A fila de noviças estava formada no dormitório e Evie aguardava a vez dela. Enquanto isso, ela observava Revenante purificar a gema de cada garota. Isso já não era uma novidade, exceto que dessa vez tudo estava sendo supervisionado por aquele homem que vestia como um padre.

A fila era curta e andava rápido. Logo, Evie ofereceu a sua gema roxa para a irmã de pele escura.

Revenante aproximou a semente até a gema, e rapidamente a afastou, permitindo apenas que um filete de essência escura deixasse a gema e fosse absorvida pela semente.

Para a irritação de Evie. "Não dá pra purificar um pouco mais não?"

"Você é uma veterana," Revenante disse, "eu confio que tu consegue lidar com essa corrupção." Ela ofereceu a gema de volta.

No entanto, a garota pálida não demonstrou nenhuma intenção de que iria aceitá-la, fitando a irmã.

"Saia da fila."

Evie ouviu e viu o homem chegar ao lado de Revenante. A face dele era tão austera quanto a voz.

"Há noviças esperando atrás de você," a mulher negra disse.

Evie sorriu em tom de desdenho e pegou a gema de volta, fazendo um gingado com corpo enquanto retornava para cama dela.

A próxima noviça deu um passo à frente para a purificação.

Revenante, no entanto, fez um gesto para que a jovem garota parasse. A mulher, então, se virou para Inquisidor e sussurrou, "Eu sei lidar com elas, eu não preciso da tua ajuda."

Inquisidor sentiu no olhar dela o quanto ela estava ranzinza, e não era só por causa daquele momento. Sem dizer uma palavra, mas também sem tirar os olhos dela, ele recuou em passos curtos.

E a purificação racionada continuou.

Enquanto observava a fila quase terminando, Inquisidor ouviu uma chamada em sua mente.

[Inquisidor.]

Ele reconheceu a voz de Invasora. [Qual é o problema?]

[Eu quero você venha até a sala de segurança, agora.]

Ele notou a falta de reação de Revenante. [Sozinho?]

[Eu irei chamar a Generalíssima também.]

[Estou a caminho.] Sem cerimônia, ele deixou o dormitório pelo túnel, alcançou a escadaria em espiral e desceu rapidamente. Quando chegou na intersecção de corredores no andar inferior, ele viu Generalíssima vindo do corredor dos quartos das irmãs.

Ela logo constatou, "Ela te chamou."

"Ela mencionou o assunto para você?" perguntou ele.

"Não, mas creio eu que ela encontrou algo." Generalíssima continuou andando, mas foi forçada a parar quando o homem ficou em seu caminho.

Ele disse, "Eu tenho algo a relatar. Enquanto era feita a purificação das noviças, foi constatado que uma das três sementes já estava no limite de uso. Você tem alguma explicação para isso?"

"Sim, eu tenho..." Generalíssima cruzou os braços. "Você usou magia demais na hora de reciclagem e precisou usar uma semente para recuperar a sua gema."

"Então é a minha incompetência, huh?" Expressando ceticismo, Inquisidor ergueu o queixo. "Que seja assim, na próxima vez você fará a reciclagem e veremos se, por coincidência, uma das sementes já estará completamente utilizada."

A mulher sorriu por um instante antes de sugerir, "É melhor nós não deixarmos Invasora esperando."

Eles entraram na sala de segurança.

A garota asiática estava sentada com a poltrona virada para porta, já esperando por aquilo. "Que bom que vieram juntos, assim só precisarei explicar isso uma vez."

"Explicar o quê?" Inquisidor se aproximou, olhando para as telas.

Generalíssima o seguiu. "Achou algo relacionado as sementes?"

"Não ainda, mas..." A bailarina azul virou a poltrona. "Eu preciso mostrar isso a vocês." Todas as telas se apagaram, exceto duas que estavam juntas. "Essas telas estarão mostrando uma gravação sincronizada. São duas câmeras próximas uma da outra, mas em corredores diferentes, pois é uma bifurcação. Vamos começar com um exemplo."

Inquisidor e Generalíssima assistiram a gravação, vendo Revenante passando em um dos corredores.

Invasora perguntou, "Notaram que quando ela passou, a câmera do outro corredor mostrou a sombra dela sendo projetada no chão e na parede?"

Os dois que estavam em pé trocaram olhares e ele respondeu, "Sim, nós vimos."

"Certo, agora vou mostrar o que encontrei." A gema de Invasora brilhou e as duas telas piscaram antes de mostrarem os mesmos corredores, vazios.

A sala ficou em silêncio enquanto os três assistiam as telas.

Mas logo invasora o quebrou. "Onde está?"

"Hã?" Generalíssima perguntou, "a gravação já está rodando?"

A garota na poltrona apontou para uma das telas. "Era para ter uma sombra aqui."

"Sombra?" Inquisidor franziu as sobrancelhas. "Mas não há ninguém no corredor."

Invasora virou a poltrona para olhar para ele. "Sim, exatamente!"

Ele arregalou os olhos e abaixou o olhar.

Generalíssima indagou, "Você checou mesmo se as gravações estão sincronizadas?"

"Sim! Eu verifiquei isso mais de uma vez, eu não iria chamar vocês se eu não tivesse certeza."

"Mas não há nada para mostrar, não é?" Generalíssima suspirou. "Talvez a sua gema esteja poluída."

Invasora tocou a sua gema em forma de asa em seu clipe de cabelo. "Não, eu..."

"A corrupção nos faz ver coisas no intuito de nos levar a um conflito e desencadear mais sentimentos negativos." Generalíssima havia erguido a voz, sendo mais autoritária. "Eu vou convocar Revenante para substituir você por um tempo. Quando ela vier, você vai limpar a sua gema e descansar. Você entendeu?"

A garota sentada assentiu em silêncio.

"Ok." Generalíssima olhou para Inquisidor. "Nós estamos saindo." Ela foi primeira a voltar ao corredor, seguida pelo homem. Generalíssima caminhou apenas com o intuito de tomar uma distância da sala de segurança, se satisfazendo ao ouvir a porta se fechar. Então, ela olhou para trás.

Inquisidor estava com um olhar intenso, sua face estava tensa.

Era tamanha a tensão que Generalíssima abaixou a cabeça. "Desculpa, sério. Eu não esperava isso vindo de Invasora, ela sempre apresentou uma atitude mais racional..." Ela voltou a trocar olhares com ele e pressionou os lábios, assentindo. "Você pode estar pensando que ela está tentando nos enganar, mas eu peço que compreenda a situação dela. Ela se sente responsável por não estar na sala de segurança quando o roubo ocorreu, e ela já admitiu que sente que nós suspeitamos dela. Toda essa pressão está fazendo ela cometer erros. Então, por fa-"

"Invisibilidade não projeta sombras," Inquisidor falou.

