Eu abro os olhos, para mais uma manhã de verão. Eu deixo a cama e vou até o criado-mudo, ainda havia água na jarra. Eu encho a vasilha e lavo o meu rosto defronte ao pequeno espelho na parede. O meu rosto está melhor hoje, eu tive paz na noite passada.
Fico de frente para a cruz ao lado do espelho, um presente que a minha família me deu quando escolhi esse caminho. Faço as minhas orações antes de trocar as minhas roupas.
É preciso preparar o desjejum da manhã para mim e o padre, assim como para os necessitados. Como de costume, antes de começar essa tarefa, eu vou visitá-los para ver como estão.
Adjacente à igreja há uma casa que funciona como uma enfermaria e casa de repouso. Pessoas com doenças que não podem pagar por um tratamento, ou pessoas idosas que as famílias não podem mais cuidar, são os principais frequentadores. Não são muitas pessoas, nós não podemos fazer muito, mas ainda é uma tarefa árdua. Eu havia sido enviada pelo convento para essa experiência e provação, para que eu futuramente fosse digna para tornar-se uma esposa de Cristo.
A tarefa está mais leve ultimamente, pois há alguém muito especial. Claire é um pequeno anjo, acamada devido a febre tifoide. Os pais delas podem pagar os remédios, mas, para isso, ambos trabalham o dia todo e não podem olhar por ela.
Eu cumprimento cada pessoa na casa e logo encontro o que esperava: o grande sorriso da criança ao me ver. É grande a minha felicidade em ver que ela parece melhor. Eu pergunto, "Você dormiu bem essa noite?"
A criança fala alto, "Sim, irmã Luci."
Eu ainda sou uma noviça, eu já havia explicado para ela, mas de nada adiantava. Eu mantenho o meu sorriso e falo, "Isso significa que o remédio está surtindo efeito. Continue tomando certinho e logo voltará para o seu lar."
"Ah..." Claire faz um beiço. "Mas aí você não vai mais vir para me ver."
"Mas aqui não é um lugar para uma criança ficar," eu respondo e logo pergunto, "você está com saudade de brincar, não está? Dos seus amigos, dos seus pais. Você vai poder me ver quando vier para a missa."
Claire começa a mover os lábios de um lado para o outro, era o jeitinho dela quando não tinha argumentos.
Passo a mão na testa dela para ver se ela estava febril, enquanto olho na pequena mesa ao lado da cama. A jarra de água estava quase vazia, sinal de que ela havia tomado bastante, mas ainda havia mais da metade do pão. "Você não comeu o pão de ontem?"
Claire fala baixinho, "Eu não consegui."
"Está com dor de barriga?" Eu pergunto.
Ela balança a cabeça.
"Você tem que comer," eu digo, sendo bem séria, "nem que eu tenha que pôr a comida em sua boca."
A criança suspira e diz, "É que eu não quero sujar os lençóis de novo..."
Eu trago, com a ponta do pé, uma vasilha que está sob a cama. Ela está vazia. "Mas você está conseguindo ir sozinha na toalete, não está? Eu posso pôr uma fralda em você novamente."
"Eu não quero fralda!" Claire levanta a voz.
Eu cruzo os braços ao entender tudo. "Então é disso que você tem medo. Você não precisa se preocupar, você está melhor agora."
Claire continua emburrada.
Eu já conheço o remédio para isso. Eu me inclino para ela e sussurro, "Você vai querer pasta de amendoim no café da manhã? Ainda tem um pouco."
A face da criança imediatamente muda para o maravilhamento.
"Mas você vai ter que comer com esse pão." É uma forma de punição, eu sei que o pão já devia estar seco e duro.
Claire olha para o pão, ela devia saber também. Mesmo assim, ela assente.
"Estamos combinadas." Eu sorrio, mas então olho para a janela aberta atrás da cama. Um carro estava vindo pela estrada, levantando uma trilha de poeira. Quando ele chega mais perto, eu consigo ver que ele tem cores militares. Quando não consigo mais vê-lo pela janela, eu passo a prestar a atenção no som. Eu sinto que o carro passa na frente da casa e logo para. Meu coração aperta.
"Irmã Luci?"
Eu olho para Claire. Ela está curiosa e eu percebo que meu sorriso havia ido embora.
"Quem é?" A criança pergunta.
Ela é uma anjinha muito esperta e havia percebido o que havia chamado a minha atenção. Eu tento dar o meu melhor sorriso. "Parece que temos uma visita surpresa. Eu vou procurar pelo padre e depois... Café da manhã com pasta de amendoim!"
Claire levanta os braços, feliz. "Êêêêba!"
Eu faço um último aceno com a cabeça para ela e me apresso para sair da casa. Eu entro na igreja pela porta lateral e caminho até a entrada principal.
As grandes e pesadas portas de madeira estão um pouco abertas. Eu fico parada, bem perto delas, e consigo ouvir vozes vindo lá de fora. Eu consigo reconhecer a voz do padre, mas não consigo discernir o que eles estão conversando. Pela pequena abertura eu não sou capaz de ver nada e não vejo escolha a não ser abrir mais.
Então eu vejo o padre perto do carro, conversando com homens com uniformes militares. Um deles é claramente um oficial, com um chapéu sofisticado, os outros dois são soldados, portando rifles e capacetes.
Um dos soldados olha para mim. A face dele ainda é de um garoto, ele só pode ser apenas alguns poucos anos mais velho do que eu, talvez até temos a mesma idade. Ele me cumprimenta, puxando a aba de seu capacete.
Meu coração acelera.
"Lucinda!"
E meu coração acelera ainda mais quando ouço o padre. Ele, assim como o oficial, está olhando para mim.
"Volte para dentro."
Eu fecho a porta rapidamente e permaneço dentro da igreja, orando e esperando. Quando há homens em uniformes militares envolvidos, as notícias podem ser muito ruins.
Logo ouço o som do carro partindo e o padre entra na igreja. Eu pergunto, sem esconder a minha aflição, "O que aconteceu? O que eles disseram?"
Ele é diferente de mim, um homem velho com uma voz calma. "Eles querem mais mãos para ajudar no navio hospital deles."
Eu acabo presumindo. "Então, nós..."
"Não, Lucinda," o padre diz, "eu disse a eles que nós estamos muito ocupados, já temos muitas pessoas para cuidar."
Eu não entendo por que ele mentiu. "Mas se alguém vem até nós para pedir ajuda, nós sempre buscamos fazer algo, mesmo que seja pouco."
