Perseguição

Correndo junto com Revenante pelo corredor, Sortuda disse, "Ainda não me caiu a ficha de que Madre morreu."

"A gente vai ter que lamentar a morte dela em outra hora," a mulher negra respondeu, semicerrando o olhar, "agora nós temos que lidar com o que tá logo a frente."

No meio da intersecção dos corredores onde ficava as escadarias, Matryoshka estava parada, olhando em direção a rampa, que levava até a saída, mas que agora havia uma nuvem de poeira. Quando a garota mágica russa notou as duas irmãs vindo, ela acenou. "Ah, крольчи́ха, уголь! G'day! É assim que se pronuncia, certo?"

Revenante parou na frente dela, logo perguntando, "O que tu tá fazendo aqui?"

Matryoshka olhou para ela e para Sortuda, dizendo, "Bem, eu não vou mentir para vocês, essa missão no Japão está me deixando ansiosa. Então decidi fazer um passeio pela base, mas aí eu vi a Madre subindo a rampa. Ela estava com uniforme de garota mágica, algo muito incomum."

"Você viu ela..." Sortuda proferiu com grande tristeza.

"Você viu Inquisidor?" Revenante inquiriu, "ele deve ter passado por aqui."

"Sim, sim." Matryoshka assentiu. "Eu até o cumprimentei, mas ele me ignorou. Vocês sabem como ele é."

A mulher negra franziu o cenho. "Você não achou isso estranho? Não é comum você estar aqui parada, e ele te ignorar."

Matryoshka pôs as mãos nos bolsos de seu casaco. "Eu não fiquei pensando muito nisso, ainda mais agora que senti essa explosão e a essa poeira. O que está acontecendo? Estamos sendo atacadas?"

"Bruxas invadiram a base!" Sortuda exclamou.

"Madre tá morta." Revenante empurrou Matryoshka. "E você vem com a gente. Se mexe!"

"Oh... sim, sim." A garota mágica mascarada acompanhou as duas irmãs, subindo a escadaria em espiral com pressa. "O que vocês irão fazer?"

"Nós vamos escapar com as noviças," Sortuda respondeu, "nós teremos que construir uma saída pra isso."

"Vocês não vão ficar e lutar?"

"Ordens da Generalíssima," Revenante disse.

Matryoshka sentiu um certo tom de resignação na resposta da mulher negra. "E onde ela está?"

Revenante respondeu novamente, "Você não precisa saber disso."

"Entendo." O membro da União da Terra-Mãe não fez mais perguntas.

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Kyouko desfez a sua última parede de correntes e deparou com uma parede de rochas e entulhos. "Sem saída..." Ela examinou as massivas rachaduras no teto e nas paredes do túnel. Poderia se chamar de milagre que aquela parte do túnel não colapsou também se não tivesse sido uma previsão da Oriko.

"Cof! Cof!" Kazumi examinou o seu corpo coberto de sangue. Com o pó colando nele, ele estava secando rápido. "Isso... Isso foi tão horrível..."

Kaoru ofereceu uma toalha para a sua amiga. "Pegue isso." Então ela conjurou mais toalhas em suas mãos. "Aqui, pessoal. Eu uso quando tô suada, mas deve servir pra... isso."

Uma luz roxa envolveu Homura e logo ela estava limpa, tanto o seu vestido, quanto a sua pele e cabelo. Ela foi imitada por Oriko e Kyouko.

Kaoru ficou cabisbaixa. "É... talvez não."

As outras garotas também usaram magia para se livrarem do sangue, apesar que Umika fez questão de usar a toalha para limpar as lentes de seus óculos.

A última a fazer isso foi Sayaka. Ela estava completamente limpa, mas isso só a fez sentir mais nojo. Ela recuou, cambaleante, até suas costas encontrarem a parede. Ela então caiu lentamente, sentando no chão. "Nós devíamos ter salvado ela."

"Ei!" Kyouko chamou a atenção dela. "Qual parte de 'não há nada que possamos fazer' que você não entendeu?"

"Nós devíamos ter tentando!" depois de exclamar, Sayaka abaixou a cabeça e a voz, "agora a Irmandade vai pensar que fomos nós..."

"Levanta."

Sayaka olhou para cima e viu que uma mão estava sendo oferecida.

A mão de Oriko. "Nós não a matamos, é cedo demais para desistir da justiça. Nós viemos de muito longe para impedir o início de uma guerra, e ainda podemos tentar isso."

Sayaka assentiu, ainda que um tanto relutante. Ela aceitou a mão para ficar de pé.

"Você ainda nos deve explicações." Homura se aproximou da loira. "O que você disse para aquela mulher? O que ela disse a você?"

"O nome dela era Madre," Oriko disse, "é claro que esse não era o nome real dela, assim como Matriarca. Ela era membro da Irmandade das Almas e, de fato, eles nos temem. Eles nos veem apenas como bruxas."

"E eles pretendem atacar Mitakihara," Homura concluiu.

Oriko assentiu. "Mas Madre me disse que Irmandade jamais destruiria uma cidade. Presumo que o alvo seria apenas nós."

Homura complementou, para deixar claro, "e Madoka."

"É claro." Com as sobrancelhas erguidas dessa vez, Oriko assentiu novamente.

"Peraí," Kyouko falou, "você nos disse que em suas visões a cidade inteira irá explodir."

"Correto," Oriko explicou, "Madre não é quem lidera esse ataque, ela devia estar mal informada. Aliás, ela abriu a entrada e nos recebeu em uma busca pela verdade..." A loira abaixou o olhar. "Ela me disse que estava arriscando a vida para isso. Eu pensei que ela estaria se referindo a nós, mas agora eu não tenho tanta certeza."

"Eu sabia!" Sayaka apontou para Oriko. "Ela era inocente. Há inocentes aqui!"

Umika comentou, "A magia que levitou Madre e fez um buraco no corpo dela, parece muito com telecinese."

Homura se virou para ela. "Eu também percebi isso."

"Vocês devem ver isso." Umika abriu o livro, expondo as páginas preenchidas com runas. "Isso é o feitiço que foi absorvido."

"Bem, a gente consegue entender esses símbolos... hmm..." Kaoru coçou a cabeça. "Mas isso que tá escrito não faz sentido algum."

"O que importa é que a cor de cada runa representa a magia de uma garota mágica diferente," Umika afirmou.

"Sério?" Kyouko chegou mais perto para examinar as páginas. "Eu tô errada ou tô vendo dezenas de tonalidades diferentes?"

Umika fechou o livro. "Mais de cem, pelo menos..."

Kaoru ergueu as sobrancelhas e Kazumi ficou boquiaberta.

"T-Tu..." A ruiva piscou os olhos, incerta do que estava prestes a perguntar. "Tu tá me dizendo que nesse buraco tem mais de uma centena de garotas mágicas?"

"Esse não é o ponto!" Umika afirmou, "o fato é que esse feitiço foi feito em uma ação combinada de mais de uma centena de garotas mágicas. Eu nunca vi algo assim. A coordenação requerida para isso... É impossível."

"Kyouko," Sayaka a chamou, "é melhor você dizer para elas."

