O som do vento e os golpes de pá na terra, era tudo o que Revenante queria sentir. Não era o calor, não era o cheiro da terra dentro daquele buraco, não era as sombras da multidão em suas costas, apenas o vento e a sua fiel ferramenta metálica verde.

Contudo, o trabalho estava feito, ela teve que parar e se virar.

A luz da manhã estava batendo nas costas das noviças e irmãs que estavam assistindo. Ainda assim, suas expressões de desalento e as lágrimas eram visíveis sob a sombra.

Revenante nada disse. Ela olhou para o cadáver ao lado da cova, enleado em panos. Ela o pegou e o colocou dentro com cuidado. Depois, ela escalou para fora e ficou de pé, segurando a pá.

Do grupo, Madre tomou um passo à frente e fez o sinal da cruz. "Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo..."

Os outros a imitaram. "... Amém."

Madre então anunciou, "Hoje nós estamos aqui reunidas para prestar uma última homenagem para nossa irmã Valquíria. Ela representou a Irmandade das Almas com coragem, com fé, e senso de dever," ela fez uma pausa, respirando fundo, e continuou a falar, mas sua voz já não tinha a mesma força, "mas ela sempre será a minha noviça Jellah. Com o seu espírito cativante, ela compartilhava o seu sonho de se tornar uma irmã para os outros. Nem toda noviça acredita nos valores da Irmandade, ela nunca imaginou quantas ela conseguiu converter, eu nunca cheguei perto do que ela foi capaz de fazer." Madre fungou o nariz e fechou os olhos para, em vão, segurar as lágrimas, mas ela então assentiu e sorriu. "Nas nossas aulas, ela sempre se levantava para fazer as perguntas, ela não gostava de ser ignorada. É por isso que ela vivia incomodando a Merri... é..."

O silêncio se sucedeu. Era o sinal de que outra pessoa em condições para falar deveria tomar a oportunidade. Essa pessoa foi Generalíssima, "Quando vim para cá para ser a responsável pelas operações, Valquíria foi uma irmã que se destacou e eu podia confiar. Ela sorria e fazia piadas para deixar o ambiente mais leve, mas ela sabia mostrar o seu comprometimento na hora certa. Que esse dia não seja só de tristeza, mas de nossa inspiração nas qualidades dela, qualidades que a Irmandade sentirá falta."

Com o breve silêncio, foi a vez de Inquisidor, em um tom de sermão, "Estejam certos: Ela já está nos braços do Pai, em júbilo, sabendo que um dia nós todos nos reuniremos Nele. A dor é para quem ficou." Ele trocou olhares com Generalíssima. "Que a usemos para fazermos uma autorreflexão de nossos pecados. Aceitemos nossa natureza imperfeita e façamos as devidas correções."

Passando ao lado de Madre, Sortuda chegou perto da cova empunhando um revólver.

Revenante pressionou os lábios e desviou olhar.

"Eu queria tá lá pra te ajudar. Se ao menos eu tivesse encontrado e derrotado a bruxa antes..." Sortuda disse, deixando cair mais lágrimas, "Valq, agora eu só posso fazer isso por ti." Ela apontou o revólver para o alto e disparou.

Então uma chuva de pétalas começou a cair.

Com isso, noviças se aproximaram e jogaram sobre o corpo flores selvagens que elas encontraram.

Enquanto Sortuda se virou e correu, escondendo sua face de choro com as mãos.

"Aww..." Madre tentou alcançá-la com o braço, mas ela passou muito rápido.

Foi Generalíssima quem conseguiu se pôr no caminho e abraça-la. A garota mágica coelhinha soluçou em seu ombro.

Vendo aquilo, os olhos de Revenante ameaçaram lacrimejar, ela ergueu a cabeça e rangeu os dentes, enquanto segurava o desejo de gritar e descontar em algo.

Generalíssima trocou olhares com a mulher negra e assentiu.

Revenante começou a pôr terra na cova. O vento havia perdido força, só lhe restava o som da pá para tentar esquecer o que estava fazendo.

"Me sigam nesse cântico," Madre sugeriu e começou a cantar logo em seguida, "Segura a mão de Deus..."

"... Segura a mão de Deus; Pois ela te sustentará..." As irmãs e noviças acataram ao pedido e cantaram, inclusive Nano, apesar dela não conhecer a letra.

"...Não temas, segue adiante e não olhe para trás; Segura na mão de Deus e vai..."

A criança olhou para Invasora. A bailarina estava cabisbaixa, olhos fechados, enquanto trilhas de lágrimas brilhavam sobre os seus pômulos.

"...O Espírito do Senhor sempre te revestirá; Segura na mão de Deus e vai..."

Ela então olhou para Generalíssima e Sortuda. A coelhinha não cantava, estava inconsolável, enquanto a líder mantinha um semblante tenso, seu olhar cheio de cólera.

"... Jesus Cristo prometeu que jamais te deixará; Segura na mão de Deus e vai..."

Ela olhou para o homem. Inquisidor estava cantando, mas ele não estava olhando para a cova e sim ao pé do morro. Lá, à beira de um grande lago, Matryoshka estava lançando pedregulhos, fazendo-os quicar várias vezes na superfície da água.

"... Não temas, segue adiante e não olhes para trás; Segura na mão de Deus e vai..."

Algumas mais canções foram entoadas até que Revenante terminasse de preencher a cova. Ela então trouxe uma rocha larga e arranhou sua superfície com a ponta da pá, desenhando uma cruz. Ela pôs a rocha sobre a cova, com parte desenhada contra o solo, e cobriu tudo com arbustos. Ela usou a parte de trás da mão para limpar o rosto, não sabendo se era suor ou lágrimas.

Houve um longo silêncio, ninguém demonstrava intenção de deixar o local.

[Vinte minutos até a passagem do próximo satélite nessa região.]

Ouvindo a voz de Invasora, Generalíssima anunciou, "Que retornemos. A Irmandade das Almas deve continuar."


Conspiradores

"Seu canalha de merda!"

Na sala de reunião, Inquisidor viu Generalíssima socar a mesa enquanto ela dirigia a palavra à ele.

"Você jamais devia ter anunciando aquilo para todos sem ter me consultado! Você quer destruir a Irmandade?"

Ele olhou para os outros membros sentado à mesa: Sortuda, Revenante e Madre. "Eu não compreendo essa reação exagerada. Nada mudou depois que eu disse aquilo."

"Ah... Mudou, mudou tudo!" Generalíssima se inclinou sobre a mesa, usando o dedo para cutucar com força a superfície do móvel enquanto explicava, "você pode pensar que a pessoa sentando ao seu lado é o ladrão das sementes. Você não sabe o porquê de ela ter feito isso, mas você imagina que deve ser por medo, que ela fez isso para ter uma 'garantia' nessa crise. No entanto, agora que um idiota resolveu gritar o que passa na cabeça dele, você só consegue imaginar que o traidor, agora sendo uma 'bruxa', fez isso para MATAR!"

"Ao menos agora nós teríamos uma clara motivação para esse roubo," Inquisidor comentou enquanto trocou olhares com Madre.

Ela retornou sentar na cadeira, suspirando e passando a mão na testa. Ela disse em tom mais baixo, "Você sabe melhor do que eu do esforço da Matriarca. De como essa rede de confiança pode ser delicada. Se começarmos a temer uns aos outros, a Irmandade acabará aqui."

"Eu garanto que a Irmandade terminará no momento que nós não tivermos sementes," Inquisidor afirmou, "mas parece que ninguém aqui está levando isso a sério, justo porque nós ainda temos algumas. Ao menos agora todos vão começar a prestar mais atenção nos outros."

"É..." Revenante falou em um tom rancoroso, "se essa coisa do traidor ser uma bruxa é verdade, você é o principal suspeito."

O homem respondeu prontamente, "Uma assassina de irmãs não deveria estar sentada nessa mesa, muito menos emitir opiniões."

A mulher negra abaixou o olhar.

"Ela está certa," Generalíssima disse.

Deixando Inquisidor ressabiado, "Como assim?"

"Dentre os membros que tem acesso ao cofre, você é o último que foi enviado para essa base." Generalíssima ergueu um dedo e as sobrancelhas. "Devo lembrá-lo que você veio atrasado e só nos contatou DEPOIS que Washington nos avisou que eles haviam perdido contato com Europa."

"É justamente por isso que eu me atrasei," Inquisidor disse, mais calmo, "quando eu cheguei nesse país, eu tentei contactar Europa, pois eu precisava saber se ainda era seguro vir para cá. Eu aguardei por uma resposta e não a obtive, então eu contactei Washington. Pássaro do Sol me informou sobre o ocorrido e me pediu para prosseguir com a missão, apesar de não me dar nenhum detalhe a mais, o que eu achei estranho." Ele assentiu, concluindo, "somente então eu contactei vocês para extração."

Madre perguntou, "Matriarca não falou contigo?"

