Implosão

[TODAS AS IRMÃS! COMPARECER À SALA DE SEGURANÇA! É URGENTE!]

A porta de metal abriu e Sortuda saiu de seu quarto com uma cara de sono. "Aaahhh... O que foi dessa vez?"

Revenante passou correndo na frente dela. "Vem criatura!"

"Beleza... beleza..." Sem pressa, Sortuda foi saltitando pelo corredor.

Revenante havia chegado na encruzilhada onde ficavam as escadarias, quando viu Madre e Inquisidor vindo do andar superior. Logo, Nano apareceu vinda do andar inferior. Todos correram o quanto podiam para alcançar a entrada da sala mencionada.

Quando a porta da sala segurança abriu, o homem foi o primeiro a entrar. Ele viu que Generalíssima já estava ali, enquanto Invasora estava analisando fotos nas telas. "Qual é a situação?"

Generalíssima respondeu, muito séria, "Há três lá fora."

A garota asiática afirmou, ainda analisando mais imagens, "Esse satélite que eu consegui acesso é muito velho, não consigo algo em tempo real, nem uma imagem de melhor qualidade. Mas eu não tenho dúvidas que são três garotas."

"Isso não é bom." Inquisidor se virou para Madre. "Avise as noviças para que elas não usem magia alguma."

"Ow!" Revenante interferiu. "Ninguém tá usando magia por causa dessas porras de sementes roubadas!"

"Acalmem-se," Madre pediu, "nós não sabemos se elas são uma ameaça."

Nano assentiu, seguindo o raciocínio da outra irmã. "É, pode ser que elas estejam praticando trilha e acampar."

Nesse exato momento, a porta abriu e Sortuda pulou para dentro da sala. "Opa! Nós iremos acampar?"

"Impressionante..." Revenante balançou a cabeça, visivelmente desapontada. "Você tem dois pares de orelhas e ainda consegue ser surda."

"Temo que eu tenha que discordar de você, Nano," Invasora declarou, "eu obtive do satélite um lote de imagens um pouco mais antigo e elas mostram que essas garotas estavam vindo direto para morro onde fica entrada da caverna."

"Hã?!" Generalíssima se aproximou das telas. "Você tem certeza?"

"Absoluta. Infelizmente, eu ainda estou aguardando o próximo lote..." A gema de Invasora piscou. "Espere, ele acabou de processar."

Todos observaram as telas se atualizarem.

Invasora a examinou as imagens. "Certo, elas chegaram no morro e andaram um pouco envolta." Então, ela ficou boquiaberta com o que viu. "Elas... desapareceram."

Generalíssima perguntou. "O quê?"

"Veja." Invasora apontou para algumas telas, enquanto explicava. "As imagens foram dispostas cronologicamente. Essas telas mostram as últimas imagens capturadas pelo satélite e não há nenhuma pessoa nelas."

Revenante disse, confusa, "Cuma? Nós tamo vendo fantasmas agora?"

"Não." Generalíssima olhou para ela, com a face tensa. "Isso significa que elas já estão no subterrâneo."

Revenante arregalou os olhos.

Em tom nada amistoso, Inquisidor falou para a mulher negra, "Você foi a última que usou a entrada da caverna."

"Tá me acusando, é?!" Revenante rangeu os dentes. "É claro que eu escondi a entrada!"

"Não é hora de brigar!" Generalíssima ergueu a voz, para logo depois abaixá-la, "muito menos de fazer barulho."

Sortuda coçou a cabeça, também puxando uma de suas orelhas de coelho. "Deixa eu ver se eu entendi, a gente tá recebendo visit-"

Madre virou a cabeça subitamente, olhando para o teto. "Vocês sentiram isso?"

"É claro que nós sentimos essa magia." Generalíssima respirou fundo, tremendo de tensão, e virou para Invasora. "Pare de usar sua gema, agora!"

"Entendido." A gema da alma da bailarina na cadeira parou de brilhar, voltando a parecer uma jóia comum, enquanto as telas pararam de mostrar as imagens do satélite e voltaram a apresentar as filmagens das câmeras de segurança.

Madre disse, "As noviças devem ter sentido também. Elas devem estar preocupadas, eu irei checar." Com pressa, ela deixou a sala.

"MerdamerdamerdamerDAA!" Revenante rangeu os dentes e esbravejou mais. "Como é que alguém achou a gente aqui?!"

"Fora daqui..." Inquisidor cruzou os braços e olhou para Generalíssima. "Apenas Washington teria essa informação."

"Estaria guardado na central de dados deles." A mulher balançou a cabeça, negando. "Porém eles devem tê-la destruído quando mudaram de localização, esse é o protocolo. A única irmã que tem conhecimento da nossa localização é Pássaro do Sol, além de Matriarca, é claro."

Inquisidor abaixou olhar. "Hmm..."

Invasora falou enquanto se concentrava em uma tela específica, "Ainda nenhuma atividade na porta de entrada."

"E se houver?" Revenante perguntou, "se elas tentarem uma invasão, qual vai ser o plano?"

"Eu cuidarei disso," Generalíssima afirmou, "pessoalmente."

Sortuda ficou desapontada. "Aí vai acabar em um instante, nós não vamos poder assistir."

[Eae cambada! Vocês tão aê?]

Generalíssima arregalou os olhos. "Essa voz..."

"Não... Não pode ser!" A expressão de Revenante paralisou, completamente pasma.

"OhmeuDeusdocéuzinhôô!" Sortuda deu pulos e bateu palmas. "É A VALQ! HihihiiiIIIIIIIHHHH!"

"Cala boca!" Revenante ralhou com ela.

Sortuda encolheu, puxando para baixo seu par de orelhas de coelho. "Mas... É a Valq..."

"Valq? Valquíria..." Inquisidor olhou para Generalíssima. "Essa não é a irmã que vocês não conseguiram resgatar e desapareceu?"

A mulher abaixou a cabeça, acompanhado de leve franzir de cenho e uma voz fraca, "Ela foi incumbida em uma missão de reconhecimento, a cidade estava infestada por essas bruxas disfarçadas como garotas mágicas e precisávamos compreender melhor o comportamento delas. Ela não chegou no ponto de extração na hora marcada e não estabeleceu contato. Eu senti um grupo de garotas mágicas aproximando rápido e eu não tinha mais razão para continuar esperando, então eu me retirei. Eu voltei a cidade mais duas vezes, mas não encontrei nenhum traço dela."

[Pessoal! Sou eu, Valquíria!]

"Ela está bem, até arranjou novas amigas," Inquisidor disse, com um sútil tom irônico, "você não me disse que ela sabia como chegar aqui."

Generalíssima fitou ele intensamente e respondeu, "ela não sabia."

[Pessoal?]

Ela fechou os olhos e respirou fundo, antes de chamar, "Invasora."

A bailarina virou a cadeira para vê-la melhor.

"Nós estamos indo até entrada," Generalíssima instruiu, "aguarde por minha ordem para abrir a porta."

Inquisidor arregalou os olhos em espanto, seguido por um ranger de dentes. "Enlouquecestes?!"

Generalíssima se aproximou e levantou um dedo próximo da face dele.

O homem se inclinou para trás.

Ela disse, em um agressivo sussurro, "Até que se prove o contrário, Valquíria é uma irmã. Você sabe mais do que eu que a Irmandade não abandona os seus."

"É isso aí!" Revenante assentiu.

Cheia de alegria, Sortuda ergueu os braços, socando o ar. "Vamos rever a Valq!"

"Vocês vão me seguir em silêncio total," Generalíssima falou, ainda olhando para o homem, "sou EU que cuidarei disso."

No caminho, Generalíssima ouviu a voz de Madre.

[É a Valquíria?]

[Nós estamos averiguando isso.] A mulher de cabelo rosa escuro respondeu, [Não responda a chamada dela.]

Assim que chegaram na entrada fechada, Nano contemplou a porta massiva. "Eu consigo sentir que elas estão justamente no outro lado."

"É, eu irei agora conversar com a Valquíria." Generalíssima se concentrou. [Sou eu.]

[Generalíssima? Oh meu Deus, você tá viva! Bem... Se alguém ainda estivesse vivo, com certeza seria você. Quero dizer, eu tinha considerado que algo pudesse ter acont-]

[Eu sei que você não está sozinha.] Generalíssima não movia um músculo sequer.

[É... Eu sei quais são as circunstâncias de sua suspeita, mas nós fizemos um caminho longo até aqui, me dá uma chance de explicar.]

Generalíssima fechou os olhos e respirou fundo. [Eu só irei dizer uma vez para você e a sua companhia. Não façam nenhum movimento brusco ou magia, nem mesmo luz.]

Um breve silêncio antes da resposta. [Saquei.]

Ela reabriu os olhos. [Invasora, abra.]

E as travas foram liberadas. A porta começou a se abrir.

As irmãs estavam tensas, algumas mais ansiosas, outras com mais temor.

A luz penetrou a escuridão do lado de fora, mostrando que as três garotas mágicas na caverna estavam sujas devido a recente provação que passaram.

A mais baixa aparentava ser também a mais jovem, pois ela tinha uma cara de bebê, maravilhada, com os seus olhos castanhos semicerrados devido a súbita luz. Seu cabelo também castanho tinha um pequeno rabo de cavalo e um adorno no lado superior esquerdo da cabeça, composto de um pequeno coral e uma concha em espiral. Ela usava um top estampado com as orgulhosas cores vermelha, branca e azul marinho. A calça legging tinha as mesmas cores dispostas em longas listras, e era comprida o bastante para cobrir os pés como uma meia-calça. O conjunto era um tanto justo, exacerbando as curvas macias, e deixando a pele bronzeada à mostra. Preso ao top estava um pingente com uma gema azul escuro em forma de gota, balançando na frente do umbigo.

A altura da mais alta não era devido ao seu corpo. Ela tinha uma espécie de exoesqueleto, com salto-alto, feito de um material preto, com uma superfície lisa e parcialmente reluzente. A armadura cobria completamente os braços, as mãos, as pernas e os pés. Ela também cobria o pescoço e envolvia a cabeça, como um elmo, com um único chifre no lado direito. Apesar de tudo isso, a função protetora do exoesqueleto era questionável, pois deixava completamente exposto a região central do torso e abdômen, exceto em um ponto entre os dois, onde ficava uma gema vermelha com forma de duas setas apontando para direções opostas. A garota mágica tinha pele clara e de cabelo cinza, do pouco que se podia ver sob o exoesqueleto. O semblante dela era de cautela, os olhos cor de sangue nunca piscavam, e ela empunhava um imenso machado duplo, de aparência tão intimidadora quanto sua dona.

A última era uma mulher adulta e também tinha o aspecto de uma guerreira, mas muito mais ordinária. Ela vestia uma armadura de couro, com uma camisa roxa de manga comprida por baixo, e um micro short da mesma cor. Ela usava botas, caneleiras e braçadeiras, tudo de couro, e na braçadeira esquerda havia um pequeno escudo prateado redondo, que servia também como bainha de uma pequena espada. A espada também era prateada e parecia mais com uma jóia com tantas gemas encrustadas na empunhadura, com uma grande gema roxa escura em seu pomo como sendo o maior destaque. A pele dela era morena e o cabelo era quase da mesma cor, longo e ondulado, os olhos eram lilás e os grossos lábios expressavam um grande sorriso.

Talvez não tão grande quanto a de Sortuda. "ValquíriaaaAAAHH!" Ela correu até a garota com escudo.

Para a aflição de Revenante. "Não!"

Valquíria conhecia bem aquela coelha, ela ofereceu ambas as palmas das mãos.

Sortuda pulou e também usou ambas as mãos para dar um tapaço na das Valquíria. "As gurias tão unidas de novo!"

"As melhores das melhores!" Valquíria deu um pequeno pulo, virando noventa graus, já esperando que Sortuda fizesse o mesmo, mas na direção oposta. Elas então bateram suas bundas uma na outra.

"Num tem pra ninguém!" Um novo pulo e Sortuda virou cento e oitenta graus. Ela aguardou Valquíria também virar para fazer uma nova colisão.

Revenante abaixou o olhar. A aflição foi silenciada, mas por vergonha, era por isso que era imprescindível evitar sorrir.

A garota com um coral e concha na cabeça bateu palmas e sorriu diante daquela cena. Já a que tinha exoesqueleto franziu o cenho, desapontada.

Generalíssima não estava surpresa, assim como as outras irmãs. Inquisidor cruzou os braços como mera reação.

"Tua bunda tá grande que nem uma baleia," Valquíria disse, "você andou comendo a minha parte nas refeições nesse tempo que estive ausente?"

"Eu? Não." Sortuda coçou o pescoço. "Mas, talvez, é porque eu tenho ficado muito tempo aqui dentro sem fazer nada."

"Haha!" Valquíria balançou a cabeça. "Mentira, sou eu que perdi algumas libras..." Ela então olhou para Generalíssima.

A mulher de cabelos rosa escuro não esboçou nenhuma reação.

Valquíria ainda se lembrava do havia sido dito. Ela caminhou lentamente, sendo seguida por Sortuda, entrando e descendo pela rampa para ficar de fronte a sua líder. Contudo, alguém a distraiu de seus planos. "Quem é esse... homem?"

Ele respondeu, "Inquisidor, da Europa. Um enviado especial da Matriarca para examinar e reportar as operações dessa célula."

"Ah..." Valquíria sorriu. "Então tu és o 'puliça'."

"'Puliça'?" Inquisidor ergueu uma sobrancelha.

Generalíssima desviou o olhar e umedeceu os lábios com a ponta da língua.

Sem esperar, Valquíria continuou a fazer perguntas, "Onde está Madre? Eu não a vejo..."

"Ela está cuidando das noviças. Nós resgatamos muitas durante esse tempo," Generalíssima disse, "Invasora está na sala de segurança."

"Aquela nerd..." Valquíria olhou envolta novamente. "E a Açougueira, 'a fala merda'? Eu tava afim de esmurrar aquela carinha bonitinha."

Generalíssima franziu o cenho. "Quem?"

Valquíria abriu a boca para dizer algo.

No entanto, apenas silêncio se sucedeu por um tempo, entre as pessoas que estavam ali presentes.

"É bom saber que todos estão bem," Valquíria terminou de dizer com um sorriso.

Generalíssima assentiu e passou a prestar a atenção nas duas garotas mágicas que ainda estavam na caverna.

Vendo todos se virando e olhando, a garota baixa ergueu a mão e anunciou com alegria. "Oi pessoal, eu sou a Lesley."

"Guarde isso para quando estivermos em um lugar apropriado." Generalíssima começou a descer a rampa. "Vocês três, me sigam."

"Ok! Ok!" A garota baixa tratou de entrar e deixar o ambiente da caverna o quanto antes.

A garota com exoesqueleto negro também obedeceu, mas sem a mesma pressa.

"Ei!" Revenante estendeu o braço, mostrando a palma aberta da mão. "Você não vai entrar aqui com esse machado."

Valquíria falou logo em seguida, "Eu te disse."

A garota com exoesqueleto revirou os olhos e jogou a sua arma para longe, se desintegrando no ar em uma nuvem de faíscas vermelhas.

Com todos dentro e tudo resolvido, a porta começou a se fechar.

Valquíria cutucou o braço de Revenante. "Andou exercitando duro, hein? Tô vendo que o seu dedo mindinho ganhou um novo músculo."

A mulher negra balançou a cabeça, mostrando seus dentes ao sorrir. "Eu faço isso pra desestressar, pra tu ter uma idéia do stress que passo..."

Valquíria ergueu as sobrancelhas. "Eu fiquei imaginando você lidando com a Sortuda sem mim por perto. Vocês são como rocha e água."

"E você é como o rio," Revenante respondeu.

Sendo acompanhada por Sortuda, "Em um belo vale pra nós curti!"

Valquíria assentiu várias vezes. "Ei... Esse é um bom plano."

Revenante deixou de sorrir e suspirou, pondo a mão no ombro dela. "Eu não quero 'precisar acreditar' que é realmente você."

Valquíria acariciou o braço da amiga. "Eu irei provar."

Elas desceram a rampa até a intersecção de corredores, onde uma mulher ruiva já aguardava, suas mãos juntas na frente da boca. "Obrigada Deus, por mais esse milagre..."

Valquíria correu até ela e deu um braço apertado. Madre retribuiu. Ninguém disse nada, não havia palavras para descrever o alívio e a saudade entre a mentora e sua pupila.

Foram longos segundos até elas se separarem, foi então que Madre notou que Valquíria estava suja, assim como as duas estranhas. "Vocês devem estar famintas e com sede. Eu irei buscar algo no refeitório."

"Não," Generalíssima falou, "elas primeiro terão uma conversa comigo na sala de reunião."

Inquisidor questionou, "Você fará isso sozinha?"

Generalíssima olhou para ele, afirmando, "Sim."

Ele se virou, olhando para ela de relance uma última vez, antes de sair sem dizer uma só palavra, indo em direção aos quartos das irmãs.

Ela controlou a respiração, mas os espasmos em seu pescoço denotavam a tensão.

"Ehhhmm..." Nano forçou um sorriso. "Eu vou ver como a Invasora está." Ela olhou para as duas novas garotas mágicas. "Vai dar tudo certo, então depois iremos dar as boas-vindas apropriadas."

"Oh sim! Esteja tranquila quanto a isso," Valquíria disse, "eu avisei a elas sobre os nossos protocolos. É apenas um passo a mais antes de estarmos todas juntas, e poderemos purificar nossas gemas com as sementes de sobra que temos por aqui."

"É," a garota mágica com exoesqueleto concordou, mas nada amigável, "é o que eu espero."

A outra garota mágica, a bronzeada, assentiu, com certo nervosismo transparecendo em seu sorriso.

"Sim..." Nano trocou olhares com Generalíssima.

A mulher latina não mudou o seu semblante, apenas dizendo, "Então vamos."

O grupo se dispersou. Nano foi até a sala de segurança.

"Eu vou reunir as noviças no refeitório para apresentar as recém-chegadas e preparar algo," Madre disse para si mesma enquanto foi subir as escadas.

