nano em pessoa está aqui. Não é meu aniversário, ou é?" ela abaixou a cabeça, sussurrando, "quando é meu aniversário? Hmm..."

"Onde estão as sementes?" Inquisidor perguntou.

"Sementes? Sementes... Oh!" Matryoshka começou a apalpar as suas roupas. "Aqui? Hmmm..."

Inquisidor trocou os olhares impacientes com a Generalíssima.

"Ah!" Matryoshka apontou para uma direção. "As sementes estão em cima... Não, espere. Eu não recebi sementes novas."

"As sementes foram roubadas do cofre," Generalíssima finalmente disse.

A voz de Matryoshka era de surpresa. "Como vocês deixaram isso acontecer debaixo de seus narizes?"

Inquisidor falou, "Por que não conta isso para nós?"

"Ah, eu entendi..." Matryoshka pôs ambas as mãos sobre a cabeça e então abriu os braços, fazendo a alusão de que estava a expandindo. "Como eu sou um gênio, eu roubei as sementes e retornei à minha rotina normal, sabendo que vocês iriam me considerar suspeita por eu não fazer parte da Irmandade das Almas."

Revenante vociferou, "Desgraçada! A gente tava confiando em ti!"

"Ow Revah..." Sortuda ergueu a sobrancelha enquanto sussurrava, "ela tá sendo sarcástica."

Generalíssima disse, "Nós temos uma gravação de que você acessou a sala onde está cofre ontem."

Matryoshka respondeu prontamente, "Não é proibido ir lá, ainda."

O homem perguntou, "O que estava fazendo lá?"

"O que eu estava fazendo? Eu costumo dar uma caminhada quando quero raciocinar e para me livrar de sensações estranhas."

Madre ergueu as sobrancelhas. "Sensações estranhas?"

"Eu espero estar sendo clara." Matryoshka pôs as mãos nos bolsos. "Quando eu era criança e estava sozinha no meu quarto escuro, deitada na cama, algumas vezes eu tinha sensação de haver alguém me observando das sombras e prestes a atacar. Eu tenho essa mesma sensação aqui, mas com a sala bem iluminada. Eu me certifiquei que não há ninguém, mas não consigo evitar isso. Talvez seja esse silêncio..."

Sortuda abriu um grande sorriso. "Olha! É o fantasma de novo!"

Inquisidor balançou a cabeça. "Essa é a sua desculpa?"

"Eu não preciso de desculpas," Matryoshka disse, mais irritada, "a sala com o cofre não tem câmera? Vocês podem ver que eu não fiz nada."

"A câmera quebrou," Nano disse.

"Que conveniente..." Matryoshka abriu bem os braços. "Eu não roubei nada, vocês podem olhar nas caixas. Revirem tudo."

"Você não iria sugerir onde você escondeu as sementes." Inquisidor se aproximou e começou a desabotoar o casaco dela.

"Você vai me revistar?"

"O que você acha?"

"Boa sorte."

Após abrir o casaco de couro, Inquisidor se deparou com o zíper do moletom azul. Na parte interna do casaco havia muitos bolsos com etiquetas em russo, alguns papéis, outros com ferramentas e frascos.

Matryoshka disse, "Você vai ter que ir mais fundo se acha que elas estão comigo."

Com um semblante sisudo, Inquisidor assentiu e puxou o zíper. Quando o moletom abriu, uma confusão de fios elétricos saiu para fora, conectado a painéis com pequenas alavancas metálicas e mais etiquetas velhas em russo. O cheiro de químicos fez as narinas dele arderem.

A pessoa mascarada avisou, "Se cortar um fio ou mudar uma alavanca por acidente, todos nessa sala morrem."

O homem não esboçou nenhuma reação, mas também não se moveu.

"É uma piada, ok? Só você morre."

Ele perguntou, duramente, "Você é uma comediante?"

"Só quando estou nervosa."

