I PARTE - A ENTREVISTA

Entrou razoalvelmente nervoso naquela sala, na verdade, no quarto do hotel, Alisson Skeeter sentou-se observando cada parte da decoração nem um pouco austera do escritório do quarto luxuoso do hotel sete estrelas, um hotel trouxa. Seria estranho encontrá-lo no mundo trouxa... o maior bruxo de todos os tempos, para ele mesmo uma lenda viva, um mito, setenta anos depois e a história ainda era contada com exatidão, ele mesmo nascera quase cinquenta anos depois dos fatos, depois de todo esse tempo, setenta anos, e Voldmort ainda era um nome que inspirava receio e apreensão, setenta anos e Harry Potter não fora mais visto, tinha ido embora, a maioria esmagadora afirmando que ele apenas queria paz...

Alisson estava ali, como um adoslescente nervoso, esperando, provavelmente um velhinho de barba branca e olhar sábio com noventa e cinco anos de idade, estava morrendo de curiosidade de ver como estaria o eterno menino-que-sobreviveu, desde que se especializara em estudar a famosa segunda guerra depois de encontrar os inúmeros recortes de sua tia-avó Rita quando decidira limpar o nome da família, não se sentia tão nervoso, ansioso, muitos relatos de filhos e netos, poucas versões oficiais, afinal a maioria dos grandes bruxos envolvidos morrera, ou estava velha demais para lembrar, mas agora teria a história toda, o fim, aquilo que faltava, a visão final da guerra por seu principal ícone, quem se tornara o jovem que destruíra Voldmort após tudo acabar...

Esse pensamento insanamente excitante foi interrompido quando um rapaz entrou e sentou-se na cadeira a sua frente, meio de lado como quem também espera.

Alisson o olhou, nunca tinha visto algo tão... exótico, nem sentido, não conseguia definir o que sentia, até ficar envergonhado... o achava bonito, imensamente bonito.

Ele sorriu, um sorriso malicioso de quem sabe o que o outro está pensando...

Alguns bruxos eram legilimentes... mas Alisson era um ótimo oclumente, talves tivesse corado por que os pensamentos que lhe passaram pela cabeça eram, digamos, muito estranhos, porque nunca tinha sentido aquilo, muito menos por um homem...

Ele parecia-lhe vagamente familiar, mas não conhecia nenhum homem como aquele rapaz, jovem, uns vinte anos no máximo, estatura média baixa, uma pele branco marfin, que destacava os longos cabelos negros rebeldes, contrastava com os belos lábios avermelhados e os mais lindos olhos verdes que já vira, olhos iguais ao do famoso Potter, sim, era isso que ele lhe lembrava, lembrava vagamente o jovem rapaz que destruíra o Lorde das Trevas... mas as fotos de Potter naquela idade tinha marcas inconfundíveis da dor de uma guerra, da exaustão, a criatura a sua frente não, beleza intocada.

-Tem certeza disso?- perguntou o rapaz se endireitando para encará-lo.

Os olhos que o encaravam tinham uma profundidade estranha.

-Certeza de que?- Alisson perguntou surpreso.

-Que minha beleza é intocada?- disse o rapaz ao passar a mão no próprio rosto.

-Você está lendo minha mente!

-Isso não devia ser novidade para você...

Alisson deu um suspiro contrariado, não tinha vindo para servir de brinquedo para um parente do velho Potter, sim, porque o rapazinho devia ser um parente... tinha mais coisa a fazer da vida.

-Eu vim para falar com Harry Potter.

O rapaz sorriu, fez um aceno para que continuasse que o irritou.

-Olha, muito engraçado da sua parte, quer me testar? Eu fiz um estudo minucioso da vida de Potter, você pode ser muito parecido com ele, mas quero muito começar minha entrevista.

-Então faça as perguntas Alisson.

-Você está brincando comigo?

Um riso discreto e o rapaz passou a mão arrepiando os longos cabelos, como cabelos tão longos se arrepiavam daquele jeito? Então os olhos acompanharam uma mecha que repousou sobre uma marca... Alisson sentiu um súbito frio na barriga, na testa do jovem havia uma cicatriz muito fina, mas bem visível... um raio.

-Não pode ser...- balbuciou.- Isso é uma fraude...

-Você é o perito.- o rapaz se recostou e voltou a encará-lo.- Aceitei falar com você porque você mesmo disse que gostaria de ouvir a história da pessoa... não fazer uma Elegia ao mito.