Revenante e Sortuda ficaram onde estavam, observando Valquíria, Generalíssima e as duas outras garotas mágicas se afastarem, em direção a sala de reunião.

A coelhinha sussurrou para sua amiga negra, "Ow Revah, o que você acha?"

"Sei lá... Tá difícil em acreditar que algo bom tá acontecendo."

[Revenante, Sortuda.]

Elas ficaram alertas, era a voz da Generalíssima.

[Eu quero que vocês guardem o lado de fora da sala. Me avisem se Inquisidor ou Madre aparecer.]

Revenante deu um tapinha nas costas da Sortuda. "Vem, nós temos um trabalho a fazer."

/人 ◕‿‿◕ 人\

Cercada por escuridão, sentada à mesa estava um ídolo de feminilidade. Com os dedos ela contava os fios de cabelo branco, outro instante à eternidade.

A porta de metal abriu e a luz acendeu. Generalíssima entrou, seguida pelas outras três garotas mágicas. Ela se virou e se sentou sobre a mesa, cruzando as pernas.

Valquíria e outras duas garotas permaneceram de pé.

Quando a porta se fechou automaticamente, Generalíssima dirigiu sua palavra à outra irmã, "Você contou a elas alguma coisa sobre a Irmandade?"

Valquíria sorriu e pendeu a cabeça lado, dando de ombros. "O básico."

"O básico..." Generalíssima ponderou, "então podemos agilizar as coisas." Ela então olhou para as outras duas. "Me entreguem as suas gemas."

"Oh..." A garota baixa e bronzeada olhou para o seu pingente, deixando a gema pousar suavemente na palma de sua mão. A gema se tornou na jóia em forma de ovo e ela timidamente se aproximou da mulher, estendendo o braço. "Hmmm... Aqui."

Generalíssima aceitou a jóia e a olhou mais de perto. Havia muitos pontos escuros, rastejando na superfície. Ela a chacoalhou, fazendo corrupção formar redemoinhos no núcleo da gema.

A garota andou para trás, sorrindo. "Tomara que não esteja muito ruim."

"Se você manter essa calma, talvez você sobreviva." Generalíssima deixou a gema da alma na mesa, ao lado dela. Depois, ela olhou para a outra garota.

Ela não fazia menção alguma que iria pegar a gema alojada em seu exoesqueleto.

"Por favor, a gema." Generalíssima engrossou a voz.

"E se eu não entregar a você?" a garota questionou.

Valquíria olhou para ela com os olhos arregalados.

Já Generalíssima mantinha-se impassível. "Você não vai poder fazer parte da Irmandade."

A garota ergueu as sobrancelhas e balançou a cabeça. "Eu não quero fazer parte disso."

"Então você não poderá sair daqui viva," Generalíssima respondeu prontamente.

"Hannah!" Valquíria ergueu a voz, "ela tá falando sério! Eu disse que vocês seriam testadas."

A garota abaixou a cabeça e pressionou os lábios, seus dedos afiados, característica de sua armadura negra, não paravam quietos.

"É um teste de confiança," Generalíssima disse, "se você não confia em nós, por que nós devíamos confiar em ti?"

De repente, a garota arrancou a sua gema, se transformando na jóia em forma de ovo em sua mão. Ela então andou e a ofereceu para a mulher.

Generalíssima estendeu a mão para pegar.

Nesse momento, a garota recolheu o braço, seu olhar carregado de suspeita.

Mantendo o braço estendido, Generalíssima sorriu de leve.

A garota fechou os olhos e virou a cara, finalmente entregando o objeto.

Generalíssima olhou de perto a jóia, ela emitia uma cor quente, ofuscando as manchas escuras. "Sua gema está em ótima condição, Hannah, isso é incrível."

Ignorando o que ouvira, Hannah voltou ao seu lugar.

Após colocar a gema da alma junto com a outra que estava na mesa. Generalíssima voltou a olhar para a pessoa que estava entre Hannah e Valquíria.

Com alguma idéia do que aquilo significava, a garota que vestia top consultou Valquíria.

A irmã sorriu e assentiu.

"Certo, então..." A garota olhou para Generalíssima e abriu um grande sorriso. "Eu sou Lesley Johnson Taylor e eu ainda me acho uma garota mágica novata. Valquíria me contou algumas coisas, eu não sei se são verdade...

"Se elas são terríveis, elas são," Generalíssima respondeu.

"Ah, hehehh..." Lesley tentou manter o sorriso. "Apesar de ser novata, eu sou bastante proativa e comunicativa e..."

"Você tem família?"

"Pai, Mãe... Eu sou filha única." Lesley assentiu e fez uma careta. "E eles vão me matar por não ter voltado pra casa. Eu... não posso dizer pra eles que vocês me sequestraram, né?"

Generalíssima cruzou os braços. "O que você acha?"

"Ahm... mas eu vou precisar de ajudar..." Lesley abaixou o olhar, mas logo teve uma súbita realização. "Ah! Eu quero ser uma jornalista. Então se vocês tiverem precisando de alguém na área de comunicação, eu topo. Nós podemos fazer uma troca..." Ela olhou de relance para Valquíria.

A guerreira de espada e escudo balançou a cabeça.

"Jornalista?" Generalíssima ergueu as sobrancelhas. "Você parece mais que quer ser uma nadadora profissional."

"Bem, é porque eu não quero ser uma jornalista qualquer. Eu quero defender o meio ambiente, sabe? Como a nossa grande barreira de corais," Lesley disse, confiante.

"Oh..." Generalíssima semicerrou o olhar. "Eu me lembro de um notícia um tanto recente. Um navio derramou óleo no oceano e era esperado que as correntes marítimas iriam levar a mancha até os corais. O que aconteceu, no entanto, é que mancha permaneceu onde estava. Então foi você."

"É!" Lesley deu uma piscadela.

"Alguém disposta a dar a vida para salvar muitas outras." A mulher sobre a mesa assentiu. "Incubator achou uma excelente candidata."

A garota franziu o cenho. "H-Hã?"

Ignorando a reação de Lesley, Generalíssima olhou para a outra garota. "E você, Hannah, é uma loba solitária."

Mantendo uma face nada amigável, ela ergueu o queixo em direção a mulher. "Você não é daqui, né?"

"Eu sou do mundo, e justamente esse seu comportamento evasivo é que me faz pensar que você é uma loba solitária." Generalíssima suspirou e deu um leve sorriso. "Eu já fui uma, mas um dia eu aprendi que estar livre não significa estar sozinha."

Hannah abaixou o olhar e respirou fundo, então dizendo de forma ranzinza, "Eu sou de uma cidade pequena, tá? Eu desejei me curar de uma doença hereditária de pele que ia me matar logo, nada de errado. Eu tinha meu pequeno território, eu conseguia derrotar bruxas sozinhas, eu não incomodava ninguém e ninguém me incomodava."

"E agora você está aqui," Generalíssima disse.

Ela voltou a olhar para ela com os seus intensos olhos vermelhos. "Kyuubey sumiu e as bruxas também. Eles tão conectados pelo o que a sua amiga explicou, mas eu já tinha as minhas suspeitas. Eu tô aqui por causa das sementes, é o mais honesto que posso ser."

"Tudo tem o seu tempo." Generalíssima olhou para Valquíria. "E é hora de você me contar sobre o que aconteceu naquele dia."

"É, claro." A irmã sorriu para aliviar a tensão. "Eu tentei de tudo para chegar no ponto de extração sozinha, mas tinha um monte dessas novas bruxas me seguindo por perto. Eu tive que desistir."

"Como você conseguiu despistá-las depois?"

"Eu não consegui."

Generalíssima franziu as sobrancelhas e os músculos de seu pescoço contraíram-se.

"Opa, opa, relaxa." Valquíria ergueu ambas as mãos, mantendo um sorriso maroto. "Felizmente, eu conhecia a cidade, então fingi ser uma garota mágica da localidade, eu dei um nome falso, mas elas notaram que eu era muito velha pra ser uma novata, então foram direto ao ponto. Você tinha que tá lá, elas pareciam testemunhas de Jeová."

O semblante de Generalíssima voltou a ser mais inquisitivo. "O que elas disseram?"

"Nada de novo." Valquíria abaixou os braços. "Elas disseram que eu deveria parar de procurar por bruxas e sementes, porque não era mais necessário. Quando a minha gema da alma chegar ao limite, eu serei salva pela 'Lei dos Ciclos'."

"A 'Lei'... Então as últimas mensagens de Europa eram verdade" A mulher de olhos rosa escuro balançou a cabeça. "Porém 'Lei dos Ciclos' é uma informação nova, parece ser o nome de uma organização."

"Nem, elas disseram que era tipo como a lei da gravidade, o destino das garotas mágicas mudou."

"Ainda se tornar uma bruxa não me parece uma mudança." Mais desanimada, Generalíssima fechou os olhos, enquanto coçava a testa lentamente. "Elas deram detalhes sobre como essa 'salvação' funciona?"

Valquíria deu de ombros. "Eu iria descobrir quando acontecesse."

Generalíssima levou a mão à boca de repente.

Valquíria e as outras duas garotas ficaram confusas com aquela reação.

A mulher começou a ter soluços, se esforçando para não deixar o ar escapar das narinas.

Valquíria arregalou os olhos, se dando conta do que a sua líder estava tentando segurar.

Enrubescida, Generalíssima respirou fundo, abriu os olhos e tirou a mão da boca, ainda revelando momentaneamente uma leve curva para cima nas pontas de seus lábio. "É sempre assim..." Ela assentiu. "Uma mentira, mas uma mentira muito da boa. Não é difícil imaginar garotas mágicas em situação difícil rendendo as suas almas para essas palavras doces."

"Por falar em situação difícil," Valquíria disse, expressando desapontamento, "eu disse a elas que precisava de um tempo pra pensar. Elas concordaram em me deixar sozinha, mas só depois que entregasse todas as minhas sementes."

"Putas," Generalíssima deixou escapar essa palavra enquanto a sua face estremecia.

"Bem, depois disso, eu não perdi a chance e sai da cidade o quanto antes, sem deixar rastros."

"Entendo..." Generalíssima relaxou, mas não muito. "Então por que não nos contatou? Estamos sempre monitorando os sinais de baixa frequência."

Valquíria fez um sorriso sem graça. "Sobre isso... é que... eu esqueci como faz. Hehe."

A outra mulher arregalou os olhos. "Essa não é uma desculpa que uma irmã pode fazer."

"É, é, eu sei, eu sei," Valquíria respondendo, enquanto fazia uma careta e assentia várias vezes, "eu até encantei um telefone, mas não sabia qual era o sinal pra transmitir, não é algo que a gente faz muito. Também eu tava em 'modo de sobrevivência', ok? Eu precisava achar uma semente, sem que eu topasse com um grupo dessas novas bruxas, isso seria meu fim. Então eu fui sorrateira, de cidadezinha em cidadezinha, até que encontrei Lesley lutando com uma bruxa."

"É!" A garota abriu bem os olhos e a boca, mostrando muito entusiasmo. "Eu estava perdendo. Devo a minha vida a ela."

"Você não me deve nada!" Valquíria pôs ambas as mãos na cintura, todo o embaraço se foi. "Eu já lhe disse que o bem estar das garotas mágicas é uma prioridade da Irmandade das Almas."

"Valquíria!" Generalíssima já estava muito impaciente.

"Ahm... Ok, então, depois que derrotamos a bruxa, eu deixei que Lesley me acompanhasse. Ela não tinha mais sementes e me disse que fazia tempo que não via uma bruxa na região. Nessa hora decidi que era melhor tentar encontrar a base. No meio desse processo, nós acabamos topando com a Hannah." Valquíria fez uma cara triste. "Você tinha que ver pobrezinha perguntando se a gente sabia de um lugar pra caçar bruxas."

A pômulos pálidos de Hannah ganharam tons vermelhos. "Você não precisava mencionar isso..."

"Você..." Generalíssima estava abismada. "Você está me dizendo que decidiu procurar pelo deserto, sem o conhecimento da localização da nossa base?"

"Agora você me subestimou. Eu e Revenante exploramos essa região por um longo tempo, sendo noviças e ensinando noviças." Valquíria fez um beiço, seguido de um sorriso. "Então eu fui em um cybercafé pesquisar por imagens de paisagens naturais do país, aí eu reconheci a forma alguns morros rochosos. O site também dava as coordenadas, então eu tinha um ponto de partida, a parte mais difícil foi cuidar dessas duas."

Hannah falou, "Eu já tava achando que ela era louca, mas eu não tinha mais pra onde ir."

A mulher sobre a mesa abaixou o olhar, ainda surpresa.

Valquíria notou que ela também parecia estar assustada. "G-Generalíssima?"

Ela fechou os olhos com força e somente os reabriu quando recompôs o seu semblante firme, sua voz estava calma, "Certo, você mencionou que derrotou uma bruxa, então conseguiu uma semente. Onde ela está?"

"Nós fomos seguidas," Hannah respondeu.

Generalíssima olhou intensamente para Valquíria.

"Ah, isso foi um pequeno incidente antes de entrarmos no deserto. Nós sentimos um grupo de garotas mágicas por perto. Era uma sensação fraca e intermitente, então sabíamos que elas deviam estar tentando esconder a magia delas."

"Você acha que isso é um pequeno incidente?"

Valquíria balançou a cabeça. "Isso foi resolvido, graças a Lesley."

A garota sorriu, um tanto nervosa com a súbita menção. "Foi mais um acidente. Eu purifiquei demais a minha gema e a bruxa iria renascer da semente. Eu comentei que isso iria acabar atraindo as outras garotas mágicas que estavam nos seguindo e Valquíria disse que isso soava como um plano."

"E funcionou, elas pararam de nos seguir," Valquíria complementou, abrindo os braços, "nós perdemos uma semente, mas e daí? Nós temos um monte aqui."

"Hmmm... Claro." Generalíssima suspirou. "Eu acho que estou satisfeita com tudo o que eu ouvi."

"Finalmente." Hannah cruzou os braços.

"Apenas vocês precisam fazer o seguinte para fazerem parte da Irmandade..." Generalíssima pegou a gema da alma azul na mesa.

Aliviada, Lesley estendeu o braço, já se prontificando para recebê-lo de volta.

Generalíssima fechou o punho, fazendo um audível som de racho.

Então o silêncio tomou conta da sala.

Ela aliviou o punho, deixando pedaços de cristais azuis e pedaços dourados quicarem sobre a mesa e o chão.

Enquanto isso, as outras três estavam de boca aberta.

Esfregando as mãos para remover o pó remanescente, Generalíssima disse, "Lesley é uma bruxa, matem-na."

O trio continuava paralisado.

Ela revirou os olhos, reformulando o que disse. "Valquíria e Hannah, vocês devem matar aquela que está entre vocês duas. Ela não é a Lesley, mas uma bruxa."

"Eu não sou uma bruxa!" A garota mágica baixa vociferou.

Valquíria proferiu, ainda pasma, "Mas a sua gema..."

"Eu não sou uma bruxa." Lesley se virou para ela e respirou fundo antes de dizer de uma vez, "porque eu fui salva. Eu não era forte o bastante pra durar muito."

Valquíria trocou olhares com ela, levando a mão à boca. "Oh meu Deus... Você mentiu pra mim."

"Não!" A garota bateu no próprio peito. "Eu sou eu, Lesley! Eu te contei sobre a minha vida. Eu amo a minha família, meus amigos, meu lugar, e eu quero protegê-los. Por que você acha que eu tava lutando contra aquela bruxa? Se eu quisesse destruição e desespero, eu a teria deixado à solta."

A irmã balançou a cabeça e sua boca tensa mostrou os dentes.

"Eu não inventei nada!" Lesley estendeu ambas as mãos, fazendo o gesto de que iria começar a puxar os dedos para contar. "Você se lembra, não se lembra? Eu tenho três cachorros, Sasha, Boya e o JoeyaaAAAAAHHHHH!"

Um grito gutural e Valquíria viu a garota cair de joelhos, uma lâmina negra dividindo a parte superior direita do torso dela.

"Eu nunca gostei de você." Hannah chutou Lesley para remover o machado do corpo dela, fazendo-a cair de bruços. "Fala demais..."

Valquíria levantou a voz, "Hannah, pare!"

Mas Generalíssima interviu, "Você está me decepcionando, irmã."

Valquíria olhou para ela, mas então sentiu seu tornozelo ser segurado.

Era Lesley, ela levantou a cabeça com dificuldade, seu olhar era de clemência. "Por favor... parem... Eu... Eu tô me sentindo estranha... V-Vocês têm que... parar..."

Hannah deu novos golpes de machado contra o corpo da garota. Quando ela levantava a arma, gotículas de sangue chegavam a atingir o teto da sala.

[Que grito foi esse? Que tá acontecendo?]

Generalíssima reconheceu a voz de Revenante. [A situação está sob controle. Mantenha a guarda.] Após responder, ela retornou sua atenção à Valquíria. "A realidade deveria ser sua única guia, ou você baixará sua guarda para essa ilusão? Eu já presenciei o fim de muitas garotas mágicas por causa disso."

"Por favssshhhhh..." Uma espuma laranja começou sair da boca de Lesley, também de suas narinas e até mesmo de seus olhos esbugalhados.

Vendo aquilo, Valquíria desembainhou sua pequena espada. Sua gema brilhou e a espada foi realçada por uma luz branca translúcida, ganhando uma forma muito mais longa e poderosa.

"NSShhhh PSShhhhhh..."

Precisava encontrar a coragem. Valquíria virou a cara e deu uma estocada para baixo com a sua arma, então ela não sentiu mais a seu tornozelo ser segurado. Ela olhou para o que tinha feito.

Lesley estava imóvel, sua face contra o chão, a larga lâmina de luz empalando o torso justo no ponto abaixo do pescoço.

Certamente a espinha havia sido partida. Valquíria puxou a espada de volta, já sentindo um arrependimento que ela tentava ignorar, também vergonha que, como irmã, ela teria que justificar o erro, e haviam perguntas que ela estava certa que eram proibidas de fazer.

Na verdade, nem havia tempo, pois o que estava imóvel deixou de estar.

Diante do corpo em convulsão violenta, Valquíria arregalou os olhos.