Generalíssima respondeu antes que o homem pudesse abrir a boca, "O contato com Matriarca ficou muito restrito com essa crise, para evitar o risco de expor a localização dela."

"Isso mesmo." Inquisidor cruzou os braços. "Prosseguindo com o assunto, vocês acreditam que se o traidor é bruxa, ela teria sido trazida para cá, mas há outra possibilidade."

"Que seria...?" Generalíssima ficou tão confusa quanto curiosa.

Ele enfatizou, "um de nós pode ter se tornado uma dessas novas bruxas aqui dentro da base, talvez até por acidente."

"Heeeiiin?!" Sortuda ergueu as sobrancelhas, bem surpresa. "E como ninguém soube? A gente teria sentido a liberação de energia, né?"

Revenante concordou, "É, ele tá falando besteira."

Inquisidor engrossou a voz, "Nós não sabemos como é o processo de transformação desse novo tipo de bruxa. Além do mais, há uma grande distância entre os andares dessa base, preenchido com toneladas de rochas e terra, e a maioria dos membros passa a maior parte do tempo no andar mais próximo da superfície."

"É verdade." Sortuda teve uma epifania. "Por exemplo, nós não sentimos o que passa dentro da sala de purificação, mesmo com muitas bruxas dentro, só se estivermos próximas e concentradas pra isso."

"É," Revenante complementou, "e isso faz Inquisidor novamente ser o principal suspeito."

Ele ficou de pé e vociferou, "POR QUE SEMPRE ESTÃO ME ACUSANDO?! QUANDO É EU QUEM É QUE SE ESFORÇA MAIS PARA ENCONTRAR ESSE TRAIDOR!"

Generalíssima ergueu uma sobrancelha. "Elas só estão prestando mais atenção."

"Então é isso? Uma vingancinha infantil?" ele disse, ironizando, "que grande líder que você é..."

"Obrigada por sua opinião," ela rebateu no mesmo tom, "agora, por que você não pergunta aos outros sobre o que eles acham da minha liderança?"

O homem fez uma tréplica, "Talvez eu devesse perguntar para Nano e Invasora, mas elas não estão aqui por alguma razão, mesmo com você tendo feito uma convocação para essa reunião tão 'urgente' e 'importante'."

Generalíssima revirou os olhos e suspirou. "Invasora está na sala de segurança, prestando bastaaante atenção por algum movimento suspeito. Já Nano está checando se a manifestação da barreira da bruxa danificou o foguete. Mais uma vez eu reitero que esse projeto é o propósito dessas instalações desde o princípio."

"Ah sim, é muito importante." Inquisidor semicerrou o olhar. "É tão importante que Nano deveria, já que ela está lá e ninguém está olhando, tomar a oportunidade e ocupar 'um pouco mais' das nossas escassas sementes para trabalhar nele."

"Saia," Generalíssima demandou.

Ele ficou tão confuso quanto estarrecido. "O que disse?"

"Eu não quero ver mais a sua face hoje, eu estou cansada... eu..." Ela ergueu a cabeça e fechou os olhos. "Ai meu Deus... O que Matriarca viu em você..."

Inquisidor arregalou os olhos e as veias de suas têmporas saltaram para fora.

"Enquanto você gosta de questionar a maturidade dos outros, você esquece, ou finge que esquece, dos erros que comete e pensa que sempre está certo." Ela voltou a olhar para ele. "Você acreditava que Valquíria era uma bruxa, se lembra disso? Você pode afirmar que não disse isso literalmente, mas eu já consigo ler você." Ela balançou cabeça, com um olhar desprezo. "Você estava enganado, ela sempre foi uma irmã."

"E AGORA ELA ESTÁ MORTA!" Inquisidor gritou do fundo de seus pulmões.

Generalíssima permaneceu em silêncio, mas seu semblante era firme.

Arfando, o homem se acalmou e se dirigiu para saída da sala. A porta de metal se abriu e, com suas costas viradas para os outros membros da reunião, ele disse antes de sair, "Eu me pergunto quem será a próxima."

Somente quando a porta se fechou, Generalíssima relaxou sua postura.

As outras irmãs ficaram olhando para ela, sem dizer nada.

Depois de respirar fundo ela disse com uma voz cansada, "A reunião acabou. Vão descansar, foi um dia difícil."

Revenante foi a primeira a se levantar. Ela se dirigiu à saída, mas foi tocada no braço.

Era Sortuda, que estava ficando de pé. "Aonde você vai agora?"

A mulher negra não olhou para ela, apenas disse, "Eu não sei, meu quarto..."

A garota mágica coelhinha perguntou em um tom mais baixo, quase um sussurro, "Quer ir no meu?"

Revenante olhou de relance para ela, antes de baixar a cabeça e fazer um tímido aceno.

Generalíssima esperou as duas saírem da sala. Ela se levantou e iria fazer o mesmo, quando então viu Madre se aproximando. Os olhos cinzas da mulher a estavam encarando, seu semblante era diferente, algo que ela não conseguiu decifrar, o que a deixou tensa. "Sim?"

Apesar da aparência, a voz de Madre continuava mansa. "Antes dessa reunião, eu visitei Invasora na sala de segurança e perguntei se ela tinha gravações do que ocorreu nessa sala quando você estava com Valquíria e as duas visitantes."

Generalíssima olhou para a única câmera de segurança que havia na sala de reunião. "E ela encontrou algo?"

Madre balançou a cabeça. "Nada, o trecho do vídeo com vocês aqui dentro foi corrompido."

Generalíssima assentiu. "Isso é normal de ocorrer quando uma barreira de bruxa se forma."

"Eu também conversei com Revenante," Madre afirmou, "ela me disse que ouviu gritos, e isso foi antes da barreira se formar."

O silêncio tomou a sala por um momento.

Generalíssima estava começando a entender o que era aquele semblante e sua voz ficou mais séria, "Por que você está perguntando para os outros? Era eu que estava na sala, você pode perguntar para mim."

A voz de Madre também não era mais suave, "É o que eu estou fazendo agora."

"Pois bem, vou lhe dar os detalhes." Generalíssima apontou para a mesa. "Eu estava sentada nessa mesa quando destruí a falsa gema que a bruxa havia me dado, foi assim que provei a farsa. Valquíria e a outra visitante ficaram surpresas, e a bruxa tomou essa oportunidade para atacar. É nessa parte que Revenante deve ter ouvido os gritos. Eu estava contando que Valquíria iria reagir rápido, mas ela estava mais fraca do que ela estava transparecendo." A mulher latina pôs a mão no próprio peito. "Eu julguei mal, isso é realmente minha culpa. A bruxa grudou o seu corpo no teto e formou sua barreira. Nessa hora, Revenante tentou a abrir a porta e a bruxa escapou. Eu fui atacada por trás por um lacaio e fui derrubada. Já havia muitos lacaios na sala, eu matei todos, mas a outra garota mágica já estava morta e Valquíria ferida. Depois, Revenante conseguiu abrir uma passagem na parede e isso é tudo."

Madre não parecia satisfeita. "Tem algo estranho nessa história."

"Onde?"

"A parte onde a bruxa começa a atacar," a ruiva afirmou de forma contundente, "eu me lembro das mensagens que a célula da Indonésia compartilhou quanto ao primeiro contato que elas tiveram com essas novas bruxas. Em nenhum momento elas mencionaram qualquer ação hostil."

"Ah... Pelo amor de Deus!" Generalíssima fez uma careta. "É uma mentira, Washington pediu para desconsiderar qualquer informação por parte deles."

"Essa bruxa estava isolada em um local com dezenas de garotas mágicas," Madre levantou a voz, "pode ser tudo um fingimento, mas ela tentaria primeiro nos convencer de que ela não era uma ameaça. Não faz sentido o que você disse!"

Generalíssima chegou bem perto de Madre.

A ruiva manteve sua posição, não recuando nem um pouco, olhando no fundo daquele par de olhos rosa escuros.

Generalíssima pendeu a cabeça de lado e franziu suas sobrancelhas, sussurrando, "Você está ficando do lado da bruxa?"

"Eu quero a verdade!" Madre fechou levemente os olhos. "Foi você que atacou primeiro, não foi?"

"Ataquei primeiro?!" Generalíssima ficou de boca aberta, pasma, então rangeu os dentes. "Essa bruxa nos atacou no momento que ela cruzou caminho com Valquíria e a enganou. Agora estou vendo que ela continuou nos atacando, semeando dúvidas quando chegou aqui," ela pressionou os lábios e ergueu as sobrancelhas antes de prosseguir, "tenha isso em mente: elas parecerem e agirem como humanas não as fazem menos bruxas do que são. Quem não entender isso terá o mesmo destino de Valquíria. Estamos entendidas, irmã?"

Madre olhou para baixo, mais especificamente para os punhos cerrados da outra mulher. "Sim, está claro."