"Q-Quê?" Confusa em um primeiro momento com a interrupção, Generalíssima abre a boca quando se dá conta. "Você acredita nela?"

O homem continuou, abaixando o tom da voz, "Os protocolos deixam claros que quando uma célula é formada, o ideal é que haja ao menos uma ilusionista e uma psíquica. No nosso caso, Invasora é a ilusionista e você é a psíquica."

Generalíssima franziu um pouco as sobrancelhas. "Correto."

"Contudo, eu chequei o seu perfil e sei que sua magia não é relacionada com a mente."

"Oh não..." A mulher sorriu com um ar de zombaria. "Você não está pesando..."

"Sim, eu estou." Inquisidor arregalou os olhos. "O que Invasora descreveu é um caso clássico de artefato de controle de percepção da realidade."

O sorriso de Generalíssima deu lugar a irritação. "Cuidado com essas suposições sem cabimento."

"Eu estou tendo cuidado," Inquisidor continuou sussurrando, "você não tem idéia do quão perigoso é de eu estar alertando que nossas mentes foram comprometidas? Quem fez isso pode estar justamente aqui, nos ouvindo. A minha cabeça pode estar sendo arrancada agora mesmo, enquanto a minha mente ainda acredita que estou conversando contigo."

Ela gesticulou. "Apenas pare e pense, Inquisidor. Apenas. Pare. E pense..." Ela fechou os olhos e suspirou, depois ela os reabriu e disse. "Certo, vamos considerar a absurda hipótese de que uma garota mágica conseguiu comprometer a mente de todos aqui da base. Sendo ela a ladra das sementes, por que ela continuaria aqui? Ela poderia muito bem sair pela entrada principal sem que pudéssemos notar. Ao invés disso, ela ainda estaria aqui, desperdiçando a magia dela e as sementes que ela roubou?"

"O roubo das sementes pode ser um meio para uma finalidade."

"Que finalidade?"

Ele abaixou o olhar por um momento, voltando a olhar para ela, acompanhado de uma palavra, "Vingança."

Generalíssima bufou, revirando os olhos e balançando a cabeça. "Você realmente leu o meu perfil?"

"Sim, Leonina." O homem sorriu.

Ela ficou paralisada.

Ele continuou, "Seu antigo nome de irmã, eu me pergunto o porquê de você mudá-lo depois do Bastião de Nova Orleans. Creio que 'Generalíssima' é um nome que combina mais para uma posição de liderança, não é?"

"Eu já lhe avisei sobre fazer suposições." Generalíssima semicerrou o olhar. "O que eu quero saber é se você sabe qual é meu desejo. Eu coloquei no meu perfil, eu não tenho nada a esconder."

O semblante de Inquisidor novamente era de seriedade. "Você desejou ser livre."

"Isso mesmo, livre. Sem condições, sem contrapartidas, sem limites." Ela deu um passo à frente, se aproximando da face dele. "Mas eu vou te contar mais. Eu me ergui acima das sombras de paredes e mentiras."

Inquisidor permaneceu em silêncio, qualquer movimento naquele momento parecia ser brusco demais para fazê-lo.

"Nada pode contra a minha vontade, ou sugerir o que eu vejo ou não, ou definir quais memórias eu devo lembrar, isso tudo baseado em um DESEJO!" Ela rangeu os dentes. "Nenhuma magia irá violar isso, de ninguém!"

Brincando com as pontas de seu longo cabelo branco, a mulher alta estava recostada na parede do corredor, observando a discussão entre os dois membros da Irmandade.

A mulher de cabelo rosa escuro falou ao homem, "Continue insistindo nisso e logo você estará dizendo que a Irmandade das Almas não existe. Nós seríamos apenas macacos vivendo em uma caverna escura e comendo rochas." Então ela se virou e partiu com pressa.

A mulher alta escrutinizou a feição de Generalíssima enquanto ela passava na frente dela. Apesar da expressão firme, os olhos estavam prestes a lacrimejar. A mulher continuou olhando para Generalíssima até que ficasse muito distante, então a mulher voltou a sua atenção ao homem.

Inquisidor estava nervoso, passando a mão no cabelo e andando de um lado para o outro. No final, contudo, ele recuperou a compostura e assentiu para si mesmo, antes de tomar um rumo oposto ao da Generalíssima.

Com a sua expressão serena abalada, a mulher ajeitou a tiara em sua cabeça e as faixas que cobriam os seus seios, antes de deixar a parede.

Em seu treinamento, Inquisidor aprendeu a lidar contra uma variedade de ameaças, provenientes de bruxas ou garotas mágicas, e quando se trata do último caso, a manipulação da mente é uma das mais perigosas.

Enquanto escolhia o caminho que o levaria a central de dados, o homem não pôde deixar de lembrar do terrível incidente que ocorreu em uma pequena célula na Grécia. Uma noviça recém-recrutada tinha um talento nato de controle mental e usou esse poder para subjugar as irmãs, fazendo elas responderem apenas as suas ordens, mas isso era apenas o primeiro passo.

Inquisidor chegou na primeira porta de metal que restringia o acesso a área.

A noviça controladora de mentes era tão astuta quanto ambiciosa. Ela havia aprendido sobre a Matriarca e ela queria nada menos que tomar a liderança da Irmandade. Para isso, a noviça fez as irmãs convidarem Matriarca para uma homenagem.

Com a respiração controlada, Inquisidor digitou o código no painel para abrir a porta. Ele passou por ela com pressa, mas continuou sua caminhada pelo longo túnel em um ritmo lento.

1

Matriarca fez a visita a célula e a noviça preparou um feitiço para controlá-la. No entanto, a usurpadora teve o desprazer de descobrir que a Matriarca que havia chegado era na verdade Lince da Lua. A verdadeira Matriarca havia ouvidos os seus próprios instintos e tomado as devidas precauções.

2

Ninguém descobriu ao certo o que Lince da Lua fez com a noviça, mas todos podiam imaginar o quão desumano foi, Matriarca até a repreendeu. Daquele em dia em diante, foi instaurada a regra de ouro da presença obrigatória, em cada célula, de ao menos uma ilusionista e de uma psíquica leais a Irmandade. 'Leais' sendo a palavra-chave.

3

Por isso o treinamento. Inquisidor podia não ter feitiços para quebrar ilusões ou limpar a mente, mas ele confiava nos ensinamentos.

4

Quando se trata de garotas mágicas, se trata de humanos, e suas fraquezas são universais. Quando alguém se sente no controle, logo vem o tédio e a arrogância, a imprudência e o erro.

5

No caso do controle de percepção da realidade, aquele que está no controle precisa ser o maestro de toda causalidade, quando isso não ocorre com perfeição isso se traduz em artefatos: detalhes perceptíveis por alguém competente que busca a verdade.

6

Como o fato da porta se fechar automaticamente em cinco segundos.