Inquisidor não hesitou mais e abriu um caminho pelos fios e painéis. Não parecia haver ali qualquer compartimento para procurar. Atrás dos fios estava um traje verde de contornos femininos, combinando com a saia da mesma cor.

"Mais fundo," Matryoshka instigou, "esse você abre como um espartilho, não sei se um homem é capa-"

Inquisidor a abraçou, suas mãos alcançando as amarrações nas costas dela.

"O! Uhuhuhuhu..."

Mesmo tão próximo, Inquisidor não era capaz de ver os olhos atrás do visor da máscara. "O que há de tão engraçado?"

"Nada, apenas a surpresa." Ela descansou a cabeça no peito dele. [Você está com uma cara de que está se dando conta do papel de idiota que está fazendo.]

[Isso é o que você pensa.] Inquisidor descia as mãos enquanto desamarrava o espartilho, foi quando sentiu objetos próximos da bunda dela. Eles tinham uma superfície dura e lisa, e ponta arredondada, mas pareciam ser finos demais para serem sementes.

"Cuidado!" Matryoshka levantou a cabeça, "Um desses frascos contém dimetil-mercúrio. Ela é absorvida pela pele e sua luva não irá te ajudar. Uma gota e você ficará em coma até alguém arranjar um cérebro novo para você ou sua gema se tornar uma semente."

Inquisidor semicerrou o olhar. "Por que você carrega consigo uma substância tão perigosa para garotas mágicas?"

"Pela ciência."

Ele voltou a desamarrar o espartilho.

Matryoshka gemeu. "Ahhh... Eu não irei precisar do oxigênio auxiliar por hora..."

Ressabiado, Inquisidor removeu o espartilho e deu um passo para trás. O que ele estava vendo era custoso de acreditar.

A outras irmãs na sala não ficaram menos espantadas.

"Por que a surpresa?" Dezenas de tubos transparentes com substâncias estavam enrolados no torso de Matryoshka, alguns deles iam para debaixo da saia enquanto outros entravam em aberturas sob medida, mas com marcas de sangue, do macacão plástico laranja.

Os olhos de Inquisidor arderam e lacrimejaram, seu nariz acusava um cheiro de carne e desinfetante que lhe remetia a um ambiente hospitalar. "Esses seus tubos, eles estão..."

"Sim, eles estão. Os nossos corpos são fantásticas fábricas compactas de químicos. Qualquer coisa pode ser produzida com o incentivo certo. Infelizmente, nossos corpos também não gostam de ações invasivas e substâncias mais nocivas ainda precisam ser finalizadas no reator sob a minha saia." Ela levantou a saia, mostrando um estranho dispositivo em volta das pernas, na forma de um toróide, com alguns tubos grossos de metal, além dos tubos transparentes conectados na parte superior. "Quer ver ele funcionando?"

Ele prestou atenção no macacão. "Como eu abro essa roupa?"

"Você não abre. E eu não gostaria que você rasgasse, pois faz muito tempo que a minha pele não tem contato com a atmosfera." Matryoshka pendeu a cabeça de lado. "Você ainda pode me revistar, ou já viu o bastante?"

O semblante de Inquisidor endureceu e ele se aproximou. Suas mãos encontraram espaços entre os tubos e ele apalpou o macacão, começando pelos quadris. Logo ele constatou que podia sentir os ossos facilmente, era uma pessoa magra.

"Você pode ser mais agressivo, eu não sinto cócegas fácil."

Ele ignorou as chacotas, se concentrando em sentir qualquer forma que parecesse com uma semente. Suas mãos foram subindo pelas costas, então retornaram ao abdômen, ele sentiu as costelas e um volume no peito.

Matyoshka permaneceu em silêncio.

Olhando direto para o visor da máscara, Inquisidor apertou apenas para ter certeza.

Ela disse com toda a calma, "Muito macio para ser sementes, não é?"

Ele tirou as mãos e recuou, virando a cara em uma vã tentativa de esconder a frustração.