"Ótimo, as noviças talvez estejam esperando por ti." Generalíssima não relaxou sua postura. "Espero que você não tenho espalhado essas suas idéias para mais ninguém."

A ruiva disse com frieza, "Eu vou checar se elas terminaram de limpar o restante do sangue de Valquíria que estava nos corredores." Então ela foi para saída. Já no corredor, ela se virou.

A porta de metal foi deslizando, até fechar e interromper a intensa troca de olhares entre as duas.

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A porta se abriu e Revenante viu que o quarto da Sortuda estava com a bagunça de sempre. Haviam animais pelúcias fofos e coloridos no chão, e pôsteres de modelos masculinos nas paredes.

Sortuda estava atrás da mulher negra, a empurrando gentilmente para dentro do quarto. "Vamos entrando, você pode usar a minha cama."

A cama estava desarrumada, com a coberta felpuda tocando o chão com uma de suas pontas. Em outro dia qualquer, Revenante teria reclamado com a dona, mas dessa vez ela apenas sentou nela e abaixou a cabeça.

Sortuda usou o painel eletrônico para travar a porta antes de perguntar, "Como tá sentindo, confortável?"

Revenante disse em tom monótono, "Vai, fala aí."

"Hã?"

"Você me trouxe aqui pra isso. Eu matei nossa amiga e você quer dizer 'Por quê?', mesmo que saiba. Você pode descontar em mim, me odiar, eu aguento."

Sortuda franziu o cenho. "O que você tá falando? Não é sua culpa."

"É minha culpa!" A mulher na cama exasperou, "se eu não tivesse aberto a porta, a bruxa não teria escapado da sala e Generalíssima a teria matado. A barreira nem teria se formado e Valquíria taria viva!"

A garota mágica coelhinha disse, "Se eu não tivesse dado uns passos pra trás, eu ainda taria contigo e eu poderia ter curado ela. Há coisas que não tão no nosso controle."

"Eu matei ela, foi decisão minha!" Revenante fechou os olhos com força e lágrimas gotejaram. "Eu tava segurando a gema, fui eu que a esmaguei. Eu esmaguei a nossa amiga!"

Sortuda sentiu seus olhos ameaçarem a lacrimejar e ela foi sentar ao lado de sua amiga transtornada.

Revenante não reagiu, continuava com olhos bem fechados.

Com uma voz macia, a jovem mulher sardenta pediu, "Revah, olha pra mim."

A mulher negra continuou imóvel, mas sua respiração estava trêmula.

"Reeevaahh~" Sortuda acariciou a parte raspada da cabeça de Revenante, "olha pra sua criatura irritante."

Dessa vez ela obedeceu, seus olhos já inchados devido ao choro.

"Isso não vai funcionar," Sortuda mostrou um sorriso, "eu não vou te odiar, você é a minha amiga."

"Como você pode tão forte?" Revenante balançou a cabeça, como se não estivesse entendendo. "Você já tá sorrindo..."

"Eu tive que aprender. Não é a primeira vez que eu perco alguém querido." Os olhos de Sortuda encheram de lágrimas, mas seu sorriso não desvaneceu. "E não é primeira vez que a gente perde uma irmã."

"Não, não..." Revenante balançou a cabeça com mais ênfase. "Dessa vez é diferente. A gente nem tava mais acreditando que Valquíria iria voltar, mas ela tava acreditando em nós, ela tinha fé na Irmandade. Nós devíamos ser o porto seguro das garotas mágicas, é isso que sempre fomos, e falhamos!"

Sortuda continuou acariciando sua amiga, sem contestar.

"Se não conseguimos nem sequer fazer isso, o que restou da Irmandade? O que será de nós?" Revenante escondeu o rosto e seu corpo estremeceu de tensão.

"Não!" Sortuda a abraçou. "Não segura, deixa soltar."

A mulher negra começou a soluçar, seguido por um longo gemido de choro.

"Isso, solta tudo." Sortuda descansou sua cabeça sobre as costas musculosas de sua amiga, enquanto lágrimas desceram gentilmente e umedeceram o tecido da camisa branca. "Ninguém vai saber, isso vai ficar só entre nós, pois você é Revah, a minha amiga invencível..."

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Invasora esperou a pesada porta dupla de metal abrir o suficiente para entrar. Ela se apressou até o painel controle para fechá-las de novo.

Sem o som das portas deslizando, havia apenas o silêncio, a bailarina azul não estava acostumada com aquilo. Ela se virou e viu o foguete, com a sua estatura imponente, mas não havia drones, robôs e outras máquinas que tornaram aquilo possível.

"Nano?" Ela caminhou pelo espaço com uma certa cautela e preocupação. "Você está aqui, Nano?"

A criança estava sentada no piso frio, suas costas contra a parede do silo, e um olhar perdido.

Invasora se aproximou. "Nano..."

"Oi." A criança olhou para ela e mostrou um sorriso tímido, que logo se foi. "Você não deveria estar na sala de segurança?"

"Sim, mas Generalíssima deu a ordem para que eu viesse aqui para checar o trabalho que está sendo feito." Invasora olhou envolta. "Para evitar problemas, eu cheguei aqui através de uma câmera de segurança."

"Ah..." Nano deu de ombros. "Eu já chequei se houve avarias, mas não encontrei nada óbvio. O foguete está completo, eu já havia terminado faz alguns dias, mas o satélite..."

"Tem algo errado com ele?"

"Não, nada errado, mas..." Nano balançou a cabeça. "Sabe, quando a gente pensa em satélite, nós o vemos com aqueles grandes painéis solares. Esse não tem nada disso, vai funcionar com energia nuclear. Matryoshka me disse que o gerador ficará pronto assim que resolvermos essa questão das sementes."

Invasora ergueu as sobrancelhas. "Então é só isso que falta para tudo ficar pronto? Eu irei comunicar Generalíssima, ela pode fazer alguns arranjos."

A criança estava olhando para o piso.

Um desconfortável silêncio se estabeleceu.

"Nano," Invasora expressou em um tom mais sério, "eu fiz uma pergunta."

"É." A criança respirou fundo.

Sem esperar mais, a bailarina sentou ao lado dela, ajeitando seu longo e fino rabo de cavalo, e sussurrou, "Qual é o problema?"

Nano respondeu com uma pergunta, "Você não achou estranho que eu não chorei no enterro?"

"Eu não notei." Invasora balançou levemente a cabeça. "Mas eu não acho estranho, Valquíria não era alguém próxima a você."

"Eu convivi mais tempo com ela do que você." Nano fez uma careta. "Mas não é realmente isso! Eu estou sendo desonesta de novo."

Tal afirmação capturou a atenção de Invasora.

"Tem algo que eu quero te contar, mas isso vai mudar a forma como você me vê." A criança franziu mais a sua testa. "E estou assustada."

Invasora arregalou mais olhos. "Você me está assustando."

"Então é tarde demais..." Nano sorriu com certo nervosismo e respirou fundo mais uma vez.

Invasora deu todo o tempo que ela precisasse.

A criança assentiu para si mesma, puxou um pouco de ar e afirmou, "Eu sou mais velha que você."

A bailarina piscou os olhos, esperando ouvir mais alguma coisa. Como isso não ocorreu, ela falou, "Bem, então as garotas mágicas não envelhecem."

"Hein?! Você não sabe?" Nano expressou mais surpresa do que a outra garota. "Garotas mágicas não ficam velhas, mas elas crescem. Eu era bem menor quando entrei na Irmandade."

Invasora especulou, "Então você desejou ser mais jovem."

"Não, eu adoraria se tivesse sido isso." Nano abaixou a cabeça. "Eu tenho vinte anos, ou um pouco mais, mas antes de fazer quinze, eu sofri um acidente quando subi em uma árvore. Eu fiquei tetraplégica."

Invasora comentou, "E assim, Incubator fez uma visita."

"Levou um tempo, mas ele veio." Nano manuseou sua manopla. "Como em outras histórias que já devem ter contando para você, para mim aquilo era um sonho. Ele me fez a oferta e eu desejei um corpo novo."

A garota com olhos de cor de gelo franziu suas sobrancelhas. "Corpo novo?"

"Depois que o contrato foi feito, eu acordei. Eu achei que o sonho tinha acabado, mas eu conseguia sentir meu corpo, mas tudo era diferente..." Nano fechou os olhos. "Eu ainda consigo ver como se fosse agora. Eu estava em um quarto de hospital, mas tinha uma pessoa estranha. Ela pulou da cadeira que estava e foi chamar as enfermeiras. Logo apareceu mais pessoas, gritando e chorando, felizes. O médico apontou uma luz forte em cada um dos meus olhos."

"O que..." Uma sensação ruim tomou conta de Invasora, incerta se queria uma resposta. "O que aconteceu?"