O padre afirmou, "Cuidar de pessoas doentes ou velhas é diferente de ferimentos a bala."
Eu balanço a cabeça, ainda convencida de que aquilo não era certo. "Eu sei estancar sangramentos, limpar feridas, fazer curativos. Nós podemos salvar vidas."
"Nós não vamos nos envolver nessa guerra!" O padre levantou a voz.
Eu fico surpresa com a reação.
Ele diz, "Nós não ajudaremos homens que estão matando uns aos outros."
Nós estaríamos salvando vidas, eu continuo a não entender a posição do padre. Então eu o vejo tirar os óculos e limpar a poeira que estava nas lentes, algo que eu sei que faz quando está nervoso com algo, algo que ele está escondendo de mim. Eu tento deduzir pelo o que eu sei, "Isso é por causa que os japoneses estariam perto da costa?"
"Então, até você ouviu isso." Ele sorriu enquanto colocava os óculos de volta. "Isso são rumores para impressionar jovens como você. É assim que o exército consegue novos recrutas."
Não, não poderia ser só isso. Eu digo, "Há famílias inteiras deixando a cidade."
"Deus os abençoe." O padre retorna até a porta. "Eu não estarei para o café da manhã."
"Para onde você vai?" Eu pergunto.
"O farmacêutico. Eu pedi para ele reservar alguns remédios que está em falta aqui. Os militares estão tomando tudo!"
Eu o vejo partir, sentindo que aquela foi a forma que ele encontrou para encerrar o assunto. Eu paro de pensar nisso e vou preparar o café da manhã, com pasta de amendoim.
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É noite, a única fonte de luz em meu quarto são as estrelas no céu visível através da janela aberta.
Com a minha visão acostumada com a escuridão, ajoelhada ao lado da cama, eu rezo. Meu coração está pesado, a guerra está cada dia mais presente em nossas vidas, ela continuava a crescer, ameaçando devorar o mundo inteiro, devorar o sorriso da Claire.
Eu sussurro, "Deus, o que vossa serva pode fazer? Esse conflito é tão grande e vasto, e minhas ações parecem tão pequenas e insignificantes."
[Você pode fazer um desejo.]
Ele está aqui. Ele voltou para me atormentar. Eu olho para a janela e vejo a sombra da cria do inferno, com o seu par de olhos vermelhos brilhantes.
Ele pula e aterrissa na cama. [Considerou melhor a respeito do que eu disse a você?]
Eu me levanto e recuo. Ele pode parecer um pequeno animal, mas o mal tem muitas formas. "Saia, demônio! Eu disse que eu não queria te ver nunca mais."
Ele pende a cabeça de lado, mas face a dele nunca muda, isso é algo que me aterroriza. Ele diz, sem abrir a boca, [Ainda insistindo com isso? Eu não sou um demônio, eu sou Kyuubey, um arauto da magia.]
Eu pego a cruz que está na parede e me abraço ela. Apenas Cristo para me proteger daquilo. "Um demônio, portanto."
Ele balança seu longo rabo felpudo. Ele tenta ser 'fofo', mas é frio. [Você não é primeira garota que me confundiu com outra coisa. Já houve garotas que pensaram que eu era um anjo.]
"Você as enganou, é a sua natureza," eu respondo, a cruz me aquece, Deus me dá forças.
[Eu não minto e demonstrarei isso compartilhando para você algo que eu normalmente evito a princípio. Eu não sou um demônio, nem um anjo, mas é verdade que não sou desse mundo.] A criatura de pêlo branco olha para o céu estrelado. [Eu já observei você apreciando essas estrelas. Eu venho de um mundo distante, que orbita uma delas.] Ele volta a olhar para mim. [Você está ciente que vive em um planeta? Que a sua espécie a chamou de Terra.]
"Eu sei ler," eu respondo, me sentindo até ofendida, "eu já li estórias de fantasia sobre isso."
[Não é fantasia, mas você deve acreditar que um deus criou esse mundo, 'partindo as águas' em duas partes e colocando um 'firmamento' para mantê-las separadas, uma espécie de domo.]
Eu respondo, cheia de convicção, "Ele criou tudo."
[A bíblia não menciona que ele criou outros mundos. Nós lemos ela, assim como tudo que a humanidade escreveu, para entendermos vocês melhor. Ainda assim, é muito difícil compreender o conceito de deus, é algo único em sua espécie, e essa foi a chave para descobrirmos uma forma de compensar a entropia.] Os olhos da criatura parecem estar brilhando mais. [Quando chegamos a esse mundo, ainda não havia civilizações. Nós observamos os seus comportamos, como vocês humanos reagiam diante dos fenômenos. Ao invés de pesquisar por uma explicação razoável, como outras espécies no universo fazem naturalmente, vocês atribuíam a causa a um ser, baseado em algum animal ou em vocês mesmos, davam um nome e histórias a essa invenção, e começavam a adorá-la. A princípio, nós acreditávamos que essa loucura simplesmente impediria o progresso e sobrevivência de sua espécie, mas então notamos que ocorria fenômenos impossíveis ou improváveis, o que vocês chamam de milagres, com uma grande frequência. Nós identificamos que eles eram mais comuns onde havia uma forte adoração, onde havia uma grande quantidade de fé, e a base da fé são as emoções...]
O que é aquele discurso? Ele fala e fala... Eu sinto compelida em tapar os meus ouvidos, mas eu me lembro que isso não funcionou nas outras vezes.
Ele finalmente pergunta, [Por que você acredita que o universo é resultado do trabalho de um ser inteligente? O que criou deus?]
Isso é algo que eu entendo. "Deus não é criatura, mas criador. Ele é o Pai eterno, Ele sempre existiu."
[Uhum...] Kyuubey abana o seu pequeno par de orelhas. [Partindo desse princípio, então eu afirmo que o universo não foi criado, ele sempre existiu. Ele não é imutável, no entanto, e chegará o tempo em que nada complexo poderá existir dentro dele. Como um outro universo não pode ser criado, então não se pode medir esforços e recursos para mantê-lo como está.]
Ele volta a dizer coisas sem sentido. Ele quer me enlouquecer? Eu fico atônita. "Pare com essas blasfêmias!"