7

Inquisidor ouviu o som da porta se fechando. Sua respiração continuava controlada, seus movimentos despidos de emoções. Ele sabia que se quem tivesse no controle fosse capaz de ler mentes, ele já deveria estar morto, e, ainda assim, ele estava vivo. Essa era a constatação mais otimista. Contudo, ele estava sendo seguido, certamente porque a conversa que ela havia tido com Generalíssima fora ouvida.

Eu não consigo sentir magia alguma atrás de mim.

A surpresa leva a reação, e a reação ao derradeiro erro. O homem continuou a contar com o que havia aprendido e olhou de relance para cruz sob o seu cinto. Quem o estava seguindo provavelmente iria se aproximar para atacar e Inquisidor sabia que só teria alguns segundos de oportunidade após surpreender alguém com poderes psíquicos.

Precisava ser em um único movimento, no momento certo. Inquisidor esperava notar um novo artefato para agir, se isso não ocorresse, só a sorte restaria.

Não houve um artefato, nem sorte, mas um cutuque nas costas. Inquisidor virou rápido, usando um braço para empurrar quem estava atrás dele contra a parede, enquanto a outra mão puxava a cruz. No breve momento que tinha, ele procurou pela gema da alma para atacar, mas ele só pôde ver um casaco, e então ele olhou para face, mas havia uma máscara e tubos conectados a ela.

"Uuuuh~, alguém acordou no lado errado da cama hoje," a pessoa mascarada disse, "oh, desculpe. No quarto das irmãs, as camas só tem um lado possível para acordar."

"Matryoshka?" A determinação de Inquisidor fraquejou por um instante, antes de renovar com vigor ainda maior. Ele prensou a pessoa contra a parede com mais força e ergueu a cruz, pronto para apunhalar.

"Чё?! Что ты делаешь, идиот?!"

"Por que você está nesse andar?" Ele vociferou, "Você realmente é Matryoshka?"

Ela respondeu prontamente, "Нет, eu não sou!"

Inquisidor ficou boquiaberto.

"Meu nome é Taisiya Sokolov, natural de Sverdlovsk, agora conhecida como Yekaterinburg, e uma orgulhosa agente colaboradora de relações exteriores da União da Terra-Mãe." Ela pendeu a cabeça de lado. "Matryoshka é o nome que recebi da Irmandade como um 'presente', um simbólico ato diplomático. Eu não sei por que vocês têm tanta obsessão por esses apelidos bobos."

O homem abaixou o olhar e disse, "Matriarca era dos escoteiros."

"Ah..." Com cautela, Matryoshka tocou o braço dele com a mão.

Inquisidor puxou o braço e pôs a cruz de volta ao cinto. "Por que está me seguindo?"

Ela ajeitou o casaco. "Eu não estou seguindo você, eu estava alcançando você para podermos conversar em particular. Você é a pessoa mais importante para mim."

"Eu?" Ele franziu o cenho. "Alguém que você considera estúpido?"

"Ah, isso é política. Você é adulto, não é?" Matryoshka olhou para ambos os lados do túnel. "Eu preciso garantir que ninguém vai pensar que nós estamos próximos."

O homem semicerrou o olhar. "E sobre o que você quer falar?"

"Oh não, não, é você que vai me dizer." Ela olhou de volta para ele. "Por que você ainda não contou aos outros sobre a possibilidade de o ladrão ter utilizado o sistema de ventilação?"

Inquisidor arregalou os olhos.

"Huhuhuhu... Você deve estar se perguntando, como eu posso saber disso. É simples." A garota mágica mascarada apontou para ele. "Você não confia em ninguém, assim como eu. A possibilidade do sistema de ventilação é plausível demais e você não quer arriscar que o ladrão descubra que você acredita nisso."

Ele virou a cara. "Não é isso..."

"Oh?" Matryoshka pôs a mão de volta ao bolso. "Então me conte, товарищ."

Ele olhou de relance para ela. "Há duas irmãs que não aparecem nas câmeras durante o período provável onde ocorreu o roubo. Uma é Generalíssima, que alega que estava na central de dados durante todo o tempo. A outra é..."

"Nano." Matryoshka assentiu.

"Sim." Inquisidor continuou a explicação, falando friamente, "As nanomáquinas dela trafegam pelo sistema de ventilação. Desabilitar a câmera seria simples e ela não precisaria saber o código do cofre, ela poderia desconstruí-lo, pegar o que estava dentro, e reconstruí-lo novamente."

"E Invasora?"

"A visita dela reforça o álibi de que Nano estava apenas trabalhando no projeto do foguete." O semblante dele ficou mais austero. "É por isso que Nano teria escolhido aquele momento para o roubo."

Matryoshka assentiu de novo. "Ah, você é bom."

"Mas eu quero exaurir todas outras possibilidades." Ele balançou a cabeça, mais desanimado. "Pois se Nano estiver envolvida no roubo das sementes, será muito difícil recuperá-las. Ela construiu esse lugar, as sementes podem ter sido escondidas dentro de qualquer parede."

"Você não deve se preocupar com isso, Nano é inocente."

Inquisidor franziu um pouco o cenho. "Eu pensei que estivesse concordando comigo."

Matryoshka deu de ombros. "Eu estava elogiando a sua imaginação. Você talvez devesse abandonar esse trabalho na corregedoria e escrever obras de ficção."

Ele rangeu os dentes, mas respirou fundo. "Você pode não acreditar, é claro, ela é apenas uma criança. Eu mesmo não acredito que ela tenha agido sozinha."

"Errado," ela pôs ênfase na voz, "Nano não é cúmplice, ela é o bode expiatório. Se alguém já tivesse mencionado o sistema de ventilação e levantando alguma suspeita sobre ela, eu poderia reconsiderar, mas eu acredito que o verdadeiro culpado está esperando que você expresse essa conclusão primeiro. O seu orgulho faria o resto."

O homem semicerrou o olhar e ergueu o queixo. "Então quem você acha que é o traidor?"

Matryoshka tirou a mão do bolso e girou uma das torneiras em seu ombro.

Inquisidor um som distinto de gás sendo liberado e viu o peito da mulher inflar, mesmo com todas as vestimentas que ela estava usando.

Ela fechou a torneira e exalou lentamente antes de falar, "Você está com o documento do projeto. Por acaso estudou os desenhos?"

"Eu examinei todos eles. O que isso importa?"

"Hmmm..." Matryoshka disse em tom de desapontamento. "Então você não notou, eu não podia esperar muito..."

"Notar o quê?"

"Que o foguete que está sendo construído é maior que o projetado."

Inquisidor piscou os olhos e estremeceu. "Q-Quê?! Você tem certeza?"

Ela assentiu. "Antes eu só havia visto o foguete desmontado, mas agora está claro para mim."

"Por que um foguete maior?"