Sortuda anunciou com um pequeno pulo de excitação, "Bem-vinda ao clube das garotas!"

"Vocês duvidavam do meu gênero?!" Matryoshka abraçou a si mesma e suas roupas foram envelopadas por uma luz verde cegante, incluindo o seu espartilho no chão. Quando a luz se foi, o espartilho havia desaparecido e ela já estava com seu casaco fechado, devidamente abotoado. "Eu quero ver o cofre."

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Na área da entrada da sala de purificação, Inquisidor mostrou o cofre aberto e vazio. "Ele estava fechado, depois eu não mexi em nada."

Sem pedir, Matryoshka se aproximou e se inclinou para dentro do cofre, tateando as paredes do compartimento.

Ele perguntou, "O que está fazendo?"

"Verificando se não haveria um fundo falso." Ela se afastou do cofre. "Os melhores truques são tão ridículos que os tolos se recusam a imaginá-los."

Enquanto isso, Nano terminava o seu diagnóstico da câmera de segurança.

"O que você encontrou?" Generalíssima perguntou.

"Como na outra vez, os conectores estavam deslocados," a criança disse, "eu achava que era devido alta variação de temperatura causada pelo Inquisidor, mas agora eu sei que isso foi algo deliberado."

"E qualquer um pode ter feito isso." Revenante trocou olhares nada amigáveis com Inquisidor. "Se a câmera tivesse queimada, ficaria tudo mais fácil..."

Matryoshka comentou, "É por isso que na União da Terra-Mãe nós sempre temos um grupo guardando as sementes todo o tempo. Tecnologia não é esperta, pessoas são."

Madre perguntou para os demais, "Como vocês acham que o ladrão conseguiu abrir o cofre?"

Generalíssima pensou por um momento e disse, "Quando se trata de magia, qualquer coisa é possível, mas vendo que o cofre está intacto, a pessoa deve ter feito através do painel eletrônico."

"Ele teria sido hackeado, não é?" Invasora falou.

Generalíssima se virou para ela, surpresa, se dando conta do que havia dito.

"É claro..." A bailarina ficou cabisbaixa. "Eu facilmente abro esse cofre com a minha magia, assim como posso manipular as imagens das câmeras de segurança para apagar os meus rastros. Isso me faz ser a principal suspeita e o ladrão deve saber disso."

"Nós não temos suspeitos ainda," Generalíssima declarou, "Invasora, você estava com Nano durante o roubo. Nós vimos."

"Nós vimos o que as câmeras mostraram." Inquisidor se aproximou da garotinha. "Nano, ela visitou você?"

"Sim, eu já disse."

Ele continuou a inquirir, "Ele sempre esteve contigo? Nunca perdeu ela de vista?"

Preocupada com tamanho daquele homem na sua frente, Nano trocou olhares com Invasora. "Ela sempre esteve perto de mim."

"Você tocou nela?"

Nano paralisou-se. "Hein?"

Inquisidor ergueu as sobrancelhas. "Ou ela tocou em você?"

Sortuda franziu a testa, sorrindo. "Ermm... Essa conversa tá ficando esquisita. Hehe... AII!"

Revenante deu um tapa atrás da cabeça da coelhinha.

"Sim, nós no tocamos." Nano assentiu. "Ela me ajudou a carregar algumas ferramentas."

Generalíssima falou, "As projeções de Invasora não podem interagir com objetos físicos."

"Eu sei bem disso!" Inquisidor olhou intensamente para a criança. "Se você estiver mentindo..."

"Eu não estou! Eu juro!" Nano exclamou, com uma cara de choro. "Por que eu faria isso? Eu sou leal a Irmandade, esse é o meu único lar. Para onde mais eu iria?"

Inquisidor abaixou o olhar, ponderando, "Sim, para alguns esse é o único lar deles..."

Matryoshka interrompeu, anunciando, "Existe um método mais simples que o ladrão pode ter utilizado." Ela fechou a porta do cofre. "A trava é automática?"