[Eu posso sentir a energia de sua fé, não é coincidência que você tem potencial, mas você terá que trazer provas de que minha crença está errada.] Ele continua a falar. [Veja, os estudiosos de sua espécie sempre estão tentando demonstrar a existência do divino. Um bom exemplo é Tommaso d'Aquino e seus argumentos conhecidos como 'Cinco Caminhos'. Cada raciocínio termina com a conclusão de que há algo que se possa se chamar deus. Muito pretensioso, mas que demonstra o quão perto a humanidade está perto de entender. Por que não admitir que deus é apenas um rótulo atribuído ao universo?]
"Pare! Pare, pare, pare... pare..." Eu vou ao chão. Eu estou perdida, como Cristo no deserto. Porém, todas vezes que o diabo O tentou, Ele tinha uma resposta. Eu não tenho nada, eu não entendo nada. Deus me protege, mas eu não consigo fazer o mesmo por Ele. "Pare... pare... pa... re..."
[Parece que isso foi demais para você. É por essa razão que eu evito expôr toda a verdade de uma vez.] Ele continua a me atormentar. [O que eu quero dizer é que apesar da idéia de deus não ser mais do que uma desilusão sem fundamento, milagres são fenômenos reais, e um pode acontecer agora mesmo se você fizer um contrato comigo e se tornar uma garota mágica. Você só precisa desejar.]
Eu não olho mais para ele, eu mantenho a minha face contra o chão.
[Se não pode fazer isso agora, não há problema. Eu estou saindo, mas eu devo ver você em breve.]
Eu não consigo sentir ele deixar o meu quarto, mas agora há silêncio. Mesmo assim, eu me mantenho deitada no chão, rezando, a noite toda se for preciso.
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"Você foi tentada por um demônio?"
Eu estou no escritório do padre e confessei. Eu já esperava pela surpresa dele. "Isso ocorre já por um tempo. Ele não aparece todas as noites, mas é muito persistente. Além de blasfêmias, ele quer me mudar, me desviar de Deus, eu sinto isso em cada pêlo do meu corpo.
"Entendo..." O padre assente com a cabeça.
Eu começo a me sentir mais aliviada. "Eu estava com tanto medo de você achar que eu estou louca. Eu estava com medo de te contar, mas eu não sei mais o que fazer. Você talvez sabia algum rito, alguma reza, mesmo que você não seja um exorc-"
O padre faz um gesto com a mão para que eu parasse de falar. Ela não está mais olhando para mim, coçando a sua testa enquanto parece estar pensando muito. "Antes de tudo, eu gostaria de saber se durante esses momentos de tentação você sentiu... calores."
"É verão." Eu fico abismada, mas busco me conter. Eu confesso a ele que estou sendo atormentada por um demônio e ele me pergunta sobre trivialidades!
"Uhum." Ele remove os óculos para limpar as lentes.
Eu espero pacientemente.
Quando ele põe os óculos de volta, ele revela, "Eu esperava te contar isso mais tarde, mas eu vejo que tem que ser agora. Eu enviei uma carta para o convento."
"Oh..." Isso me traz boas lembranças, mas também me deixa preocupada. Era raro para o padre enviar uma carta para lá, pois era distante e a resposta leva tempo, só pode ser algo importante.
O padre está bem sério quando diz, "Você vai voltar para lá."
Meu coração parece que desaba em meu estômago. "O-O que foi que fiz de errado?"
"Não, não!" Ele balança a cabeça. "Você fez uma ótima contribuição aqui em Darwin. Eu só coloquei elogios na carta, estou certo de que você será uma excelente freira."
Eu continuo sem entender. "Mas eu deveria permanecer aqui por ao menos mais um ano. O convento não irá-"
"Lucinda," ele me interrompe, "essa guerra, esses homens... Isso não está sendo uma boa influência para você. Você acabou de me confessar isso agora!"
Então é isso. A guerra estaria me afetando? Eu me dou conta que o demônio tem as cores da bandeira japonesa. Poderia ser uma alucinação devido ao medo e stress?
O padre conclui, "Nesses tempos difíceis, você precisa estar segura em um lugar recluso para meditar e orar. Ainda deve levar mais de uma semana para receber uma resposta do convento, você seguirá a sua rotina normalmente durante esse tempo."
Eu não tenho nada para protestar, ele está certo. E mesmo se ele estivesse errado, o convento seria o lugar ideal para me guardar da influência demoníaca.
"Vamos ver os outros, nós temos que continuar o trabalho de Deus."
Eu sigo o padre até a casa ao lado da igreja.
Claire, ao me ver, já anuncia, "Irmã Luci! Eu comi o pão inteiro."
"Muito bem." Eu sorrio, mas sinto uma angústia. É claro que ela irá ficar bem e sair em breve, mas, ao contrário do que eu havia dito, ela não poderá mais me ver. Eu tenho que encontrar a melhor forma de contar isso para ela e desfazer essa mentira involuntária.
Minha preocupação é sobrepujada pelo som repentino das sirenes da cidade. Eu troco olhares com o padre.
Ele suspira, mostrando estar mais incomodado do que qualquer outra coisa. "Outro treinamento, vamos levar as pessoas até a adega."
Eu vou até a Claire. "Nós temos que ir."
A criança já estava deixando a cama. "É a sala cheia garrafas de novo?"
"Sim."
Ela reluta. "Eu não gosto de lá. É tudo fechado e tem aranhas."
Eu seguro a mão dela, esperando transmitir coragem. "É por isso que é um lugar seguro, ninguém vai nos encontrar."
Claire olha para mim, olhos de inocência. "Nem os meus pais."
"Eles também estão indo se esconder." Eu preciso sorrir. "Até que tudo volte ao normal."
Ouço um forte som, distante, mas o medo que senti não me deixava dúvidas, era uma explosão. Logo depois, rajadas de tiros. Eu olho para o padre.
Ele está com os olhos bem abertos, é a primeira vez que o vejo assustado. Ele sai desse estado e levanta a voz, "Rápido!"
As pessoas se apressam, algumas pedindo pela proteção de Deus. Eu também rezo por isso silenciosamente, enquanto seguro firme o braço de Claire para guiá-la. Ela está chorando de medo.
Deus! A guerra chega até nós, com sons de motores vindos do céu. Mais alto, mais perto, logo parece vir de todos os lugares.
Gritos e choros, são muitas pessoas querendo sair pela única porta da casa. A adega fica na igreja, agora parece estar longe demais, mas eu não desisto, pois tenho a vida de uma criança em minha mão. As janelas são uma alternativa, eu puxo Claire pelo braço e
Dor.