Nano reabriu os olhos. "Eu acordei nesse corpo, uma bebê que havia parado de respirar enquanto dormia. Eles conseguiram mantê-la viva, mas ela ficou coma e estava em outro quarto do hospital já há mais de um ano."

Invasora ficou abismada. "E-Eu nunca ouvi falar do Incubator cometer um erro desses! Estava claro que você quer-"

"Ele não cometeu um erro," Nano afirmou, com uma expressão amarga na face, "você não vai entender, isso não aconteceu contigo. Meu corpo havia definhado, eu o odiava, eu odiava o sorriso das pessoas que vinham me ver, porque eu sabia que elas choravam quando estavam em outro lugar. Todos sabiam que era melhor que eu tivesse morrido, então é por isso que desejei um corpo novo, eu queria uma nova vida." Ela olhou para lugar algum, enquanto balançou a cabeça. "Talvez, se eu soubesse que era real, eu teria pensado melhor e desejado voltar no tempo ou coisa do tipo. Eu poderia até ter desejado um bolo! Se eu soubesse mais sobre garotas mágicas..."

Invasora estava sem palavras, ainda absorvendo o que ouvia.

Os olhos de Nano avermelharam e sua voz ficou chorosa. "Eu avisei, eu avisei que você iria me ver de forma diferente. Eu não mereço pena! Eu não-" O braço dela foi segurado.

Era Invasora. "Calma, eu estou aqui."

Com lágrimas deslizando lentamente pela face, Nano tocou na manga da bailarina com a sua manopla e continuou a contar com uma voz mais baixa, "Eu logo recebi alta do hospital, minha recuperação era 'milagrosa'. Todos estavam impressionados que eu era capaz de falar, mas os médicos acreditavam que era porque eu devia conseguir ouvir os outros falando enquanto estava em coma. Eu não tive dificuldade de me adaptar ao novo lar, as pessoas me trataram bem, mas eu era uma garota mágica. Devido a minha idade, eu estava sempre sob supervisão, eu não tinha como sair para caçar bruxas. A sorte é que um dos parentes também era uma garota mágica e membro da Irmandade. Eu contei tudo para ela e ela arranjou um encontro com Pássaro do Sol."

Invasora indagou, "Você não conversou com Matriarca também?"

"Eu nunca a vi pessoalmente. Eu sempre ouvi que ela estava na Europa, ocupada negociando com a União da Terra-Mãe." Nano retornou ao assunto, "Pássaro do Sol pôs toda a culpa em Kyuubey pelo que aconteceu, e concordei, era mais fácil para mim. Como o meu caso era excepcional, a Irmandade decidiu me adotar, isso significa apagar todos os registros físicos e virtuais da minha existência. A minha nova família teve suas mentes manipuladas para me esquecerem, enquanto eu fui alocada em Washington para treinamento e trabalho integral. Nesse meio tempo, eu descobri que o meu antigo corpo ainda estava no hospital, em estado vegetativo, minha família não tinha desistido." Era quase um sorriso, e seus olhos se encheram de lágrimas. "Eu pedi para Pássaro do Sol e ela enviou Lince da Lua. Cinco dias depois, eu recebi a notícia que o meu antigo corpo havia morrido por choque séptico. Elas realmente enviaram a melhor..."

Lentamente, mas sem hesitar, Invasora aproximou sua mão para acariciar a cabeça dela.

Contudo, Nano se virou e ergueu a voz, como se quisesse interromper aquele ato, "Terrível, né? Meu desejo egoísta arruinou duas famílias e eu ainda fico fingindo que sou inocente. Eu sou a pior pessoa de todas."

"A pior pessoa de todas?" Invasora sorriu.

Nano ficou tão surpresa quanto confusa, ela nunca havia a visto com aquele ar irônico.

Ao notar aquela reação, a bailarina virou a cara. "Eu também fui uma pessoa desprezível. Eu perdi amizades e desisti do mundo, eu o abandonei no outro lado da parede para que não me machucasse, mas era eu que estava machucando a mim mesma. Entrar na Irmandade, conhecer outras garotas mágicas, foi o que me salvou, eu devo muito a vocês todas." Então a raiva cresceu em sua voz. "A Irmandade é a sua família, é o seu lar, você disse isso e não estava fingindo, eu senti! Você não pode ser a pior pessoa de todas, para mim você não é!"

Nano estremeceu e franziu o cenho, segurando o choro.

Invasora suspirou e se manteve séria. "Por que você quis contar isso agora?"

"Porque eu não sei se nós teremos outro momento de paz para fazê-lo," Nano respondeu logo, não conseguindo camuflar sua ansiedade, "tem outra coisa que eu preciso te perguntar. Eu quero que seja franca."

As duas encararam uma à outra.

Nano titubeou, "Se, por acaso, alguma coisa acontecer e você tiver que lidar com a... minha bruxa..."

"Eu a mato."

A criança arregalou os olhos.

"Eu a mato," Invasora repetiu, "não se preocupe, eu não vou hesitar, eu estarei fazendo um favor a você."

"Bem..." Nano assentiu. "Então temos um acordo. Eu... Eu vou fazer o mesmo se for a sua bruxa. Eu não vou hesitar!"

"Bom." Invasora fez o mesmo gesto. "Mas não seja imprudente, chame ajuda se possível."

"Isso é para ser um sermão?" Nano abaixou o olhar. "Então você ainda me vê como uma criança."

A bailarina teve o impulso de sorrir, mas foi estrangulado pela atmosfera angustiante.

/人 ◕‿‿◕ 人\

Em seu laboratório improvisado, Matryoshka estava com o seu casaco aberto e examinando uma pilha de fotos que ela deixou sobre uma caixa. Eram fotos de satélites, preto e branco, de várias referências geográficas, mas o que interessava mulher erma as fotos de lagos. Ela continuou sua pesquisa até achar um com um formato familiar. A foto tinha um número no canto, uma coordenada. Ela pegou um outro documento de dentro de seu casaco e o abriu.

Era um mapa detalhado do país. Ela deslizou dedo até o ponto que lhe interessava, fazendo então um cutuque. "Здесь." Ela pegou uma régua e calculou as distâncias daquele ponto até os assentamentos humanos mais próximos.

Ela ouviu a porta abrir.

"Olá? Eu estou limpando o local, não estou desperdiçando magia para algum experimento." Ela colocou a régua e os papéis o mais rápido possível para dentro de seu casaco, mas ela esperou por uma resposta antes de fechá-lo. Como isso não ocorreu, ela retirou com cuidado um frasco metálico e o escondeu em seu punho fechado. "Parece que não é algo urgente." Então ela fechou o casaco e se virou.

Inquisidor olhava para ela enquanto a porta fechava atrás dele.

Matryoshka pôs as mãos nos bolsos. "E o filho perdido retorna ao lar do pai..."

/人 ◕‿‿◕ 人\

Era noite em Mitakihara e o silêncio nas ruas da antiga parte da cidade tinha o seu charme, também provavam que as suas paredes de pedra podiam guardar segredos.

Kyouko sabia que estava na casa da Homura, mas ela não sabia como era realmente dentro. Vasculhando as memórias de duas outras vidas, ela só conseguia lembrar aquele espaço onde ela estava, uma sala branca e bem iluminada, cercada por candelabros e sombras. Ela estava deitada em um sofá colorido, que era parte de um conjunto que tinha um formato de um relógio, enquanto olhava para telas flutuando no ar. "Ow Homura, como é que você aprendeu a criar um lugar desses?"

Homura estava de pé com Oriko, mais próxima das telas. Ela respondeu, "Como bruxas vêm de garotas mágicas, eu tentei imitar o que elas são capazes de fazer, como as barreiras."

Sentada em outro sofá, com os braços cruzados, estava um dos membros das Bruxas Plêiades, Umika Misaki. Ela comentou, "então você fez experimentos com magia. Isso é incomum entre as garotas mágicas, geralmente elas se contentam com o que têm, ainda mais que esses experimentos podem ser perigosos."

"Eu tive tempo para arriscar," Homura disse, sem olhar para ela.

"Falando sobre o tempo." Kyouko apontou para teto. "Eu me lembro que você tinha um monte engrenagens e coisas de relógio penduradas ali."

Homura permaneceu em silêncio.

Umika franziu um pouco o cenho.

Perto da ruiva, Sayaka estava sentada em outro sofá. "Eu sinto tão deslocada quando vocês começam a falar sobre o passado."

Kyouko se espreguiçou. "Hmmm... Você nunca esteve aqui, né?"

"E nem Mami-san, eu acho..." Sayaka ficou pensativa.

"Ela não é amiga de vocês?" Umika inquiriu.

"É uma história longa e complicada." Kyouko ergueu o braço esquerdo, deixando a mão acima dela, enquanto examinava o anel em seu dedo. "Mas ela é sim, sempre foi."