Assim como Hannah. "C-Como que a gente mata essa coisa?!"

"Como qualquer bruxa," Generalíssima respondeu, "bata até ela morrer."

Hannah ergueu o seu machado.

O corpo pulou de repente, grudando no teto.

"AAHHH!" A garota quase soltou o machado, enquanto as outras duas mulheres paralisaram.

As luzes da sala começaram a piscar. A face de Lesley estava coberta de espuma e seus ossos faziam barulho enquanto quebravam espontaneamente. Sua barriga distendeu rapidamente até rasgar, sendo então divididas por duras, afiadas, pernas peludas de crustáceo. Nenhuma víscera ou sangue caiu do abdômen estourado, e sim uma torrente de líquido negro, que atingiu o chão da sala com violência.

A correnteza derrubou Hannah e Valquíria, enquanto Generalíssima passou incólume por estar sobre a mesa.

Dos restos do corpo de Lesley, gavinhas de carne se espalharam ao longo do teto e da parede rapidamente.

Generalíssima viu a porta de metal começar a abrir, mas ficar emperrada devido as gavinhas. Ainda assim, ela conseguiu ouvir o apelo de Revenante.

"GENERALÍ-"

Silêncio e escuridão. Instantes depois, os olhos de Generalíssima se acostumaram com uma fraca iluminação vermelha de fonte desconhecida. Ela ainda estava em uma sala inundada pelo líquido negro, sobre uma mesa, mas não havia porta e as paredes estavam cheias de cores e pequenas vidas. Moluscos, vermes, invertebrados e até estrelas-do-mar, convivendo em harmonia entre anêmonas e corais.

Hannah e Valquíria também ainda estavam na sala, emergindo do líquido negro, desnorteadas.

Generalíssima saiu da mesa, sentindo o toque frio do líquido subindo até as suas coxas. Ela estendeu a mão esquerda e, flutuando sobre o seu anel, apareceu a sua gema da alma rosa escura em forma de ovo, com o símbolo de um X curvado segurando um olho estilizado em seu topo.

Um estrondo repentino.

Vinha de trás, era a mesa sendo empurrada e virada. Generalíssima se virou o mais rápido que pôde, mas não foi o suficiente. Algo muito duro e úmido a atingiu, a fazendo voar como uma boneca de pano até bater em uma parede e cair no líquido negro, desaparecendo.

Hannah ainda estava estabelecendo seu equilíbrio quando viu aquilo, assim como a sua gema vermelha sendo lançada da mesa, fazendo piruetas no ar. A única reação que ela foi capaz de fazer foi de arregalar os olhos, pois a gema foi pega e esmagada por uma garra gigante.

Ela caiu. O exoesqueleto evaporou, permitindo que o corpo pudesse boiar sobre as águas negras.

"Hannah!" Valquíria sabia que era tarde, seu foco tinha que ser naquela criatura com um tamanho de tigre.

Ela se parecia muito com um caranguejo, com uma carapaça roxa e dorso branco, mas era... assimétrica, com nove pernas peludas em um lado e três no outro, cinco olhos em haste que estavam distribuídos sobre carapaça. Ao menos a boca era uma, assim como as duas garras em forma de pinça. Apesar da assimetria, a criatura andou de lado, se aproximando rapidamente.

"Armadura completa!" O corpo e o escudo de Valquíria foram envoltos pela mesma luz translúcida que havia na espada. O escudo complementado pela luz agora era grande o bastante para cobrir mais da metade do corpo e a armadura agora era uma pomposa armadura de placas feitas de luz, com elmo e um largo par de asas nas costas.

Como esperado, a criatura atacou com a sua garra.

Valquíria bloqueou sem dificuldade e golpeou o braço do caranguejo com a sua espada, a cortando completamente.

A criatura recuou e, de seu membro amputado, cresceu três novos braços com garras.

Valquíria não se surpreendeu, já tinha visto artifícios piores, ela segurou firme o seu escudo.

A criatura avançou.

O escudo dava conta das novas garras, mas o braço já estava fadigado. Atacar os olhos parecia uma idéia boa, mas Valquíria se viu obrigada a usar a espada para interceptar e segurar a quarta garra. O embate parecia que seria decidido por quem pudesse exercer mais força.

A criatura abriu suas mandíbulas, que pareciam ser como de um caranguejo, mas elas começaram a se dobrar e face inteira se abriu na forma de uma estrela de Davi.

O elmo da Valquíria conseguia esconder bem a apreensão dela naquele instante.

Da 'boca', uma nova perna pêluda de caranguejo surgiu. Com a sua afiada ponta, a criatura tentou empalar sua vítima, mas a nova perna acabou sendo barrado pela armadura.

Ela suspirou aliviada, contudo, a luz de sua armadura começou a fraquejar. Ah merd-

A luz apagou e a perna atravessou o abdômen da garota mágica, a empurrando contra a parede.

Valquíria não gritou, ela havia bloqueado dor a tempo, mas a sua situação só ficava pior, pois nem sua espada e escudo estavam mais abençoadas pela luz. Ela tentou usar sua curta lâmina, mas o metal não era capaz de cortar o grosso exoesqueleto.

A criatura começou balançar a perna como se fosse uma língua, arrastando sua vítima contra a parede. Os corais e as ostras eram como dezenas de navalhas, cortando a armadura de couro e a carne de Valquíria, deixando uma larga trilha vermelha.

Ela abandonou a espada e escudo. Com o fundo sendo um caos por estar sendo balançada violentamente, o foco de Valquíria ficava todo para a articulação da perna mais próxima dela. Exercendo força suficiente, ela poderia quebrá-la naquele ponto, mas para alcançá-la ela teria que empalar mais o seu corpo.

Um flash rosa no canto do olho. Sons, um súbito, alto e curto, seguido por um racho.

Valquíria ouviu aquele padrão algumas vezes em uma rápida sucessão, até que mundo parou de balançar. O corpo dela escorregou pela parede até afundar parcialmente no líquido negro, porém ela pode ver claramente.

O mito encarnado, conforme as descrições.

Poucos testemunharam Generalíssima em seu uniforme de garota mágica e era perfeitamente compreensível o porquê. Suas 'roupas' eram como a pele, talvez pintada ou talvez tatuada, na cor rosa escura, revelando por completo sua forma sarada. Essa pele não cobria todo corpo e não tinha uma forma definida, constantemente se partindo em pedaços menores e recombinando, deslizando pela pele morena de forma errática, parecia ter vontade própria, apesar que as partes íntimas estavam sempre cobertas. Essa segunda pele algumas vezes cobria os olhos, mas isso não parecia incomodar a sua dona.

Valquíria notou que a criatura estava morta. Ela entendeu o que aconteceu ao ver que o braço de sua líder havia atravessado a dura carapaça do corpo do monstro, em um único golpe.

Generalíssima removeu o braço e olhou para ele, examinando o líquido esbranquiçado e gosmento que o cobria. Nesse momento, ela notou um objeto brilhante na carapaça, um brasão. Ela o pegou e olhou mais de perto. Os relevos dourados e pretos formavam uma estrela de oito pontas, com uma coroa e um par de asas negras, e abaixo de tudo isso havia runas escritas. "Eterno Feminino..." Ela murmurou, enquanto a raiva transparecia em sua face. Fechando o punho, ela esmagou o objeto antes de jogá-lo na água. "Valquíria, você consegue andar?"

Ouvindo aquilo, a irmã tentou se levantar, mas não conseguiu nem um pouco. Ela urrou, "AAAAHHHH!"

Nada surpresa, Generalíssima perguntou, "É a sua coluna, não é?"

"Ahhh... Ahhh... Sim..." Valquíria balançou a cabeça. "Eu permiti que eu sentisse tudo por um momento e não senti as minhas pernas."

"Tudo bem." Generalíssima se virou e se agachou, ficando apenas do ombro para cima acima do líquido. "Vamos encontrar os outros. Se agarra em mim."

"Uhum..." Valquíria abraçou as costas dela o melhor que pôde e então as duas se levantaram. Nesse momento, ela notou que havia outras criaturas parecidas com caranguejos na sala, ao menos seis, cada uma diferente da outra, na quantidade de pernas e olhos, mas todas estavam mortas, com um buraco em suas carapaças.

Uma ponta verde metálica perfurou uma das paredes de coral. "Generalíssima! Valquíria!" Então Revenante arrombou usando o seu corpo inteiro, ela estava usando seu uniforme de garota mágica, com uma azagaia em mãos. "V-Vocês tão bem?!"

"Eu estou," Generalíssima respondeu, "Valquíria está ferida."

Revenante olhou para as criaturas mortas e para o cadáver de uma garota boiando. "Onde tá a bruxa?"

"Ela escapou quando você tentou abrir a porta."

Arregalando os olhos, Revenante voltou a olhar para Generalíssima.

"Eu pedi para você manter a guarda!" Ela ralhou.

Revenante franziu o cenho. "Mas..."

"Cadê a Sortuda?"

Sendo interrompida, a mulher negra balançou a cabeça. "Eu não sei! Eu... Quando nós sentimos que algo tava errado, eu me aproximei da porta e ela sacou os revólveres dela e tomou distância. Aí a barreira se formou e a porta sumiu. Eu fui olhar pra ela, mas eu não tava mais no corredor e sim numa câmara imensa, cheio desses corais de merda. Ela sumiu e não consigo senti-la, nem comunicar com telepatia."

"Hmmm..." Generalíssima assentiu levemente. "Justo agora que nós precisamos de uma das balas dela."

"É minha culpa," Valquíria disse, "eu fui tola e deixei essa bruxa entrar aqui. Agora, eu nem consigo lutar por causa da minha gema desgastada. Eu sou só um peso morto."

"Você não é um peso morto, você é uma irmã que retornou e nós estamos agradecidas por isso." Carregando-a, Generalíssima foi para saída que Revenante havia criado. "A Irmandade está mais forte hoje."

De fato, não havia corredor, mas uma câmara, onde as paredes tinham o mesmo aspecto de recife de coral com pequenas criaturas.

Generalíssima caminhou até o centro, vendo que haviam alguns túneis que elas poderiam escolher. "Alguém sentiu alguma coisa?"

Valquíria balançou a cabeça.

Revenante se expressou mais. "Não, nada." Então ela sentiu em suas pernas um peculiar movimento do líquido. Ela se virou de supetão e não viu nada à primeira vista, mas então percebeu uma trilha de ondulação que partia da entrada da sala onde elas estavam anteriormente e seguia para uma direção diferente, se afastando delas.

"O que foi?" Generalíssima perguntou.

Revenante segurou sua azagaia com mais firmeza. "Tinha mais alguém naquela sala?"

"Ninguém vivo," ela disse enquanto sua segunda pele dançava livre pelo seu corpo, "vamos continuar."

/人 ◕‿‿◕ 人\

No banheiro, mais especificamente sentada em uma privada, Evie meditava enquanto fazia suas necessidades corpóreas. Já que Madre havia chamado todas as noviças para o refeitório, aquele era momento ideal para ter um tempo para si.

Contudo, havia um vazio em sua mente que a incomodava. Um buraco que dragava suas as idéias e emoções, convergindo para um único caminho. "Me tornar uma irmã é única coisa que me resta. Droga... Essa crise tem que acabar."

As luzes piscaram.

Evie olhou para o teto e viu que estava coberto por gavinhas carnosas, que estavam descendo pela parede e chegariam na privada. Ela ficou de pé, bem a tempo de ver uma água negra transbordar da privada e começar a inundar o ambiente.

"Só podem tá de brincadeira..." Quando as luzes se apagaram, um flash de luz roxo anunciou a transformação de uma garota mágica, pronta e muito furiosa.

O buraco teria que ficar para depois.

/人 ◕‿‿◕ 人\

As noviças não estavam acreditando, fazia já um bom tempo que elas não se viam em uma barreira de bruxa.

O mesmo se podia dizer de Madre, mas toda a sua experiência silenciou qualquer questionamento, mantendo o seu foco no que era mais importante. "Fiquem calmas, todas vocês, nós precisamos ser discretas para não atrairmos a atenção da bruxa. Vamos aguardar pela Generalíssima e as outras irmãs." Apesar de afirmar, ela não estava tão certa dessa última parte. [Generalíssima, você consegue me ouvir?]

"Olhem!" Uma noviça apontou.

Perto da parede da câmara, justo acima da superfície do líquido negro, havia muitos olhos em haste, que logo afundaram.

Ao testemunhar aquilo, Madre pegou a semente que tinha em sua posse e purificou sua própria gema, ao mesmo que ela levantou a voz, "Transformem-se!"

"Hã?" As noviças olharam para ela, mas foram cegadas momentaneamente por uma luz vermelha. Depois disso, elas viram que Madre estava usando uma couraça polida e sua cabeça estava envolvida por uma coifa de metal trançado, com uma coroa preta com três crucifixos, sendo que no crucifixo que estava entre os outros dois, em sua parte central, havia uma gema oval vermelha. Ela parecia uma princesa, mas também uma freira, pois sob a couraça ela vestia um traje preto sem detalhes, com largas e compridas mangas e saia. Preso com cintos que passavam sob os seus braços, havia um escudo redondo, com bordas douradas e um halo vermelho pintado em seu centro.

"Vamos! Vamos! Transformem-se! Vocês têm que ser irmãs agora," Madre continuou a dar ordens enquanto via flashes de luzes de várias cores acontecendo, "Fiquem juntas e formem um círculo. As costas das outras irmãs são as suas costas."

As noviças obedeceram, enquanto Madre manteve distância do círculo que foi formado. O silêncio agora era brutal.

Uma das noviças tentava esconder o tremor do seu florete em punhos, enquanto o líquido negro estava parado, como se fosse um piso sólido e liso.

E, sem aviso, uma garra gigante quebrou a superfície negra, dando um bote em direção a ela.

"Ahhh!" Em uma reação inexperiente, a noviça trouxe para si o florete como se pudesse defender daquele ataque, mas então um brilho vermelho bloqueou tudo o que estava à frente. "Hã?!" Agora ela estava vendo a parte traseira de um escudo de cavaleiro, que estava flutuando e sendo esmagado pela garra. Outros dois escudos apareceram em pleno ar, um era redondo com um espinho no centro e o outro era um moderno escudo balístico, e ambos começaram a golpear o monstro que parecia um caranguejo.

Ainda sem entender o que estava acontecendo, ela olhou para as suas colegas e viu que não era a única. O círculo de noviças estava cercado por escudos flutuantes, que as protegiam ativamente contra os lacaios da bruxa, além de combatê-los.

"Me ajudem a matá-los!" Madre gritou.

A noviça com o florete voltou a prestar a atenção no monstro, que estava sendo subjugado pelos escudos. Ela deu uma estocada firme com a sua arma, perfurando o exoesqueleto da criatura. Um pico de energia transferiu da base da lâmina até a ponta e o buraco que ela havia criado se expandiu, destruindo parte da garra. No entanto, tal golpe foi em vão, pois a garra voltou a crescer.

Outra noviça alertou, "Cuidado Madre! Atrás de você!"

A mulher se virou, apenas a tempo de ver uma garra gigante fechar em seu torso, tentando esmagar seu corpo. Ao invés disso, no entanto, o exoesqueleto da garra rachou enquanto Madre e sua armadura permaneceram incólumes.

O monstro crustáceo era insistente, brandindo a sua outra garra.

Madre sorriu levemente e metal de sua couraça adquiriu um brilho, seguido de uma onda de choque, soando como uma pequena explosão. A garra que estava segurando-a não somente abriu como os dedos arrebentaram.

A criatura convulsionou em dor, mas a sua garra já estava regenerando, com mais dedos do que antes em um caótico desabrochar.

Madre puxou a sua manga, revelando sua manopla. Assim como havia acontecido com a couraça, o metal adquiriu um brilho vermelho. Ela fechou punho e usou todo o seu corpo para desferir um soco na suposta face do monstro, então a parte de trás da carapaça explodiu, e as vísceras esbranquiçadas voaram e mancharam o líquido negro. Vendo que o lacaio finalmente desfalecera, ela exclamou, "Foquem os seus ataques nos corpos deles!"

Com a dica, mais a vantagem numérica e os escudos, as noviças conseguiram acabar com os lacaios sem que houvessem graves incidentes.

Madre respirou aliviada, mas então ouviu algo caindo na água. Ela procurou pela fonte do som e viu mais lacaios vindos por uma toca na parede. Sem desperdiçar um momento, ela conjurou um escudo redondo flutuante na frente dela.

Oh Senhor, eu não posso falhar de novo.

Ela abriu as pernas em uma postura, se preparando para dar um soco, sua manopla brilhou em vermelho. "Abençoe essa serva com uma fração de Vossa força," ela murmurou antes de golpear a traseira do escudo.

Com o som ensurdecedor de um canhão, o escudo liberou uma onda de choque massiva em sua parte frontal, seguido por um imediato som de impacto. As noviças tamparam os ouvidos e gritaram de susto.

Com gesto, Madre fez evaporar o escudo na frente dela, enquanto ouvia o som de desabamento. Ela teve que esperar a fumaça dissipar um pouco para saber o resultado.

Não havia mais lacaios, ou toca, ou parede, apenas um caminho de destruição, revelando uma outra parte do labirinto da bruxa.

"Não é seguro continuarmos aqui." Madre se virou para as outras. "Nós tem-"

Algumas noviças estavam de queixo caído, outras nem piscavam os olhos, muitas sorriam.

Madre respirou fundo e pigarreou antes de falar, "Nós temos que ir. Ninguém está ferido, certo? Há alguém faltando?"

"A Evie!" uma noviça exclamou.

"Ela não estava conosco," outra respondeu.

"Evie... ok..." Madre assentiu e sorriu para assegurar. "Ela é forte. Nós vamos encontrá-la, assim como os outros."

/人 ◕‿‿◕ 人\

"Eu já não estive por aqui?"

Evie olhou envolta e não encontrou nada nas paredes de corais que pudesse usar como referência para confirmar sua própria pergunta. Contudo, sendo tudo similar, ela não conseguia ignorar a sensação de familiaridade. "Que bosta de barreira. Por que essa bruxa já não tá morta? O que a Generalíssima e as outras tão esperando?"