Eu abro os olhos. Cheiro de terra e fumaça, algo está queimando. Eu me dou conta que estou caída no chão, eu tento me mover, mas não consigo. Há algo pesado pressionando o meu corpo, é difícil respirar.
Eu ouço tiros, motores, todos agora tão distantes. Eu olho para o céu, mas só consigo enxergar nuvens pretas. Onde está o teto? Os escombros em minha volta me fazem lembrar.
Claire.
Minha mão está vazia. Eu não sei onde ela está, eu me esforço para rastejar, mas a dor continua piorar. Minha cabeça lateja, um líquido quente flui pela minha face, estou exausta.
"Claire..." Eu não tenho fôlego suficiente para gritar. Eu abro bem os olhos, quero me manter alerta para procurar.
Então eu vejo.
Sob escombros perto de mim, há uma poça de vermelho vivo contrastando com o chão preto de fuligem. Na poça havia um braço, que à primeira vista parecia mais com um pedaço de madeira queimado. A mão era pequenina, como a de um anjo.
Eu tento me arrastar de novo, sem sucesso. Está perto, tão perto. Eu me estico o quanto posso, eu quero segurar aquela mão, eu quero pedir desculpas por tê-la soltado. Eu quero...
[Isso é inútil, ela está morta.]
Logo que eu ouço a voz do demônio, ele pousa na minha frente, seu pêlo branco escurecido pelas cinzas. Ele deve estar se sentindo em casa.
[Eu não tinha certeza se você acordaria, mas, enquanto estivesse viva, eu fiquei aguardando.]
Eu evito olhar para ele. Eu quero entregar a minha alma para Deus, mas não é chegada a minha hora.
[Esteja certa de que estás prestes a morrer. Suas pernas estão em chamas, mas você não sente, pois sua espinha foi esmagada, assim como o seu abdômen. Aliás, isso é a única coisa que mantém você viva. Mesmo se alguém aparecer agora, nada poderão fazer, pois se eles removerem esses escombros, você sofrerá uma hemorragia catastrófica e morrerá em segundos.] Ele não para de falar, [A única forma de você sobreviver é fazendo um contrato comigo e se tornar uma garota mágica. Apenas faça um desejo.]
Eu junto meu fôlego para dizer, "Eu não quero..."
[Lucinda Gray Turner.]
Eu olho para ele. Eu não devia estar surpresa, mas ele dizer o meu nome completo é aterrorizante.
[Eu não entendo. Você ainda está aguardando por uma intervenção divina? Esse lugar é supostamente sagrado, mas as suas crenças não protegeram vocês das coisas concretas, como as bombas.] Ele está tão perto que eu enxergo o meu reflexo nos olhos vermelhos dele. [Ninguém se lembrará da sua fé quando a entropia fizer a derradeira tomada da sua carne e ossos. Você realmente quer desperdiçar a sua alma dessa forma?]
Ele diz muitas coisas erradas e estranhas, mas ele tem razão em algo. Eu quero fazer a diferença. Morrendo agora, eu não seria diferente de um natimorto.
[Deuses não fazem milagres, pois eles não existem, mas você pode fazer um.]
Milagres. O que é um milagre para um demônio? Eu pergunto, "É possível desfazer o que aconteceu? Claire pode viver de novo?"
A criatura acena com a cabeça. [Sim, isso é possível.]
Trazer eles de volta a vida, para morrer de novo nessa guerra? Sórdido, é o que demônio espera de mim. Então, eu pergunto, "Eu posso pôr um fim nessa guerra?"
[Você pode desejar isso.]
Mas isso resultará em nada. Eu não sei muito sobre essa guerra, somente de que ela começou na Europa, pôr um fim a ela pode acabar começando outra. Eu não entendo os corações dos homens, apenas Deus pode. Apenas Deus...
[Eu vejo que você decidiu o que quer.]
O demônio é frio, mas muito sagaz quanto ao meu semblante. Eu estou determinada. Se há alguma verdade no que ele diz, eu irei fazer diferença, mesmo que eu morra logo.
O demônio estende o seu longo par de orelhas para a minha direção, como se fossem braços. [Se não puder mais falar, você pode comunicar através dos seus pensamentos. Faça o seu desejo.]
Eu ainda tenho fôlego. "Eu desejo..."
O ar entre mim e o demônio parece se agitar. O pêlo dele balança e há um leve brilho.
"Você..." Porém eu não tenho mais medo. "E todos da sua laia. Eu quero que vocês todos acreditem em DEUS!"
Uma luz me cega, mas posso ouvi-lo claramente. [Esse desejo... Você tem idéia do que fez?]
Eu não posso responder, pois uma dor cresce de repente em meu peito. "IIIIÁÁÁÁÁUGHHHhhh..." Eu grito sem controle, pensando que é o meu coração, mas então a dor é arrancada de mim.
[Isso contém mais energia do que o esperado.] o demônio comenta. [A fé tem tanto poder... Talvez haja algo que explique isso. Sob essa perspectiva, vale a pena considerar deus em teoria, já que humanos tem tamanha intimidade com tais entidades.]
Eu não sinto mais dor e os escombros sobre mim parecem estar mais leves. Eu não entendo metade do que ele diz, mas o meu desejo parece ter surtido efeito. Deus está olhando por mim, eu sabia, Ele está me abençoando por ter feito a escolha certa.
Por Claire, pelo padre, e por todos que estão com Você em Sua glória, eu tenho que ter feito a escolha certa.
Eu tenho que ter.
Agnus Dei
"Você não consegue virar mais essa câmera?" Generalíssima questionou.
Invasora balançou a cabeça. "Não tem como. Ela não foi colocada ali para observar o lado de fora, já que está quase sempre fechado e é uma caverna escura." Então, ela sugeriu, "eu posso me infiltrar na imagem da câmera e ver o que está acontecendo. A gravação não tem som, então não vou poder ouvir nada, infelizmente."
"Não faça isso," Generalíssima disse, "poupe sua magia, você irá precisar."
"Mas que droga!" Revenante reclamou, "por que elas não invadiram ainda? O que essas bruxas tão esperando?"
Sortuda, muito tensa, cogitou, "Vai ver que Madre tá contando pra elas sobre quantas de nós há aqui e nossas habilidades."
"Isso não faz sentido," Generalíssima discordou, "Madre poderia usar telepatia. Ela teria contado tudo antes mesmo de ter chegado ao portão."