Todas do grupo dirigiram sua atenção para a garota mágica vermelha.

"Tch..." Kyouko virou a cara e ficou puxando o seu rabo de cavalo. "Havia outra mulher."

Oriko franziu a testa. "Outra mulher?"

"Heh, parece que só eu mesmo consegui enxergá-la." Kyouko fechou os olhos para se lembrar melhor. "Alta, cabelo branco liso e comprido... ehhh... pele escura, meio dourada, talvez bronzeada. Usava muitas jóias, mas pouca roupa, só uma tira de tecido branco e uma azul enrolada envolta do corpo. É meio que... Arábico? Ela me fez lembrar uma dançarina do ventre." De repente, ela arregalou os olhos. "Ah! E ela usava uma tiara com uma grande gema preta. Eu não sei se era a gema da alma, eu nunca vi uma dessa cor. Talvez fosse corrupção, mas se fosse mesmo, ela não conseguiria permanecer em pé com a gema naquele estado."

"Você a viu fazer algum movimento suspeito?" Oriko inquiriu.

"Quando choveu sangue sobre a gente, a primeira coisa que fiz foi olhar pra ela." Kyouko balançou a cabeça. "Eu não vi nenhum movimento, nem mesmo um gesto, mas aí ela desapareceu."

Oriko voltou a franzir o cenho. "Desapareceu?"

"É, do nada, num piscar de olhos. Assim como Homura tem costume de fazer."

O semblante impassível de Homura se quebrou. Ela trocou olhares preocupados com Oriko.

A loira fez um sutil aceno com a cabeça.

Observando a reação das duas, Kyouko semicerrou o olhar. "Peraí, vocês duas tão sabendo de algo que a gente não tá sabendo?"

"Nós sabemos tanto quanto você, Sakura-san," Oriko respondeu, "a mulher que você descreve nunca apareceu em minhas visões."

"Sabe o que tô pensando agora?" Kyouko se aproximou da loira, a encarando. "Que essa 'aventura diplomática' começou por causa de você e suas 'visões muito convenientes'."

Oriko ergueu a voz em face das insinuações, "Isso não é hora e nem lugar para a sua rixa comigo."

"Chega, Kyouko!" Sayaka a empurrou para afastá-la. "Ela tá certa! Nós temos que permanecer unidas!"

"É, é..." A ruiva revirou os olhos. "Isso não importa mais, a gente já tá aqui."

Umika interrompeu a tensão fazendo uma observação, "Ninguém viu essa outra mulher. Pode ser que ela pôs um feitiço em nós, para afetar a nossa percepção dela."

Homura comentou, "Você fala como se tivesse experiência com isso."

Kaoru foi quem respondeu, um tanto sem jeito, "É, a gente teve uma experiência RUIM com isso."

Kazumi abaixou o olhar.

Umika continuou, "Mas, de alguma forma, Sakura-san resistiu a magia. Eu dúvido que essa mulher iria esquecer de enfeitiçá-la também."

"Ah, droga..." Kyouko rangeu os dentes. "Eu acho que até sei o porquê."

Umika olhou para ela com curiosidade.

Com isso, a ruiva deu as costas. "É uma longa história e eu não tô afim de falar do meu passado."

"Misaki-san," Homura perguntou, "você consegue remover esse suposto feitiço?"

Umika ajeitou os seus óculos. "Acredito que sim, mas eu tenho que fazer com cada uma de vocês. Isso deve levar um tempo."

"Nós não temos tempo." Homura se virou, olhando para o caminho que tinham que ir. Ela murmurou para si mesma, "não mais..."

"Essa outra mulher também faz parte da Irmandade, né?" Kazumi franziu a testa, tão confusa quanto abalada. "Por que ela mataria uma amiga? E dessa forma?"

"O cenário é mais complexo do que imaginávamos, era o que eu temia," Oriko disse, "porém há algo de bom nisso."

"Hã?" Sayaka fez uma careta. "Há?"

A loira assentiu. "Agora sabemos que a Irmandade não é um grupo coeso, seus membros tem opiniões divergentes. Convencermos parte deles talvez não termine o conflito, mas deve ser o suficiente para impedir que eles prossigam com o plano de ataque a Mitakihara."

"E nós temos um trunfo," Umika disse.

Dessa vez, foi Kazumi que fez uma careta. "Nós temos?"

A garota mágica de óculos assentiu. "Essa mulher suspeita não deve saber que Kyouko-san não foi afetada pelo feitiço. Ela não deve saber que foi vista."

"Sim." Oriko acompanhou a idéia. "Essa mulher pode ter cometido esse ato sozinha, sem que outros membros da Irmandade saibam. Quando encontrarmos com um deles, nós podemos afirmar que não fomos nós que matamos Madre, e sim essa mulher. Nós temos a descrição dela, eles irão reconhecer quem é."

"A poeira está dissipando," Kaoru comentou.

"É." Kyouko cerrou os punhos. "É melhor vocês se prepararem."

Notando a reação da ruiva, Oriko afirmou, "Ninguém virá nos atacar."

"Como tu sabe disso? Mais uma visão?"

"Senso comum," Oriko respondeu para a garota mágica vermelha, "se eles fossem nos atacar, já teriam feito."

Homura foi a primeira a descer a rampa. "Fiquem alerta para emboscadas."

O grupo a seguiu e elas descobriam que rampa terminava em uma intersecção de corredores. Havia também duas escadarias em espiral, uma descendente e uma ascendente.

Kazumi olhou para um dos corredores. Ela não podia ver o fim dele, pois fazia uma curva, mas era definitivamente longo. "Whooaa... Esse lugar é tão grande."

"Mas também bem depressivo, né?" Kaoru falou, "tudo é tão fechado."

"Ainda assim, há pessoas vivendo aqui," Umika ponderou, "eu me pergunto por quanto tempo eles estão nesse esconderijo. Semanas? Meses? Anos?"

Oriko assentiu. "Não é difícil imaginar a razão de alguns deles pensarem que destruir uma cidade valeria a pena se isso significasse pôr um fim aos seus medos."

"Isso aí, eles não são as vítimas dessa história até onde sei." Kyouko olhou envolta. "Tá, não tem ninguém aqui. Pra onde vamos primeiro?"

"Deixe-me ver..." Oriko se afastou um pouco do grupo e ficou parada.

"Hein?" Sayaka questionou, "o que você..." Mas então se deu conta, coçando atrás cabeça. "Ah tá, saquei."

Kazumi perguntou para ela, "Sua amiga tá vendo o futuro, né? Quanto tempo isso leva?"

"Bem..." Sayaka coçou a cabeça ainda mais. "Não tenho idéia."

Enquanto isso, Homura percebeu algumas câmeras de segurança. Diferente das outras garotas, aquele ambiente era familiar para ela, mas, ainda assim, não menos preocupante.

Era design militar.

Oriko teve uma leve convulsão.

"Eita." Kyouko levantou uma hipótese preocupante, "será que ela não tá usando muita magia não? Ela pode acabar perdendo o controle."