"Eu vou resumir." Matryoshka gesticulou, fazendo o número dois com os dedos. "Você somente precisa de um foguete maior se você quer lançar algo para fora da órbita terrestre ou algo mais pesado, e eu acredito que seja o último caso."

Mais confuso, Inquisidor balançou a cabeça. "Então não será o satélite? O que será lançado?"

"Eu não sei."

Acompanhado de um suspiro, ele fechou os olhos e esfregou a testa com as pontas do dedo. "Por que não reportou isso para Generalíssima?"

"Porque é ela que dá as instruções para Nano sobre como o foguete deve ser construído." Matryoshka chegou mais perto do homem e sussurrou, "Está entendendo agora?"

Inquisidor arregalou os olhos. "Está me dizendo que Generalíssima roubou as sementes e ela pretende armar para Nano?" Então, ele franziu o cenho. "Isso... Isso não faz sentindo algum, ela estaria sabotando o projeto no qual ela trabalhou por anos."

"É bastante óbvio que Generalíssima encontrou uma forma de Nano continuar trabalhando com as sementes remanescentes," Matryoshka continuou sussurrando, "e Nano deve estar apenas dando os últimos retoques no satélite, o foguete está pronto, é isso que importa. A criança sabe demais, e Generalíssima precisa silenciá-la... Talvez até o fato de você não permitir nós de sair da base seja parte do plano dela."

Inquisidor abaixou o olhar e pressionou os lábios, sua respiração ficou mais profunda.

"Não fique com vergonha, eu também a subestimei a princípio. Ela parece uma mulher com uma mentalidade simples, com uma obsessão, mas, na verdade, ela é uma manipuladora fria. Ela muito boa, quase uma dupla personalidade."

Ainda respirando fundo, o homem começou andar envolta, sem rumo, enquanto passava mão no cabelo e na barba.

"Inquisidor, Inquisidor!" Ela insistiu. "Eu estou te avisando, o lançamento desse foguete será a consumação da traição dela."

Ele rangeu os dentes e se virou para Matryoshka. "Ela não pode fazer isso sem a aprovação da União!"

A garota mágica mascarada deu um tapa contra o seu próprio casaco, fazendo um barulho alto, e abriu os braços. "Ela não se importa com a Irmandade, você acha que ela vai se importar com a União?! Antes mesmo dessa crise começar, ela já inventava desculpas e situações para impedir eu de entrar em contato com eles. Na última vez que consegui conversar com eles, eu alertei eles sobre essas obstruções. Eles consideraram que a Irmandade podia estar fazendo algum esquema, mas agora é evidente que é apenas Generalíssima! Se Washington não pode ajudar, a União pode intervir, e ela teme isso. Essa pode ser a nossa única chance e você pode ajudar."

Inquisidor semicerrou o olhar.

"Eu tenho endereço de um servidor privado controlado pela União. Eu posso enviar uma mensagem se eu tiver acesso à Internet. Só há duas formas para isso, uma é Invasora, e a outra é a central de dados. Você só precisaria me pôr lá e me dar as credenciais."

Uma veia saltou da têmpora de Inquisidor. "E permitir que você tenha acesso aos dados pessoais de todos os membros da Irmandade?"

Ela deu de ombros. "Se essa crise for tão ruim quanto parece ser, a maioria delas devem ser bruxas agora."

"Então era para isso que você inventou essa história mirabolante." Ele balançou a cabeça lentamente, com u semblante de desprezo. "E ainda por cima você queria pôr nós todos contra Generalíssima, já que a sua organização deve considerar ela uma ameaça."

Matryoshka pôs as mãos de volta no bolso do casaco. "Eu não estou surpresa que pense assim, mas você vai se arrepender se não confiar em mim."

"Como vou me arrepender em não confiar em um membro de uma organização onde a liderança nunca mostra a face?" Ele cruzou os braços e engrossou a voz. "Já que a União não passa de um bando de criminosos e traficantes."

"Nós apenas atendemos a demanda. Se não fossemos nós, outros fariam," ela disse, sem demonstrar irritação, "confie em mim, você não iria querer o governo cuidar disso. Aqueles que vivem em nossa Terra-Mãe estão muito satisfeitos com os nossos serviços e proteção. Eu não sei se pode dizer o mesmo das vidas destruídas pela Irmandade, ou você acha moralmente correto as manipulações no mercado financeiro que vocês fazem?"

Inquisidor disse sem esboçar emoção, "Eu não entendo desse assunto o suficiente para dar uma opinião."

"Covarde, huhuhu..." A voz de Matryoshka ficou mansa, "você é um cão muito leal, e a União aprecia essa qualidade. Eu, pessoalmente, admiro muito. Eu adoraria ter um propósito claro em minha vida."

Inquisidor se lembrou que por trás daquela máscara havia uma mulher. "Se admira, então não ouse pedir que eu traia. Nós já temos traidores demais por aqui..." Ele se virou para sair.

"Espere." Ela segurou o braço dele.

O homem puxou o braço violentamente e recuou, colocando a mão sobre a cruz em seu cinto.

Nada que tenha intimidado Matryoshka. "Então eu apenas peço que comece a prestar mais atenção. Olhe envolta, ouça."

"Ouvir o quê?"

"Exatamente." Ela assentiu. "Esse silêncio. Nós já estamos conversando há um tempo e ninguém apareceu. Não é uma lembrança, mas eu tenho a sensação de que não era para ser assim."

"Está dizendo asnei-"

Ela virou rapidamente a cabeça.

Ele a acompanhou, olhando para o vazio do túnel até onde fazia a curva.

Matryoshka voltou a olhar para ele, sussurrando, "Inquisidor, há algo muito sinistro acontecendo aqui."

Ele sorriu, debochando. "Agora você quer me convencer através do medo?"

Ela respondeu prontamente, "Você já está com medo."

Inquisidor deixou de sorrir e se deu conta que a sua mão já estava agarrando a cruz. Ele afastou a mão e saiu. "Desista."

Matryoshka observou ele desaparecer na curva.

Somente então, ela relaxou o corpo e checou as luvas, arrumando-as enquanto murmurava, "Alea iacta est."


Apokálypsis

A velha parte de Mitakihara já não era tão velha. Muitas construções haviam sido danificadas pela massiva tempestade e tiveram que passar por uma restauração.

No entanto, houve exceções, como constatado por duas garotas, uma ruiva e uma de cabelos azuis, em frente a uma mansão que parecia estar abandonada há muito tempo.

"Tem certeza que é aqui?" Sayaka examinou as pichações.

"E em nenhum outro lugar." Kyouko mordeu agressivamente a barra de chocolate que estava segurando. "Hmmm... Combina com a dona."

"Bem, não parece ter uma campainha." Sayaka empurrou o portão enferrujado, e uma criatura pousou em sua mão. "AHH!" Ela deu um pulo para trás, sacudindo a mão freneticamente.