Das sombras, Kazumi e Kaoru apareceu, uma estava carregando uma pilha de vasilhas e palitinhos, enquanto a outra trazia uma bandeja com uma grande vasilha contendo um arroz cremoso de cor levemente avermelhada. "Está prontoooo!"

"OPA!" Kyouko pulou do sofá para ficar de pé. "Finalmente! Desde que ficaram falando desse risoto de morango, eu tava querendo provar se ele é realmente tão especial assim."

"Você acha que demorou muito?" Kaoru abriu um grande sorriso. "Dessa vez a Kazumi conseguiu terminar super rápido."

"Ehehe! É!" Kazumi estava excitada. "A cozinha da Homura-chan é muito boa! É tudo tão limpo, parece até nova."

Homura trocou olhares com aquela garota com cabelo peculiar, mas foi breve, logo ela abaixou o olhar. "Ela não foi muito usada."

"Hã?" Kazumi ficou confusa.

Mas Kaoru parecia que havia entendido tudo, ela sussurrou para amiga, "A cozinha dela é realmente nova. Ela deve ter ficado incomodada que a gente a sujou."

"Não, NÃO!" Kazumi ergueu a voz como se tivesse tendo um surto. "Não se preocupe, nós vamos deixar tudo limpo novamente! Nós não vamos abusar da hospitalidade de vocês mais do que a gente já abusou da Oriko-chan, né? Hehe."

"Oriko-chan..." Oriko murmurou para si mesma, enquanto cobria o sorriso com a mão.

Quem estava incomodada, se não impaciente, era Kyouko. "A limpeza vocês vê depois, o negócio agora é comer."

O risoto foi compartilhado com todos.

Sayaka fechou os olhos para apreciar mais o sabor. "Hmmmm~! Isso tá muito gostoso!"

"Nunca comi algo assim," Kyouko comentou de pois de terminar sua vasilha, "parece comida de rico, mas é bom."

Oriko também elogiou, "Essa receita está com uma qualidade profissional, é até melhor do que as versões que eu provei em restaurantes. Quem ensinou isso a vocês?"

Kaoru respondeu, "Uma velha amiga, que aprendeu de sua vó."

Umika assentiu, enquanto Kazumi sorriu.

Apesar da qualidade do risoto, Homura tinha outros interesses. "Mami-san foi quem se encontrou com vocês primeiro e explicou sobre a Lei dos Ciclos, não foi?"

"Sim," Umika respondeu, "ela foi muito honesta e nos explicou tudo o que ela sabia da Lei dos Ciclos, sobre como desejo de Madoka-san tornou a natureza das garotas mágicas e bruxas menos... distinta."

[Estranho.]

Sayaka ouviu a voz de Kyouko em sua cabeça e olhou de relance para ela.

[Conhecendo a Mami, eu achei que ela iria ser até mais cautelosa do que nós. Nunca imaginei que ela iria mencionar Madoka.]

[Talvez ela confia nessas garotas.] Após responder à sua amiga, Sayaka perguntou, "E vocês não ficaram um pouco... hmmm... preocupadas sobre se tornar uma bruxa, mas continuar sendo vocês mesmas?"

Kazumi balançou a cabeça, sorrindo mais. "Nem! Isso não é novidade pra nós."

Sayaka, Kyouko, Oriko e Homura ficaram perplexas.

Kaoru foi rápida em falar, "Ela quer dizer que acontecimentos estranhos não são novidades para nós. Como garotas mágicas, nós já vimos muita coisa!"

Umika complementou, "Nós também estávamos trabalhando em uma forma de rejeitar o nosso destino como garotas mágicas. Antes de Mami-san conversar conosco, nosso grupo era conhecido como Santas Plêiades e havia mais membros. Nós tentamos algumas soluções para alcançar o nosso objetivo, mas no final só sobraram nós três."

Kazumi parou de sorrir. "Talvez a gente encontre as nossas amigas na Lei dos Ciclos, né?"

"Claro que vamos!" Kaoru deu uma piscadela para ela. "Depois que lidarmos com essa ameaça, vamos pedir ajuda para Madoka-san."

"É incrível que o desejo dela bastou para resolver essa questão", Umika disse, "como outra garota não fez esse tipo de desejo antes? Me parece muito simples..."

"Vai ver que Madoka-san é alguém muito especial," Kazumi comentou.

"Você está muito certa sobre isso," Homura afirmou, com um semblante mais amigável.

Voltando a ficar excitada, Kazumi exclamou, "Como eu adoraria conhecê-la!"

"Santas Plêiades... hmm..." Kyouko usou os palitinhos para apontar para Kazumi. "Eu não me lembro desse grupo, mas eu me lembro de você."

A garota de olhos vermelhos e longos cabelos pretos arregalou os olhos. "O quê?! Como? Quando?"

"Heh, eu já visitei a cidade de vocês, Asunaro." A ruiva assentiu. "Eu não fiquei por muito tempo, mas eu cacei bruxas e cruzei caminho com outras garotas mágicas, e eu tenho certeza que você era uma das delas."

Kazumi ficou piscando olhos e gaguejando, "M-Mas eu... não..."

Umika interrompeu, "Você deve estar se referindo a Michiru Kazusa."

"Michiru..." Kyouko apontou para Umika dessa vez, concordando, "é, esse era o nome dela. Agora eu me lembro bem, ela não pode ser a Kazumi, pois o uniforme era diferente, era um preto e que mostrava muito."

"Mostrava muito?" Kazumi enrubesceu.

Kyouko voltou a olhar para ela. "Mas você tem a cara e a voz dela, vocês são gêmeas?"

"Não," Kazumi respondeu, ainda desconfortável, "mas ela meio que minha parente. Tehehe..."

Umika revelou, "Ela se tornou uma bruxa há um tempo atrás."

"Que droga..." Kyouko olhou para ela. "Eu acho que já vi você também."

Os olhos de cor índigo da garota ficaram afiados. "Você nunca me viu."

A ruiva ergueu as sobrancelhas, incerta se aquilo havia sido uma afirmação ou uma ordem.

Umika então sorriu. "Na época que você estava em Asunaro caçando bruxas, eu estava ocupada escrevendo livros."

"Você escreve livros?" Sayaka arregalou os olhos. "Espera, você é Umika Misaki?"

Kyouko fez uma careta, confusa. "Heeein? Você tá com amnésia?"

"Não!" Sayaka nem desperdiçou tempo ficando irritada, novamente perguntando, "eu quero dizer, você é a famosa autora, Umika Misaki?"

"A própria." A garota de longos cabelos azuis escuros se curvou.

Sayaka ficou boquiaberta, gaguejando, "E-Eu acho que li quase todos os seus trabalhos! Eu adorei o 'Um Dueto na Noite Estrelada'."

"Oh, esse?" Umika franziu a testa. "A crítica considerou que o romance nessa história era muito açucarado."

"Mas o romance foi justamente o que eu mais gostei," Sayaka disse.

"Ah, então é açucarado demais mesmo." Kyouko brincou com o seu rabo de cavalo.

"Ei!" Dessa vez, Sayaka não conseguiu evitar a raiva. "Por que tá dizendo isso?"

Umika indagou, "Por acaso você leu 'Mapas, Letras e Canções de Amor'?"

"Li também, é ótimo, mas não é de outra autora?"

Umika abriu um sorriso maior, com satisfação. "Ele é inspirado em um dos meus rascunhos."

"Bem, vocês podem discutir sobre livros mais tarde," Oriko falou, oferecendo sua vasilha vazia, "pois creio que já é hora de conversarmos sobre a razão de estarmos aqui."

Enquanto Kazumi e Kaoru terminavam de pôr todas as vasilhas de volta para bandeja, Homura ficou de pé, próxima das telas.

Quando todos os outros estavam sentados nos sofá, a garota de longos cabelos escuros e olhar violeta começou, "Infelizmente, Mikuni-san não obteve nenhuma nova informação com suas visões. Então, nós decidimos trabalhar com a pista mais peculiar."

As telas atrás dela mudaram, mostrando um número.

2305251263313

"É isso que Oriko ficava ouvindo toda hora na cabeça dela?" Kyouko cruzou os braços, sorrindo. "Parece que alguém andou deixando alguns parafusos soltos."

Homura ignorou o comentário. "Desde o princípio, eu suspeitava que esse número poderia ser uma coordenada. Depois de algumas pesquisas, eu cheguei nisso."

23°05'25" 126°33'13"

Kaoru pôs ambas as mãos atrás da cabeça para alongar. "Legal, então temos um lugar."

"Na verdade, com apenas os números, essas coordenadas apontam para quatro localizações no planeta." Homura mostrou a mão com o dedo indicador erguido. "Mas apenas um fica em terra seca."

As telas mudaram, formando um mosaico de um mapa de um país cercado por oceanos.

Sayaka ficou um tanto surpresa. "Austrália? Sério?"

Homura apontou para as telas, enquanto elas mostravam um zoom do mapa, e então imagens de satélite. "As coordenadas apontam para esse ponto, bem dentro do território, longe de qualquer costa."