"Isso mesmo," Generalíssima respondeu.

"Bom, bom, então vamos ver..." Matryoshka começou a digitar no painel. "Hmmm... 192316." A trava da porta fez um som distinto e ela se abriu. "Touché!" Quando ela se virou para outros na sala, ela sofreu um empurrão.

Inquisidor pressionou ela contra a parede. "COMO É QUE VOCÊ SABIA O CÓDIGO?!"

Mantendo a calma, Matryoshka respondeu, "Salmos, décimo nono livro da bíblia, capítulo vinte três, versículos de um ao seis."

Ele arregalou os olhos e ficou sem palavras.

"Você que usa o cofre, um homem religioso," Matryoshka explicou, "nada mais natural que use um dos trechos mais famosos da bíblia como senha. Infelizmente, eu acabei acertando na primeira tentativa, eu estava esperando acertar depois várias, já que esse painel parece não impedir isso. Eu estou errada, Nano?"

A menina coçou a cabeça com a sua manopla. "Você não está. Eu coloquei o mesmo painel que é usado nas portas, eu não pensei nisso."

"É isso o que acontece quando você deixa crianças fazerem o trabalho de adultos," a garota mágica mascarada afirmou, "e vocês pretendem ser uma organização global?"

Inquisidor semicerrou o olhar. "A maioria das pessoas não sabem que os salmos é o décimo nono livro da bíblia."

"Essa é a palavra-chave, a maioria." Ela pôs as mãos nos bolsos. "A União da Terra-Mãe não enviaria alguém incompetente para essa importante parceria com a Irmandade. Eu já visitei Roma, Vaticano, capiche?"

Inquisidor balançou a cabeça. "Você se acha inteligente, porém você só complicou a tua situação."

"Eu não tenho nada a esconder porque não fui eu que roubei as sementes. Talvez você deva perguntar para quem sabe o código e ainda não se pronunciou."

Sortuda levantou a mão. "Generalíssima deve saber o código, pois ela era que fazia a purificação antes do Inquisidor chegar."

Revenante exasperou. "Para de asneiras, criatura!"

"Por quê? Não é verdade?"

"Sim, é verdade." Generalíssima levantou a voz.

Todos olharam para ela.

"Eu poderia quebrar a câmera, abrir o cofre, pegar as sementes e sair da base sem ser vista." Ela sorriu levemente. "Porém eu não fiz isso, senão por que eu ainda estaria aqui? Além do mais, eu não precisaria de tudo isso, bastaria eu vir aqui a qualquer hora e levar as sementes. Todos vocês juntos não conseguiriam me deter."

"É!" Revenante assentiu. "Nós não teríamos a menor chance!"

"Ah..." Matryoshka olhou para Generalíssima, dizendo em um desconfiável tom de homenagem, "a exemplar da Irmandade."

Inquisidor pressionou Matryoshka contra a parede mais uma vez, antes de soltá-la e voltar para onde estava as irmãs, apontando para o chão e falando em voz alta, "Ninguém sai dessa base em hipótese alguma! Nós iremos procurar em cada canto desse lugar e encontrar as sementes, e esse ladrão, não, esse TRAIDOR irá pagar caro."

Um tanto intimidada com a fúria daquele homem, Madre perguntou, "Devemos contar isso para as noviças?"

"Sim, é necessário," ele disse, "não sabemos quanto tempo levaremos para encontrar as sementes, teremos que racionar com o que temos. A partir de agora todos nós teremos que fazer a nossa parte e evitar o uso de magia." Então ele se virou para Nano. "Você precisa parar as suas máquinas que estão trabalhando no projeto."

"Ei, espera! Espera aí!" Generalíssima o encarou. "Eu não concordo com isso, o projeto precisa continuar."

Inquisidor mostrou sua carranca para ela. "O QUÊ?!"

"O projeto está quase finalizado. Nano pode usar menos magia, trabalhar mais lentamente, mas isso não pode parar."