"Não quando eu não preciso ver muito longe," Oriko respondeu e então anunciou, "eles estão fugindo."

"V-Você já viu o futuro?" Sayaka ficou espantada.

Kazumi também ficou espantada, mas por outra razão. "Eles estão fugindo... de nós?"

"Caramba," Kaoru comentou, "tá até parecendo que nós somos as malvadas."

Oriko apontou para um dos corredores. "Há uma sala próxima nessa direção. Não há ninguém, mas ela tem muitas telas, eu acredito que seja para as câmeras de vigilância. As telas não mostram nada, as câmeras estão quebradas, eles foram espertos em fazer isso para que nós não possamos monitorar os movimentos deles."

Kyouko puxou o seu rabo de cavalo, bem impaciente. "Tá, legal, mas a gente vai cruzar com eles? Pra onde temos que ir?"

"Eu irei descrever as possibilidades que vi," Oriko explicou, "esse lugar tem três andares, nós estamos no andar do meio. A escadaria que desce leva até uma porta de metal, com uma trava eletrônica, nenhum problema para nós. Para além dela, há um longo túnel como esse. Há faixas coloridas para ajudar a guiar, nelas está escrito três lugares: reator, sala de purificação e silo."

"Sala de purificação?" Sayaka piscou os olhos algumas vezes enquanto tentava compreender. "Deve ser purificação de gemas da alma. Eles precisam de uma sala pra isso?"

"Tô nem aí se eles precisam," Kyouko falou de forma ríspida, "eu quero saber se a gente vai topar com eles ou não."

"Ei! Pessoal!"

Oriko, Sayaka e Kyouko prestaram atenção na Kazumi.

A garota estava de olhos arregalados, apontando para um espaço agora vazio. "Homura-chan desapareceu."

"O quê?!" Sayaka compartilhou o mesmo semblante.

Umika disse, "Eu vi quando ela criou uma ampulheta na mão dela e então ela a virou."

Oriko fechou os olhos, sem mostrar surpresa. "Ela desceu as escadarias."

"Ah não..." Sayaka levou as mãos à cabeça. "Como fui idiota em acreditar que aquela estudante transferida iria finalmente trabalhar como membro de um time!"

"Uhmm..." Kaoru coçou cabeça. "Qual é o problema? A gente não pode, tipo, segui-la?"

"Inútil," Oriko respondeu para ela, "ela dirá que nós estamos a atrasando e então usará a ampulheta para desaparecer de novo."

"Heh." Kyouko mordiscou o lábio com o dente canino. "Bem típico dela."

Umika cruzou os braços. "Infelizmente, nós também não somos um grupo coeso."

"Não se preocupe," Oriko afirmou, "ela ainda compartilha o mesmo objetivo que nós temos. Madoka Kaname-san está em Mitakihara, ela não vai deixar que esse ataque aconteça. Eu confio nela quanto a isso."

"Confia?" Kyouko ergueu uma sobrancelha. "Pra tu tá tão calma, tá parecendo mais que você já sabia que ela iria fazer isso."

Oriko ergueu ambas as sobrancelhas quando olhou para a ruiva. "Você ainda quer encontrar os membros da Irmandade, não quer?" Ela então apontou para o corredor que passava entre as duas escadarias. "Nessa direção há uma central de dados e uma sala de estoque, pelo que irei ler nas sinalizações. Nós encontraremos apenas uma garota mágica lá, não há mais ninguém nesse andar. Os outros estão no andar de cima, claro, é mais próximo da superfície, deve haver outra saída."

"Já que agora temos alguém que resolveu fazer o que quer que ela queira..." Resignada, Sayaka ponderou, "eu acho que não devemos ignorar a garota mágica que tá nesse andar. Ela pode ser alguém importante da organização." Ela olhou para as bruxas plêiades. "Vamos nos dividir, vocês três de Asunaro e nós de Mitakihara. Que tal?"

Kyouko afirmou, "Eu não sou de Mitakihara."

Sayaka olhou intensamente para a sua companheira ruiva.

"O que foi?" Kyouko deu de ombros. "Menti?"

Umika assentiu para a proposta da Sayaka. "Parece razoável."

Contudo, Oriko logo disse, "Isso é nada bom. Nós devemos nos dividir, sim, mas é melhor que vocês cinco encontrem a garota que está nesse andar, enquanto eu me encontro com o resto da Irmandade no andar superior."

"S-Sozinha?" Kazumi ficou confusa. "Sério? Você acha que isso é uma boa idéia?"

Kaoru compartilhou o mesmo sentimento de sua amiga. "Isso é perigoso!"

"Heh, eu não me importaria se ela tá querendo se matar." Kyouko semicerrou o olhar. "Mas tem algo estranho nisso aí."

"Não há nada estranho, é diplomacia, simplesmente isso," a loira explicou, "se vocês cinco abordarem a garota mágica que está sozinha nesse andar, ela irá pensar duas vezes antes de tomar uma atitude hostil. Enquanto isso, eu sozinha não serei vista como uma ameaça imediata para o grupo que está no andar superior. Eu devo ter um momento para falar."

"Entendo." Umika ajeitou os seus óculos. "Diferença de forças como forma de dissuasão."

"Eu não tendi," Kazumi disse, "eles não podem decidir atacar Oriko-chan justamente por ela tá sendo um alvo fácil?"

"Agradeço pela sua preocupação comigo." Oriko sorriu. "Mas eu saberei se eles irão tentar algo contra mim. É um risco 'pré-calculado', por assim dizer."

"AAhhh..." Kazumi coçou a testa. "Sua magia é incrível, mas é meio estranha pra se acostumar."

"Sim, foi difícil para mim no começo." Oriko voltou a ter um semblante sério. "Minhas previsões só se manterão precisas se agirmos agora."

"Eu concordo, nós não temos mais tempo a perder." Sayaka assentiu. "Nós temos que convencer a Irmandade que somos inocentes e viemos em paz, antes que uma certa Homura cometa algo estúpido."

O grupo de garotas deixou Oriko, seguindo o corredor indicado pela loira. Kyouko foi a mais relutante, olhando para trás.

"Boa sorte," Oriko disse para ruiva. Com grupo desaparecendo na curva do túnel, ela começou a subir as escadarias.

Me desculpe.

Mesmo sem testemunhas, Oriko não ousou sequer murmurar seus pensamentos.

A garota mágica que vocês irão encontrar não hesitará em lutar.

A subida era longa. Ela estava resoluta e se apressou.

Pelas formas que eu morri em minhas visões, vocês cinco têm poucas chances, mas devem conseguir tempo suficiente para mim.

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As irmãs chegaram ao banheiro, acompanhadas por todas as noviças e Matryoshka.

As noviças estavam assustadas com a súbita notícia da invasão e algumas sentiram falta de uma certa irmã. "Onde está Madre?"

"Ela tá lutando contra as bruxas," Revenante respondeu prontamente, "não se preocupem, Generalíssima tá com ela. Ela pediu pra tirar vocês daqu que iremos fazer."

Matryoshka olhou para o teto e as paredes. "Como vocês pretendem fazer uma saída?"

"Sortuda," Revenante a chamou.