"O que for que ela esteja fazendo, a gente deveria agora mesmo ir lá e acabar com essa corja." Um flash de luz branca e Revenante estava em seu traje de garota mágica. "O que você acha?"
A pergunta foi direcionada para Generalíssima, mas foi Invasora quem respondeu, "Pode ser uma armadilha."
"Sim, pode ser," Generalíssima concordou e ponderou, "com Madre, nossos inimigos sabem muito bem do que nós somos capazes de fazer, enquanto nós sabemos quase nada sobre eles. Eles podem estar esperando nós fazermos o primeiro movimento sob essa desvantagem."
Sortuda puxou suas orelhas de coelho, com pesar. "Então, nós ainda vamos esperar..."
Sem esconder o seu descontentamento, Revenante bufou e cruzou os braços.
Invasora mantinha seu foco na imagem da câmera de segurança, buscando observar qualquer movimento.
Enquanto isso, Generalíssima enviou uma mensagem telepática. [Madre, nós vimos tudo. Você deve ter um plano, mas não vai importar. Eu estou triste que é você, no entanto, eu vou deixar claro: eu te matarei, pessoalmente.]
/人 ◕‿‿◕ 人\
Na caverna, as garotas não tinham idéia de como reagir diante da súbita aparição do túnel e da mulher com armadura.
A única exceção era Oriko, ela passou as instruções para as outras telepaticamente. [Minha visão recente chega até a esse ponto. Portanto, não façam atitudes precipitadas ou movimentos bruscos. Além disso, tenham faces amigáveis, por favor.]
A mulher ainda sorria, mas a cada segundo que passava ele parecia ser mais forçado.
Oriko tomou a iniciativa, se curvando um pouco. "Eu sou Oriko Mikuni. Peço perdão por nossa visita inesperada, nós não viemos com intenções hostis. Eu gostaria de perguntar se você seria membro da Irmandade das Almas."
"Sim, eu sou." A mulher assentiu. "Você pode me chamar de Madre."
Homura tinha alguma noção de inglês, muito devido a necessidade de ler manuais de armas no passado, mas aquela conversação estava além de sua capacidade, ambas as partes falavam rápido demais.
Ela é nativa? O inglês dela é mais nasalado do que estou acostumado a ouvir. Oriko expressou um sorriso maior. "'Madre', certo? Agradeço pela sua cordialidade em nos atender, nós não tínhamos certeza se seriámos bem recebidas devido a... algumas circunstâncias. É sobre essas circunstâncias que eu gostaria de ver seus outros membros para discutir e resolver possíveis mal-entendidos."
"Mal-entendidos, claro." Madre não retribuiu o sorriso, ele se foi. "Antes disso, eu preciso perguntar se vocês são bruxas."
Oriko paralisou.
Ainda que as outras garotas não entendessem a língua, elas notaram a reação da loira e ficaram preocupadas.
"É natural que pergunte." Oriko relaxou sua postura. "E, sim, nós todas somos, eu não irei mentir. Contudo, eu também devo dizer que nós não somos as bruxas que nós todas, garotas mágicas, caçávamos."
"É, você são muito mais do que meras bruxas." Madre mudou sua postura, suas mãos não estavam mais juntas.
Oriko arregalou os olhos.
Muitos escudos, de diferentes tamanhos, formas e materiais, surgiram de uma vez atrás do grupo de garotas, formando uma parede alta.
Kazumi resumiu sua surpresa, "Eita preula!"
[Não reajam! Não invoquem suas armas! Ela está apenas nos testando.] Oriko explicou o mais rápido que pôde. [Se tentarem algo, ela irá colapsar toda a caverna. Nossa única forma de escapar é pelo túnel, mas não conseguiremos passar por essa mulher, eu tenho certeza disso.]
O metal da armadura de Madre começou a emitir um ameaçador brilho vermelho.
Homura, lentamente, foi colocando sua mão atrás de si, com o intuito de conjurar uma ampulheta.
[Deixe a sua mão aonde ela possa ver, AGORA!]
A súbita demanda de Oriko em sua mente interrompeu os seus planos. Homura também reparou que a mulher com armadura estava olhando na direção dela.
Kyouko rangeu os dentes. [Isso é mais uma de suas visões, Oriko? Pois tá parecendo mais que ela vai nos enterrar de qualquer jeito.]
[Minha conversa com ela ainda não acabou.] Oriko respirou fundo para se recompor.
Enquanto a armadura brilhava em carmesim, Madre não fazia nenhum movimento, como se estivesse aguardando por um momento derradeiro.
Oriko se curvou mais dessa vez. "Eu sinto muito por ter superestimado sua confiança em nós. Você tem todo o direito de duvidar de tudo o que eu falei, mas reitero que não queremos fazer mal algum. Qual tipo de evidências você aceitaria para provar de que estou sendo honesta?"
"Há evidências?"
"Hã?" Oriko voltou a olhar para mulher, o tom da pergunta dela estava carregado de anseio.
"Estou aqui arriscando a minha vida, pois busco a verdade," Madre disse, "eu não consigo mais confiar nas declarações das outras irmãs. Eu não as culpo, pois nós todas estamos sendo guiadas pelo medo desde que essa crise começou."
"Entendo..." Oriko trouxe a mão ao peito. "Então, como evidência, eu compartilharei contigo a razão de termos vindo para cá. Nós sabemos que vocês pretendem lançar um ataque contra uma cidade."
Madre franziu o cenho.
Oriko continuou, "vocês a destruirão com uma explosão e matarão milhões."
"O-O que... Como..." Madre ficou boquiaberta e sua armadura perdeu seu brilho mágico.
Vendo aquilo, Sayaka comentou para Kyouko. [Oriko é boa na diplomacia. A mulher parece que não vai mais nos atacar.]
[Sei não.] A ruiva com rabo de cavalo não estava tão convencida. [Ela parece estar muito assustada.]
"Vocês..." Madre estremeceu por um momento. "É por isso que senti uma certa familiaridade em suas faces. Vocês são as garotas mágicas de Mitakihara!"
O olhar de Homura cresceu e ela consultou Oriko, "Ela mencionou Mitakihara?"
"Quieta!" a loira respondeu de forma ríspida e contundente.
Homura olhou com rancor para ela, mas não proferiu mais nenhuma palavra.
"Como vocês souberam tão rápido?" Madre balançou a cabeça. "C-Como vocês nos encontraram?"