"Me diga..." Ele se acalmou, mas com um olhar penetrante. "Por que esse projeto é mais importante que as almas de todos aqui?"

"Eu só posso dizer que essas instalações que eu comando foram construídas para esse projeto." Generalíssima estufou o peito. "Isso aqui não é Europa, nem Washington. A maioria das noviças que vivem aqui não foram recrutadas, e sim resgatadas. A estadia delas aqui é para ser temporária."

Inquisidor insistiu. "Seria mais fácil aceitar o que você pede se contasse mais detalhes."

Ela balançou a cabeça. "É confidencial."

"Pelo amor de Deus!" Ele levou as mãos à cabeça e fechou os olhos.

"Você sabe as regras! Você precisa da autorização de Washington."

"Washington?!" Ele arregalou os olhos, destilando cólera. "Olha a nossa situação! Olha! Tenha um bom senso!"

"Você quer saber tudo sobre o projeto?"

Ele se virou de imediato, tão surpreso quanto Generalíssima.

Matryoshka havia aberto o seu casaco e retirado um documento dentro dele. "Leia isso." Ela entregou os papéis na mão dele.

Generalíssima andou em direção a ela. "Você não pode fazer isso!"

"Você não me dá ordens," Matryoshka afirmou, "e a União da Terra-Mãe me deu total autonomia para compartilhar essa informação para quem eu quisesse."

Inquisidor folheou algumas páginas. "Está tudo em russo."

"Você consegue interpretar os esquemas, não consegue?"

Generalíssima segurou a respiração enquanto via o homem folhear mais algumas páginas.

Inquisidor finalmente parou e arregalou os olhos. Ele então mostrou a página perto da face da mulher de olhos rosa escuro. "O que é isso?!"

Era o desenho de um compartimento especialmente projetado para conter uma gema da alma cercada por sementes da aflição.

Vendo aquilo, Generalíssima rangeu os dentes e ordenou, "Todos aqui, saiam."

Madre, Sortuda, Revenante, Invasora, Nano... se entreolharam.

"AGORA!"

Ainda confusas e preocupadas, elas deixaram o recinto.

Matryoshka também decidiu sair, mas foi impedida pelo braço de Generalíssima.

"Não, você fica."

Inquisidor continuava segurando a página, olhando para Generalíssima sem piscar uma vez sequer.

Ela suspirou e disse, "Ok, eu te conto. Isso que você está vendo é o que estará dentro do satélite que colocaremos em órbita."

"Vocês irão mandar uma alma para o espaço?" Inquisidor franziu as sobrancelhas. "De quem?"

Generalíssima respondeu, "Uma garota mágica que Washington estava preparando para essa missão."

Ele continuou com as sobrancelhas franzidas. "Ela se voluntariou para isso?"

Ela ficou em silêncio por um breve momento antes de dizer, "Por isso que esse projeto confidencial."

"Oh meu Deus..." Inquisidor abaixou o braço que estava segurando a página.

"Eu não vejo tanto drama nisso," Matryoshka falou, "dentro da gema você perde a noção do tempo. Os dois anos que esse satélite foi projetado para ficar em órbita passarão rápido."

"E então ela morre em uma bola fogo na reentrada da atmosfera?" Ele questionou.

"O compartimento foi projetado para resistir a isso, é mais seguro do que para astronautas," Generalíssima disse, "o maior risco é se uma bruxa nascer das sementes."

Matryoshka balançou a cabeça. "Isso não deve acontecer. Sem um corpo, a gema se corrompe muito lentamente. Essa missão poderia durar cinco anos sem problemas."

Inquisidor olhou para as duas mulheres. "O que é essa missão?"

"A gema estará integrada a um dispositivo capaz de amplificar a sensibilidade a magia em uma direção." Generalíssima pôs a mão ao peito. "Quando eu estava em Washington, eu supervisionei e aprovei esse invento após rigorosos testes."