"Xáá comigo!" A garota mágica coelhinha deu uma piscadela para as noviças, abrindo um grande sorriso alentador. Então, ela sacou os seus dois revólveres peludos. "Zing! Zing! ZING!" Ela bateu o tambor de uma arma contra a outra, até que ambas estivessem girando com grande velocidade, então ela apontou contra a parede e puxou os gatilhos.

As balas disparadas com enorme frequência tinham um calibre extra, que Sortuda havia preparado de antemão. A parede rapidamente ficou cravada de buracos e começou a ruir, levantando uma nuvem de poeira.

Muitas noviças taparam os ouvidos devido ao som dos tiros, enquanto Matryoshka checava os botões de seu casaco despreocupadamente.

De repente, faíscas e o som das balas atingindo a parede mudou. Ao mesmo tempo, o espelho do banheiro quebrou devido a estilhaços.

"AAAHHHH!" As noviças se abaixaram de susto.

"Whoah!" Sortuda parou de atirar.

"O que foi isso?!" Revenante olhou para as noviças. "Alguém se feriu?"

Elas consultaram umas às outras e balançaram a cabeça como resposta negativa.

Sortuda ainda estava bem surpresa. "As balas... começaram a ricochetear. Deve ter algo bem duro ali."

"Só vai dá pra saber se a gente se livrar dessa poeira." Revenante abanou com a mão.

"Eu posso ajudar!" Uma noviça se prontificou. Ela se transformou e agora carregava uma máquina aspiradora. Ela acionou o seu dispositivo mágico, terminando o trabalho em um quase instante.

Sortuda e Revenante arregalaram os olhos.

Atrás da parede havia outra, preta com uma superfície fosca. As balas pareciam que não haviam deixado mais do que alguns arranhões.

"Uma... Uma parede de chumbo," Sortuda proferiu.

"Нет, isso não é chumbo!" Matryoshka se apressou até a parede e tocou a superfície com a sua luva. "Ahhh... Удивительно..."

"Desculpa eu tá interrompendo seu orgasmo russo," Revenante disse, "mas então diga de que porra essa parede é feita!"

Matryoshka se virou para mulher negra. "Eu subestimei o talento da criança. Ela construiu esse lugar inteiro, não é? Ela deve ter copiado de algum projeto de bunker para ataques nucleares."

Revenante balançou a cabeça, muito impaciente. "Eu não sei e você não respondeu a minha pergunta."

"Carbeto de boro." Matryoshka pôs as mãos nos bolsos. "Um dos materiais mais duros conhecidos e excelente escudo contra radiação."

"Então é mais duro que chumbo?" Sortuda assentiu. "Hmmm, beleza, eu vou usar balas com perfuratriz."

"Será que você tem magia suficiente para isso?" Matryoshka perguntou, "nós não sabemos a quão grossa é essa parede."

Sortuda deu de ombros. "Ou posso usar balas explosivas."

"Se os explosivos forem fracos, você terá jogado a sua magia fora, mas se eles forem fortes demais, você irá destruir a sala." Matryoshka olhou para cima. "O teto irá cair, seguido por toneladas de rochas. No melhor caso, continuaremos presas aqui." Ela voltou a olhar para a garota mágica coelhinha. "Devo te lembrar de que nós não sabemos a grossura dessa parede?"

Revenante ironizou, "Tô vendo que a 'gênia' tem uma idéia melhor."

"Ah sim, sim..." Matryoshka tirou a mão do bolso para apontar para uma noviça. "Você."

Uma noviça olhou para as outras no grupo, para ter certeza se era ela mesma. "E-Eu?"

"Eu vi que você é capaz de criar e expandir buracos com a sua espada," Matryoshka explicou.

A noviça conjurou seu florete e examinou a sua fina lâmina. "Sim, mas se essa parede é tão dura como você disse, eu também não terei magia suficiente para criar um buraco grande o bastante par-"

"Não precisa ser grande," Matryoshka a interrompeu, "na verdade, eu gostaria que você fizesse pequenos buracos para que eu possa colocar thermite nelas. Com isso, eu vou conseguir elevar a temperatura do material o suficiente."

"Você vai derreter a parede?" Revenante perguntou.

Matryoshka avançou em direção a mulher negra. "É carbeto de boro, sua estúpida!"

Revenante a encarou, ficando ainda mais perto. "Estúpida é você por tá falando assim comigo."

Matryoshka deu um passo para trás. "Talvez... Bem, é até possível chegar no ponto de fusão com thermite, mas é perigoso demais. Eu só quero elevar a temperatura para que o material fique mais reativo a mistura de ácidos que irei preparar. Quando terminado, o material estará tão quebradiço, que poderemos cavar com mãos vazias."

"Tá, tá, chega desse papo científico," Revenante disse, "quanto tempo você precisa?"

"Vinte minutos se começarmos agora."

"Vinte minutos... Nós não temos isso," após murmurar, Revenante olhou para as noviças e trocou olhares com Sortuda.

Os olhos azuis vívidos da jovem mulher sardenta começaram a se arregalar.

Revenante anunciou, "Eu vou retornar ao dormitório."

"Eu vou contigo," Sortuda disse prontamente.

"Não," a mulher negra fez o mesmo.

Sortuda deu um tapa na cara dela.

As noviças ficaram boquiabertas.

O semblante de Matryoshka era sempre uma incógnita, mas o seu silêncio expressava o bastante.

A face de Revenante estava virada, sem mostrar surpresa, com a mesma determinação.

Para o desespero de Sortuda. "Você não vai fazer isso! Eu não vou deixar!" Com os olhos lacrimejando, ela novamente ergueu o braço.

No entanto, Revenante segurou o braço da outra, facilmente.

"Não... Não!" Sortuda socou o peito da Revenante com o braço que ainda estava livre.

Um golpe tão fraco, que a mulher negra nem se deu ao trabalho de impedir. "Escuta, criatura! ESCUTA!"

Sortuda balançou a cabeça e fechou os olhos com força, fazendo as lágrimas caírem.

Revenante a segurou mais perto. "Não sabemos se há mais ameaças esperando por nós na superfície. Sua magia é que tem mais respostas pra tudo, você tem que permanecer com as noviças durante a fuga." [Lembre-se, Matryoshka não é uma de nós.]

Sortuda reabriu os olhos e olhou de relance para garota mágica mascarada.

"Você é uma irmã, é o seu dever." Revenante olhou para as noviças.

Muitas delas compartilhavam do mesmo semblante desalentador e lágrimas.

"Porra! Parem de chorar, eu não tô planejando morrer não." Revenante soltou Sortuda. "Isso vale especialmente pra você. Você sabe do que sou capaz."

Cabisbaixa, a garota mágica coelhinha assentiu.

"E terei a sua ajuda."

"Hã?!" Sortuda rapidamente levantou a cabeça.

Revenante suspirou e revirou os olhos. "Qual é..."

Ainda surpresa, Sortuda abriu ainda mais a boca quando foi tomada pela epifania. "Ahh..."