"Longe de tudo, você quer dizer," Kyouko disse.

Kazumi perguntou, "Isso não é um deserto?"

E Kaoru a acompanhou, "É, eu não tô vendo nada nessas imagens, nem sequer uma construção."

"Exatamente." Oriko sorriu.

Umika conjecturou, "Se existe um esconderijo, ele pode estar camuflado com magia ou é subterrâneo."

"Ah não!" Kyouko lamentou, "subterrâneo, de novo não..."

As outras garotas, exceto uma certa loira, ficaram curiosas com aquela reação.

A ruiva continuou, "Tá, Homura, o que tu planeja fazer? Você não tá esperando que a gente vá aí, né?"

Homura ergueu levemente as sobrancelhas. "Isso não é óbvio?"

"Se toca! Você quer que a gente vá pro outro lado do mundo baseado apenas no que Oriko anda tendo na cabeça."

Kaoru comentou, "Austrália é apenas no outro hemisfério."

"É, assim como eu disse." Kyouko cruzou os braços. "Outro lado do mundo."

"Eu devo concordar com Kyouko-san," Umika falou, "sem pôr dúvidas de que Oriko-san seja capaz de ver o futuro, não temos garantias de que essas informações tenham realmente vindo de visões."

Ouvindo aquilo, Homura rapidamente se virou para Oriko, esperando uma resposta.

"Que absurdo," A loira cor de palha disse, ultrajada, "por que eu ousaria fazer uma mentira dessas? O que eu mais quero é proteger Kaname-san e essa cidade."

"Mitakihara?" Umika semicerrou o olhar. "Sério?"

As duas garotas ficaram se encarando por um momento que parecia longo demais para os outros na sala.

Kazumi foi a primeira a traduzir a tensão presente em uma expressão de preocupação. "Umika..."

Oriko relaxou sua postura, sorrindo levemente. "Eu iria dizer 'O que está insinuando?', e seria isso que você estava esperando ouvir para então dizer 'Quando você nos contatou, eu pesquisei sobre você e eu sei o que o seu pai fez.'."

Umika estremeceu.

"Vamos pular essa parte, sim?" O olhar de Oriko era intenso. "Eu já entendi que você não confia em políticos."

Prontamente, Umika complementou, "Ain-"

"'Ainda mais quando eles são corruptos.'," Oriko a interrompeu, "sim, eu entendo."

Umika ficou boquiaberta.

"Eu vou te contar sobre o meu pai. Ele foi um covarde, tolo e fraco," Oriko afirmou sem hesitar, "mas ele tinha planos para Mitakihara. Bons planos, que realmente ajudariam a cidade e sua população."

"Pelo o que eu sei, ele tava envolvido com lavagem de dinheiro," Kyouko disse, "isso não parece um bom plano."

Oriko respondeu, "Meu pai queria ser prefeito, mas para governar uma cidade grande como essa, não basta votos, é preciso apoio de pessoas que detém influência e poder, pessoas de negócio, lícitos ou não. Ele sabia com quem ele estava lidando, ele tinha informação privilegiada por ser um Mikuni, ele confiou na família, esse foi o seu maior erro." Ela abaixou o olhar, com nojo de suas próprias palavras. "Alguém de minha família já estava envolvido em um esquema de corrupção. Quando as investigações começaram a ficar perto demais, eles usaram meu pai como bode expiatório."

Sayaka arregalou os olhos. "E-Eles fizeram isso com um próprio membro da família?"

"Por isso que eles deram suporte e informação. Desde o princípio, eles planejaram usar ele como bucha de canhão, um sacrifício necessário." Ela voltou a olhar para Umika, novamente um olhar penetrante. "E ele aceitou, mas quando eu encontrei o corpo dele em casa, eu soube naquele momento que não faria o mesmo. As idéias dele não morreram, eu as carrego comigo, e eu não vou deixar ninguém destruir a oportunidade de elas serem aplicadas. Eu irei proteger o meu mundo a qualquer custo!"

Umika assentiu. "Eu sinto paixão no que diz, eu... sinto muito por ter tomado conclusões precipitadas."

"Não há necessidade para isso." Oriko relaxou o seu semblante. "Na verdade, eu até me alegro por haver outra mente razoável por aqui."

Kyouko falou, "Tá, belo discurso, mas eu não tô convencida quanto ao que estamos lidando agora." Ela apontou para as telas. "Olha, nós tamos falando de garotas mágicas que tão localizadas em lugar nenhum, vivendo em uma base super secreta e com armas nucleares. Vocês não acham que isso tá muito exagerado não?"

[Nem um pouco.]

A ruiva fechou os olhos em uma expressão de desgosto.

Oriko avistou um par de olhos vermelhos brilhantes nas sombras. "Então a descoberta de Akemi-san é o suficiente para você."

Kyuubey caminhou até a luz. [Eu conheço uma organização com recursos para estabelecer uma célula nesse local.]

"Organização?" Sayaka ficou surpresa.

"Célula?" Kazumi ficou confusa.

[Sim, eles são conhecidos como a Irmandade das Almas.] Os olhos da criatura brilharam com mais intensidade.

As telas chuviscaram por um breve momento antes de mostrarem um símbolo. Era um orbe dourado com bordas, e com uma metade do orbe sendo azul, com linhas brancas representando meridianos e paralelos. Conectada a borda do orbe, havia uma cruz, apontando para baixo, tudo lembrava uma gema da alma.

"'Uno sumus animo' e 'Lex dei vitae lampas'." Oriko leu o que estava escrito na borda do orbe. "Isso é latim, significa 'Nós somos de alma' e 'A lei de deus é a lâmpada da vida', respectivamente."

"Ei! Isso não é o símbolo de feminino?" Kazumi questionou.

Umika a corrigiu. "Não está exatamente de cabeça para baixo, a cruz está pendendo para um lado."

Kaoru sorriu. "Vai ver eles não quiseram deixar isso muito óbvio."

Homura afirmou, "Isso é um orbe de soberania."

"Orbe de hein?" Kyouko fez uma careta.

"É um símbolo cristão," Homura explicou, "representa o reino de Cristo, a cruz, soberano sobre o mundo, o orbe."

"Nossa..." Sayaka coçou a cabeça. "Você aprendeu isso na escola católica?"

"Ah sim, eu já vi isso como um objeto sendo segurado por monarcas, em pinturas," Oriko comentou, "eu creio que isso representa a ambição dessa organização."

Umika olhou para Kyuubey. "Então esse é um grupo com um perfil religioso?"

A criatura balançou o seu rabo felpudo. [Sim, mas não era o que a fundadora tinha em mente, isso foi incorporado depois.]

"Fundadora?" Homura semicerrou o olhar para o alienígena. "Quem é?"

[Uma garota mágica que fez contrato comigo, é claro. Ela é conhecida como Matriarca.] Os olhos Kyuubey novamente brilharam.

As telas agora mostravam a imagem de uma garota loira, pele clara e olhos cor de rosa. Com um semblante orgulhoso, ela vestia uma aparente farda militar e boina.

Olhando para aquela foto, Oriko murmurou, "Uma organização militar de garotas mágicas com perfil religioso, vindo direto dos piores pesadelos..."

"Ow Oriko," Kyouko chamou, "essa aí não é a tal loira que você andou vendo em suas visões?"

"Não tenho certeza, essa foto parece ser muito antiga." Oriko então perguntou para a criatura, "Incubator, qual é o nome real dela?"

[Irrelevante. Ela apagou todo passado dela como sendo uma pessoa comum.]

Todas as garotas ficaram surpresas.

Oriko decidiu fazer outra pergunta, "Então... Qual foi o desejo dela?"

[Ela desejou que a humanidade nunca fosse extinta.]

E as garotas ficaram ainda mais estupefatas.

Kyouko expressou isso muito bem, "Você só pode tá de brincadeira!"

Homura falou, "Não parece que esse desejo foi realizado."

[Como não?] Kyuubey mexeu seu par de orelhas pequenas. [Pelo o que eu sei, a humanidade está viva e pujante.]

Homura semicerrou o olhar.

[É melhor eu dar o contexto. Alguém sabe sobre a Crise do Caribe?]

"Caribe?" Kazumi balançou a cabeça. "Eu não vi nada no noticiário."

"Kazumiii!" Kaoru a corrigiu, "ele ainda tá falando sobre contrato que ele fez com essa garota loira. Deve ser algo antigo."

"Ah..."

Oriko indagou, "Você está se referindo a crise dos mísseis cubanos de 1962?"

[Esse foi o momento que vocês humanos mais chegaram perto de uma guerra nuclear.] Kyuubey fechou os olhos, ele parecia satisfeito. [Graças ao desejo dessa garota, alguns interruptores não foram acionados.]

Sayaka franziu a testa. "1962? Sério?"