"E vocês pretendem escanear o planeta com isso?"

Generalíssima assentiu. "As informações serão compartilhas entre nós e a União da Terra-Mãe."

"Certo..." Ele semicerrou o olhar. "Como vocês pretendem lançar esse foguete sem que o mundo inteiro saiba?"

"Deixe isso conosco," Matryoshka disse, "nós temos uma equipe de 'Invasoras' para fazer parar de funcionar os radares da NORAD, ВВКО, e outros por um tempo. As investigações irão encontrar apenas uma rede de cyber terrorismo norte coreano."

"Quanto a possíveis testemunhas oculares," Generalíssima complementou, sorrindo, "nós planejamos uma campanha de desinformação. Espalharemos na Internet vídeos e imagens claramente falsos, acusações sem fundamentos e piadas. Em poucas semanas isso não será mais do que uma teoria da conspiração."

O homem desviou o olhar enquanto coçava a sua barba.

"Imagine, Inquisidor." A voz de Generalíssima era mansa. "Quando uma garota fizer contrato com o Incubator, em menos de um dia saberemos onde ela vive. Nós poderemos estimar a população de garotas mágicas e bruxas em uma região. Poderemos identificar e localizar esse novo tipo de bruxas. Poderemos até encontrar Walpurgisnatch!"

"Você está sendo bem otimista," Inquisidor declarou, "porém eu reconheço que o sucesso desse projeto trará uma nova era, não somente para Irmandade como para todas garotas mágicas do mundo. Ainda não estaremos um passo à frente do Incubator, mas estaremos mais próximos."

Generalíssima assentiu, triunfante.

"Contudo..."

O sorriso dela se foi.

"Como você disse, a garota estava sendo preparada por Washington. Nós perdemos contato com eles, não sabemos se essa garota ainda está viva. Eu não consigo enxergar a necessidade de tamanha urgência."

Generalíssima bufou e rangeu os dentes. "Assim que reestabelecermos comunicações com Washington, eu garanto que a primeira coisa que eles irão perguntar é se o projeto está pronto. Isso pode ser a chave para superarmos essa crise!"

Inquisidor estava impassível. "A crise pode ter mudado a prioridade deles, eu aceito o risco de estar errado."

Generalíssima arregalou os olhos e chegou bem perto dele, afirmando, "Você será expulso da Irmandade!"

"Sim, eu assumo a responsabilidade."

Desnorteada, ela ficou de boca aberta.

"Eu tenho que concordar com o Inquisidor. Não faz sentindo terminar o projeto agora."

Sentindo aquele novo soco no estômago, Generalíssima olhou para Matryoshka.

"Vocês falam apenas de Washington, mas eu também preciso me comunicar com a União. Somente com a aprovação final deles é que vocês terão a nossa ajuda no lançamento."

Inquisidor então disse, "Nós podemos reaver as sementes e retomar o trabalho no projeto antes mesmo de termos alguma notícia sobre Washington."

Com a respiração errática, Generalíssima não sabia para onde olhar.

Nada que pudesse mudar a opinião dele. "O que me diz?"

Ela respirou fundo e levantou o dedo. "Uma condição, as três sementes ficam comigo. As sementes que foram roubadas eram sua responsabilidade!"

"Justo." Ele foi embora. "Eu irei pedir para Nano que lhe entregue as sementes."

Aquilo foi tão de repente, que Generalíssima ficou paralisada.

"Oh sim, pode levar o documento consigo, eu nem queria ele de volta." Matryoshka falou para si mesma e depois olhou para a outra mulher. "Bem, eu acho que preciso interromper os meus experimentos..."

Sem dizer nada, Generalíssima esperou ficar sozinha. Com a respiração fora de ritmo, ela caminhou em direção a parede e apoiou a testa contra ela. Seus dentes rangeram como nunca e os músculos do pescoço se contraíram, enquanto ela segurava um grito.


Próximo capítulo: O poder da amizade