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Um drone voou pelo túnel, supervisionando o posicionamento autônomo de torretas. Como aranhas de metal, elas haviam se instalados nas paredes, suas armas apontadas para a provável direção de onde viria o invasor.

Sem aviso. Sem sinal. Sem movimento.

Cada torreta havia sido empalada por um grande alfinete negro. O drone caiu, como se atingido por um golpe contundente.

As cabeças esféricas dos alfinetes emitiram uma forte luz lilás e então explodiram ao mesmo tempo.

Da fumaça da destruição, Homura surgiu. Na palma de sua mão estava uma ampulheta, com a areia violeta no compartimento superior caindo e se transformando em alfinetes negros no compartimento inferior.

O tilintar dos alfinetes era a companheira de Homura em seu objetivo. Quando Oriko mencionou sobre o silo, não havia mais tempo a perder. Oriko havia dito que os membros da Irmandade estariam fugindo, mas eles podiam estar muito bem se preparando para lançar o ataque a Mitakihara precocemente!

Não se podia deixar margem a essa possibilidade, e as defesas automáticas reforçavam essa idéia, porém o túnel parecia não ter fim. Pelas faixas na parede, Homura estava certa que essa era a direção, mas a única coisa que ela havia encontrado era uma sala vazia com uma porta reforçada, e um cofre, também vazio.

Atrás de Homura, em um certo ponto do túnel, uma imagem azulada cintilante surgiu do nada. A imagem se estabilizou, revelando ser uma bailarina, com mangas compridas que quase tocavam o piso. Seu olhar azul, claro e gelado, observou a garota de vestido negro se afastando.

Homura virou sua ampulheta.

As cores do mundo morreram no tempo congelado. Ela se virou rapidamente.

O túnel estava vazio.

Homura pôs de volta a sua ampulheta na posição vertical. Enquanto o tempo voltava a passar, ela franziu a testa, havia algo, ela sentiu.

Uma câmera no teto estava apontada para ela.

Ela olhou para lente, semicerrando o olhar, e jogou seu longo cabelo preto para trás ao se virar, continuando a sua busca.

O túnel tinha uma leve descida. O quão fundo sob a terra ela estava? Homura não sabia dizer, mas certamente o bastante para manter um silo de foguetes escondido.

Finalmente, a descida terminava em uma curva mais acentuada. Homura se aproximou com cautela, ela sentia que estava perto. Foi quando ouviu um som familiar.

Familiar demais.

Ela virou a ampulheta prontamente. Sozinha em um mundo congelado no tempo, Homura não evitou expressar sua surpresa. Era um som de um lançamento, era um som de uma arma. Ela fez a curva e confirmou sua certeza.

Em pleno ar, estava uma granada propulsionada por foguete. Ela teria atingido a parede da curva e Homura seria pega na explosão. Quem disparou, sabia que ela estava se aproximando e quis fazer uso do elemento surpresa.

Ela seguiu o rastro do foguete, até chegar em uma sala com muita sucata. No meio da sala estava a pessoa com o lançador.

Uma criança.

Homura a examinou de perto. Ela parecia ser mais jovem que Nagisa, mas vestia como um soldado, utilizando uma armadura peitoral verde de modelo desconhecido, tão aparentemente grossa quanto pesada, e uma manopla futurista em sua mão esquerda. Ela tinha um semblante de determinação, enquanto seu olho estava na mira do lançador.

...mas também deve haver muitas garotas mágicas inocentes, talvez até crianças...

Homura fechou os olhos e suspirou quando se lembrou do que Sayaka havia dito, ela estava certa. Há literalmente crianças lutando contra a Lei dos Ciclos. Quem está do lado certo nessa história?

Madoka.

Ela reabriu os olhos, não havia espaço para dúvidas. Ela iria fazer o que era preciso ser feito. Ainda assim, quando Homura levantou o braço para dar golpe, ela olhou para longe antes de fazê-lo.

O soco atingiu a parte de trás da cabeça da criança. Por um instante, ela readquiriu as cores normais e foi projetada para frente, antes de congelar no tempo novamente.

Após fazer isso, Homura olhou envolta. A sala não tinha outra saída, o túnel terminava ali, isso não fazia sentido, pois tinha que haver um silo. Oriko estava errada? Ou mentiu? Por que aquela criança estava ali? Ela estava se defendendo, ou defendendo algo?

Ela precisava de respostas, de alguma forma. Homura colocou a ampulheta de volta na posição vertical e ouviu a explosão do foguete atingindo parede, enquanto via a criança cair de face contra o chão.

A criança permaneceu imóvel.

A sua mão estava doendo, poderia ter dado um golpe forte demais? Homura empurrou a garota mágica caída com o pé, esperando uma reação. Foi então que ela constatou que a criança estava de olhos abertos.

Sem vida.

Boquiaberta, Homura se desfez de sua ampulheta e se agachou para virar de criança. Logo após fazer isso, no entanto, ela percebeu a criança trocando olhares com ela e o som característico do pino de uma granada sendo solta.

A criança agora estava abraçada a várias granadas, que se multiplicaram do nada. Elas rolaram envolta das duas garotas, formando uma cama de morte.

De olhos arregalados, Homura saltou para trás por puro instinto. Não foi o suficiente para escapar da força da explosão, seguida por outras em sequência, a jogando contra a parede.

Então, fumaça e silêncio. Homura bloqueou toda a dor e fez um rápido exame em seu corpo. Ela removeu um estilhaço fincado em seu abdômen, havia sangue, mas não muito, é claro, pois era falso, apenas o bastante para dar um senso de humanidade ao seu ser. Ainda assim, era um ferimento, seu corpo estava danificado.

O que a deixou mais estarrecida, no entanto, é que a criança se dispôs a se suicidar. Tal desespero... Deveria ser coisa do passado.

Com a fumaça se dissipando, essa conclusão provou ser precipitada.

A criança estava de pé, absolutamente incólume. Ela agora portava uma metralhadora giratória aniquiladora, estupidamente grande para estatura dela. Enquanto os canos da arma começaram a girar, a criança mantinha uma expressão de frieza perturbadora, como se estivesse prestes a matar um inseto.

Homura saltou e rolou pelo chão, escapando da primeira rajada de projéteis disparados. Usando magia em todos os membros do seu corpo, ela saltou novamente e correu pela parede, sendo seguida pela trilha destrutiva.

Apesar da aparência, a criança segurava o coice da arma sem esforço e não havia sinal de que sua munição acabaria em breve.

Homura pulou de uma parede para outra, enquanto conjurava alfinetes negros entre os seus dedos. Ela os lançou contra sua adversária como se fossem dardos.

Porém, uma nuvem metálica coalesceu próxima à criança, formando uma placa de blindagem flutuante, que bloqueou todos os alfinetes. Depois de ter feito esse trabalho, a placa se se dissipou.

Homura nem tinha tempo de amaldiçoar o feito da outra garota, pois a trilha de balas estava muito próxima, perfurando a saia de seu vestido funerário. O espaço da sala era limitado, exigindo acrobacias ousadas para escapar dos tiros. Em uma delas, Homura jogou mais alfinetes.

Assim como antes, uma nuvem coalesceu em uma placa metálica, blindando a criança do ataque.