Para a alegria de Kyouko. "Bwahaha! Você tem medo de aranha? Isso é novidade."

Sayaka se recompôs rapidamente. "Foi só um susto..."

As duas garotas adentraram no quintal da mansão.

Vendo todo aquele lixo espalhado pelo chão, Sayaka comentou, "Eu agora acho que é ainda mais estranho que ela tenha pedido para nós encontrarmos com ela aqui."

"Pois é. Eu nem tava afim de vir pra cá." Kyouko terminou de comer o chocolate. "Mas Homura não é de ficar brincando. Se ela insiste que é importante, não tem jeit-"

A porta da mansão abriu de repente e completamente. A luz do dia nublado revelou uma garota com olhos de citrino em um semblante irritado.

Sayaka e Kyouko ficaram paradas, em silêncio.

Deixando Kirika com a ainda mais raiva. "Tão esperando o quê? Entra logo!"

Sayaka e Kyouko trocaram olhares, e a ruiva tomou a iniciativa. Ela encarou Kirika e entrou sem fazer mais cerimônias.

"Com licença." Assim que Sayaka entrou, ela procurou um lugar para deixar os calçados, mas viu que o assoalho estava podre, sujo, com muitos buracos.

"Cuidado onde pisam, é melhor vocês me seguirem." Kirika fechou a porta.

Sayaka ainda estava se acostumando com a escuridão e com o cheiro de madeira velha, porém ela já estava certa de aquele imenso hall pertenceu a alguém rico e importante.

Kyouko disse, "Eu não vou lugar algum até você me dizer se Homura tá aqui."

"Amorzão tá com..." Kirika fez uma cara de nojo, fechando os olhos, e se virou.

Kyouko franziu as sobrancelhas e ergueu a voz, "O que foi?"

"Ela tá no jardim." Kirika olhou de relance para ela. "Eu vou te mostrar onde é, ou você pode ficar plantada aí."

"Kyouko," Sayaka pronunciou com um leve tom de bronca, "foi você que disse que Homura tem que ter algo importante pra nos chamar aqui."

"Tá! Tá!" Ela puxou o rabo de cavalo dela. "Bora então, antes que eu fique com fome."

Com o chão rangendo, elas seguiram a anfitriã pelo grande hall.

Sayaka ainda estava admirando o ambiente quando notou um chapéu preto pendurado em uma das paredes, mas em uma posição alta demais que alguém pudesse alcançar. Ela forçou a vista e viu que havia criatura branca, parecida com um verme, sob o chapéu. "Hmmm... Aquilo ali não é um lacaio?"

"É o Molenguinha." Kirika olhou para trás e foi bastante enfática. "É horário dele de comer, então é melhor você não incomodar."

A garota de cabelos azuis ergueu as mãos. "Eu não irei fazer nada."

Elas passaram ao lado da grande escadaria e chegaram em uma porta, que Kirika abriu prontamente.

Sayaka ergueu as sobrancelhas. Era uma sala de estar bem conservada, limpa e aconchegante.

Kirika apontou. "No final dessa sala tem uma porta francesa, ela dá pro jardim. As duas devem estar..." Ela recuou o braço e cerrou o punho, sua face enrubescendo.

Kyouko ficou intrigada. "Tu não vem com a gente?"

"Sem chance! Eu não vou chegar mais perto! Amorzão... Amorzão..." Depois de explodir, Kirika esfregou o cabelo com força, desnorteada. "Eu... Eu vou pro segundo andar, Amorzinho tá esperando por mim."

"É," Kyouko disse com uma raiva sútil, "Yuma não gosta de ficar sozinha."

"Eu sei disso," Kirika respondeu.

Sayaka ficou observando as faíscas de tensão entre aquelas duas garotas.

Somente acabou, quando o olhar de Kirika se perdeu. Ela se estremeceu antes de sair correndo.

Sayaka chegou mais perto da Kyouko, sussurrando, "Que bicho que será que mordeu ela?"

"Tch!" A ruiva arrumou o laço preto que prendia seu cabelo. "Quem se importa? Ela é uma doida varrida."

Elas entraram na sala.

Kyouko foi até a cortina, onde era possível ver a luz do dia passando através do tecido. "É esse janelão que é a tal da porta francesa, né?"

Sayaka se pôs na frente dela e abriu os braços, impedindo o acesso.

A outra garota revirou os olhos. "O que é agora?"

"Eu só quero ter uma garantia de que não vai se repetir o que aconteceu no aniversário da Mami-san."

"Se eu quisesse isso, eu já teria feito com a garota maluca que nos recebeu." Kyouko deu de ombros. "Eu tô até surpresa que eu não fiz. Eu tô bem relaxada e calma."

"Sério?" Sayaka não estava muito convencida. "Você promete?"

"Eu não prometo nada!" A face 'relaxada' de Kyouko revelou algumas rugas. "Isso vai depender da Oriko. Qualquer coisa, a Homura consegue me parar." Ela então sorriu. "Heh, se ela quiser..."

Sayaka suspirou e abriu cortina, se preparando para abrir a porta. "Tá, Oriko-san é bastante educada pelo que eu notei, então você não vai ter motivo pra fazer besteira."

De fato, havia um jardim após a porta. Um jardim imenso e estonteante, muito bem cuidado, a flora era exuberante e colorida. Parecia um sonho protegido do mundo externo por uma alta parede de rocha e a mansão 'abandonada'.

No meio do gramado estava uma mesa e duas cadeiras. Em uma delas estava Oriko, vestido claro, distraída com a sua xícara de chá. Na outra estava Homura, vestido negro, fúnebre, fitando as duas garotas que haviam acabado de chegar.

No entanto, ela não era única que estava fazendo isso.

Sobre mesa estava um ser de olhos vermelhos, seu par de orelhas, o menor dos dois que ele tinha, se ergueu. [Kyouko Sakura, Sayaka Miki. Há quanto tempo que não as vejo.]

"O QUE ESSE BASTARDO PELUDO TÁ FAZENDO AQUI?!" Kyouko correu até a mesa.

Sayaka cobriu a face com a palma da mão.

Colocando sem pressa a xícara no pires, Oriko respondeu, "Informação. Nós-"

"CALA BOCA!" a ruiva exasperou.

E Oriko obedeceu, se preocupando mais em segurar o bule para pôr mais chá em sua xícara.

Kyouko se virou para Homura. "Quê que tá pegando?"

Sayaka chegou até elas, agradecendo que sua colega não tinha quebrado a mesa, nem ninguém. Apesar disso, ela também estava preocupada com aquela surpresa. "Você não disse que Kyuubey estaria aqui."

Homura evitou os olhares delas. "Como Mikuni-san estava prestes a dizer, ele foi convidado para nos dar alguma informação a respeito de uma ameaça futura a Madoka."

"Madoka?" Sayaka arregalou os olhos.