"Minha magia me permite ver o futuro," Oriko afirmou.
"Você consegue?" Madre engoliu seco.
A loira assentiu. "Você é experiente, não está surpresa com isso, bom. Eu quero que você acredite que eu estou sendo a mais honesta possível. Eu vi o que irá acontecer e estamos aqui para prevenir esse massacre de forma pacífica, pois acreditamos que isso está sendo planejado devido a um engano."
"Não! Você que está errada," Madre levantou a voz, "nós não vamos explodir a cidade, esse não é plano! Nós... A Irmandade das Almas protege a humanidade, nós jamais faríamos isso! Jamais!"
[Isso é ruim. Ela tá ficando bem agressiva.] Kaoru comentou.
Fazendo uma cara de preocupação, Kazumi respondeu. [Eu não quero ser enterrada!]
Umika não disse nada, mas a sua mão estava pronta para conjurar o seu livro.
Oriko inquiriu, "Madre, é você que está planejando esse ataque? O liderando?"
"Não, mas..." A mulher não terminou a frase, ficando boquiaberta, seus olhos inquietos denunciavam uma epifania, mas ela logo balançou a cabeça freneticamente, como se quisesse remover aquela idéia com força. "Não! Isso não é possível! Nós não somos capazes disso, e ela não planejaria isso. Ela não é esse tipo de pessoa."
"Madre!" Oriko insistiu, "Você tem uma líder, não é? Me deixe conversar com ela, vamos resolver isso."
No entanto, Madre a ignorava, perdida em murmúrios, "Só se... Matryoshka... não, não! Isso é sórdido demais."
Sayaka fez um novo comentário para a sua companheira ruiva. [Ela está tão perturbada... O que a Oriko andou dizendo?]
[Sei lá.] Kyouko respondeu. [Eu agora tô mais preocupada com a outra mulher.]
[Outra mulher?] Sayaka franziu a testa.
[É, ali no túnel. Alta, cabelos brancos, pele meio escura, mais jóias do que roupa, com cara de puta convencida... Ela me cheira a problema.]
Sayaka forçou a vista. [Do que você está falando? Não tem ninguém lá.]
Kyouko olhou para ela, um tanto aborrecida. [Tá fingindo ser cega agora? Ela tá, tipo, ali! Justo ali!]
"Me leve contigo!" Oriko implorou, "apenas eu, as outras garotas permanecem aqui na caverna. Se você está se arriscando tanto pela verdade, então eu posso fazer o mesmo para que tenhamos um desfecho pacífico."
Ainda bastante abalada, Madre olhou para ela. "Eu não sei se eles... nng..."
Oriko estranhou. "Madre?"
A mulher não respondeu, o corpo dela estava duro. "gnnnn..." Então ela começou a levitar.
"O que tá acontecendo?" Kaoru foi a primeira se manifestar diante daquilo.
"Mikuni-san," Homura perguntou, "o que vocês estão conversando? Você que está fazendo isso?"
"Não, não é eu." Oriko balançou a cabeça. "Eu... Eu não s-"
"GGGNNNNAAAAAAAAUUUGGGHHHH!" Um grito gutural de Madre, enquanto seus braços se abriram e foram estendidos ao limite, fazendo que o corpo formasse uma cruz. Depois, sem nenhum aviso, a armadura peitoral dela estourou.
Uma torrente de sangue e tripas foi aspergido sobre as garotas atônitas.
"Ah... Ahh..." Kazumi olhou para o seu uniforme ensanguentando, horrorizada ao ver um pedaço de pele com pêlo ruivo grudada em seu peito. "KKYYAAAH!"
Um grande buraco surgiu no torso de Madre, ao ponto de ser possível ver o outro lado. Sangue com volume escapava pela boca, narinas, e até pelos ouvidos da mulher, ainda assim, ela não havia perdido a consciência. Ela não estava mais gritando de dor, seus olhos vidrados em uma direção.
Oriko não sabia para onde aquela mulher estava olhando, ainda muito distraída com todo aquele sangue sobre si.
Madre então falou por telepatia, já que não tinha mais um diafragma para isso. [Eu fui uma tola e baixei a minha guarda.]
Oriko já temia essa reação. "Não! Nós não fize-"
[Então essas são as suas verdadeiras formas, bruxas. Monstros, vocês são apenas isso. Monstros!]
"Ela está me ignorando..." Oriko franziu as sobrancelhas. "Ela... Ela nem sequer está olhando para nós."
Homura conjurou uma ampulheta em uma das mãos e um grande alfinete negro na outra. "Ela parece estar tendo um delírio. Uma alucinação."
"Ex Fille."
"Hã?" Oriko e Homura ficaram surpresas quando runas mágicas flutuantes, brilhando com diferentes cores, começaram a deixar o corpo de Madre.
As runas, então, voaram com velocidade, estampando as páginas do livro que Umika Misaki estava segurando. Enquanto o livro virava as páginas para poder capturar mais e mais runas, a garota explicou, "Há um feitiço nessa mulher, eu o estou absorvendo."
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A tensão persistia na sala de segurança. Todas agora observavam as imagens da câmera da segurança, aguardando por algo.
Porém, o que veio não foi uma imagem, mas uma voz. [Me perdoe.]
"Madre?" Generalíssima consultou as outras irmãs.
Revenante falou, "Vocês também a ouviram?"
Sortuda assentiu, Invasora também.
[Eu estava errada, me perdoe.]
[Madre.] Generalíssima a chamou. [O que está acontecendo?]
[Você sempre esteve certa, Generalíssima, sempre. Essas bruxas são os mesmos monstros sob os seus disfarces. Não há esperança e eu fui egoísta em buscar essa verdade por conta própria, mas eu vou consertar isso. Por favor, olhe pelas noviças por mim, não solte as mãos delas.]
Generalíssima cerrou os punhos. [Não, eu não vou precisar fazer isso. Aguente firme! Eu estarei aí agora mesmo.]
"Espera!"
Generalíssima olhou para Invasora, assim como as outras na sala.
A bailarina na cadeira disse, "Vocês estão sentindo isso? Esse pico de magia?"
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Kaoru, que tinha uma extensa experiência com a magia de sua amiga Umika, sentiu que ela estava levando mais tempo que o normal. "Como está indo?"
Segurando o livro, a garota mágica estava muito concentrada. Ela balançou a cabeça, murmurando, "Isso... Isso não pode ser..."