Só que dessa vez, Homura só precisava de mais alguns segundos.

As cabeças dos alfinetes que estavam no chão emitiram um brilho lilás.

A criança só teve tempo de olhar para eles antes das explosões.

A arma parou de atirar, e era esse momento que Homura precisava. Ela conjurou uma ampulheta e a virou. Só sua respiração pesada podia ser ouvida após o tempo parar.

A sensação de que algo estava errado permanecia. Olhando para a fumaça gerada pelas novas explosões, Homura estava certa de que a criança havia sobrevivido aquilo. Mas como era possível? Depois de todas aquelas granadas, a criança não tinha ficado nem sequer suja.

O comportamento dela...

Homura não pode evitar comparar criança com os canhões autônomos que ela havia destruído anteriormente. Contudo, a principal questão ainda era a sala. Ela olhou envolta, novamente, agora examinando o resultado do combate.

Foi então que ela notou.

A trilha de marca de balas na parede. Em uma secção, a trilha não estava bem alinhada com o resto. Além disso, as marcas de balas formavam um padrão perfeitamente idêntico com uma outra secção da trilha, uma cópia descarada!

Guiada pela descoberta e suspeitas. Homura checou os cantos superiores da sala. Ali estava: uma câmera. Sem demora, ela conjurou um alfinete e o arremessou.

O alfinete congelou no tempo, mas, assim que ele voltou a andar, a arma da bruxa do mundo dos mortais perfurou a lente do dispositivo.

A fumaça das explosões se dissipou e um robô com a estatura de uma criança apareceu. Com os seus olhos como fossem cruzes de luz, apontando com a sua metralhadora giratória, a máquina procurava por seu alvo. Não havia sinal dele.

Não até que, um instante depois, o robô estava empalado por um alfinete gigante.

Homura estava na frente do robô assassino, o examinando, para logo depois o ignorar, do mesmo modo que fazia com os lacaios e bruxas em um longo passado que se repetiu muitas vezes. Seu objetivo era outro, uma nova saída, outrora escondida por uma ilusão.

Com a garota dando as costas e saindo, o robô começou a se mover. Seguindo suas diretivas, a máquina se esforçava a apontar a sua arma. Apesar dos danos, era uma questão para ela conseguir, mas era um tempo que ela não tinha, pois a cabeça do alfinete começou a brilhar.

Homura ouviu a forte explosão atrás dela, quase ao mesmo tempo que a saia de seu vestido e cabelo foram empurrados pela força daquilo. Sem sobressaltos, seu corpo estava acostumado, seu ouvido muito mais. Tanto que a única coisa que ela estranhou foi o silêncio que veio a seguir.

De fato.

Não havia o tilintar dos alfinetes, a areia na ampulheta havia escoado completamente para o compartimento inferior. Ela olhou para objeto, pensativa. Normalmente, era necessário apenas conjurar outra ampulheta, mas dessa vez ela decidiu virar ampulheta de cabeça para baixo.

Afinal de contas, a luta não havia terminado.

Da fumaça e fogo da sala destruída, uma nuvem metálica coalesceu e foi atrás da garota pelo túnel.

Homura continuou olhando para a sua ampulheta, enquanto o objeto vibrava. Uma tremenda força se acumulava, enquanto os alfinetes tentavam seguir o fluxo proibido do tempo.

Silenciosamente, a nuvem aterrissou logo atrás da garota, se solidificando no mesmo robô de antes. Em sua mão agora estava uma escopeta de cano duplo.

Ao ouvir o vidro da ampulheta se rachando, Homura o jogou para trás. O objeto girou no ar, cada vez mais lento, até que simplesmente parou.

O robô apontou a sua arma, mas não conseguiu manter a mira, pois o seu braço foi puxado por uma força invisível.

Ela estava sendo sugada, tudo estava quebrando e sendo sugado. O chão, as paredes, o teto, tudo que estivesse próximo o bastante da ampulheta, o cerne de um pequeno rasgo no tecido do espaço-tempo.

O robô tentou resistir, mas ele estava desintegrando, as nano-máquinas de que era composto sendo dragadas, em uma rota condenada até a singularidade.

No fim, havia apenas uma larga cratera no túnel, quase perfeitamente esférica, com um muito pequeno grão de luz flutuando em seu centro. Um preâmbulo momentâneo antes da destruição.

Um flash, uma explosão varreu o túnel. As paredes chacoalharam, mas resistiram, o mesmo não podia se dizer dos canos e fios.

Entre fumaças e cinzas, Homura emergiu. Sob o véu da escuridão, sua natureza estava exposta. Sua pele era como cera, seus olhos pintados com círculos verdes e vermelhos. Seus dentes expostos e afiados. A única fonte de luz vinha das faíscas geradas no chão pela ponta de um alfinete gigante que ela estava carregando.

O objetivo estava cada vez mais próximo.

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"Ahhh! Ela é um monstro!" Nano pôs a mão a cabeça, enquanto os circuitos em sua testa pararam de emitir brilho.

A luzes do silo se apagaram, ao mesmo tempo que o chão estremeceu, seguido pelo acendimento das lâmpadas de emergência.

Invasora acolheu a criança, dizendo, "Desculpe, ela descobriu. Ela é muito forte."

"Forte?!" Nano olhou para ela, olhos esbugalhados. "Ela tem controle sobre o tempo!"

A bailarina azul ficou em silêncio.

"Vá, Invasora. Fuja." Nano engoliu seco e assentiu. "Você pode usar sua magia para se esconder dentro de uma máquina. Faça isso."

A garota asiática balançou a cabeça. "Eu não vim aqui para fazer isso."

"Você deve." Nano sorriu, mas traída por lágrimas que desceram livremente. "Eu já estou morta. Eu morri em um hospital, depois que eu caí de uma árvore."

Invasora balançou a cabeça de novo, com mais vigor. "Não fale asneiras."

"Minha estadia aqui na Irmandade, nesse corpo, é uma zombaria do mal que fiz. Eu... achei que poderia construir uma redenção aqui, mas esse não é o meu lugar. Eu não deveria estar mais existindo."

"Você acha que vai me convencer a pensar assim? Você é minha amiga," Invasora afirmou, bem determinada, "eu vou estar ao seu lado, até o fim."

"Não..." A face de Nano passou a ser de completo choro. "Não, não faça isso..."

"Nós temos uma chance."

Com essa singela frase da bailarina, contudo, fez a criança parar com as lágrimas, tomada pela surpresa.

Invasora perguntou, "Você ainda tem magia suficiente para um disparo?"

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Após um longo túnel, Oriko chegou em um dormitório. O espaço era imenso, com muitas camas.

Sentada em uma das camas, estava a única pessoa na sala. Uma mulher negra, com uma saia metálica verde e um grande colar de ossos cobrindo a fronte de seu torso nu. Ela estava sentindo com os dedos a textura do relevo da azagaia que estava em seu colo, quando então notou a visitante. Sem apresentar uma mudança em seu semblante, ela se levantou, caminhou até o centro do dormitório e segurou firme sua arma afiada, em uma postura de batalha.