Ela fechou os olhos e deu tapas em suas bochechas, balançando a cabeça depois. "Ahh... Eu tenho que parar de agir como uma noviça. Eu mesma sou capaz de fazer essa bruxa pagar por estragar o meu dia. Eu só preciso achar ela..."

Mas eu não consigo senti-la, nem as outras garotas. Isso não é normal.

Ela reabriu os olhos ao ouvir um estalo. Caranguejos deformados e gigantes haviam emergido do líquido negro e agora a cercavam, abrindo e fechando suas garras.

"Então a bruxa teve a consideração de enviar porcaria pra eu descontar a minha raiva." Enxames de dardos mágicos roxos começaram a orbitar as braçadeiras de Evie. Ela deu um grande salto, fazendo uma cambalhota no ar, e estendeu seu braço, liberando um dos enxames quando ela passou sobre um dos caranguejos.

Os pequenos dardos não foram capazes de penetrar a carapaça, mas facilmente perfuraram os quatorze olhos da aberração.

Evie pousou no líquido negro e assistiu a criatura convulsionar por um momento, antes de suas pernas ficarem duras e cair com a parte ventral para cima. Sem estar surpresa com o resultado, ela fez surgir outro enxame em sua braçadeira.

Os outros caranguejos começaram a arrancar os próprios olhos com as suas pinças. Os ferimentos eram rapidamente cobertos pela regeneração dos exoesqueletos.

Isso fez Evie franzir a testa. "Oh... Vocês tão tentando pular alguns passos da teoria da evolução... Mas não vão ficar cegos assim? Que seja..." Ela apontou ambos os braços em direção aos monstros e os enxames de dardos se coalesceram em largas setas. Apenas com a força da vontade, ela os disparou.

As setas foram bloqueadas por uma garra, mas elas perfuraram o exoesqueleto e isso era o bastante. O monstro crustáceo teve o mesmo fim do outro antes dele.

Os outros caranguejos se dispersaram, andando de lado com velocidade.

Evie sentiu que eles queriam cercá-la com a vantagem numérica que eles tinham. Ela apontou seus braços para direções diferentes e começou a disparar setas sem parar.

As setas corrigiam suas trajetórias em pleno vôo, atingindo em cheio seus alvos. Uma seta para um lacaio.

Porém, quantos mais ela precisaria?

Um caranguejo emergiu das águas escuras, próximo de Evie. Ele abriu um buraco na face como se fosse uma boca, por onde começaram a sair mais pernas peludas, com a suas pontas afiadas apontando para a garota.

Ela se virou, com a apatia de sempre, e alargou as setas que flutuavam sobre as suas braçadeiras, transformando-as em presas gigantes de energia roxa. Como em um bote de uma serpente, ela pulou para trás e brandiu as suas armas corpo-a-corpo, raspando aquele buquê mortal de pernas de caranguejo.

Novamente, aquilo foi o suficiente para a criatura convulsionar e morrer.

Ainda que modestamente, Evie começou a sorrir. Mais caranguejos se aproximavam, mas ela não deu a mesma chance de chegar tão perto dela, saltando para longe e disparando setas de suas presas.

Aquilo estava sendo muito melhor que as sessões estúpidas da Sortuda. Somente em uma situação real ela poderia finalmente provar que estava pronta para a Irmandade. Além disso, nenhum lacaio devia escapar, era melhor dar cabo daquele problema do que deixá-lo vir em uma hora mais inoportuna.

Evie disparou freneticamente, sem considerar quantos alvos havia. Então, ela rodopiou no ar e suas presas a orbitaram em uma grande velocidade, disparando para todas as direções, até as presas se dissiparem.

A garota pousou e não ouviu mais nada, além do som da água preta e de sua própria respiração forte. Ela checou a gema da alma na linha cintura de sua calça. Ela estava mais escura do que ela gostaria, mas Evie se sentia bem, melhor do que há muito tempo. Ela lentamente olhou envolta, confirmando quantos ela havia matado.

Esses lacaios são fracos contra a minha magia. Se eu encontrar a bruxa, eu vou por um fim nisso bem ráp-

Mas havia uma mulher desconhecida, de pé. Ela era alta e forte, com pouca roupa, pele escura e longos cabelos brancos. A tiara que ela usava tinha uma gema da alma muito corrompida, ainda assim os olhos rosas dela expressavam uma calma perturbadora.

Evie franziu a testa, mantendo uma postura cautelosa. "Donde você veio? Eu tinha olhado pra essa direção momentos antes e você não tava aí."

A mulher ergueu as sobrancelhas de leve e olhou para baixo, vendo que uma seta havia perfurado sua barriga. Ela foi removê-la, mas faíscas roxas vindo da seta queimaram a palma de sua mão.

"Eu não faria isso se fosse você, as minhas setas podem ser bem voláteis." Evie ainda estava confusa com o comportamento daquela pessoa. "Eu ouvi que Valquíria havia retornado e ela tava acompanhada, é você? Você não deve ser a bruxa, mas com essa tua gema, você vai se tornar uma logo, logo..."

A mulher voltou a olhar para a garota pálida, sem dizer uma palavra.

"Hmmm..." Evie semicerrou o olhar e assentiu. "Você tava invisível, não tava? Você deve precisar de muita magia pra isso, por isso que a sua gema tá nesse estado." Essa epifania fez ela fazer uma nova pergunta, "Por acaso você a pessoa que andou roubando as nossas sementes?"

A mulher não disse nada, mas a expressão já não era mais somente de calma, havia certo desgosto nas linhas de sua face.

"Que porra é essa? Voto de silêncio?" Evie sorriu e balançou a cabeça. "Se acha que eu não consigo fazer você falar, eu tenho uma má notícia. Se você é quem eu penso que é, então você será o meu passaporte pra me tornar uma irmã e sou especializada em torturar garotas mágicas."

A mulher olhou com mais intensidade, suas irises cintilaram.

Ao mesmo tempo, um arco elétrico roxo se formou entre a seta na barriga e a gema negra na tiara.

Os músculos da mulher se contraíram e ela ergueu a cabeça, soltando um berro.

Evie teve a ânsia de tampar os ouvidos. Não era um grito tão alto, mas assustador, eram como milhares de vozes à beira da morte, reverberando nos corais da câmara.

A arco desapareceu e a mulher se prostrou, silenciando-se.

O coração da garota havia acelerado, mas ela viu que era apenas um susto, então ela suspirou e assentiu. "É, você parece que é resistente ao meu veneno mágico, mas as minhas setas funcionam tipo como um para-raios, anulando qualquer magia que você usar contra mim. Agora, você vai me contar onde escondeu... as... sementes..." Os batimentos do coração voltaram a acelerar e a garota pálida ficou estupefata com o que veio de uma parte obscura de sua mente. "Você... Eu já te vi antes..."

Ainda arfando, a mulher de cabelos brancos ergueu a cabeça e arregalou os olhos.

"Sim, quando a Irmandade me resgatou, você estava na entrada, olhando pra mim... e... Carolaine..." Lágrimas desceram pela face com volume, enquanto os lábios de Evie estremeceram em terror. "O-O-OH MEU DEUS! DEEUS!" Ela cobriu a boca com a mão, mas não conteve seu desespero. "IIIAAAAÁÁÁÁÁHHHH! IIIAAAAÁÁÁÁÁHH!"

A mulher rangeu os dentes. Ela recuperou a postura, mas viu que a seta ainda estava furando sua barriga.

"CAROLAINE! Oh meu Deus, você arrancou a face dela." Evie balançou a cabeça, como se tentasse não acreditar naquele pesadelo preenchendo suas memórias. "Ela chorou na minha frente, implorou, me empurrou, até deu um tapa na minha face. Mesmo assim, eu não fiz nada enquanto você veio por trás da minha amiga e enfiou os dedos nos olhos dela e- DEUS! DEUS!"

A mulher aproximou novamente a mão na seta e sentiu sua pele ser atingida pelas faíscas, o cheiro da carne queimada.

"Edith, Tammy, Grace, Jasmine... Você matou todas as minhas amigas que fiz aqui. Eu estava rindo, ou comendo, ou arrumando a cama, enquanto você as matava ali mesmo, naquele momento." Evie não conseguia parar de tremer. "O-O que você fez comigo? O que diabos é você?!"

E ela nada disse.

"FODA-SE! Se você não vai falar." Tomada pela ira, Evie conjurou uma seta e apontou para a gema negra da mulher. "Foda-se as sementes também! Eu te mato agora!"

A mulher segurou a seta que estava na barriga. Nesse exato momento, a seta explodiu.

"AAAHHH!" Evie só teve tempo de fechar os olhos. Quando os reabriu, ela se viu coberta de sangue e pequenos pedaços de carne. Pedaços maiores, chamuscados, estavam boiando no líquido negro, incluindo um braço inteiro e parte do crânio, com algumas mechas de cabelos brancos ainda intactas.

Ela não sentia nenhum movimento ou fonte mágica.

"Eu não acredito, a puta se matou?" Evie murmurou, enquanto mais lágrimas desciam pela sua face, formando trilhas no sangue. Ela desfez a seta e abaixou o braço. Ela fungou o nariz, não podendo evitar as memórias pavorosas. Era como se o mundo tivesse retornado àquele porão, não, era mais como se o mundo sempre fosse assim, somente sendo mais explícito naquele momento.

"Alice e Maya..." Evie ergueu a cabeça, rangendo os dentes. "Vocês foram as últimas vítimas e eu também não fiz nada, pior, fiz suas vidas serem um inferno. Desculpa, mais um covarde arruinou a minha alma e eu não pude fazer sentir toda a dor que merecia... Hã?"

Havia um pedaço de metal dourado retorcido preso ao teto da câmara, era a tiara que a mulher usava, com a gema negra ainda intacta.

"Ah, você quase me enganou..." Evie estendeu o braço em direção a gema, conjurando vários dardos. "Mas a sua sorte termina aqui."

Sangue escorreu em seus olhos.

"Merda!" A garota se curvou com a sensação dolorosa, muito pior do que esperava. Ela esfregou os olhos com força, esperando que lacrimejassem, mas a dor já estava agora atrás dos olhos e indo mais fundo, ela não conseguia enxergar nada. "Mas que porr-" Ela sentiu o toque quente do sangue na língua e o sabor de ferro, formando um volume e descendo pela garganta. "COF! COAAAGH!" Ela cerrou os lábios, mas o sangue começou a entrar em suas narinas e em seus ouvidos. "NNNGG!" O corpo começou a doer e enrijecer, como uma forte febre, seguido de movimentos involuntários.

Movimentos súbitos e anatomicamente impossíveis, torcendo os músculos, quebrando os ossos e rasgando a pele.

"WWWAAAAAAAHHHHH!" Evie não conseguia bloquear a dor, nem sequer uma singela sensação. Ela pensou na morte, ela já desejava isso, mas ela não vinha e não viria para uma garota mágica dessa forma. Enquanto isso, o sangue de suas feridas recém-abertas começou a fluir pelo ar em uma neblina vermelha, se aglomerando em um ponto específico atrás dela.

A tiara com a gema se desprendeu do teto e caiu, mas não tocou a superfície do líquido negro. Ao invés disso, ela ficou parada no ar, enquanto o sangue e pedaços do corpo da mulher que flutuavam no líquido começaram a voar, tendo em direção ao mesmo lugar onde estava o sangue da garota. Um turbilhão então se formou, do chão ao teto.

As roupas de Evie estouraram de forma sobrenatural. Suas costas nuas se abriram, e seus músculos, órgãos e ossos começaram a serem sugados. Ela já não podia gritar, nem sequer pensar, mas ela sentia, e ela sentiria até que sua alma fizesse parte algo maior. Enquanto a pele de seu abdômen era puxada, a sua gema roxa não somente permaneceu, como flutuou em direção a tiara com a gema preta. Ela orbitou a tiara, cada vez mais perto e mais rápido, até que a gema alongou, formando uma tênue linha de essência roxa, caindo então para dentro da gema preta.

A gema preta ficou momentaneamente roxa, depois rosa, mas logo degradando para a cor escura da corrupção. Terminado esse processo, não havia mais a garota, nem mesmo um fio de cabelo.

Silenciosamente, a tiara voou em direção ao turbilhão, que havia se solidificado, formando uma coluna retorcida de carne viva. O objeto voador circulou a coluna, como se procurasse por algo, e de fato havia achado.

Na base da coluna havia uma placenta com um embrião, ambos estavam crescendo rápido. Logo já era um feto, então um bebê, e continuou crescendo.

Enquanto isso, os corais nas paredes da barreira da bruxa, começaram a perder suas cores e murchar. Os pequenos organismos a morrer.

A gema escura na tiara presenciou o saco gigante de líquido amniótico conter uma pequena criança, depois uma adolescente. Quando o que estava dentro havia se tornado uma mulher adulta, o saco finalmente arrebentou.

O corpo não escorregou e caiu, ele foi puxado por uma força invisível, ficando em pleno ar como se estivesse pendurado em algo. A pele molhada ainda estava enrugada e descolorida, coberta de pêlos. As unhas das mãos e dos pés estavam extremamente compridas, assim como o cabelo roxo. O corpo respirava, mas inconsciente.

A tiara se aproximou do rosto da mulher recém-nascida. Flashes de luz colorida vindo de dentro da gema, fracos como de uma tempestade distante à noite, banharam sobre a pele das pálpebras.

A mulher abriu os olhos de repente, expondo pela primeira vez suas irises roxas. Ela começou a se mover, usando as costas de suas mãos para remover as mechas de cabelos grudadas em sua face.

Ela então examinou as unhas e não gostou do que viu. Elas quebraram espontaneamente e ela assoprou as das mãos, as deixando polidas com apenas isso. Depois, ela fez um sutil gesto e a tiara se afastou como um servo fiel.

A mulher arrancou o cordão umbilical em um puxão. Ela pressionou a nova ferida com polegar, empurrando contra barriga, e quando removeu, um umbigo estava esculpido. Contudo, ainda havia muito o que fazer, assim sendo, ela bateu as palmas das mãos.

Uma porção do líquido negro se levantou, formando uma larga esfera escura parada no ar.

Dando passos sobre o nada, ela andou até a esfera, fazendo um gesto circular com os dedos.

Um redemoinho se formou na superfície da esfera e seu olho se tornou prateado, crescendo logo em seguida, se tornando um grande espelho, refletindo o corpo inteiro da mulher.

Ela parou e fez uma pose. Os pêlos indesejáveis no corpo desapareceram e o cabelo foi reduzido, mas ainda permaneceu longo e agora liso. A pele se tornou limpa e seca, a descoloração e rugas se foram; a textura era impecável e pálida, com veias facilmente visíveis sob ela.

Com delicadeza, a mulher tocou os mamilos rosa claros de seus quase não existentes seios. Ela se virou e examinou o corpo esguio em perfil, e as curvas arrebitadas das nádegas. Aquilo trouxe memórias de um tempo onde tudo poderia ter sido possível.

O semblante da mulher ficou tenso, com rugas se formando em seu queixo. Ela voltou a ficar de frente ao espelho, fechando os olhos, e enfiou as mãos em seu torso, perfurando-o sem esforço. Ela então o abriu e uma torrente de sangue envolveu o seu corpo por completo. Os ossos estalaram enquanto a figura humanoide de sangue ganhava estatura. O cabelo foi perdendo a cor, se tornando branco.

O sangue escorreu de volta ao buraco no torso, revelando a pele escura de um corpo forte e voluptuoso. A mulher removeu as mãos e ferimento no torso se fechou sem deixar uma marca sequer.

A tiara voou em direção à testa da mulher. Quando aterrissou, a jóia se reparou e um flash de luz trouxe de volta as outras vestimentas. A mulher então reabriu os seus olhos de brilho rosa.

O último reflexo do espelho foi o da mulher abaixar os braços, como se abaixasse uma cortina.

/人 ◕‿‿◕ 人\

Atravessando mais um longo túnel, Revenante perdeu a paciência. "Esse lugar fede a peixe podre. Que merda, a gente ainda não conseguiu sentir ninguém!"

Ainda sendo carregada por Generalíssima, Valquíria comentou, "Eu não me lembro desse andar ser tão grande."

"Após o que Revenante contou sobre o desaparecimento de Sortuda, isso eu já esperava," Generalíssima disse, "a bruxa, com intento de nos evitar, distorceu os espaços e as distâncias com a sua barreira. Este lugar pode ter milhas de extensão."

Elas chegaram em outra câmara. Diferente das anteriores, raios de luz azulada vinha do teto. Eram vários buracos largos, que eram como janelas mostrando que aquele lugar estava no fundo de um oceano. Era possível ver a superfície e a sombra de uma baleia que estava passando.

Revenante levantou as sobrancelhas. "Bem... Ao menos agora sabemos que ainda estamos no subterrâneo."

"O que a bruxa fez é uma faca de dois gumes, é muito mais difícil de encontrar uma saída. Nós temos que encontrá-la e impedi-la de escapar enquanto há tempo. Se ela compartilhar nossa localização para outros, nós estaremos acabados." Generalíssima forçou a vista, pois aqueles buracos não eram aleatórios e sim formavam um padrão de runas. Ela murmurou, "'Isso aquece os berbigões do meu coração.' Karkatha."

Valquíria ficou curiosa, "O que você acabou de dizer?"

"Nada relevante."

"Hmmm..." Ela não insistiu. "Será que esse líquido é óleo?"

Generalíssima respondeu, "Não sinto que é oleoso o bastante para ser."

Revenante pegou um pouco do líquido com a mão. Ela cheirou e o deixou escorrer entre os dedos. "É, isso aqui tá mais pra uma tinta, mas aguado demais pra usar."

A 'pele' rosa da Generalíssima ficou agitada. "Nós temos companhia."

Lacaios parecidos com caranguejos estavam andando na parede da câmara. Eles se deixaram cair, mergulhando no líquido negro e desaparecendo.

Generalíssima olhou de relance para Revenante.

A mulher negra entendeu o recado. Ela andou em direção aonde os lacaios haviam mergulhado, bradando, "VOCÊS QUEREM UM PEDAÇO DE MIM? VEM PEGAR!" Ela empunhou sua azagaia metálica verde e a arremessou. O projétil voou uma boa distância antes de aterrissar, ficando apenas uma das pontas acima da superfície do líquido.