-Besteira! Quem é você?

-Eu sou Harry Tiago Potter.- ele falou sem nenhum eco de emoção.

-Impossível, você deve ter uns vinte anos!

-Noventa e quatro anos, sete meses e treze dias...

-Bela bricadeira...- riu se levantando.

Estacou perante a enorme serpente que circundava a mesa, então escutou o sibilar a suas costas, se virou devagar para ver a outra serpente...

Mas não havia outra serpente, o rapaz sibilava... um ofidioglota.

Mas só houveram dois bruxos com essa capacidade nos últimos séculos.

Um estava morto...

Voldmort.

O outro aparentemente estava a sua frente...

Harry Potter.

-Isso é imposível!- disse voltando a sentar-se- ... mas como?-balbuciou olhando a serpente escalar a perna do rapaz.

-Não foi para saber disso que veio Alisson Skeeter?- disse estendendo a mão para a serpente que se enrolava devagar nele.- Para saber o que aconteceu com Harry Potter em setenta anos de desaparecimento? - o olhou enquanto a cobra escalava seu corpo.

Alisson sentiu um estranho tremor ao ver a cobra se enrolar no pescoço do rapaz... uma coisa tão selvagem... tão estranha, mas não era possível, seria uma ilusão? Uma fraude?

-Para constar Alisson, sua tia-avó era uma animaga ilegal que se tranformava em besouro... quem descobriu isso entre nós foi Hermione Granger...-Harry sorriu dolorosamente.- Que capturou-a após a terceira tarefa do torneio Tribruxo e a chantageou para fazer a entrevista comigo quando o ministério ainda se negava a me ouvir... a primeira entrevista que dei a ela foi num armário de vassouras... mas a que fez para o Pasquim foi feita no três vassouras, junto com Hermione e Luna Lovegood.

Detalhes demais para ignorar, detalhes que ela escrevera no diário que deixou no sótão da casa, intocado por muito tempo, as poucas pessoas citadas que poderiam ter conhecimento daquilo estavam mortas.

O silêncio imperou por algum tempo.

-Então Alisson Skeeter, convencido?- disse ele afagando a cabeça da cobra.

-Mas como isso é possível... Como ...

-Eu posso contar Alisson, mas creio que você terá que entender coisas demais.- o olhou.- Desculpe mas pode ser uma decepção em tanto...

Alisson sentiu o coração disparar, se aquele era mesmo Harry Potter, devia ter algo grande para contar... grande certeza.- sorriu ele dispensando a cobra que desceu devagar dos seus ombros.-Se puder ser um bom ouvinte.

-Eu... claro...-disse despertando.-Eu li todos os relatos da guerra senhor Potter...

-Apenas Harry... senhor? De certa forma, nunca serei um senhor.

-Eu.. posso?- disse puxando o pergaminho e uma pena de repetição rápida que parou em cima da mesa, ouviu a cobra sibilar mais ao longe.

-Essa é a idéia Alisson.- sorriu o rapaz.- Quer beber algo? Será uma longa história.

Aceitou uma bebida, olhou-o servir, realmente a coisa mais intrigante que já vira...

E nem imaginava o que ia ouvir...

-Podemos começar do momento em que a guerra acabou...- disse ao segurar a taça que lhe era oferecida.

No momento em que a guerra acabou...

-Isso é uma definição vaga Alisson, o momento em que a guerra acabou... pode ter sido no momento em que uma nova maldição Avada Kedrava ficou presa entre minha varinha e de Voldmort? Ou quando eu dei o golpe de misericórdia em Voldmort? Ou quando finalmente terminamos de prender os Comensais da Morte mais perigosos e influentes?

-Ah... desculpe.- disse meio atrapalhado.

-Tudo isso já foi dito Alisson, você mesmo comentou, podemos começar com a minha insanidade depois daqueles dias...

-Insanidade?

-Sim.

"Logo que saí do hospital StMungus eu percebi que o mundo arruinado que tantos bruxos e bruxas estavam tentando reeguer na euforia da libertação não tinha comparação a ruína que me havia restado... os que eu amava estavam mortos, desaparecidos, eu estava sozinho... e ninguém poderia entender o que eu sentia..."

Aparatou no meio do Largo Grimauld, sozinho, abatido, magro, olheiras imensas, ainda enfaixado, olhando em volta, andou alguns passos antes de desabar no chão, chorando...