"Um incômodo," Oriko murmurou. Após um suspiro, ela declarou em voz alta, "parece que isso não vai adiantar, mas eu sinto que seria uma falta de educação não falar sobre isso."

Revenante mantinha a mesma postura.

"Nós não matamos Madre."

Porém o seu semblante quebrou-se em um franzir de sobrancelhas.

Oriko continuou, "Foi outra pessoa. Uma mulher alta, pele escura, cabelos brancos longos... Talvez você conheça quem é. Ela fez isso claramente para que vocês continuem acreditando que somos seu inimigo."

Revenante relaxou sua postura, enquanto sua face ficou mais tensa e seu olhar mais arregalado.

Oriko suspirou novamente.

"Mas que monte de merda." Revenante balançou a cabeça, incrédula. "Você só pode tá de zoação, ainda mais com esse seu inglesinho comportado. Eu prefiro quando vocês bruxas só falavam coisas sem pé nem cabeça."

"Eu apenas falo a verdade," Oriko disse, "mas não é você que deve ouvi-la. Eu conto com que suas amigas que estão em fuga sejam mais compreensíveis."

Revenante arregalou os olhos. "Como você..."

Oriko sorriu.

Merda! Ela me pegou. Eu não devia ter reagido assim! Revenante ergueu o braço para arremessar a azagaia. "Por Madre e Valquíria!"

Oriko se preparou para se desviar, mas a azagaia que voou em sua direção parecia mais que havia sido disparado de um canhão. Ela não havia movido nem sequer um centímetro, quando arma perfurou o seu torso. Tamanha era a força, sua parte superior do corpo se esmigalhou e suas tripas e sangue respingaram pelo chão, parede, teto e os lençóis das camas.

Oriko piscou os olhos.

Revenante ergueu o braço para arremessar a azagaia. "Por Madre e Valquíria!"

Dessa vez, Oriko desviou de antemão. A azagaia passou perto, voando para dentro do túnel que estava atrás da garota. A loira não teve tempo de medir quão perto, pois ela notou que a mulher negra já havia encurtado a distância entre as duas. Com uma nova azagaia conjurada em suas mãos, a mulher deu uma estocada, como uma lança. Oriko só pôde arregalar os olhos antes de ter seu crânio perfurado.

Oriko piscou.

Revenante ergueu o braço para arremessar a azagaia. "Por Madre e Valquíria!"

Oriko desviou da primeira azagaia, mantendo sua atenção na mulher. A mulher veio correndo, em uma velocidade sobre-humana, conjurando uma azagaia. Assim como antes, Oriko tinha que desviar de antemão e fez isso girando o corpo, evitando a estocada por um triz.

Então a mulher negra também fez um giro com o corpo, para aplicar um chute.

Ao menos não era uma arma afiada. Oriko fortaleceu seus braços com magia para bloquear o golpe.

Terrível erro.

Era como ser atingida por uma rocha de dezenas de toneladas. O corpo arrebentado de Oriko voou contra parede de concreto e caiu no chão, manchando ambos de vermelho. Olhando para o teto, viva, consciente, mas em choque, a loira tentava processar o que havia acontecido até aparecer a figura de ébano triunfante sobre ela.

"Belos desvios, lixo," Revenante disse.

O olhar de Oriko focou na ponta da azagaia, até a arma o perfurar.

Então, Oriko reabriu os olhos.

Revenante ergueu o braço para arremessar a azagaia. "Por Madre e Valquíria!" E fez isso, mas viu a loira sair da linha do arremesso bem na hora. Sem pensar duas vezes, ela avançou em direção a bruxa em super velocidade, conjurando uma nova azagaia em suas mãos. Ela golpeou com a arma, certa de causar um empalamento, mas a sua inimiga girou o corpo em um desvio preciso. Inspirada pelo movimento, Revenante fez o mesmo, para executar um chute, concentrando a força de sua magia nos seus já fortes músculos da perna. Ela sentiu que seu golpe havia conectado em algo, mas quando notou, era apenas a mitra que a bruxa usava!

Oriko havia se agachado para evitar o golpe mortal.

"IIIÁÁÁÁHHHH!" Com um urro de guerra, Revenante rodopiou a azagaia em mãos.

Oriko saltou para trás, vendo um flash metálico verde quase raspando seu torso. Ela aterrissou sobre uma das camas.

Revenante arremessou a sua arma.

Oriko pulou para a outra cama bem a tempo. A azagaia apenas acertou a parede, arrancando um grande pedaço do concreto.

Ainda mais irritada, Revenante conjurou duas azagaias, uma em cada mão. Ela deu um salto, o impulso lhe conferindo a velocidade de um torpedo.

Oriko novamente pulou para outra cama, aterrissando com graça.

Enquanto isso, Revenante esmagou a cama onde a sua adversária estava anteriormente. Ela saltou de novo imediatamente, continuando a perseguição, mas, para a sua surpresa, ela viu a bruxa saltar em sua direção. Os olhos cor de mel se encontraram com olhar verde oliva, pertencendo a um calmo semblante.

Oriko dobrou seu corpo em pleno ar, um movimento preciso, evitando as azagaias e a mulher negra, deixando passar ao lado, como um touro e seus chifres.

Revenante aterrissou na cama, a destruindo.

Oriko voltou a pôr os pés no piso, e parou. Ela sabia que não precisaria se mover, por um momento.

Revenante deixou a cama, andando, com expressão que variava entre ódio e incredulidade. "Como?! Isso não pode ser reflexos! Parece mais que você tá lendo a minha mente sobre o que irei fazer."

Oriko abaixou o olhar, sorrindo. "É mais do que isso."

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####AVISO####

Destruição dos dados e desse servidor só devem ocorrer em casos excepcionais ou sob autorização formal da Matriarca ou de representante indicada. Atos fora dessas ocasiões são passíveis de punições, conforme o artigo 37 do estatuto da gerência da Irmandade.

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:Essa execução é irreversível. Continuar? (S/n)

:s

:Por favor, apenas (S)im ou (n)ão.

:Essa execução é irreversível. Continuar? (S/n)

:S|

Assim que Leona pressionou o botão de confirmação, a tela do terminal apagou. Logo ela ouviu o som das ventoinhas dos servidores ficar mais barulhento. Conforme o que ela sabia sobre o protocolo, os dados seriam embaralhados e apagados, para então o próprio equipamento começasse a queimar. O processo todo deveria levar alguns minutos.

Tempo o suficiente para mais uma tentativa.

[Estér, eu estou na central de dados, me encontre comigo. Eu tenho um plano, nós podemos lançar o foguete. Eu ordenei Revenante e Sortuda abandonar a base com as noviças. Nano ainda está no silo, Invasora deve estar lá também, mas não deve ser problema, pode até ser útil. Invasora me disse que o foguete ainda não estava pronto, mas deve ser detalhes. Ele parece pronto, você pode forçar elas a construir o que falta. Você e eu podemos lutar contra essas bruxas e... Nós teremos sementes, certo? Nós podemos tentar. Não temos escolha. Por favor! Responda! Me responda!]