Todos aguardaram, com certa ansiedade proporcionada pelo silêncio.

De repente, a azagaia mergulhada no líquido começou a se mover rapidamente em direção a quem havia lançado.

Revenante conjurou outra azagaia, pronta para o embate iminente à sua frente. No entanto, um outro lacaio emergiu próximo dela, atacando o seu flanco. A mulher se virou rápido, mas não fora o suficiente e ponta afiada de uma das pernas pêludas da criatura atingiram o seu abdômen. Ela rodopiou com golpe, enquanto o sangue esguichou do corte profundo. "AAAAAaaa..."

Valquíria estremeceu ao ver aquilo.

Generalíssima não se perturbou.

"...aaaahahahaha." Após rir, Revenante se virou de uma vez para dar uma estocada com a sua arma.

O lacaio caranguejo bloqueou com uma de suas garras, mas a azagaia perfurou facilmente tanto a garra quanto o corpo que ela defendia.

A mulher negra arregalou os olhos e rangeu os dentes. Seus músculos explodiram em vigor enquanto ela erguia, com apenas uma mão, a azagaia com a criatura empalada e a usou como um martelo para esmagar outro lacaio que havia acabado de emergir. Com a mão livre, ela conjurou outra azagaia e arremessou para uma direção.

Outro caranguejo emergiu, mas sendo imediatamente perfurado pela azagaia e foi perfurado com tamanha força que o corpo do monstro se partiu em dois.

Mais lacaios emergiram, cercando a garota mágica.

Revenante continuou sorrindo, conjurando uma azagaia em cada mão. "O que tão esperando? Eu preciso de mais pro meu ensopado!"

Os caranguejos se lançaram contra ela ao mesmo tempo.

Generalíssima e Valquíria já não podiam ver Revenante sob aquele amontoado de criaturas. Eram tantos, que eles andavam um em cima do outro. Mesmo assim, as duas irmãs não fizeram nenhuma menção de intervir.

Os caranguejos se afastaram, desfazendo a aglomeração, mas nem todos fizeram isso, pois estavam mortos, enquanto Revenante, fora o corte em sua barriga, estava sem um arranhão.

As criaturas continuaram a se afastar, submergindo de volta ao líquido negro.

Para a surpresa de Revenante. "Pra onde vocês tão indo, seus miseráveis!"

Generalíssima disse, "Eles devem ter percebido."

A mulher negra se virou para ela, agora espantada. "Hããã?! Tá me dizendo que esses bichos são tão espertos assim?" Vendo que não havia mais nenhum movimento nas águas, a mulher, desapontada, desfez suas armas e retornou para onde as outras duas estavam. "Como é que devemos classificar essas bruxas?"

"Épsilon," Generalíssima respondeu prontamente, "elas matam garotas mágicas."

"O que você acha, Valquíria?" Revenante perguntou.

No entanto, a jovem mulher nas costas de Generalíssima não disse nada, apenas mantinha uma expressão de desconforto.

"Valquíria?"

"Tem algo errado com a minha barriga e a lombar." A respiração dela estava mais rápida. "Eu acho que pode ser a coluna, mas eu tô sentindo... sentindo algo se mover."

Revenante reparou que havia muitos respingos carmesim na superfície do líquido negro. "Você tá sangrando mais do que antes!"

Generalíssima reagiu, chegando mais perto da mulher negra. "Vamos, me ajuda a pôr ela em meus braços."

Após terminarem, elas constataram que era muito grave.

"Merda, as roupas dela na região da barriga tão encharcadas de sangue," Revenante disse.

Generalíssima assentiu. "Está distendida. Deve ser uma hemorragia interna." Ela desamarrou a armadura de couro e levantou a roupa da garota mágica ferida.

Revenante ficou boquiaberta, também arregalou os olhos. "Que porra é essa..."

"Berbigões." Generalíssima pressionou os lábios, enquanto sua pele rosa se dirigia para cobrir ambos os seus braços.

A barriga da Valquíria estava inchada, deformada, irreconhecível. A pele parecia uma esponja, cheia de buracos fundos, um imediatamente adjacente ao outro; em cada buraco havia uma concha colorida, que fazia pequenos movimentos de vez em quando.

"Berbi... gões...?" Valquíria tentou levantar a cabeça para ver, mas não conseguiu. Sua respiração era curta.

"Guarde as suas forças, irmã." Generalíssima olhou nos olhos dela. "Você vai precisar."

Os olhos de Revenante continuavam arregalados quando ela então viu algo surgindo sob o micro short da Valquíria. Era mais buracos que estavam se abrindo na pele das coxas. "Isso tá se espalhando pras pernas!"

"Não é somente para as pernas..." Generalíssima mostrou os seus dentes rangidos. "Revenante, pega a gema da alma dela. Rápido!"

A mulher negra prontamente obedeceu, retirando a gema que estava no pomo da espada. A pedra na palma da mão emitiu um fraco brilho roxo, enquanto mudava a sua forma para a jóia em forma de ovo. "Como isso aconteceu?" Ela murmurou enquanto olhava para o ferimento em seu próprio abdômen, que, fora o sangramento, permanecia saudável.

"Ve... Ve... V..." Valquíria não conseguia mais respirar. [Veneno?]

"Parasitas. Eles estão se multiplicando em uma taxa exponencial. Você não deve ter sentido antes porque bloqueou a dor." Generalíssima se aproximou da face da irmã em seus braços, muito séria. "Presta atenção, não tente lutar contra isso, deixe o seu corpo morrer. Se concentre em sua gema e guarde quanta magia puder, até nós conseguirmos ajuda."

[Eu farei isso.] A cabeça de Valquíria estremeceu enquanto o seu pescoço começou a inchar e formar buracos. Ela puxou ar uma última vez antes de sua face e corpo ficarem inertes.

Vendo aquilo, Generalíssima olhou para Revenante. "Como está a gema dela?"

A mulher segurava a jóia com extrema atenção. "Tá mal, muito escura."

"Ela já estava nesse estado." Generalíssima observou a face de Valquíria inchar, a língua, infestada de berbigões, saindo da boca.

"E... E tá piorando!" Revenante viu faíscas negras vindas da gema. "Droga, o que tá acontecendo? Ela não é tão tansa de se desesperar por causa disso."

"Não, ela não é." Generalíssima viu os globos oculares da Valquíria sendo empurrados para fora para dar mais espaço para os berbigões. "Porém, talvez, esses parasitas não estejam se alimentando da carne, mas da magia dela."

"Não pode ser, o que vamos fazer?"

"O possível..." Generalíssima engoliu seco e olhou para a gema. [Valquíria! VALQUÍRIA! Foque na minha voz, não deixe a sua alma ser guiada pelo caos. Responda se entendeu.]

Silêncio, enquanto a gema vibrou. A pele de Revenante arrepiou, sentindo a pressão crescente na palma de sua mão.

Com o olhar enraivecido, Generalíssima insistiu. [RESPONDA! IRMÃ!]

"Deus, Deus, Deus..." Revenante murmurou quando a gema ficou completamente preta.

[Sua amiga está segurando você. Você não quer deixá-la triste, não é? Então diga algo!]

Trincas começaram a aparecer na superfície da gema.

[VALQ-]

E Revenante fechou os olhos, assim como a mão.

O som distinto de um cristal esmagado e o queixo de Generalíssima desceu.

Assim como um singelo par de lágrimas da agonizante face de ébano. Revenante então reabriu os olhos, mas não a sua mão.

Então, um breve flash de luz roxa trouxe a atenção de Generalíssima de volta ao corpo que estava carregando. A corpo agora vestia roupas comuns e os berbigões começaram a morrer, abrindo as suas conchas. Os parasitas evaporaram, liberando uma efêmera névoa negra, deixando os buracos abertos, por onde o sangue escapou. O corpo foi desinchando, enquanto as roupas ficaram encharcadas em carmesim, assim como Generalíssima, da cintura para baixo.

A face de Revenante estava enrugada, ela nem piscava os olhos. "Eu..."

Generalíssima a fitou, rápida e intensamente. Ela então começou a se aproximar.

A mulher negra deu um passo para trás. "Eu não vi escolha! A bruxa estava prestes a nascer!"

Os olhos de Generalíssima avermelharam, anunciando as lágrimas, enquanto os seus lábios tensos denotavam outra coisa.

"Eu juro, juro! Se tivesse alguma maneira..." Revenante deixou escapar um pranto. "Uhh... Se tivesse algum jeito de salvá-la, qualquer coisa, eu jamais faria isso! JAMAIS!"

"EU SEI!"

Revenante arregalou os olhos ao ver aquele corpo desfigurado sendo oferecido. Ela o recebeu, sentindo o calor do sangue escorrendo pelos seus braços.

Generalíssima sentiu tal calor em sua própria face, quando esfregou os olhos chorosos. Contudo, ela se virou e começou andar em direção a um túnel, tentando anunciar com uma voz firme, "De agora em diante, é eu que irei lutar."

/人 ◕‿‿◕ 人\

Madre liderava as noviças, mas todos do grupo tinham que ser manter atentos todo o tempo. Qualquer movimento incomum na água preta devia ser anunciado.

Elas chegaram em mais uma câmara, mas essa tinha algo novo. A entrada do próximo túnel era bloqueada pelo que mais parecia um gigante par de gengivas.

"Esperem aqui." Madre deixou as noviças em uma distância que ela achou segura e se aproximou mais daquela boca fechada sem dentes. Não parecia haver indícios de lacaios ou armadilhas. Então, ela conjurou um escudo flutuante na frente dela e se posicionou para dar um soco.

Algumas noviças taparam os ouvidos.

O metal da manopla avermelhou e Madre deu o golpe contra o escudo, imediatamente lançando uma onda de choque direcionada para as gengivas. A carne estourou, formando um largo buraco, revelando que no outro lado o túnel continuava.

Madre relaxou sua postura e fez o escudo desaparecer, satisfeita com o resultado.

Das feridas ensanguentadas das gengivas, veias brotaram como se fossem plantas e cresceram, cobrindo o buraco com um emaranhado, seguido pela carne.

Foi tudo muito rápido, Madre mal teve tempo de piscar e concluir que seu esforço havia sido em vão. "Eu acho que nós teremos que procurar um outro caminho."

Uma das noviças suspirou com a má notícia, pois isso só significava que elas teriam que ficar mais tempo dentro daquela água escura. Ela examinou a arma que carregava, um cetro, perguntando para si mesma se iria precisar usá-la quando Madre já era tão forte.

Algo emergiu da água.

A noviça se virou e viu uma figura humanóide, com tentáculos na boca, os olhos eram como o abismo. Ela apontou o seu cetro, o qual já emitia faíscas vermelhas em sua ponta.

O humanóide estendeu ambos os braços para atacar e gritou, "СТОП!"

"KyyyAAAHHH!" A noviça fechou os olhos e disparou a sua magia com o cetro. Uma explosão se sucedeu e ela foi arremessada contra o grupo de garotas, gerando tumulto e comoção.

Madre correu o melhor o que pôde dentro da água. "O que você fez?"

A noviça recebeu a ajuda das outras para ficar de pé. "É-É um novo lacaio!"

"Não é um lacaio, é a Matryoshka!"

"Hã?" A noviça ficou confusa enquanto via Madre ir em direção ao corpo que estava boiando.

A mulher de armadura e escudo temia pelo pior, mas antes que ela pudesse alcançar, Matryoshka se levantou.

"Funcionou!" A garota mágica mascarada examinou o rombo chamuscado em seu casaco. "Isso realmente funcionou!"

Madre parou, bem surpresa. "Você... está bem?"

"Sim, sim. A armadura reativa me salvou." Matryoshka pôs ambas as mãos sobre o buraco e elas emitiram um brilho verde até que roupa fosse reparada.

"Eu... Eu..." A noviça com o cetro se encolheu. "Eu sinto muito!"

"Sem problema, criança, eu acabei assustando você." Matryoshka retornou sua atenção para Madre. "Vocês sabiam que esses caranguejos não são capazes de enxergar nessa água escura? Eles só caçam presas acima da superfície. Felizmente eu posso permanecer debaixo da água, já que lutar não é o meu forte."

"Ahn..." Diante daquela tagarelice, Madre preferiu sorrir. "Estamos felizes de tê-la conosco."

Matryoshka pôs as mãos nos bolsos. "Vocês sabem onde está a bruxa?"

Expressando desapontamento, Madre balançou a cabeça.

Matryoshka andou em direção ao gigante par de gengivas. "Mas essa espécie de boca deve guardar algo importante."

"Eu acho que sim." Madre permaneceu onde estava, curiosa.

"Agora que eu sei a quão poderosa você é, eu me sinto segura de tentar abrir o caminho." Ela pressionou alguns interruptores sob o casaco.

"Oh, obrigada... Mas como você pretende fazer isso?" Madre franziu o cenho, pois havia uma pergunta que ela manteve para si. Há quanto tempo ela estava nos observando?

"Essa bruxa tem uma natureza orgânica. Essa boca, por exemplo, tem músculos, nervos..." Matryoshka estendeu um dos braços e girou uma das alças em seu ombro. Através das cânulas sob o pulso, ela começou a borrifar algo incolor nas gengivas.

A princípio, nada parecia ter acontecido, mas então as gengivas começaram a tremer e logo a boca gigante começou a abrir e fechar erraticamente.

Matryoshka fechou a alça e aguardou.

Quando a boca finalmente parou de convulsionar, ela permaneceu entreaberta, em um estado relaxado.

Ela pôs as mãos nos bolsos. "Bem, está acabado. Hã?" E viu escudos voadores surgirem entre as gengivas e empurrarem, forçando que a boca permanecesse aberta.

"Obrigada, Matryoshka." Madre tomou a frente e olhou para trás, mais especificamente para as noviças. "Vamos nos apressar!"

A garota mágica mascarada não disse nada e não esperou pelas outras para passar entre as gengivas, mas sem a mesma pressa.

Todas elas exploraram o novo túnel, até alcançarem uma bifurcação.

Considerando as opções, Madre suspirou e balançou a cabeça. "Os túneis são mais largos aqui, mas não há nada de diferente além disso."

"Ainda é cedo para pensar assim." Matryoshka brincou com a superfície da água negra, fazendo pequenas ondulações com o dedo.

Uma noviça apontou. "Olhem! Tem algo voando vindo até nós!"

A noviça com um cetro ficou preocupada. "L-Lacaio?"

Madre olhou para o objeto que parou acima dela e sorriu. "Não, é um drone. Da Nano!"

Um som distante e crescente foi notado, era o som de turbinas. Na curva de um dos caminhos da bifurcação surgiu um veículo; com um colchão sob o seu casco, ele deslizava com celeridade sobre a superfície da água.

"Um barco!" Uma noviça gritou.

"Um hovercraft, na verdade," Matryoshka murmurou para si mesma.

O veículo parou próximo do grupo. O convés era descoberto e nele havia uma criança usando um traje militar, com uma armadura peitoral verde, e portando um rifle futurista, ela estava muito feliz. "Pessoal! Subam aqui!" Ela fez um gesto com a sua manopla enquanto os circuitos em sua testa e as cruzes em seus olhos emitiram um brilho.

A metade de trás do hovercraft se desfez em uma nuvem metálica cinza e se reorganizou em um comprimento maior, com uma rampa para fácil acesso. Todos entraram a bordo e o veículo não tardou em partir.

"É ótimo ver que vocês estão bem," Nano disse, "eu e Invasora estávamos juntas quando a barreira se formou e nós tínhamos perdido contato com todo mundo. Ficamos muito preocupadas."

Madre ergueu as sobrancelhas. "Você e Invasora? Onde ela está?"

"Aqui."

Não apenas Madre, mas Matryoshka e as noviças olharam para uma tela no cockpit, que mostrava o rosto da bailarina azul.

Invasora sorriu levemente. "Eu estava esperando que alguém fosse perguntar sobre quem está pilotando isso."

Nano então falou, "Vocês não viram Generalíssima, né?"

Madre balançou a cabeça. "Uma das visitantes deve ter se tornado uma bruxa."

Invasora comentou, "Nesse caso, é estranho que Generalíssima não a tenha matado ainda."

Matryoshka se intrometeu. "Eu acho mais estranho que vocês tenham permitido visitantes."

"Foi uma decisão dela," Madre afirmou, "agora só podemos rezar que os outros estejam bem."

Matryoshka deu de ombros. "Eu acho que podemos fazer mais do que rezar se nós encontrarmos a bruxa."

"Sim, nós estamos trabalhando nisso." Nano assentiu, mais excitada. "Vocês viram o drone, né? Nós estamos mapeando esse lugar. É um labirinto, mas há um padrão."

"Os túneis ficam mais e mais largos em uma determinada direção." a tela mostrou o mapa sendo gerado em tempo real enquanto a voz de Invasora era ouvida. "Teorizamos que os túneis agem como um sistema circulatório."

Madre piscou os olhos. "Oh..."

Já Matryoshka complementou, "E vocês pretendem seguir as artérias para chegarem ao coração."

O olhar gelado da bailarina reapareceu na tela. "Isso mesmo."

"Se estivermos na trilha certa, nós devemos encontrar obstáculos, então..." A criança gesticulou com a sua manopla.

Algumas noviças se amedrontaram quando viram surgir nuvem metálicas surgirem nas laterais do casco do hovercraft. As nuvens se coalesceram em canhões montados.

"Essas armas devem dar conta dos lacaios," Nano explicou para os demais, "guardem as suas magias para a bruxa."

"E você?" Madre expressou preocupação. "Você não acha que está usando magia demais?"

"Ah, sem problema!" Nano ergueu o braço e um drone se aproximou, ele carregava uma semente da aflição. "Eu limpei a minha gema e ainda deve ter um pouquinho para emergências."

Madre franziu o cenho. "Você tem uma semente? Generalíssima me contou que ela estava em posse das demais."

Nano abriu a boca, mas levou alguns instantes antes proferir, "É que a minha gema estava ruim e pedi para Generalíssima. Ela acabou me emprestando essa semente e era para devolver logo depois, mas então nós tivemos essa visita."