Enquanto todos prestavam no que Umika estava fazendo, Oriko teve um sobressalto. Ela imediatamente virou para ver Madre.
Momentos depois, a gema vermelha na coroa negra da mulher começou a emitir um brilho.
"HOMUURRAAA!" Oriko gritou dos fundos de seus pulmões.
A luz vermelha da gema cresceu rapidamente.
Oriko levantou as mãos para se proteger. Era um ato reflexo, que ela já sabia que seria inútil.
No entanto, a cor da luz mudou, assim como as cores do mundo todo.
Arfando, Oriko olhou para imagem congelada da silhueta sombria de Madre sob a luz e depois olhou para trás, para pessoa que estava tocando o seu ombro.
Era Homura. Na palma de sua outra mão, ela estava segurando uma ampulheta negra na posição horizontal.
Kyouko estava segurando o braço de Homura, enquanto Sayaka segurava a mão da ruiva, e as bruxas plêiades seguravam a capa da paladina azul.
"Obrigada," Homura disse, com a sua distância habitual.
Oriko sorriu de leve, "Eu digo o mesmo."
"Alguém pode me explicar a razão disso?" Sayaka perguntou.
Homura respondeu, "Essa mulher está prestes a detonar a sua própria gema da alma."
Oriko complementou, "A explosão resultante será devastadora, ela nos mataria."
"Ah, certo..." Sayaka assentiu. "Mas agora estamos seguras, né? Umika-san pode terminar o que estava fazendo."
"Eu não posso," a garota mágica de óculos disse.
"Hã?" Sayaka olhou para trás.
"O feitiço ainda está na mulher, e agora congelado no tempo," ela continuou, "eu não posso absorvê-lo nesse estado."
Homura perguntou para Oriko, "Nós estaremos seguras se entrarmos no túnel?"
"Não será o suficiente." A loira olhou para uma certa ruiva. "Mas eu já vi o que precisaremos."
Ouvindo a conversa entre a duas, Sayaka se deu conta. "Vocês vão abandonar essa mulher?"
Kazumi também protestou, "Nós não devíamos fazer isso! Ela tá morrendo!"
"Ela tá se matando," Kyouko respondeu, "e pra levar nós com ela. Como vocês pretendem pará-la, hein? Vão convencê-la com o quê?"
"É tarde demais," Oriko disse, "se o tempo voltar a andar ou se meramente tocarmos nela, seremos vaporizadas no instante seguinte."
Homura começou a andar, "Nós ainda temos que impedir os planos da Irmandade. Nós temos que passar pela entrada antes que ela seja destruída."
Para não acabarem congeladas no tempo, todas as garotas foram obrigadas a fazer o mesmo. Quando Sayaka passou ao lado da mulher flutuando no ar, ela olhou para cima. Sob o espesso véu de luz providenciado pela a gema condenada, era possível discernir que a mulher estava de olhos bem abertos, em uma espécie de transe ou reza.
Elas entraram no túnel, descendo pela rampa até uma certa distância.
"Aqui está bom," Oriko disse e Homura parou. A loira então falou para Kyouko, "Eu sei que você consegue fazer barreiras bem fortes."
"E daí?" A garota mágica vermelha deu de ombros. "Ela não vai se formar nesse tempo paralisado."
Oriko sorriu. "Eu sei que você conseguirá."
"Que inspirador... esse negócio de visão..." Após ironizar, Kyouko puxou Sayaka, a fazendo segurar Homura. "Alguém fica me tocando enquanto eu tento algo." Com as mãos livres, ela conjurou uma lança. Ela apontou a arma para saída, onde se encontrava a mulher que estava prestes a explodir, e estendeu o seu bastão.
Após um certo comprimento, arma parou de crescer e a cabeça da lança desabrochou em um enxame de cabeças menores, cada uma puxando uma corrente vermelha. Elas voaram, tecendo a parede de correntes de forma harmoniosa. Quando terminou, pela vontade de Kyouko, o bastão se desconectou da cabeça e parede de correntes perdeu a cor, congelada no tempo.
"É, Mami, finalmente achei um uso pra esse truque..." Após murmurar para si mesma, a ruiva consultou Oriko.
"Muito bem, mas não é o suficiente. Você tem que fazer mais."
"Tch, por que não disse logo?" Já irritada em estar recebendo ordens dela, Kyouko fez aparecer outra ponta de lança no bastão. Ela também desabrochou em uma parede de correntes.
Oriko então disse, "Mais."
Kyouko respirou fundo e fez outra parede.
Devido a grande quantidade de correntes entrelaçadas, Sayaka mal conseguia ver a saída, muito menos a mulher.
"Mais."
Kyouko se virou e vociferou, "Mas que porra?!"
"MAIS!" Oriko reagiu no mesmo tom.
As outras garotas ficaram surpresas com a atitude da loira, especialmente Kazumi e suas amigas próximas.
Além do fato da necessidade de tantas paredes.
Oriko recobrou sua compostura. "Ou morreremos."
Segurando o rancor, Kyouko resignou-se. "Foda-se!" Ela desabrochou mais cabeças de lança e criou mais e mais paredes.
"Chega, já é o bastante."
Com a última demanda de Oriko, a ruiva fez desaparecer a sua arma e resmungou, "Se você voltar dizer 'mais' novamente..."
Ela não diria. A loira apenas olhou para Homura.
Era tudo que a garota de vestido negro precisava para entender. Ela virou a ampulheta de volta para a posição vertical.
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Com fome, a barra de cereal não fora nem de longe o bastante para o seu tamanho, Homura, a égua, mastigava os arbustos do morro. Apesar da aparência seca e da falta de folhas, seus caules tinham seiva abundante, com um agradável sabor azedo.
Sua tranquila refeição, porém, terminou. Suas orelhas ergueram-se, seu pêlo se eriçou. O ar estava quieto, tenso com um eminente acontecimento. O animal disparou, descendo o morro rochoso.
A terra rugiu. Homura manteve o ritmo do seu galope, até que o chão ergueu. Compelida por essa força, ela fez um salto, conseguindo aterrissar no terreno estável. A égua então se virou e testemunhou o morro inteiro ser dragado por uma cratera.
Quando a terra parou de rugir, Homura se aproximou da beirada do precipício que se formara, relinchando ao abismo.
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A sala de segurança sacudiu. As irmãs se esforçaram para se manter de pé.
"AAAHHHH!" Sortuda pôs as mãos sobre a cabeça ao ver poeira e pequenos pedaços de concreto se desprenderem do teto.