"Essa tal de Matriarca é uma vovózinha mágica!" Kyouko exclamou.

"Eu nunca havia ouvido falar de uma garota mágica tão velha," Kazumi comentou, impressionada, "é incrível que ela ainda esteja viva."

Kaoru socou o ar. "Deve ser por que ela é muito forte!"

Acompanhando a conclusão de sua amiga, Umika perguntou, "Que tipo de magia ela tem?"

[Nas últimas vezes que a vi.] Ele reabriu os olhos. [Telicinesia de alta escala.]

Kyouko reclamou, "Traduz isso."

Mas foi Umika quem falou, "Ela seria capaz de mover a Terra para fora de sua órbita?"

Kaoru se virou para ela, com os bem arregalados. "Por que você tá perguntando algo tão insa-"

[Se houvesse uma maneira de manter a gema da alma purificada...] Kyuubey fez uma pausa antes de concluir. [Eu creio que seria possível.]

Homura engoliu seco e cerrou os punhos.

Já Oriko estava mais curiosa. "Por que você disse 'Nas últimas vezes que a vi'?"

[É algo que não consigo compreender. Assim como vocês, ela testemunhou o ciclo de esperança e desespero de uma garota mágica, e quando isso aconteceu, ela começou a fazer todo tipo de pergunta sobre mim e minha missão. Eu dei respostas satisfatórias e a relação entre nós era normal, mas anos mais tarde ela cortou contato comigo em razão da criação dessa organização.] Com a sua pata traseira, Kyuubey coçou sua longa orelha. [Ela me disse que eu seria desnecessário.]

"Desnecessário..." Oriko murmurou.

Os olhos da criatura brilharam e as telas agora mostravam o mapa do mundo. [Hoje em dia, a Irmandade cresceu, estabelecendo principalmente no ocidente. A presença deles na Austrália era conhecida, mas eu não sabia que havia uma célula localizada nessas coordenadas.]

Kyouko olhou para o mapa, mais especificamente para o seu país. "Então eles não têm ninguém no Japão?"

[Há um bom tempo atrás, eles tentaram estabelecer uma célula em Tóquio, mas eles falharam em obter membros nos grupos de garotas mágicas locais.]

Kazumi ergueu os braços e os balançou. Ao notar que havia chamado a atenção de todos, ela perguntou, "O que são essas células que vocês ficam falando? Eu só sei a que ensinam na aula de biologia."

"Base de operações," Homura respondeu, "geralmente, com uma liderança e autonomia próprias."

Kyuubey deu mais detalhes. [São centros de recrutamento, treinamento e doutrinação.]

As telas mudaram o que estavam mostrando. Agora era uma grande sala com uma quadra desportiva. Haviam dezenas de garotas vestidas com uniforme militares, com idades variadas, fazendo polichinelos enquanto uma mulher adulta as observava e fazia anotações em uma prancheta.

"Nossa!" Kazumi ficou espantada. "Olha quantas garotas!"

"E todas elas são garotas mágicas," Kaoru comentou, mais preocupada.

Preocupação compartilhada com Umika, que não disfarçou a tensão em seu semblante.

[Alguns têm outras funções, como pesquisas e experimentos.]

As garotas arregalaram os olhos, pois a tela mostrava um laboratório, com pilhas de argolas douradas no chão. Corpos de Kyuubey, ou pedaços deles, boiavam dentro de tubos cheio de líquido. Uma das criaturas estava estirada em uma mesa, com a barriga aberta e as estranhas expostas.

De repente, a imagem chacoalhou e moveu com violência, parando quando mostrou a face de uma garota bem de perto. Sua pele era pálida e seu olhar era afiado, com o olho esquerdo sendo de cor amarela e o direito sendo de cor bordô. Sob o seu olho direito, a pele tinha uma grande mancha, uma marca de nascença, vermelha e na forma de um espeto. Seu cabelo espetado era curto e cinza, e parecia estar usando uma espécie de cachecol branco envolta de seu pescoço. A garota estava mexendo o nariz, como se estivesse sentindo o cheiro de algo, então abriu a boca, revelando que seus dentes caninos eram notavelmente maiores que a média. Ela continuou a abrir a boca, que foi alargando e também foi ganhando comprimento, se tornando um focinho. Os dentes cresceram e ficaram afiados, e então imagem só era capaz de mostrar a língua gigante e a entrada da garganta antes de tudo ficar escuro.

"O-O que foi isso?" Sayaka se lembrou de Nagisa, mas aquela garota na tela não deveria ser uma bruxa.

[Ela é conhecida como Lince da Lua. Ela não tem um nome humano.]

"Essas imagens..." Umika disse, "era o ponto de vista de um de vocês, não era?"

Kyuubey balançou sua longa cauda. [Nós nunca desperdiçamos informação.]

"Experimentos," Homura disse a palavra, sentindo um gosto amargo, "o que eles estão tentando fazer?"

Oriko considerou, "Parece que eles estão averiguando do que Kyuubey é feito."

"Eles querem replicar o que ele é capaz de fazer," Umika concluiu.

A criatura respondeu. [Sim, é isso.]

Kyouko franziu as sobrancelhas. "Mas que diabos?!"

"Isso faz todo o sentido," Oriko disse, "para ter novos membros, essa organização depende do Kyuubey. Eles querem pôr um fim nisso e torná-lo 'desnecessário'."

"Se eles descobrirem como os contratos funcionam..." Umika pressionou os lábios antes proferir, "eles poderiam ser capazes de obter qualquer desejo que os favoreçam. Além disso, eles não limitariam a fazer contratos com garotas, qualquer coisa com uma alma serviria."

[Vocês não devem dar atenção a isso.] Kyuubey disse. [Elas não têm os métodos e nem as ferramentas. Depois de décadas, elas não chegaram perto de compreender o processo.]

"Talvez." Kyouko semicerrou o olhar. "Mas agora eu sei o porquê de você tá sendo tão prestativo com a gente."

A criatura piscou os olhos e ergueu seu pequeno par de orelhas.

A ruiva afirmou, "Você quer que a gente faça o trabalho sujo e dê cabo dessa organização pra você."

"O quê?" Sayaka ficou boquiaberta e olhou para o ser de quatro patas.

Não somente ela, mas as outras garotas também, todas com um olhar julgador.

Kyuubey fechou os olhos e se virou, caminhando para as sombras enquanto balançava a sua cauda.

"Incubator!" Homura o chamou.

Ele já havia desaparecido, mas a sua voz foi ouvida. [Vocês deveriam entender. Essa organização pertence a um mundo que Madoka Kaname desejou que deixasse de existir. A Irmandade das Almas e a Lei dos Ciclos jamais serão capazes de coexistir.]

E então o silêncio.

"É, ele se foi." Kyouko cruzou os braços. "E eu não acho nem um pouco que ele contou tudo."

"Não, mas é o que temos," Oriko disse.

Kaoru entrelaçou os dedos das mãos e alongou os braços. "Então o que vamos fazer?"

A loira de olhos verde oliva abaixou um pouco a cabeça, ponderando, "Eu estou pensando que devemos conversar com Kaname-san."

Homura olhou para ela com um semblante que misturava surpresa e confusão.

"Ah, que bom que mudou de idéia." Sayaka assentiu. "Esse problema tá grande demais pra nós resolvermos sem a ajuda da Madoka, ela com certeza pod-"

"Miki-san." Oriko olhou para ela. "Você consegue convencer ela a deixar este mundo?"

"H-Hã?" Sayaka ficou sem palavras.

"Essa organização tem muitos recursos, é certo de que eles estão monitorando os movimentos de Kaname-san," Oriko explicou, "e é provável que eles só irão proceder com a aniquilação da cidade se houver a confirmação de que ela ainda está aqui."

"Bem..." Sayaka balançou a cabeça, franzindo o cenho. "Eu não sei se..."

"São milhões de vidas em jogo," Oriko insistiu, "seria só por um tempo, até resolvermos isso."

"Madoka não fará isso."

As garotas olharam para Homura.

"Ela não é alguém que irá fugir e se esconder se ela acredita que pode fazer alguma coisa. E eu digo: ela sempre acredita." Homura abaixou o olhar, como se aquelas palavras fossem direcionadas para si mesma. "Eu peço que compreendam. Tendo em conta o que ela é agora, os arrependimentos dela duram para toda eternidade."

"Então essa não é uma boa idéia," Oriko concluiu, "no entanto, eu devo dizer que estou convencida de que não há um mal-entendido. Essa irmandade está bem ciente da Lei dos Ciclos e o que ela representa."

"Não, isso não faz sentido!" Sayaka exclamou, "se essas garotas mágicas sabem a verdade, por que iriam atacar?"

Oriko olhou para ela. "Miki-san, considere o seguinte: Caso você fosse líder de uma organização global, preparando o exército mais poderoso da história sob seu comando, capaz de submeter até mesmo a realidade em si. O mundo estará à sua mercê, e você abdicaria décadas de trabalho para chegar a esse ponto por causa de uma oferta de 'salvação'?"