"Ah sim..." Madre olhou de relance para a tela no cockpit e viu o semblante frio da Invasora.

Matryoshka observava aquilo tudo, enquanto girava uma das alças em seu ombro e respirava fundo.

De repente, Invasora se virou, como se estivesse olhando para uma certa direção. "Vocês sentiram isso?"

Madre virou a cabeça, sentindo a sua gema na ponta da sua coroa sendo compelida por um acúmulo de magia. "Sim, mas é uma sensação abafada, pode ser a bruxa ou outras garotas mágicas."

"Deve ser a bruxa," Matryoshka concluiu, "ao que tudo indica, ela quer evitar que a encontremos. Ela deve estar tentando bloquear qualquer emissão."

"Não podemos perder essa sensação." Nano se virou para o cockpit. "Invasora, aumente a velocidade."

As garotas mágicas se seguraram para não cair, enquanto o hovercraft fez curvas rápidas pelo labirinto.

"A sensação está ficando mais forte," Madre comentou, "ela não vai conseguir escapar."

Nano segurou seu rifle com mais firmeza. "Certo, vamos nos preparar e..." Ela arregalou os olhos. "PaaaAHHH!"

O hovercraft fez uma curva acentuada e parou completamente para evitar o choque com um beco sem saída. Contudo, isso fez com que as irmãs perdessem o equilíbrio e as noviças caíssem umas sobre as outras.

"Você não precisa me dizer isso." Invasora disse na tela.

"Vocês estão bem?" Madre ajudou algumas noviças. "Eu sinto que a bruxa está logo adiante."

"Sim, mas é o que se espera de um labirinto." Matryoshka ajeitou os seus tubos. "Vamos ter que procurar outro caminho."

"Não! A gente vai direto até ela." O rifle que Nano segurava se tornou em uma nuvem de nano-máquinas, que envolveu a sua manopla e braço.

"Oh?" Matryoshka recuou, por uma grande razão.

O braço da criança havia se tornado em um canhão de alta tecnologia, ridiculamente imenso para o tamanho dela, porém ela conseguia empunhar sem problemas. A sua gema da alma estava acoplada a arma, alimentando um fluxo de energia verde do núcleo visivelmente exposto.

Invasora falou, "Cuidado com isso."

"Você não precisa me dizer isso." Nano apontou o canhão à parede de corais. A arma começou a vibrar e fazer um zumbido, enquanto o fluxo de energia brilhou mais forte, então um flash e um estampido.

A luz cegante forçou Madre a fechar os olhos. Depois do estampido veio a calmaria, exceto por um som baixo de algo queimando. Ela reabriu os olhos e constatou que a parede não havia mais, e sim um túnel com paredes que emitiam uma luminescência verde, a qual rapidamente dissipou. As águas negras foram preenchendo o novo espaço.

"Essa é a Nano Force Gun. Ela lança uma nuvem de nano-máquinas superexcitadas que desmantelam a matéria no caminho em nível molecular, até que a energia acabe." A criança desfez o canhão, retornando-o de volta na forma de um rifle. Ela sorriu para mulher de armadura e escudo. "Idéia da Sortuda, ela disse que eu devia me inspirar em você."

"Você sabe como ela não pondera muito sobre o que ela diz." Madre retornou o sorriso. "Mas fico lisonjeada pela consideração."

Invasora falou, "Parece que esse tiro foi o suficiente. Vamos alcançar a bruxa."

O hovercraft acelerou através da passagem formada por Nano, conectando para um outro túnel, o qual levou elas até a maior câmara que elas já haviam visitado.

Parte da câmara estava fechada por uma vasta parede de lama negra, cobrindo até o teto. Da parede, um par gigante de caudas de lagosta despontava, como braços e mãos, entre eles, parcialmente submerso pelo líquido negro, havia também um imenso cilindro de máquina de escrever. Na base da parede de lama, dezenas de pernas cabeludas digitavam freneticamente algo que estava submerso. Tipos da máquina de escrever emergiam, imprimindo runas na parede. A lama onde a runa estava impressa ganhava vida e forma de um caranguejo, mergulhando então no líquido.

O veículo reduziu a velocidade enquanto todos admiravam o tamanho daquela coisa. Madre foi a primeira a dizer, "Ela está atrás daquilo."

Matryoshka comentou, "Ela deve ter sentido a nossa aproximação e ergueu essas defesas."

Na tela, Invasora mostrou um mapa da câmara, com muitos pontos vermelhos piscando. "Há muitos movimentos na água, deve estar cheio de lacaios."

"E ela não para de produzir mais!" Nano exclamou, "Nós-"

O cilindro gigante de máquina de escrever havia alcançado o limite. Um dos rabos de lagosta então se moveu, empurrando o cilindro para a posição original. O súbito movimento do objeto massivo gerou uma violenta onda no líquido negro, o qual ganhava altura enquanto se aproximava aonde as garotas estavam.

"N-Nós temos que cair fora daqui! Invasora!"

O veículo fez a volta para retornar ao túnel, mas já era tarde.

"AAAAAAHHHHHH!"

O hovercraft virou com a força da onda, arremessando todos para fora.

Nano temia essa situação, onde a água fosse funda demais para a estatura dela. Felizmente, seus pés sentiram o chão firme e ela conseguiu ficar de pé, com água quase na altura de seu peito. Era hora de pensar rápido e procurar pelos outros.

Porém, uma garra de caranguejo vinha em sua direção.

A criança reagiu, levantando os braços. "Hã?!" Se dando conta que havia perdido o seu rifle.

Um escudo voador veio em alta velocidade, esbarrando e empurrando a garra e o caranguejo monstro.

"Você está bem?" Madre gritou de onde ela estava.

A criança, ainda com o coração disparado, apenas olhou para ela e assentiu.

"Nós temos que nos reagrupar!" com voz de comando, Madre anunciou, "Noviças! Formem um círculo como na última vez!"

Nano viu as garotas mágicas ajudando umas às outras a combaterem os lacaios, e todas sendo protegidas por escudos voadores. Matryoshka também estava entre elas. Então ela ouviu o som de metal sendo amassado.

O caranguejo havia conseguido esmagar o escudo com a sua garra e seus sete olhos retornaram a visar a presa menor.

Nano podia ser pequena, mas era uma irmã. Uma nuvem de nano máquinas veio até ela, era o rifle perdido, coalescendo na forma da arma em suas mãos. Ela apertou o gatilho sem hesitar, liberando uma rajada de projéteis de pura energia e calor, com brilho azulado.

Os projéteis estouravam na carapaça do caranguejo, deixando largos buracos chamuscados. A criatura cambaleou e caiu.

Nano procurou pelo próximo alvo e encontrou muitos vindo, mas ela não ficaria sozinha. Seguindo sua vontade, nuvens de nano máquinas surgiram em pleno ar, formando clone robóticos da garota, empunhando a mesma arma e com a instrução de atirar à vontade. O algoritmo de inteligência artificial ainda deixava muito a desejar, mas era o suficiente para dar a cobertura necessária, pois ela precisava encontrar algo mais importante.

O hovercraft continuava virado, com muitos caranguejos em cima tentando cortar através do casco.

[Invasora!] Os circuitos na testa e os olhos brilharam. Nano ergueu sua manopla como um maestro.

O veículo evaporou em uma nuvem metálica e a nuvem erigiu em uma figura humanóide. Quando a nuvem se solidificou, havia um robô de combate gigante, no topo de sua cabeça havia um símbolo de uma asa e seus olhos acenderam com uma luz azul clara.

Nessa hora, a voz sintetizada de Invasora pôde ser ouvida, "Obrigada, Nano, eu sabia que você iria recuperar os destroços."

Os caranguejos começaram a escalar as pernas do robô, usando suas fortes garras, o qual conseguiam danificar a superfície de metal.

Porém, o robô estava bem equipado. Invasora acionou os propulsores localizados nas costas e na sola dos pés, fazendo a máquina decolar.

Os caranguejos acabaram caindo do robô, mas os lacaios não desistiram, eles começaram a escalar um sobre outros para alcançar a máquina voadora.

Invasora mirou com os braços do robô no morro de criaturas que estava se formando abaixo dela. Cada um dos antebraços estava equipado com um canhão automático de vinte milímetros e as armas dispararam a uma taxa de quinhentos tiros por minuto.

As balas estraçalharam os caranguejos, fazendo tripas esbranquiçadas mancharem as águas negras para todos os lados.

Com a ameaça iminente controlada, Invasora usou um dos braços para dar fogo de suporte para as noviças. Com movimentos rápidos e exatos do braço, o canhão disparava uma pequena rajada para novo alvo que encontrava.

Com a situação favorável, Madre deu novas ordens, "Noviças! Cuidem dos lacaios restantes, mas fiquem atentas com a corrupção de suas gemas! Aqueles que estiverem feridos ou não puderem mais lutar, vão para o meio do círculo."

"Vocês ouviram a irmã," Matryoshka disse, então erguendo seu punho cerrado, "vamos lutar pela Irmandade!"

"URRAH!"

"Isso, lutem pela Irmandade." Aproveitando a comoção das noviças, Matryoshka afundou no líquido negro sem que ninguém notasse. И борись за меня.

Usando os escudos, Madre lidou com os lacaios próximos a ela, enquanto sua manopla foi adquirindo o brilho vermelho. Então, ela deu um grande salto, em direção a um escudo voador já preparado para a ocasião, sua frente virada em direção a parede de lama negra.

"IIIEEEEÁÁÁÁÁÁHHH!"

Madre socou o escudo, liberando toda a energia na forma de uma explosiva onda de choque. A onda colapsou a parede assim que a atingiu. A mulher pousou, já olhando para o que estava atrás daquilo.

Os rabos de lagosta estavam conectados a uma cabeça feita de uma carne esbranquiçada e mole. As múltiplas pernas cabeludas de crustáceo que digitavam eram como se fosse a barba da face da bruxa, que tinha três grandes olhos assustados, um com a esclera branca, outra com a esclera azul e a última com a esclera vermelha. A cabeça e a 'barba' recuou para dentro de uma imensa concha espiral, branca com nuances esverdeadas e roxas, com um astrolábio em seu zênite.

Naquele momento, havia quatro pequenos pontos vermelhos na concha.

Eram lasers. Madre seguiu com os olhos até a sua origem, o robô da Invasora.

"No alvo." A garota anunciou com a sua voz sintética, antes de disparar um dos lançadores múltiplos de foguetes acoplados no ombro da máquina. As explosões que se sucederam remetiam a uma cena de guerra.

Nano ansiava pela dispersão da fumaça para ver o resultado de sua criação.

No entanto, quando pôde se ver o estado da bruxa mais claramente, a concha estava intacta.

Invasora comandou o robô para mirar com o outro lançador de foguetes, mas então algo caiu sobre ele.

Era um caranguejo.

Ela moveu o braço do robô para pegá-lo, mas outro caranguejo caiu sobre a cabeça, e mais outros começaram a cair.

Ávidos em defender sua mestra, os caranguejos agiram rápido, atacando o lançador, esmagando a munição com as garras, causando uma tremenda explosão.

Invasora sentiu os sistemas alertarem da perda o ombro e braço. Ela se esforçou para estabilizar o vôo, a visão também estava com mal funcionamento, ao menos a explosão havia livrado dos lacaios.

No entanto, mais caranguejos caíram, agora nas costas do robô. Suas pernas de pontas afiadas perfuravam o casco, enquanto eles escalavam para atacar o propulsor. Eles cortaram e esmagaram qualquer, até que algo explodisse.

O robô virou uma bola de chamas e caiu, sendo consumido pelo líquido negro e seus monstros.

"Não!" Nano não tinha tempo para lamentar, pois estava diante de visão ainda mais aterradora. Os caranguejos eram capazes de escalar as paredes e o teto, e um enxame havia chegado pelo túnel que eles haviam utilizado anteriormente.

"A bruxa deve ter chamado os restantes de seus lacaios no labirinto para cá!" Madre continuava firme. "Todos, preparem-se!"

E o enxame caiu sobre a Irmandade como uma chuva.

Madre interceptava o que podia com os escudos, mas todos tinham que lutar por suas vidas contra o número esmagador de lacaios.

As ameaças não vinham apenas do alto. Caranguejos emergiram da água negra e, notando que as noviças não estavam prestando atenção, se aproximaram sorrateiramente.

Mas então, Matryoshka emergiu no caminho. Ela estendeu os braços, borrifando um gás nas criaturas, antes de rapidamente submergir.

Os caranguejos convulsionaram quase de imediato, atingindo uns aos outros com as suas garras.

A confusão chamou a atenção das noviças. "Ei! Tem mais lacaios por aqui!"

"Deixa comigo!" Uma noviça usou sua máquina aspiradora, sugando a água escura para depois mirar contra os monstros e disparar. O jato de altíssima pressão cortou através da carapaça e carne dos caranguejos com facilidade.

Em outro flanco, uma noviça girava sua bola de espinhos com corrente, conseguindo confrontar com muitos lacaios ao mesmo tempo. "Não deixem eles chegarem perto demais!" Nesse momento, algo raspou em seu braço. "Aiê!"

Era um grande projétil, algum tipo de lança, e mais um estava voando na direção dela.

A noviça desviou a tempo, mas se deu conta da má idéia quando ouviu o grito de dor de alguém atrás dela. Ela procurou ver quem havia sido ferida e descobriu que a lança que havia perfurado o quadril da garota era na verdade uma perna de caranguejo.

Os lacaios estavam arrancando suas próprias e as arremessando. Isso não era um problema para as criaturas, pois onde uma perna era arrancada, duas ou mais cresciam.

Felizmente, a maioria dos projéteis não atingiam o alvo. Em um desses casos, Matyoshka emergiu. Segurando a perna de caranguejo, ela o examinou. "Что это такое?" Algo chamou a atenção dela, a fazendo levar a mão para um dos visores de sua máscara. Com um pouco de magia, ela o transformou em um microscópio óptico.

Os gritos de dor das noviças eram misturados com os pedidos de outrem para que não parassem de lutar e usassem magias de longa distância.

Tais lamentos desesperadores caíram nos ouvidos de Madre. Mesmo estando ocupada lutando, ela prontamente gerou mais escudos para auxiliar o círculo de garotas.

Essa fração de tempo foi o suficiente para que os lacaios cercassem a mulher.

Antes que as garras chegassem mais perto, Madre fez sua armadura bilhar em vermelho e liberou uma onde choque envolta dela, esmigalhando e lançando as criaturas para longe. Ela obteve um momento de segurança, ela tinha o poder para isso, poder que outros não tinham. "Nano, recua!"

A criança e seus robôs disparavam sem parar com os seus rifles, vaporizando os crustáceos vindo de todos os lados. "Eu ainda tenho que checar Invasora. Eu preciso resgatar ela!"

"Não tem como agora! Se junta com as noviças!" Madre tentou chegar mais perto da garota mágica, mas mais caranguejos caíram no caminho.

Ignorando os apelos, Nano apontou a sua luva futurística na direção aonde o robô havia afundado.

"NAANOOO!"

"Hã?!" Nano foi olhar para Madre, mas sentiu um puxão. Ela voou para trás a uma pequena distância, muito confusa com o que estava acontecendo. A confusão passou para choque ao ver a si mesma, sendo capturada pelas garras de muitos caranguejos, um súbito enxame que havia superado o poder de fogo de suas armas. Ela viu a expressão de terror da criança, enquanto as criaturas raivosas disputavam por um pedaço de cada membro. Contudo, quando o torço foi esmagado, a criança explodiu, como se fosse um de seus robôs.

"Eles acham que pegaram você."

Ao ouvir aquele sussurro em seu ouvido, Nano entendeu tudo e olhou para bailarina ao seu lado, abrindo um grande sorriso.

Invasora, infelizmente, não tinha tempo para retribuir. "Madre! AGORA!"

A mulher de armadura conjurou um escudo torre, que ela deixou flutuando na horizontal, apontado para a massa de lacaios. Ela socou com ambas a manoplas, liberando uma larga onda de choque, arrasando todos eles.

Nano viu que a longa manga de Invasora estava enleada em seu abdômen.

A bailarina tratou de removê-la. "Eu peço desculpas por deixara que eles destruíssem o seu robô. Eu não prestei atenção à minha vol-"

"O importante é que você está bem!" A criança segurou a mão da outra garota.

Paralisada momentaneamente, Invasora então assentiu e as duas olharam para o que Madre estava fazendo.

A mulher havia criado um novo escudo, redondo com um centro pontudo, dessa vez apontado para a bruxa. Ela desferiu um soco e o escudo reverberou com um poder concentrado. O golpe quebrou o astrolábio no topo da concha, e demoliu a parede atrás da bruxa, mas pouco fez contra a concha em si, apenas um leve deslocamento.

Madre suspirou em frustração. "Eu... Eu preciso chegar mais perto."

"Não precisa! Eu consigo desintegrá-la daqui." Nano estendeu seu braço com a manopla, com uma nuvem de nano máquinas a envolvendo para formar sua Nano Force Gun. "Eu só preciso de um pouco de tempo e espaço."

"Eu posso fazer isso." Invasora avistou novos caranguejos que estavam aproximando. Ela deu um pulo alto e rodopiou no ar em grande velocidade, enquanto suas mangas ganharam comprimento.

Os lacaios foram chicoteados pelo ataque. Olhos e membros eram arrancados, as carapaças sofriam corte e rachaduras, não era o suficiente para matar as criaturas de uma vez, mas as mantinham incapacitadas e distraídas.

E Invasora continuou com o assalto incansável de suas mangas quando aterrissou, agora com o suporte dos escudos de Madre.

Enquanto isso, Nano estabilizava o fluxo de energia do seu canhão. "Fiquem longe da linha de tiro! Vamos acabar com isso." Sua imensa arma vibrou e liberou um flash de luz.

Madre dessa vez conseguiu acompanhara o projétil que fora lançado, uma massa disforme de intenso brilho verde, voando direto ao seu alvo.

De repente, um dos rabos de lagosta empurrou o cilindro gigante, gerando um novo tsunami negro. O projétil atingiu a onda, consumindo parte dela e perdendo toda a energia no processo.