"Futura ameaça?" Kyouko olhou para Kyuubey, que apenas reagiu balançando o seu longo rabo.

"Posso?" Oriko tinha um leve sorriso.

Kyouko trocou olhares com ela por um tempo, com certo desgosto, mas por fim assentiu. "Desembucha."

"O que vou descrever são visões que tive ultimamente, eu quero que vocês duas prestem atenção." Oriko respirou fundo. "Em uma manhã com dois sóis, Mitakihara será varrida por uma onda de morte. Fogo e fumaça tocarão o firmamento, e, das cinzas da cidade, uma montanha escura emergirá..."

"EI!" Kyouko perdeu a paciência. "Dá pra parar com esse papo de oráculo? Só deu pra entender que a cidade tá em perigo."

Homura afirmou, "Mitakihara sofrerá um ataque nuclear."

"O quê?!" Sayaka pensou em sua mãe. "Japão vai entrar em guerra contra quem?"

"Essa guerra não é contra o Japão, Sayaka Miki-san," Oriko disse.

"A montanha escura..." A garota de cabelos azuis ficou boquiaberta. "É..."

A loira de olhos verde oliva assentiu, "Sim, é ela."

Kyouko olhou para as duas. "Vocês tão falando da bruxa da Madoka, né?" Então ela encarou Kyuubey. "E isso é parte do seu plano, hein?"

A criatura pendeu a cabeça de lado. [O que você está insinuando?]

"Eu ainda não terminei de descrever as minhas visões," Oriko levantou a voz para chamar a atenção dos outros, "depois de tudo isso, eu vi muitas silhuetas coloridas voando envolta da montanha escura..."

"Silhuetas coloridas?" Sayaka piscou. "Garotas mágicas?"

Kyouko foi mais específica. "Nós?"

Oriko balançou a cabeça rapidamente, mais tensa. "Não, elas estão atacando a montanha usando magias que eu nunca testemunhei antes."

Sayaka franziu o cenho. "Atacando?"

"Eu disse a vocês."

Elas olharam para Homura. Contudo, a garota de cabelos negros não disse mais nada, trazendo a xícara de chá até a sua boca.

Oriko continuou, "É uma batalha caótica, explosões, luz, círculos de puro preto em um mundo vermelho distorcido... Eu só consigo discernir algumas poucas coisas, mas o resultado de tudo isso é claro para mim. A montanha escura desaparece e, de pé sobre a cidade morta, está uma garota nua de um corpo pequeno, como Madoka, seu longo cabelo loiro esvoaçando com o vento da desolação." Ela rangeu os dentes e puxou um pouco de ar. "S-Sua pele clara está manchada com veias negras."

Um barulho súbito. Kyouko e Sayaka viram que Homura havia deixado cair a xícara sobre o pires, tingindo um pouco toalha branca da mesa com o chá preto. Sua mão estava trêmula.

Oriko engoliu seco, seu olhar perdido. "Os olhos estão fechados, sua boca com um sorriso, e sua mão estendida segurava uma semente da aflição com um laço rosa."

Kyouko fez uma careta, rezando por um resumo. "Tá, então a bruxa da Madoka foi derrotada."

Sayaka disse, muito preocupada, "Não é somente a bruxa, mas Madoka!"

"Ah é..." Kyouko coçou a cabeça, desviando o olhar e murmurando, "você me explicou que ela tipo que nem a gente..."

"Essa foi a última coisa que eu vi," Oriko concluiu, "porém, há também um número que vem em minha mente com frequência, e eu acredito ter relação com tudo do isso."

Kyouko semicerrou o olhar. "Número? Qual?"

"Dois trilhões e trezentos e cinco bilhões e duzentos e cinquenta e um milhões e duzentos e sessenta e três mil e trezentos e treze."

"Tch..." A ruiva balançou a cabeça, se arrependendo de ter perguntado. "Mas Madoka não é, tipo, uma deusa super poderosa?"

[Sim, ela é a garota mágica mais poderosa que eu já contratei,] Kyuubey respondeu, [e a bruxa mais poderosa.]

"Ainda assim, ela é apenas uma," Oriko ponderou, "uma força combinada poderia superá-la."

Kyuubey olhou para ela. [Está correta.]

Sayaka continuava transtornada. "Garotas mágicas destruindo uma cidade e atacando Madoka... Isso... Isso é um absurdo!"

"Nem é," após dizer isso, Kyouko pegou a criatura sobre a mesa pela cabeça e a ergueu até a altura de seus olhos.

O olhar vermelho de Kyuubey refletiu o ranger de dentes da garota.

Ela falou, "Você espalhou um monte besteira por aí sobre a Lei dos Ciclos e deve ter contado onde Madoka vive pra essas garotas mágicas."

[Eu não fiz isso.]

"Eu não tô perguntando, e tô nem aí pro que você diz."

Kyuubey fechou os olhos. [Eu vejo que há um mal-entendido. Se as visões de Oriko Mikuni a respeito de Madoka Kaname sejam verdadeiras, eu quero evitá-las tanto quanto você.]

"Conta outra!" Kyouko exasperou.

"Ponha-o de volta."

Ela olhou para Oriko, aquilo havia sido uma ordem.

A loira de cor palha enfatizou, "Esse é o meu lar e sou eu quem decido como os meus convidados serão tratados."

"Você tem que tá muito desesperada pra tar sendo tão estúpida." Kyouko soltou Kyuubey, que pousou graciosamente sobre a mesa.

"Ele não conseguiria fazer isso," Sayaka afirmou, "essa é uma das razões de Madoka ter enviado mais garotas para outras partes do mundo, para espalhar a esperança das Lei dos Ciclos e pôr um fim no destino cruel que Kyuubey havia reservado para nós!"

"É bonito quando você fala." Kyouko se virou para ela e ergueu uma sobrancelha. "Mas você esqueceu da nossa 'amiga tempestuosa' naquela vila abandonada?"

Sayaka fez uma careta. "Aquilo é diferente! Ela não era garota mágica e ela estava sob influência da barreira dela."

Oriko e Kyuubey olharam para Homura, esperando por uma explicação sobre o que estava sendo discutido.

A única resposta que garota de vestido escuro, no entanto, foi de um sutil franzir de testa.

"Tá, ela não é uma garota mágica..." Kyouko cruzou os braços. "O que a gente é então?"

Sayaka pressionou os lábios por um momento, antes de dizer, "Nós somos garotas mágicas."

"Você hesitou," Kyouko levantou a voz, "até você reconhece que nós somos aberrações, não importa o que quer que a gente fale. E a rosinha tem a esperança de que essa pregação pelo mundo ia ser de boa? Me poupe!"

Sayaka abaixou a cabeça, mais pensativa.

"Kyouko-san," Homura falou em um tom ameaçador, "a esperança de Madoka nos salvou, nunca a menospreze!"