Sayaka respondeu, sem hesitar, "Eu ao menos iria considerar. Eu iria conversar com Madoka, procurar um acordo."

"Acordo?" Oriko sorriu, e abaixou a cabeça, dizendo para si mesma, "ela não tem jeito."

Observando aquela reação, Kyouko disse, "Então esse negócio de diplomacia já era."

"Não, ainda é a nossa melhor opção." Oriko olhou para as outras garotas na sala, enquanto dizia, "em minhas visões, eu apenas vejo Kaname-san, mas eu não creio que as outras garotas mágicas vivendo na cidade não tenham sobrevivido a explosão."

Homura captou a linha de pensamento dela. "Então nós iremos confrontar os atacantes."

A loira abaixou o olhar e assentiu.

Umika cogitou, "Você não acredita que nós temos alguma chance contra eles."

"Não sabemos quantos membros são e se esses não são tão fortes como essa Matriarca," Oriko respondeu.

"A única certeza que temos é que precisamos agir o quanto antes," Homura ergueu a voz, "nós deveríamos agora discutir os preparativos para a via-"

"Wehihi... Eu acho que é esse botão..."

E uma música começou a tocar. Ela estava vindo de Homura e a garota tirou seu smartphone do bolso.

"Essa não era a voz da Madoka?" Sayaka ficou espantada.

"É o toque do meu telefone," Homura respondeu, olhando para a tela do seu dispositivo, "ela o personalizou para quando fosse o número dela, mas ela não soube usar direito e acabou gravando a própria voz. Eu pretendia apagar."

Kyouko fez um sorriso maroto. "Heh, claaaaro!"

Homura respirou fundo e atendeu o telefone. "Homu aqui." Imediatamente se dando conta do que havia acabado de dizer, ela fechou os olhos e fez uma careta, segurando a vergonha e frustação. "Eu quero dizer, é Homura quem está falando."

Mas outras garotas não disseram uma só palavra. Sayaka se inclinou para mais perto, na tentativa de ouvir a voz de Madoka na ligação.

"Não, eu estou sozinha," Homura falou, "mas eu estou na rua. Eu fui na quitanda comprar ingredientes para a nossa visita."

As Bruxas Plêiades se entreolharam, um tanto confusas.

"Mas falando sobre isso, você poderia conversar com Mami-san para que nós adiássemos essa visita? Eu não me sinto pronta para..." Homura ergueu as sobrancelhas. "Hã? Ela convidou mais uma pessoa? É por isso que você chamou?"

Oriko sorriu.

"'Aquela' garota..." Homura proferiu com ar de desgosto, mas logo começou a assentir. "Sim, sim, eu sei que ela está se comportando. Eu quero que isso dê certo tanto quanto você, eu te dou o meu apoio, você sabe disso."

Sayaka trocou olhares com Kyouko, e a ruiva deu uma piscadela.

"Madoka, desculpe, eu não fui honesta contigo." Homura segurou o smartphone com mais força. "Eu pedi para adiar, mas eu só queria mais tempo para encontrar uma desculpa para não ir. Eu sei que vou causar um desastre e..." Ela fez uma pausa para ouvir e sorriu. "Claro, Mami-san sabe das circunstâncias e eu não vou estar sozinha. Tudo acabará bem, sim, eu lhe garanto que darei o meu melhor para isso." Ela então afastou o telefone da face. "Eu estou chegando em casa, eu preciso procurar as chaves... então... nós nos vemos amanhã." Ouvindo a mesma promessa no outro lado da chamada, ela sorriu mais uma vez, e só parou quando viu na tela do smartphone que a chamada havia sido encerrada. Ela anunciou para quem estava no recinto, "Eu não posso faltar esse compromisso ou Madoka poderá desconfiar."

Sayaka balançou cabeça, incrédula. "Como você consegue ter essa cara de pau?"

"Experiência." Homura colocou o smartphone de volta no bolso.

"É, eu sei, mas isso é tão repulsivo que não tem como eu não perguntar."

Kyouko perguntou para a sua companheira de cabelo azul, "Então por que você não gritou pra que a nossa rosinha pudesse ouvir você?"

Sayaka cruzou os braços e virou a cara. "Nós ainda temos um acordo, né? Nós não vamos atacar essa organização. Alguns deles podem até saber sobre a Lei dos Ciclos, mas também deve haver muitas garotas mágicas inocentes, talvez até crianças."

Kyouko ergueu as sobrancelhas e então abaixou o olhar devido a essa súbita constatação.

Umika fez um comentário dirigido para Homura, "Então você e Madoka-san são próximas uma da outra."

A garota nem moveu seus olhos violetas, limitando-se a dar uma resposta simples, "Nós estamos em bons termos."

"É doloroso pra você, né?"

Ela olhou para Kazumi.

"Ter que mentir pra uma amiga."

Umika e Kaoru trocaram olhares, compartilhando o semblante sério e triste.

"Por ela, até a dor eu aprecio," Homura respondeu, antes de seu olhar ficar perdido em memórias.

Oriko a tirou daquele transe. "Bem, vamos terminar essa reunião e esperar. Nós podemos fazer outra para discutir essa viagem."

"Espera." Kaoru ergueu o braço. "Nós ainda temos que decidir o nome do time."

Acompanhado de um sorriso polido, Oriko franziu a testa. "Nome do time?"

"Claro! Afinal de contas, essa organização também tem um." Karou deu uma piscadela. "Com um nome, nós vamos parecer mais unidas e organizadas, eles irão nos respeitar mais."

"Hmmm..." Oriko assentiu.

Kyouko comentou. "A Mami inventou um nome pro nosso grupo, Holy Quintet. Aqui somos sete, então seria Holy... 'Se' alguma coisa?"

"Septet," Umika disse.

A ruiva ficou decepcionada. "Ah, esquece. É feio."

Kaoru veio com uma idéia. "Nosso time original, Santas Plêiades, também tinha sete membros. Nós podemos chamar o nosso grupo de As Novas Plêiades."

Kazumi fez uma careta. "Mas isso não implica que nós somos as velhas Plêiades? Eu não sei se gostaria de ser chamada de velha."

Umika foi mais sucinta. "Eu odiei."

Kaoru ergueu as mãos em sinal de rendição. "Ok, ok..."

"Nós podíamos colocar Hope no nome," Sayaka disse, "é isso que Madoka representa para as garotas mágicas."

Kazumi arregalou os olhos e apontou para ela. "Hope Conveyors!"

"Hã?" Sayaka ficou paralisada.

"Já que iremos levar a esperança para além-mar em uma missão diplomática." Kazumi ergueu o braço e exclamou, "Hope Conveyors!"

"Eu entendi o que você quer dizer," Umika disse, "mas Conveyors? Onde você aprendeu essa palavra?"

"Ehhh..." Kazumi passou a mão no próprio cabelo, um pouco acanhada. "Em um restaurante de sushi. Heheheee..."

Kaoru balançou a cabeça. "É, nem precisava ter perguntado."

"Esse nome soa bom para mim," Oriko deu sua opinião, "mais alguém?"

"Hope Conveyors... Hope Conveyors... Hope Conveyors..." Kyouko assentiu. "Meio que cola."

Sayaka deu de ombros. "Tem Hope no nome."

"Aêêê! Tá decidido!" Kazumi pulou do sofá. "Hope Conveyors!"

Kaoru também ficou mais excitada. "Legal, agora nós devíamos inventar umas poses."

"Ei garota..." Kyouko franziu as sobrancelhas. "Tu acha que eles vão nos respeitar se fizermos poses na frente deles?"

"Não! Haha!" Kaoru gesticulou. "Isso só pra ajudar a gente ficar mais unida."

Umika falou, "Seria bom se nós conhecêssemos melhor o que cada uma é capaz de fazer."

"É!" Kazumi levantou a voz, "nós podíamos criar alguns ataques combinados!"

"Isso requer treino," Umika afirmou, "eu não acho que temos tempo."

Kazumi insistiu, "Mas já podemos bolar alguns nomes, não podemos?"

"Nossa!" Sayaka comentou, "vocês parecem com a Mami-san."

Em meio aquela acalorada discussão entre as garotas, Homura se sentia deslocada.

[Que bom que elas estão alegres, não é? Assim elas questionam menos.]

Ouvindo Oriko, Homura olhou para ela pelo canto do olho.

[A situação está parecendo mais grave a cada dia que passa, mas nós já lidamos com coisas piores. Então tome o seu tempo e aproveite os momentos com ela.]

Ainda ouvindo ela, Homura olhou para uma das telas flutuantes. Uma imagem estática de Madoka apareceu.

[É como ela disse, você não está sozinha dessa vez. Vamos proteger o nosso mundo, juntas, e tudo acabará bem.]


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