Depois, tudo se acalmou.
Constatando isso, a garota mágica coelhinha teve coragem de olhar para cima. "Jesuis amado, eu achei que a gente ia ser soterrada."
Revenante logo perguntou, "O que foi isso? Uma explosão?"
"É a Madre," Generalíssima respondeu, friamente, "ela se foi."
Olhando para a sua líder, a mulher negra franziu o cenho. "Não... Você não sabe disso!"
"Ela se foi!" Generalíssima enfatizou, "você a ouviu também, você sentiu o pico de magia, você sabe o que isso significa."
Sortuda também havia entendido. Ela juntou as mãos na frente de sua boca, como se isso pudesse segurar a dor. "Não... Madre..."
Na cadeira, Invasora pressionou os lábios e agarrou-se a ponta de seu tutu, quase o rasgando.
"Ela se sacrificou para matar as bruxas." Generalíssima balançou a cabeça. "E eu aqui pensando que ela era a traidora. Eu estou envergonhada de mim mesma..."
"Há um movimento."
Ouvindo Invasora, Generalíssima se aproximou do painel de telas.
A bailarina apontou para uma tela que mostrava um ambiente com quase sem visibilidade. "Há muito pó ou fumaça, mas se você prestar atenção, há algumas silhuetas distantes."
"Que câmera é essa?" Generalíssima perguntou.
"É uma que está na rampa, é a mais próxima da entrada que ainda funciona."
Com essas notícias, Sortuda teve uma ponta de esperança. "É a Madre?"
"Não." Generalíssima respirou fundo. "São as bruxas."
"As bruxas entraram na base?" Revenante perguntou, "o que vamos fazer, Generalíssima?"
A líder trocou olhares com a mulher negra e com as outras duas irmãs.
Revenante insistiu, "O que vamos fazer?"
Generalíssima engoliu seco e abaixou o olhar.
Com o longo silêncio, as outras irmãs trocaram olhares entre si. Revenante voltou a falar, "Generalíssima?"
A mulher fechou seus olhos rosa escuros, em uma expressão de pesar.
"Generalíssima!"
Ela os reabriu, assentindo e umedecendo os lábios com a ponta da língua. Após um suspiro, ela deu a ordem, "Abandonar a base, salvem as suas almas."
Sortuda e Invasora arregalaram os olhos e ficaram boquiabertas.
Revenante fez mais que isso. "O QUÊ?!" Ela se aproximou de Generalíssima. "Nós podemos lutar! Madre tá morta, mas nós somos fortes, nós temos a vantagem numérica, nós temos vo-"
Generalíssima segurou o pescoço da mulher negra e a colocou contra a parede.
"G-Generalíssima?" Sortuda ficou sem saber o que fazer.
Revenante trocou um intenso olhar com a sua líder.
Generalíssima soltou o pescoço da irmã e afirmou, "Esse lugar não foi construído para ser defendido, ele foi construído para nunca ter sido encontrado."
Revenante virou a cara.
"Ah, ok, ok, nós vamos fugir com os rabos entre as pernas." Sortuda ergueu as mãos em um gesto para acalmar os ânimos de todos. "Mas como nós iremos fazer isso? A saída explodiu."
"Vocês irão se encontrar com as noviças no andar superior, elas devem ter acordado com a explosão," Generalíssima explicou, "o banheiro delas é o ponto mais próximo da superfície, vocês irão fazer uma nova saída por lá e..." Ela de repente parou de falar e começou a procurar por algo com os olhos.
Sortuda olhou para trás, sem estar compreendendo aquela atitude. "O que foi?"
"Inquisidor." Generalíssima rangeu os dentes. "Onde ele está? Alguém o viu sair?"
"Ah merda..." Revenante proferiu.
"Vocês têm que ver isso."
Com o convite da Invasora, todas olharam para as telas.
Uma delas mostrava um corredor. Inquisidor apareceu passando e então parou, olhando para a câmera. A lente foi engolfada por chamas e tela ficou preta.
Invasora mostrou outras telas que estavam sem sinal. "Ele está destruindo todas as câmeras que encontra. Parece aleatório, eu não sei para onde ele está indo."
Revenante tremeu de raiva. "O que esse filho de uma quenga tá tentando fazer?"
"Ah..." Sortuda levou as mãos à cabeça, esfregando o seu cabelo. "Então Madre não era a traidora, mas Inquisidor é? Eu num tô entendendo mais nada."
"Ele não é o traidor, mas ele deve estar considerarando nós todas traidoras," Generalíssima disse, "ele não é mais um membro da Irmandade."
Invasora ergueu as sobrancelhas.
Sortuda ficou piscando olhos, incerta de que havia ouvido direito ou o que aquilo realmente significava.
"Ele fez a escolha dele. Ignore-o." Generalíssima se virou para Revenante. "Deixem que as bruxas cuidem dele."
A mulher negra retornou ao assunto anterior. "Você não vai tá vindo com a gente? Escapar seria muito mais fácil com a sua ajuda."
"Eu tenho que ir até a central de dados. É preciso destruir tudo que está salvo nos servidores, esse é o protocolo, e somente há eu disponível que conhece o procedimento e pode fazer isso a tempo. Então eu conto com vocês para salvar as noviças, elas são o único futuro e esperança que nós temos." Generalíssima olhou para Invasora. "Isso inclui voc-"
Porém, a bailarina não estava mais na cadeira.
"O que foi agora?" Generalíssima falou, incrédula.
Revenante olhou para uma das telas, onde ela enxergou Invasora correndo. Ela reconheceu o local, "Ela está no andar inferior. Ela foi atrás da Nano."
"Levem as sementes consigo e vão." Generalíssima não perdeu mais tempo. "Agora! Eu procuro por vocês na superfície."
Sortuda assentiu, enquanto Revenante pegou as quatro sementes no balcão, ambas deixaram a sala às pressas.
Com o silêncio da solidão, Generalíssima chamou alguém pela telepatia. [Estér.]
Não houve resposta.
[Há bruxas na base.] Leona olhou para a tela que mostrava a área da rampa tomada pela espessa poeira. [Onde você está?]
Sem resposta.
Leona rangeu os dentes. [Estér! Não é hora para brincar de esconde-esconde comigo, responda!]
O silêncio perdurou.
Com tudo indo errado, Leona somente tinha algo a dizer, "Mierda."
Próximo capítulo: Perseguição