"Foi mal, cabei passando do ponto..." Ela olhou para Kyuubey. "Mas alguém ainda tem que me dizer como eles encontraram Madoka."

"Isso não é difícil se você parar para pensar," Oriko respondeu, "essa cidade sofreu um fenômeno que foi noticiado no mundo inteiro, e algumas garotas mágicas bem informadas podem ter deduzido o que estava por trás disso."

Homura complementou, com pesar em sua voz, "Walpurgisnacht..."

Kyouko olhou para ela com os olhos bem abertos, estupefata com a idéia daquela bruxa poder ainda assombrar elas.

Oriko tomou um gole de chá, antes de concluir, "Se eu quisesse respostas para impedir o que está acontecendo ultimamente com as garotas mágicas, Mitakihara seria um bom lugar para investigar e parece que eles obtiveram o que procuravam."

"Investigar?" Sayaka franziu a testa. "Você quer dizer que as garotas que irão atacar Madoka já estariam na cidade?"

Oriko assentiu. "Elas podem estar nos vigiando agora mesmo."

E o silêncio tomou conta do jardim, interrompido apenas pelo incidental canto dos pássaros.

Até que Kyuubey manifestou, [Eu posso dizer que não notei a presença de nenhuma garota mágica nova na cidade.]

Kyouko desdenhou, "Vindo de ti, eu não sei se é útil saber ou se é uma merda de uma armadilha."

"Bem, elas podem ter ido embora por hora. Não se destrói uma cidade por um impulso, elas ainda devem estar decidindo isso," Oriko disse, "Incubator, não há nada a dizer sobre essas garotas mágicas?"

[Eu não posso dizer, baseado em suas visões nebulosas.] A criatura desceu da mesa e andou pelo gramado, balançando sua cauda sem pressa, até chegar no muro alto de pedra. Kyuubey escalou com desenvoltura e, no topo, olhou para as garotas abaixo. [Mas de agora em diante, eu estarei vigiando quem entra ou sai da cidade. Eu informarei se eu encontrar algo.]

Oriko se curvou. "Obrigada pela sua colaboração."

Kyuubey pulou e não foi mais visto.

E Kyouko não demorou para protestar, "Colaboração?! Tu só pode tá de palhaçada! Ele não ajudou em nada, e nunca irá. Eu aposto que ele tá escondendo algo."

"Ele está, é a natureza dele." Oriko colocou mais chá em sua xícara. "É por isso que eu o chamei."

"Hein?" Kyouko fez uma careta. "Não entendi."

A loira olhou para ruiva, sorrindo. "ele acabou de dizer que não pode dizer quem poderia ser, não que ele não sabe. Se ele mesmo estivesse por trás disso, ele teria ficado em silêncio."

Tanto Kyouko quanto Sayaka ficaram boquiabertas com aquela dedução.

"Eu preciso dizer algo," Homura falou, "em certa ocasião, Kyuubey me disse que a morte de Madoka não era de seu interesse. E hoje ele afirmou que quer evitar o que a visão de Mikuni-san revelou. Eu não confio nele, mas não posso desconsiderar o que Mikuni-san disse agora."

"A gente devia ter forçado ele a falar," Kyouko disse.

"Grande idéia!" Oriko ironizou, "sinta-se livre em nos dizer como."

"Ahh..." Kyouko esfregou vigorosamente o topo da cabeça. "Isso tá complicado. O que vamos fazer então?"

"Nós temos duas opções." Oriko tomou um longo gole de chá. "Esperar que eu tenha uma nova visão que nos dê mais informações ou trabalhar com o que temos, como o número que eu mencionei."

Sayaka perguntou, "Quanto tempo nós temos?"

Oriko suspirou. "Infelizmente, eu não encontrei algo em minhas visões que eu pudesse usar como referência, portanto, isso pode acontecer no próximo mês, no próximo ano ou... hoje."

"Então é melhor você começar ter essas visões," Kyouko demandou, "nós precisamos atacar primeiro."

"Atacar?" Sayaka franziu as sobrancelhas. "Como assim 'atacar'?"

Foi a vez de Kyouko de fazer o mesmo. "Alô idiota, já esqueceu que tem alguém querendo explodir essa cidade?"

"Porque elas acreditam erroneamente que nós somos o inimigo. Nós devemos encontrar essas garotas mágicas e ter um diálogo."

Kyouko quase riu, revirando os olhos. "Diálogo..."

"Você pode pensar o que quiser!" Sayaka exasperou, "nós não vamos lutar. Eu não vou deixar isso acontecer. Eu-"

Homura se levantou tão rápido que deixou a cadeira cair.

A garota de cabelos azuis só teve tempo de se virar antes de ter seus dois ombros segurados e sentir o peso.

A garota de longos cabelos escuros estava se apoiando nela. Corpo curvo, cabeça baixa.

Kyouko foi pega de surpresa. "O-Oi! Homura!"

Sayaka estava paralisada, sem compreender o significado daquilo.

Finalmente, Homura disse, em tom de suplicação, "Eu acreditei que você tivesse aprendido. Eu chamei vocês porque eu... eu preciso de ajuda. Eu só tenho essa chance. Por favor, não arruíne o futuro que eu escolhi."

"O futuro que você escolheu?" Com ojeriza em sua face, Sayaka segurou os braços de Homura e a empurrou.

A garota no vestido negro cambaleou e segurou os pulsos, surpresa pela força.

"Que seja! Nós não vamos fazer mal a outras garotas mágicas por causa de um mal-entendido! O que Madoka iria achar?" Sayaka olhou envolta. "Onde ela está? É ela que deveria estar discutindo e decidindo as coisas por aqui."

Em silêncio, Homura abaixou o olhar.

Sayaka arregalou os olhos. "Ela não sabe?"

"Eu não contei a ela," Homura deixou escapar a voz entre sua mandíbula cerrada, quase um sussurro, "não é tão simples..."

"Ah, é muito simples!" Sayaka pegou um smartphone em seu bolso. "E eu vou fazer agora mesmo."

"Não!" Homura avançou em direção a ela.

Sayaka conseguiu evitar que a outra alcançasse o aparelho, mas não os seus braços. "Droga! Me larga!"

"Eu não posso! É perigoso demais para ela."

"Então é você que não aprendeu nada!" De repente, Sayaka se deu conta que estava olhando para sua própria imagem refletida em uma esfera flutuante que havia aparecido em pleno ar.

Diante daquilo, Homura também havia cessado a disputa.

"SAYAKA MIKI!"

A garota de olhos azuis olhou para a que estava sentada à mesa.

"Eu discuti isso com Akemi-san," Oriko disse, "eu poderia ter avisado Kaname-san, mas eu não fiz isso."

"Por quê...?" Sayaka balançou a cabeça, frustrada. "Ela é a melhor pessoa pra resolver esse conflito de forma pacífica, assim como ela fez conosco e as nossas bruxas."