"Entenda Alisson, aqueles em que confiei, como Lupin, Dumbledore, Arthur e outros tinham sucumbido, meus amigos, Hermione e Rony haviam morrido para me salvar... a garota que amei, desaparecida após ser sequestrada por Voldmort,meus amigos... todos, a grande maioria tinha desaparecido ou morrido, o que na época era a mesma coisa... além daqueles que se afastaram por medo ou que de certa forma traí em benefício da maioria, haviam sido seis anos de luta interminável e incansável após deixar os muros seguros de Hogwarts formado, seis anos de luta e eu estava sozinho, o mundo me amava, mas eu estava morto por dentro."

-Diretor de Hogwarts!-disse alegremente Dédalo Digle.

-Não tenho idade para isso.- disse na cozinha do Largo, xícara de chá na mão, sem sequer olhar para o bruxo na lareira.- Além disso é hora do velho Snape assumir o que é seu por direito e merecimento.

O silêncio imperou até o chá acabar, e quando se virou a lareira estava vazia.

"Ser o mais novo diretor de Hogwarts? Eu não poderia, não conseguiria cuidar de toda uma geração de orfãos sendo eu mesmo uma pessoa sem nenhuma estrutura, não suportaria conviver com as lembranças que infestavam o lugar... nunca poderia encarar o retrato de Dumbledore tendo causado sua morte."

-Ministro da magia Harry!!!-Sorriu Emelina.

-Não!- disse olhando a lareira com ar distante.- Não quero mais nenhuma responsabilidade na vida, além de caçar os Comensais que sobraram sem julgamento.

Havia mais solidão na voz do que revolta, apenas observou a bruxa perder o sorriso antes de dizer um até mais...

" Não era a responsabilidade na verdade, naquele momento eu achava que se tivesse que encarar as pessoas desabaria de ódio... porque todos estavam felizes, aliviados e eu não tinha no que me agarrar além de lembranças dolorosas e ecos perdidos, além do mais bastava que eu ficasse dois minutos num lugar público para ser desafiado."

Harry estava saindo dos cofres acompanhado de um duende, no meio do salão do banco Gringotes quando dois bruxos parados a certa distância, bloquearam o caminho.

-POTTER!!!

Puxaram as varinhas, inevitável, acabou tirando a vida de um... eram irmãos.

O que sobrevivera ainda berrava maldições de todos os tipos enquanto ele apenas observava em meio aos escombros e vítimas sendo socorridas por curadores.

-Minha tia notíciou esse incidente.- disse Alisson.

Interrompido o fluxo de lembraças se permitiu olhar o rapaz.

-Eu e Rita não nos demos bem, eu nunca soube o motivo.

-Ela não tinha ética.-disse ele sério.

Harry Potter sorriu.

-Se você lembra do tom desse artigo, pode entender como me senti.

Bebia uma garrafa da cerveja amanteigada enquanto lia o artigo, se levantou e jogou o jornal na lareira, ficou observando o jornal se queimar sem conseguir despregar os olhos do título e de algumas frases do artigo.

POTTER EM GRINGOTESUM MORTODOZE FERIDOS.

...se Potter tivesse juízo evitaria lugares públicos...

... jovens bruxos e estrangeiros são tentados a desafiar Potter que continua sua caçada por ex-comensais...

...violento, em nenhum momento tentou um diálogo...

"E dessa vez ela conseguiu, a opinião pública não criticou diretamente, não me evitavam, mas comecei a perceber a paz que se instalava nas faces quando eu recusava um convite, me senti tão mal e culpado pelas pessoas feridas que não saia mais do Largo, prisioneiro de minha fama. Aprisionado em minha solidão, até ela começar a corroer minha sanidade."

O rapaz o olhava arrebatado, levantou com um suspiro, marcas antigas e indeléveis, ainda carregava aquele peso.

-Isso nos leva ao verdadeiro começo da minha história Alisson, a história que quero lhe contar, -se virou para a janela e observou o entardecer que tingia o céu de um tom vermelho escuro e intenso, voltou a olhar o rapaz se encostando no batente.- De certa forma é uma história bonita... mas não é uma história de redenção, é uma história sem heróis.

Alisson só conseguia perceber-se encantado, ouvindo apaixonadamente aquela voz sensualmente rouca do bruxo recortado contra um céu vermelho sangue.