Para o lamento de Nano. "Não, não..."

A gema de Madre brilhou intensamente enquanto ela erguia o braço. Uma extensa muralha de escudos surgiu e segurou a onda. Com a função cumprida, ela desfez o muro e respirou fundo.

A bruxa continuava imóvel, protegida em sua concha.

Tremendo de raiva, Nano apontou o seu canhão. "Tem mais de onde esse veio!"

"Espera!" Invasora aterrissou ao lado dela.

"Hã?!" A criança não havia o entendido o porquê, mas então ela notou para onde a bailarina estava olhando. A gema da alma acoplada ao canhão estava mais preta do que branca.

"Se você disparar de novo..." Invasora pôs a mão no canhão. "Nós não sabemos."

Nano engoliu e abaixou a arma.

"O número de lacaios está reduzindo," Madre anunciou para as duas irmãs, "mas as gemas das nossas noviças devem já estar no limite. Vão ajudá-las! Eu ainda tenho forças para lidar com essa bruxa eu mesma."

"Nós contamos contigo." Após responder, Invasora deu uns tapinhas na ombreira da armadura de Nano. "Vamos."

"Uh-hum..." Ainda cabisbaixa, a criança reformou o seu canhão em um rifle.

Nesse tempo, uma noviça golpeava um caranguejo com o seu florete. A arma, que outrora perfurava a carapaça com facilidade, entortou. "Quê?!"

Uma bola de espinhos com corrente caiu sobre o monstro, o esmagando. A noviça, dona dessa arma, gritou, "Você tá sem magia, vai pro meio do círculo!"

"Mas você tá ferida." A noviça com arma quebrada olhou para outra, que estava com braço ensanguentado.

"Enquanto a minha gema estiver brilhando, eu dou conta." A noviça puxou a bola de espinhos com o seu braço que ainda estava bom. "VÁ!"

A noviça com o florete recuou para o meio do círculo, enquanto três novos caranguejos emergiam do líquido escuro.

A noviça que ainda permanecia para lutar rangeu os dentes.

Tem algo errado. Eu bloqueei a dor, mas o meu braço está rígido, inchado, eu não consigo mover como antes...

De repente, algo emergiu ao seu lado. "Hã?! HAH!"

Uma pessoa de casaco, capuz e máscara. Ela estava segurando um frasco metálico, que logo ela tratou de arremessá-lo em direção aos caranguejos. "Поймать."

Uma das criaturas pegou o frasco com a sua garra, o esmagando. Com isso, uma explosão de fogo se sucedeu. O monstro caranguejo balançou sua garra freneticamente, mas as chamas consumiam o seu membro mais intensamente, seguidas de mais explosões. O lacaio então submergiu e as chamas se foram, mas somente por um instante, pois no próximo ocorreu uma explosão devastadora, varrendo os outros lacaios, deixando um tapete de fogo em seu rastro.

A noviça ficou estupefata.

"Isso deve nos dar algum tempo." Matryoshka segurou o braço ferido da noviça. "Prazer, eu sou sua boa aliada e você será a minha cobaia."

"E-Ei!"

Ela arrancou o uniforme da noviça, revelando que o braço estava infestado com buracos e conchas.

A garota arregalou os olhos. "Que porcaria é essa?"

Matryoshka respondeu, "O cabelo desses lacaios crustáceos contém milhares de ovos minúsculos. Eles se prendem em feridas abertas, eclodem e proliferam."

"Ok! Ok! O que você vai fazer?" A noviça continuava olhando para o braço e parecia pior a cada segundo.

Matryoshka pressionou em alguns lugares de seu casaco. "Eu irei usar um ácido e ver o que acontece."

"Não, porra! Você vai dissolver meu braço!"

"E...? Isso pode ser curado, mas não enquanto tiver esses parasitas." Ela apontou as cânulas sob pulso em direção aos berbigões. "Agora mantenha seu braço parado e vire a face para longe se quiser ainda ter os seus olhos e pulmões."

A noviça obedeceu, até fechou os olhos.

Matryoshka virou com cuidado uma das alças em seu ombro, fazendo jatos de um líquido transparente saírem das cânulas. Quando líquido atingiu o braço da garota, imediatamente formou vapores e a pele parecia derreter com a reação. O berbigões estremeceram, alguns recuavam para dentro da carne.

A noviça fez uma careta.

"Bloqueia a dor, não te ensinaram?" Matryoshka continuou com o trabalho macabro, até ver conchas caírem para fora. Ela abanou o vapor com a mão para ver melhor o resultado.

O braço agora tinha uma ferida profunda, ao ponto de ser possível ver parte do osso. O músculo estava tomado por berbigões, alguns mortos, mas muitos ainda estavam se movendo. Berbigões minúsculos cavoucavam a carne, buscando um esconderijo. Como o ombro também estava nesse estado, era certo que os parasitas já estavam em outras partes do corpo da garota.

A noviça perguntou, "E aí? Funcionou?"

"Sim... O ácido os mata," Matryoshka instruiu, "repare o seu uniforme para cobrir a ferida e continue a bloquear a dor por ora."

"Ajuda! Tá se espalhando!"

Matryoshka olhou para quem estava clamando.

Era uma noviça que não estava conseguindo se manter de pé, com sua coxa deformada e inchada com parasitas.

Com uma terrível teoria já em mente, a garota mágica mascarada se apressou até ela. "Noviças! Tirem a sua amiga da água negra, isso está acelerando a infestação!"

Um caranguejo emergiu.

Matryoshka ouviu o som, mas não teve nem tempo de virar antes de ser pega pela garra do monstro.

"Merda!" A noviça lançou sua bola de espinhos, mas o lacaio bloqueou o ataque com a outra garra, facilmente. Outras noviças tentaram esboçar uma reação, mas só haviam feridos e doentes.

A garra esmagou Matryoshka lentamente, seus ossos estralando, sua carne estourando. De repente, um estouro maior, os visores da máscara ficaram vermelhos e os tubos que conectavam até boca foram preenchidos com sangue.

Para o pavor absoluto da platéia impotente. "KKKYYAAAAAHHHH!"

Incluindo Nano. "Oh meu Deus... MATRYOSHKA!"

"Nós temos que alcançá-las, agora!" Invasora disse, mas as duas estavam lutando contra lacaios no caminho.

Focada na bruxa, Madre socou repetidas vezes contra um de seus escudos.

A ondas de choques geradas atingiram em cheio o cilindro gigante, deslocando-o completamente, além de quebrá-lo em muitas partes.

"Isso deve dar, agora eu consigo chegar mais perto." Ela então ouviu a gritos e se virou.

Os lacaios haviam conseguido quebrar o círculo de noviças. Um caranguejo estava puxando e esmagando a perna de uma garota mágica, enquanto outras lutavam contra a criatura, mais com desespero do que força. Muitas choravam, seus corpos deformados por parasitas. Um retrato do inferno. Mesmo que Nano e Invasora estivessem prestes a chegar para ajudar, era tarde.

"Não, Deus, não deixe isso acontecer..." Madre cerrou os punhos e sentiu um flash vermelho em sua manopla esquerda. Ela abriu a mão e viu seu rosário vermelho.

A hora da redenção aflorou.

A mulher arremessou o rosário para o alto e em direção as noviças. No ar, o objeto religioso expandiu para proporções gigantescas. Quando ele caiu, ele foi capaz de envolver toda área onde as noviças estavam lutando.

Invasora e Nano notaram aquilo. "Hã? Tem algo à nossa volta."

Madre caiu de joelhos, a água negra atingindo o seu peito. Ela fechou os olhos, juntou mãos, e sua gema na ponta da coroa começou a brilhar.

Ao mesmo tempo, as contas do rosário brilharam. A luz vermelha era intensa ao ponto atravessar a turbidez do líquido. Com isso, os lacaios paralisaram e começaram a evaporar em uma névoa negra. As garotas também paralisaram, mas porque estavam surpresas com o que estava acontecendo, pois até os berbigões que estavam se espalhando pelos seus corpos desapareceram, deixando apenas as incontáveis feridas abertas.

A bruxa saiu de sua concha, atraída pela intensa magia. Ela estendeu suas dezenas de membros para atacar a fonte. As pernas de crustáceo ganhavam mais comprimento e articulações, serpenteando o ar mais como tentáculos.

O escudo nas costas de Madre se desprendeu dela e flutuou até uma certa distância para longe. Então, em um ato instantâneo, o escudo se tornou imenso e sua superfície brilhou em tom vermelho.

Quando os membros da bruxa tocaram a superfície do escudo, eles foram preenchidos pela energia vermelha e estouraram ao longo de seus comprimentos em uma reação em cadeia. A bruxa guinchou em agonia.

Enquanto isso, o outro lado do escudo lançava uma grande sombra sobre as garotas. Apesar da aparente opressão da escuridão, ela trazia um calor reconfortante. As terríveis feridas das noviças foram curadas, até mesmos suas roupas e armas foram restauradas.

Novos lacaios surgiram, mas nenhum ousava atravessar a parede de luz vermelha gerada pelo rosário.

Nano testemunhou tudo aquilo sem piscar os olhos, nem fechar a boca. "I-Incrível, ela incrível! Ela salvou todo mundo."

"Não, veja." Invasora apontou para Madre.

Nano olhou para mulher, mas não conseguia enxergá-la, apenas uma silhueta puramente preta, com uma coroa com um intenso ponto de luz vermelha.

"Se a luz da gema dela apagar, estará tudo acabado," Invasora explicou, "ela ainda conta conosco para pôr um fim nisso."

"Mas..." Nano olhou para sua própria gema escurecida na manopla. "Mesmo que todas estejamos curadas, nós não temos magia para destruir a concha e matar a bruxa."

"Eu acho que eu consigo."

"Hã?" A criança olhou para a bailarina, que parecia estar determinada.

"Aquela bruxa parece inofensiva por trás, eu posso chegar lá sem ser notada."

"Eu acho que é perigoso." Nano franziu o cenho. "E você acha que consegue matá-la com as suas mangas?"

"Fora a concha, o corpo da bruxa é mole e frágil. Se eu encontrar uma abertura..." Invasora olhou para o objeto que estava sendo oferecido, uma caixa cinza escura com algumas faixas finas que emitiam uma luz azulada.

"Toma, eu reformulei a bateria do meu rifle para ser uma bomba de plasma." Nano passou as instruções com frieza. "Pressione aqui e você vai ter dez segundos, mais ou menos. A explosão... deve ser grande, então você tem que sair rápido."

Invasora pegou a caixa com cuidado e escrutinizou a face da criança.

Ela estava com os lábios pressionados, para segurar certas palavras e emoções. "Boa sorte, irmã."

"Boa sorte para nós," a bailarina respondeu, com a mesma frieza, virando a cabeça, olhando ao objetivo. Chega a hora que endurecer é a resposta ao fardo.

"YUUUHHUUU~, meninas!"

Invasora arregalou os olhos. "Essa voz..."

Nano se virou para ver. "É ela."

Na entrada do túnel, havia uma garota mágica vestida de coelhinha, acenando. "Finalmente achei alguém."

"Eu nunca fiquei tão feliz de ver ela," Nano comentou, mas então notou que os lacaios que estavam fora da área cercada pelas paredes de luz haviam submergido. "SORTUDA! CUIDADO!"

A coelhinha apontou um dos seus revólveres fofos para a água escura e atirou a esmo, em uma velocidade absurda, movendo seu braço tão rápido que gerava vultos. Não durou mais que dois segundos.

Depois que os tiros pararam, Nano ainda estava tentando entender o que havia acontecido, quando então múltiplas explosões ocorreram na água quase ao mesmo tempo.

As noviças gritaram de susto, algumas se abaixaram a colocaram as mãos sobre a cabeça.

Quando o líquido negro começou a se acalmar, pedaços de crustáceos apareceram boiando em sua superfície.

Sortuda girou o seu revólver e deu uma piscadela. "Cargas de profundidade, nenhuma mulher deve sair de casa sem."

"Certo..." Nano sorriu e gesticulou. "Vem para cá, é seguro para nós."

"Tô vendo." Sortuda olhou para bruxa ferida e para a figura sombria que estava rezando próxima a um escudo gigante. "Mas tô com outra idéia." Ela trouxe um dos revólveres próximo à boca, para que o par de orelhas da arma pudesse ouvir seus sussurros.

Bala: Cancelamento

Então fez o mesmo com o outro revólver.

Bala: Trava temporal

Duração: Cinco minutos

Área: Habilitada

Forma: Elíptica

Tamanho: Bem grandão!

Invasora semicerrou o olhar, expressando sua preocupação para que Nano pudesse ouvir. "O que ela vai fazer?"

Sortuda apontou uma de suas armas para a figura sombria e pressionou o gatilho.

O tiro foi certeiro e a escuridão que envelopava Madre se dissipou, enquanto ela ficou atônita com o impacto. O escudo gigante retornou ao seu tamanho original, caindo e afundando na água. As paredes de luz que protegiam as garotas também se foram.

"Sortuda! O quê..." Nano arregalou os olhos ao ver Sortuda apontar um dos revólveres para ela. A criança ouviu o disparo e a bala resvalando em sua armadura peitoral. "PARA! O QUÊ VOCÊ ES-"

Com o silêncio, Sortuda abaixou a arma, satisfeita.

Nano estava de boca aberta. Invasora estava com as sobrancelhas erguidas, em uma pose que indicava que estava pronta para agir. Madre nem sequer ainda sabia o quê e quem a havia atingido. As noviças estavam encolhidas juntas. Todas eram como estátuas.

Enquanto isso, a bruxa regenerava seus membros, fazendo crescer dois ou mais aonde ela havia perdido um.

"Agora é somente eu e você," Sortuda anunciou para o monstro, "faz um tempinho que eu não brinco com uma bruxa, então vamos fazer isso valer a pena." Ela trouxe ambas as armas para perto de sua boca e sussurrou.

Bala: Explosiva

Ela então bateu um barril de revólver contra o outro, repetidas vezes. "Zing! Zing! ZING!" Até os barris girarem continuamente em grande velocidade. Ela apontou para grande massa de pernas de crustáceo da bruxa e segurou os gatilhos. As armas abriram fogo como se fossem miniguns.

As incontáveis balas explodiram os membros da bruxa, atraindo toda a atenção dela para a nova agressora.

"YYYEEEEEEEHHHHHÁÁÁÁÁÁ!" Sortuda mantinha os gatilhos pressionados enquanto os flashes dos disparos refletiam nos dentes de seu sorriso.

Apesar do massivo poder de fogo, algumas pernas peludas da bruxa conseguiram passar pela barragem de balas, se lançando contra a atiradora.

Super força, super velocidade, super regeneração; Sortuda havia atirado em si mesma muitas vezes, pronta para a ocasião. A garota mágica desviava das pernas, basicamente desaparecendo e reaparecendo em outro lugar em um piscar de olhos, sem interromper o tiroteio.

A massa de pernas contorcidas estava recuando, as explosões das balas chegando próxima do corpo da bruxa.

"Lenta, lenta demais!" Sortuda zombou.

Repentinamente, uma perna emergiu do líquido negro e impulsionou em um ataque de empalamento.

Mesmo surpreendida, Sortuda conseguiu se reposicionar a tempo. "Ainda len-"

Outra perna emergiu, agora muito mais perto.

Sortuda se moveu em grande velocidade, mas não era o suficiente, e a ponta afiada da perna de crustáceo atravessou o lado esquerdo do torso dela. O ombro estourou, o corpo dela e o braço voaram para diferentes direções. Os olhos sem vida da coelhinha pareciam estar assistindo a sua própria gema da alma transparente se despedaçando no ar, enquanto, como prismas, os pequenos fragmentos da jóia refratavam as cores do arco-íris.

Tudo acontecia lentamente, e mais, e mais, lento, até que, tudo parou.

/人 ◕‿‿◕ 人\

A entropia e o tempo são correlatos. Não é possível ter a noção do tempo sem a entropia. A entropia cresce, o futuro surge.

É como se o universo fosse um grande relógio, em busca da medição perfeita. Os corpos celestes como engrenagens flutuando em um infinito de caos e incertezas.

O sistema solar não é diferente, com os seus muitos ponteiros, porém, no momento, ele está parado. A estrela, os planetas, as luas, os asteroides, e cada grão de poeira, esperando a batuta do maestro.

No entanto, quem chega ao palco zomba, e zomba porque tem o poder para isso. Um poder que supera a entropia.

E, assim sendo, os astros começam a se mover na direção contrária.

/人 ◕‿‿◕ 人\

Madoka estava parada, não porque ela pertencia aquele universo, mas por apreensão. Ela estava na janela de seu quarto, vendo seu pai no jardim com um regador em mãos. As gotículas de água abandonavam a terra e as plantas, formando filas comportadas no ar enquanto entravam nos furos do regador e o preenchia.

/人 ◕‿‿◕ 人\

Os fragmentos retornaram à gema, anexando aos seus respectivos lugares originais. O corpo e o braço de Sortuda voaram de encontro um ao outro, completando sua união com o ombro. A perna afiada de crustáceo recuou, deixando o lado esquerdo do torso dela intacto.

E então tudo parou mais uma vez.

A gema continuava a refratar luz e as cores do arco-íris envolveram o corpo da garota. Ela então foi deslocada um pouco mais para o lado, apenas o bastante para ficar longe do perigo.

A pergunta é: Se o universo é editável, há então um criador? Ou o universo é a criatura e o criador em si? Ou a própria magia tem a sua própria vontade? Ninguém sabe, nem você, nem mesmo eu.

Contudo, a humanidade tira proveito do que não compreende. Eu devo honrar este legado, uma última vez.

E então...

"WHOA!" Sortuda sentiu a perna da bruxa passar rente a ela. "Whoa, whoa, whoa!" Ela parou de atirar e pulou para trás, para uma distância mais segura. "Essa foi perto demais! Minha sorte resolveu tirar férias hoje."

A bruxa continuava regenerar mais membros, mais rápido do que antes.

"Você é persistente..." Do canto do olho, Sortuda notou algo importante. Sua gema na forma de pé de coelho, outrora transparente, agora tinha um tom opaco escuro.