"O desejo dela deu o poder para fazer isso." O par de olhos verde oliva ficaram intensos e penetrantes. "E é diferente de convencer um grupo que está disposto a matar milhões para obter a oportunidade de lutar contra ela. Em minhas visões, elas conseguiram derrotá-la, portanto, Miki-san, o que seria se você estiver enganada? Se fizer essa chamada e ela fracassar, você terá enviado a sua amiga ao holocausto e nós a condenação. Você suporta essa responsabilidade?"

Sayaka pressionou os lábios e seu olhar distraído, perdido em pensamentos, quando então sentiu de repente o seu smartphone sendo tirado de suas mãos.

Homura recuou lentamente. "Nós temos que estar muito cientes de cada passo que nós dermos, pois dessa vez não haverá volta."

"É, eu sei que é perigoso, mas..." Sayaka abraçou a si mesma, sua voz ficou mais baixa. "Deixar Madoka sem idéia disso de propósito, isso me faz me sentir suja."

"Heh?" Kyouko fez um sorrisinho. "Não foi você que participou de uma 'operação secreta', onde você fingiu que não sabia de nada, pra poder resgatar a Homura?"

Sayaka respondeu rapidamente, irritada com aquela comparação, "Madoka me pediu."

"Então ela irá compreender que estamos fazendo isso pelo bem dela." Oriko ergueu as sobrancelhas e sorriu. "Se obtivermos mais informações e soubermos que é seguro, nós contaremos para ela."

"Tudo bem..." A face de Sayaka não parecia dizer o mesmo. "Eu só aceito isso se vocês não estiverem planejando lutarem contra elas!"

"Concordo." Oriko olhou para Homura. "Eu também prefiro uma solução diplomática."

A garota ainda estava segurando o smartphone da Sayaka. Ela apenas assentiu.

Kyouko deu de ombros. "Beleza, mas quem aqui é bom em diplomacia?"

"Eu sou fluente em inglês, alemão e francês," Oriko disse, "e também um pouco de mandarim."

Kyouko ficou com um olhar inquisitivo. "Você acha que essas garotas mágicas são estrangeiras?"

E a outra respondeu, "A garota loira em minhas visões definitivamente não tem feições japonesas."

"Falando de loira..." Kyouko dirigiu sua palavra a Homura, "por que não chamou a Mami? Ela é boa na luta."

Sayaka não perdeu tempo em retrucar, "Mami-san iria concordar comigo que lutar é errado!"

"Eu recomendei a Akemi-san que não a chamasse," Oriko disse, "ela... está se adaptando a uma vida normal e fez muito progresso, considere que ela se aposentou. Ademais, ela tem uma garotinha sob as asas dela. É por essa mesma razão que eu não irei envolver Kirika nessa situação extrema."

Kyouko entendeu a quem mais ela se referia. "É, acho bom."

"Porém..." Oriko deixou a mesa e andou em direção a mansão. "Tomoe-san foi ainda útil."

Sem entender o que aquilo significava, Kyouko e Sayaka trocaram olhares com Homura, mas ela também parecia confusa.

Oriko chegou até a porta francesa e olhou para trás.

As outras três garotas então passaram a segui-la.

Dentro da mansão, Oriko explicou, "Assim como Akemi-san chamou ajuda, eu tomei a liberdade de fazer o mesmo. Essas garotas mágicas que contactei são de outra cidade, mas parecem serem fãs de Tomoe-san, quando mencionei que Mitakihara corria perigo, elas se prontificaram a ajudar imediatamente."

Elas chegaram no grande hall.

Sayaka comentou, "Se elas conhecem Mami-san, então devem ser veteranas."

"Oh sim, eu sinto que são." Ainda sendo seguida, Oriko chegou na porta da entrada da mansão. "Mas logo poderemos ter certeza."

A porta foi aberta e no quintal havia um trio de garotas mágicas que estavam chegando. Elas pararam, surpresas.

"Parece que é aqui mesmo," disse a garota de cabelos e olhos laranja. Ela vestia um fraque de cor marrom claro, com um laço preto amarrado em sua gola. No entanto, ela não vestia calças como tal traje comumente é usado, mas shorts, deixando exposto suas coxas e joelho, já suas botas de cano longo tinham cor lilás. Apesar de tudo isso, o que mais chamava a atenção eram o que pareciam dois pequenos pares de asas, feitos de tecido negro, um perto do pescoço e outro na altura dos quadris.

A outra garota ajeitou os seus óculos, enquanto semicerrava os seus olhos de cor índigo. Seu cabelo era azul escuro e mais longo que a garota de cabelo laranja, ela também usava uma boina branca, com um grande laço borboleta roxo na lateral. O seu vestido seguia o mesmo padrão da boina, branco com um laço borboleta roxo na gola, e com a adição de pequenos laços borboletas pretos na cintura como adornos. A saia do vestido era longa, mas aberto na frente, mostrando as pernas com meia-calça preta e seu par de sapatilhas branca.

A última garota tinha cabelos pretos muito compridos, com suas pontas terminando em espirais, dando um aspecto no mínimo estranho. Seus olhos vermelhos eram curiosos como de uma criança pequena e seu sorriso tinha uma aparente inocência. Ela tinha um pequeno chapéu de bruxa branco amarrado ao cabelo e seu vestido também branco tinha manga e saia curta, ambos com babados, e um laço preto amarrado logo abaixo do busto. Tanto o chapéu quanto o vestido tinham pequenas esferas brancas translúcidas como adornos. Ela usava luvas e calçados com o mesmo material e aparência do vestido, com mais babados. Abaixo da gola, em uma abertura no vestido, uma gema esbranquiçada com a forma de um S invertido, ou talvez um ponto de interrogação incompleto, estava colada a pele. Muito animada, ela falou, "Vocês devem ser as amigas da Mami-san. Minha amiga de óculos se chama Umika Misaki e a outra é Kaoru Maki. Eu sou Kazumi Subaru e..." Ela ergueu os braços. "Nós somos as Bruxas Plêiades!" Seguido de um estrondo vindo de sua barriga.

Embaraçada, Kaoru coçou a cabeça e sorriu. "Isso com certeza deixou uma impressão."

Umika abaixou a cabeça e suspirou. "Nós devíamos ter feito uma parada em algum lugar para comer antes de vir para cá."

"Eehehehe~" Com um olhar pleiteante para os anfitriões, Kazumi perguntou, "Vocês por acaso têm alguma comida pronta, né?"

Homura, Kyouko e Sayaka encararam Oriko.

A loira sorriu um pouco, trazendo as pontas dos dedos até os seus lábios. "Ops... Eu não previ isso."


Mahou Shoujo Kazumi Magica e seus personagens não me pertencem.

Próximo capítulo: Implosão