O som das ventoinhas era a única coisa que Leona ouviu. Sentindo que seus olhos estavam prestes a lacrimejar, ela os fechou e respirou fundo. Se há alguém com poder para encontrar Estér, seria ela.

Recobrando a compostura, Leona se preparou para deixar a sala, mas então notou algo no chão.

Uma das lajotas de poliestireno estava muito mal encaixada.

Leona se ajoelhou e levantou a lajota. Usando a gema em seu anel, ela iluminou o espaço escuro abaixo.

Era uma bagunça. Os cabos estavam espalhados, eles não formavam mais tubos, as amarras haviam sido desfeitas.

Leona sentiu um vazio transfixando seu coração. Ali estava uma revelação, mas vinda tarde demais. Ela foi tola, todas foram. "El ladrón... estuvo aquí."

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Com algumas caixas, Invasora e Nano haviam preparado uma barricada. Elas estavam à uma boa distância das pesadas portas de metal fechadas, a entrada do silo, com a criança apontando sua imensa Nano Force Gun em direção a ela.

Invasora reafirmou, "A bruxa é forte, mas sabemos que podemos surpreendê-la. Eu pude vigiá-la e eu sei que ela é capaz abrir portas com magia, mas ela precisa tocar primeiro. Quando eu der a ordem, atire."

Nano assentiu, enquanto mantinha o canhão futurista acoplado em seu braço em posição.

Houve um silêncio, as portas permaneciam imóveis, nem sequer uma trepidação.

As garotas ouviam suas próprias respirações enquanto aguardavam pelo inevitável.

Então, um tênue brilho lilás começou a envolver as portas.

Nano olhou para Invasora.

A bailarina mantinha a sua atenção na porta. "Espere a minha ordem."

O brilho ficou mais forte e, logo depois, foi possível ouvir o início do som de deslizar das portas se abrindo.

"Agora!" Invasora clamou.

Nano disparou a arma imediatamente. O canhão vibrou e zumbiu, seguido pelo flash de luz verde cegante e um estrondo.

Foi um breve momento até Invasora recuperar a visão e ver o resultado.

As sólidas e grossas portas haviam desaparecido, havia apenas alguns resquícios, derretendo em poças de luminescência verde. Uma parte do túnel logo atrás das portas, e quem estivesse ali, havia compartilhado do mesmo destino.

"Nós... ah... nós conseguimos?" Nano desfez o seu canhão, com sua manopla agora apitando, alertando sobre o estado esgotado de sua gema.

Invasora engoliu seco.

Um singelo instante depois, a garota com roupas fúnebres, segurando uma ampulheta, estava dentro da área do silo, olhando paras as duas irmãs atrás da barricada.

Nano demorou mais tempo para processar o que estava vendo do que para compreender o que isso significava. Sua face empalideceu. "Ah... ahnnn..."

Invasora deixou a barricada.

Nano olhou para ela, surpresa.

A bailarina parou e olhou para criança. "Eu não te contei antes, mas eu notei e desconfio que há algo muito errado acontecendo. Se a minha intuição estiver certa, isso pode salvar as nossas vidas. É a nossa última chance."

Nano não entendeu nada sobre o que ela estava dizendo, mas pôde sentir a seriedade nas palavras, e uma pitada de desespero.

Se esforçando para esconder a dor em seu semblante, Invasora perguntou em tom baixo, "Você confia em mim?"

Ainda que timidamente, Nano assentiu.

Invasora forçou um sorriso, mas havia de fato um certo alívio. Vendo a criança encolhida, tremendo de medo, lhe deu a certeza de que Nano não queria morrer.

Homura notou que a areia em sua ampulheta havia exaurido, ela desfez o artefato mágico, mas sempre mantendo os seus olhos roxos nas duas ameaças.

Invasora olhou para a bruxa e começou a se aproximar.

Homura franziu as sobrancelhas e manteve a palma da mão aberta, pronta para conjurar uma nova ampulheta.

Invasora parou e ergueu os braços, em um sinal de rendição. Então, ela começou a falar em japonês, "Eu sou Hellen Nakamura. Você é Homura Akemi, não é?"

"Você sabe o meu nome..." Homura não relaxou a sua postura, seu olhar atento para qualquer truque. "Eu não estou surpresa, vocês devem ter nos vigiado por um longo período enquanto planejavam destruir a cidade."

"Destruir... a cidade?" Hellen franziu a testa.

"Não se faça de desentendida." Homura rangeu os dentes. "Não agora que estou olhando para arma que vocês irão utilizar para explodir Mitakihara."

"Arma?" Hellen notou para onde a outra garota estava olhando. "Isso não é uma arma! É um foguete espacial que irá colocar um satélite em órbita."

"Você ainda ousa mentir?" Homura ameaçou, "Saia do meu caminho ou eu te mato."

"ISSO NÃO É UMA MENTIRA!"

Homura paralisou diante da ferocidade da bailarina.

Nano não compreendia as palavras, mas ela nunca sentiu tanta emoção vinda de sua amiga.

"Eu sou desprezível, egoísta, eu sei do que estou dizendo," Hellen pôs ênfase em sua afirmação, "eu tive vergonha quando entrei para Irmandade, pois há muitas pessoas boas aqui. Eles não defendem apenas as garotas mágicas, eles olham por suas famílias, eles sempre levam em consideração o lado humano, com responsabilidade, inspiradas na nossa líder, Matriarca. Aquela que vocês mataram na entrada era uma dessas pessoas."

"Nós não a matamos," Homura disse, "uma mulher de cabelos brancos fez isso, alguém do seu grupo."

"O quê?" Hellen ficou confusa.

"Último aviso," Homura ameaçou novamente, "deixe-me destruir essa arma, para o seu bem."

"Isso não é uma arma. O dia que a Irmandade decidir destruir uma cidade... É o dia que ela deixa de existir." Mais certa de que algo estava muito errado, Hellen semicerrou o olhar. "Onde você conseguiu essa informação. Como sabia que nós estávamos aqui?"

A imagem de Oriko veio na mente de Homura. Ela fechou os olhos momentaneamente, como se pudesse apagá-la dessa forma.

A reação sutil bastou para Hellen concluir, "Oh não... Foi alguém que te contou isso, não foi? Quem?"

"Saia do meu caminho..." Homura estremeceu. "Saia do meu caminho! Não faça isso ser mais difí-"

"Eu acredito em você," Hellen declarou.

Homura ficou sem palavras.

"Você não matou Madre, senão já teria me matado." Hellen pôs sua mão, coberta pela manga de seu uniforme, sobre o próprio peito. "Agora você tem que acreditar em mim, você... tem... que..."

Homura viu a outra garota arregalar os olhos, boquiaberta. Pela direção que estava olhando, era algo em suas costas, e era uma reação genuína demais para ser um truque. Ela virou.

Na entrada do silo havia um homem. Uniforme branco, como uma batina de padre, com um manto vermelho nos ombros. Em sua mão, uma cruz de prata com pontas afiadas.

Homura endureceu seu semblante, certa de que a luta estava apenas começando.


Próximo capítulo: Os lados do conflito