Hã? Quando eu usei tanta magia ao ponto da minha gema ficar assim?

"Certo, vamos apimentar a nossa relação." Sortuda trouxe suas armas para perto da boca para sussurrar.

Suplemento: Fósforo

Ela apontou os revólveres e abriu fogo.

A pernas da bruxa voltaram a sofrer com chuva de balas, mas agora as explosões cobriam os ferimentos com um véu de fogo, que nem mesmo a água escura podia extinguir.

"Já tô sentindo o cheirinho de caranguejo cozido." Sortuda continuou atirando, agora contra água na frente dela, por segurança.

Incapaz de regenerar devido as constantes queimaduras, a bruxa recuou para dentro da concha.

"Oh, você acha que está segura aí?" Após dizer isso, Sortuda então sussurrou no ouvido de um de seus revólveres.

Bala: Cinética

Velocidade: Relativística

Ela apontou para a concha e deu uma piscadela. "Sayonara!" Assim que puxou gatilho, a imagem da concha explodindo foi brevemente distorcida pela massiva energia liberada pelo disparo.

Com os ouvidos ainda zumbindo, ela fez os seus revólveres girarem. "Sortuda wins! Flawless Victory. Fatality..." Ela olhou envolta, para a barreira que não estava se dissipando. "...ou não?"

Com a poeira da explosão se assentando, era possível ver a cabeça da bruxa dentro da concha quebrada. Era como um vulcão de carne mole, pulsando um líquido branco e grosso.

Sortuda ergueu as sobrancelhas. "Eu tenho que admitir que você é dura de matar."

"Está se divertindo?"

E Sortuda ergueu ainda mais as sobrancelhas quanto ouviu a voz de homem. Ela se virou.

Inquisidor não estava sorrindo, não era uma face muito amigável, mas parecia calma.

Ela procurou sorrir. "É, deu para desestressar um pouco."

"O que aconteceu com elas?" Ele fez uma menção com a cabeça.

Sortuda olhou para grupo de garotas mágicas paralisadas. "Oh, bem... Eu não sei. Parece que a bruxa lançou um feitiço contra elas como uma forma de se defender. Por que não vai lá checar enquanto eu termino o serviço aqui?"

"É o que eu farei." Inquisidor andou em direção ao grupo. "Com licença."

Vendo as costas do homem, Sortuda continuou a sorrir, mas com um ar mais travesso. Ela sabia que se ele entrasse na área do feitiço, ele também congelaria no tempo. Contudo, havia uma estranha sensação. Algo lhe dizia que estava sendo fácil, fácil demais para enganar um homem como aquele. Ela procurou por um detalhe que tivesse passado despercebido, e encontrou ou, melhor dizendo, ela não encontrou. Onde está a cruz dele?

Um arame prateado emergiu da água, atrás dela, e deu o bote. "Ah?!" Ele enrolou envolta do corpo dela quase instantaneamente, e firme, prendendo os braços dela contra o torso. Sortuda tentou usar a força para arrebentar o arame, mas era como se tivesse inteligência própria, respondendo ao esforço com um aperto mais forte.

"Você acha que eu sou idiota?"

Sortuda voltou a prestar a atenção no homem. Ele ainda estava de costas, mas agora havia conjurado em suas mãos uma estaca de prata. Enquanto isso, o arame envolta de seu corpo estava ficando quente, ao ponto de começar a ficar desconfortável para pele.

Inquisidor se virou. "Eu explorei essa barreira e encontrei seus perigos por tempo o bastante para saber que não há nada relacionado ao tempo aqui. Enquanto você... Eu sei que você é muito criativa, inclusive a sua língua."

"Tá, tá, fui eu." Sortuda suspirou, como se estivesse frustrada. "Mas você reparou nas gemas delas, né? Elas tavam em situação ruim, Madre tava sacrificando a vida dela quando eu cheguei. Então eu fiz isso pra protegê-las enquanto lidava com a bruxa."

"Então por que mentiu?"

"Uma mentiriazinha boba, que não machuca ninguém!" Ela balançou a cabeça, então perguntou, "você teria acreditado se eu tivesse contado a verdade? Você sempre vê o pior lado das coisas, você precisa relaxar."

Inquisidor afirmou, "Ou você mentiu para ficar com a semente da aflição só para si."

Sortuda fez careta de desapontamento. "É disso que tô falando..." Nesse momento, ela percebeu um movimento na água, fazendo ela arregalar os olhos. "Inquisidor, CUIDADO!"

O homem hesitou por um instante, considerando ser um truque, antes de se virar. Uma perna de caranguejo emergiu da água e o atacou. Inquisidor desviou, mas ainda foi atingido de raspão no braço. Sem expressar dor alguma, ele fez ponta de sua estaca ficar incandescente, emitindo um forte brilho, então retaliou, cortando através do exoesqueleto da perna como se fosse nada, causando uma explosão de chamas.

"A bruxa ainda tá viva, me libera." Sortuda tentou mirar com os revólveres, mas com os braços presos isso era impossível.

Com os restos sem vida da perna afundando no líquido negro, Inquisidor checou o corte em seu braço. Como não havia dor, ele pôde sentir alguma outra coisa. Sem pensar duas vezes, ele rasgou o tecido de sua manga.

Deixando Sortuda curiosa. "O que foi?"

Ele usou os dedos para puxar e abrir o ferimento, então ele viu algo nadando no sangue e pequenas conchas se formando na carne, além de buracos surgindo na pele.

"Veneno?" Sortuda perguntou, "me libera, eu posso te curar, eu só-"

Inquisidor estendeu o braço ferido. "AAAHH!" E seu membro entrou em combustão espontânea.

Sortuda ficou boquiaberta.

Com as línguas de fogo ainda carbonizando sua carne, Inquisidor olhou para bruxa, um olhar de julgamento. "Che le fiamme della Gehenna consumino la tua perfida esistenza."

A bruxa guinchou quando uma coluna de fogo caiu sobre ela. A chamas eram de puro branco de tão intensas.

Sentindo sua pele ressecar e queimar mesmo naquela distância, Sortuda temeu por sua vida e mergulhou na água.

Inquisidor fechou os olhos e se deixou ser engolido pela luz.

Prendendo a respiração, Sortuda sentiu uma repentina luminosidade através das pálpebras. Ela não quis arriscar muito, abrindo apenas um olho. A primeira coisa que viu foi uma cama, então ela rolou no piso frio para ver o teto de concreto e lâmpadas fluorescentes, somente então ela foi procurar pelo homem.

Inquisidor caminhava em direção até uma semente da aflição no chão do dormitório. Ele pegou o precioso testamento de desespero, murmurando, "Agora nós temos quatro..." Depois, ele se virou.

A garota mágica coelhinha engoliu seco. Ele estava em terrível estado, sua pele vermelha com bolhas, as chamas no braço haviam extinguido, mas somente porque haviam queimado quase tudo, deixando apenas algumas tiras pretas de carne tostada e os ossos. Para a surpresa dela, os arames que a prendiam evaporaram.

Uma cruz de prata se formou no cinto de Inquisidor. "Levante-se, irmã."

Sortuda obedeceu prontamente, ainda mais que seria mais fácil correr se estivesse de pé, em caso de receber o mesmo tratamento da bruxa.

"Que isso fique como aviso." O olhar dele ficou intenso. "Se eu novamente ver você 'se divertindo' com uma bruxa, eu irei te incinerar, de dentro para fora."

"Entendi." Sortuda botou os revólveres de volta aos coldres. Se ele me ver.

Com um semblante mais cansado, ele pediu, "Agora liberte el-"

"-TÁ FAZEndooo..." Nano olhou envolta, estupefata.

"Nós estamos no dormitório da base," Invasora comentou, "a bruxa estava perto de chegar à superfície."

"Oi povo!" Sortuda acenou com ambas as mãos. "Eu e Inquisidor derrotamos a bruxa. Não acha que formamos o melhor casal?"

Inquisidor revirou os olhos. Nessa mesma hora, uma sombra sobrenatural começou a cobrir o seu corpo, e apenas seu corpo. Um tanto surpreso, ele presenciou seu braço destruído ser restaurado em um ritmo rápido, incluindo o uniforme. Ele parou de bloquear a dor, mas nada sentiu, enquanto ele olhou para fonte daquela magia.

Madre trocou olhares com ele, ela estava com as mãos unidas, os lábios se movendo um pouco, proferindo palavras para Deus escutar. Mesmo com algumas manchas, a gema em sua coroa ainda tinha um brilho visível na sala iluminada.

A sombra deixou o corpo do homem e ele arremessou a semente para ela.

Madre a pegou.

"Elas precisam de você," Inquisidor disse.

"Madre, nós temos alguém caído aqui!"

Era uma das noviças que havia anunciado, elas estavam cercando Matryoshka, deitada no chão. Os visores da máscara estavam banhados em sangue, assim como os tubos conectado à boca.

Outra noviça falou, "Nós tentamos acordar ela, mas ela não se move. Eu acho que ela morreu."

Uma noviça discordou, "Não! Nós não encontramos a gema da alma dela quebrada."

Sortuda sorriu enquanto alisava uma de suas orelhas de coelho. "Ninguém sabe onde Matryoshka mantém a gema dela, mas se tivesse quebrada, o uniforme dela teria desaparecido."

Madre ponderou em voz alta, "Isso se esse uniforme é a vestimenta de garota mágica dela."

"Se afastem." Inquisidor chegou perto. "Eu irei cremar o corpo e veremos se encontramos a gema dela nas cinzas."

Matryoshka se levantou, ficando sentada no chão. "Uhhh... Eu tive um sonho esquisito onde o meu estômago estava passando através da minha garganta. Onde está bruxa? Oh, eu não consigo ver nada."

Nano respirou aliviada. "Você nos assustou."

Invasora concordou, assentindo. "Bom ver que está viva."

"Sim." Inquisidor cruzou os braços, não tão feliz. [Por que essa encenação? Queria ouvir alguma informação crucial enquanto estava 'morta'?]

Matryoshka pôs a mão em sua máscara, limpando os visores e tubos com magia verde. [Talvez eu queria ouvir o quanto você se importa comigo.]

O homem franziu o cenho.

Sortuda notou que duas novas pessoas haviam chegado pelo túnel. "Olhem! É a Generalíssima e a Re... vah..."

Generalíssima não estava mais usando o seu traje de garota mágica, enquanto Revenante carregava um corpo irreconhecível, parecia que havia passado por um moedor. Havia sangue por tudo.

Invasora e Nano arregalaram os olhos, Madre levou a mão à boca. Uma breve comoção se iniciou entre as noviças, muitas viraram a cara para não ver, algumas passaram mal.

Sortuda correu até ficar na frente de Revenante. "O que aconteceu?"

Generalíssima permaneceu em silêncio, virando a cara.

Revenante viu aquilo com o canto do olho, compreendendo a responsabilidade que tinha de cumprir.

Sortuda olhou para aquele corpo e depois voltou a trocar olhares com a sua amiga. "Quem..."

Contudo, Revenante não conseguia cumprir aquilo, não com palavras. Ainda assim, ela sentia arrependimento para cada dobrinha de pele que ia se formando na face da coelhinha.

Com lábios tremendo, e lágrimas despontando nos olhos, Sortuda perguntou, "Cadê a Valq?"

Aquilo era demais, a realidade não podia ser adiada, era absoluta. Revenante pressionou os lábios enquanto as lágrimas desceram pela sua face, lágrimas que ela nem imaginava ainda ter.

"Não, não..." Sortuda segurou suas orelhas de coelhos, puxando-as para trás de sua cabeça com força, e então colapsou no piso. "NNNÃÃÃÃAAAAAAAHHH!"

O corpo inteiro de Revenante estremeceu, o dia que ela veria aquele sorriso ser quebrado havia chegado.

Generalíssima fechou os olhos com força e cruzou os braços, buscando não deixar aflorar a raiva e frustração.

Inquisidor chegou, empurrando Sortuda com a sola de sua bota. "Vá chorar em outro canto!" Ela parou em frente a líder, perguntando, "Quem era a bruxa?"

Generalíssima o encarou, erguendo o próprio queixo. Depois de uma longa respiração, ela respondeu com indiferença, "Eu descobri que era a mais baixa."

O homem assentiu. "Era minha suspeita, ela parecia estar calma demais."

"Valquíria foi enganada e usada pelo inimigo, por isso que a vida dela havia sido poupada até agora," Generalíssima explicou, "na época que ela se separou de nós, nós ainda não sabíamos que esse novo tipo de bruxa também caça bruxas comuns, por alguma razão. Foi em uma dessas situações que a nossa irmã se encontrou com essa bruxa disfarçada, ganhando a confiança dela."

Inquisidor franziu levemente as sobrancelhas. "Ok, mas como você teve certeza de que ela era uma bruxa?"

A mulher disse, "Bem, tinha o comportamento dela e as histórias que ela contou, mas o que realmente a entregou foi quando eu pedi a gema dela e ela entregou sem pestanejar. Qualquer garota mágica, mesmo as que não saibam a verdade, pensaria duas vezes antes de entregar algo que parece tão único e precioso para um estranho, exceto se a jóia for falsa."

Ele assentiu. "E a outra garota?"

"Ela não era bruxa. Ela foi morta."

"Então deixa eu ver se eu entendi." Inquisidor coçou a sua testa. "Quando ela foi descoberta, a bruxa se revelou e matou essa garota mágica e uma irmã na sua frente?"

"Fui eu," Revenante admitiu, "fui eu que matei Valquíria."

Sortuda parou de chorar e arregalou os olhos para a mulher negra.

Revenante não teve coragem de trocar olhares com ela.

Inquisidor se pôs na frente dela, com um olhar semicerrado.

Revenante abaixou a cabeça. "Valquíria estava gravemente ferida e a gema dela estava no limite. Para prevenir que ela virasse uma bruxa, eu a destruí."

"Você fez O QUÊ!?" O homem vociferou.

Revenante sentiu a saliva dele atingindo a sua face.

"Como irmã, você sabe muito bem que nós servimos a Irmandade de duas maneiras. Não há desculpas! Ainda mais agora, quando estamos precisando de sementes."

Apesar do aviso, ela tentou a sorte. "Nós já távamos com outra bruxa à solta, e nós não sabíamos como tava a situação dos outros. Ter que lidar com mais uma era perigoso."

"Como assim perigoso!?" Inquisidor voltou a vociferar, "Generalíssima estava contigo, não estava?"

Revenante ousou olhar para ele, certa do que iria afirmar, "a outra bruxa havia conseguido escapar dela."

Inquisidor encarou ela por mais um momento, sem dizer nada, então ele olhou para Generalíssima.

A outra mulher permaneceu em silêncio, nem sequer uma reação.

Ele retornou sua atenção para Revenante e apontou para ela, dizendo com uma certa calma. "Você não é mais uma irmã."

Ela arregalou os olhos.

E ele continuou, "Você nunca mais será. Todos serão recomendados a não usar o nome 'Revenante' ao se dirigir a você. Pegue os seus pertences em seu quarto e volte aqui para escolher uma cama."

"Pare, Inquisidor," Generalíssima interviu, "eu, como líder, quero que ela continua sendo uma irmã."

O homem mais uma vez ficou na frente dela, incrédulo. "Vai deixá-la sem punição? Isso não é somente para ela." Ele chegou mais perto, com os olhos mais abertos, falando lentamente, cada palavra por vez, "Você fracassou e, agora, esse é o mínimo que você tem que fazer para-"

Generalíssima puxou o colarinho dele.

Inquisidor quase encontrou com a face dela, seu olhar surpreso diante da fúria da mulher. Então um empurrão e ele estava livre.

"Ela matou uma velha amiga, com as próprias mãos. Ela está carregando o corpo dela, aliás." Generalíssima passou por ele, dando um esbarrão no ombro. "Dá um desconto a ela!"

O homem passou mão no colarinho, voltando a respirar. Ele olhou para Revenante, cabisbaixa, e para o corpo. Então ele cerrou os olhos, e os punhos.

"Como vocês estão?" Generalíssima perguntou para os outros, "todos estão aqui?"

Mesmo carregada de tristeza, Madre teve forças para tomar a iniciativa em responder, "sim, todo mundo está aqui."

Generalíssima olhou para o grupo de noviças e depois de volta para a mulher de armadura e escudo.

Madre ergueu as sobrancelhas. "O que foi?"

"Tem certeza?"

Sem discutir, Madre olhou para as noviças e foi apontando para cada uma, fazendo uma silenciosa contagem entre os seus lábios. Quando terminou, ela concluiu, "Sim, todas estão aqui."

Generalíssima assentiu. "Certo."

Inquisidor foi para o meio do dormitório, anunciando, "Hoje nós tivemos o primeiro contato com o novo tipo de bruxa que está assolando o mundo e que tem nos forçados a nos esconder aqui. Duas garotas mágicas foram mortas, uma era uma irmã."

"Oh não..." Generalíssima bufou e perguntou, "O que você está fazendo agora?"

Mas ele a ignorou completamente. "Eu pergunto a vocês: sobre os visitantes, alguém notou algo de diferente? Pode ser algo mágico ou algum trejeito estranho, inumano. Alguém?"

Não houve resposta. Algumas garotas apenas balançaram a cabeça.

O homem abaixou o olhar. "É, foi o que eu pensei."

"Chega!" Generalíssima disse com uma voz firme, "qual o significado disso?"

Inquisidor ergueu uma sobrancelha. "Parece que você já se esqueceu da nossa atual situação. Eu apenas estou coletando algumas pistas."

"O que você está..." Generalíssima havia semicerrado o olhar, confusa, mas ela logo os arregalou com a realização. "Não, você não está dizend-"

"Eu estou." Inquisidor bradou para todos ouvirem, "O LADRÃO, O TRAIDOR, AQUELE QUE ESTÁ AGORA NESSA MESMA SALA CONOSCO, PODE SER UMA BRUXA."

Mulheres e garotas, irmãs e noviças, a Irmandade olhou uma para as outras.

Ao ponto de ninguém notar o quanto Generalíssima tremeu, e o quanto os seus dentes rangeram.


Próximo capítulo: Conspiradores