Título: Amor, 8º Pecado Capital
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, AU, angust, preconceito
Pares: 1x2, 3x4
Resumo: Todas as dificuldades que um casal homossexual pode encontrar no início do século XVII
Aviso: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!
"Se amar com toda a alma é considerado pecado,
então admito que desse crime sou culpado."
Amor, 8º Pecado Capital
Kaline Bogard
Prólogo
A situação entre Portugal, Espanha e Inglaterra podia ser considerada tensa... isso no mínimo. Os gigantes da navegação em inícios do século XVII, eram sem dúvida alguma os dois primeiros, nações experientes em desbravar os mares, e ricas graças às novas terras descobertas.
Espanha arrancava do Novo Mundo, o México, tesouros incas, assim como toda a cultura de seu povo. Enquanto Portugal sugava as pedras preciosas e o valiosíssimo pau-brasil de sua nova colônia: o Brasil.
Porém esses dois paises viram seu reinado ameaçado, quando a Inglaterra, sob comando do intrépido rei Harry, decretara-se como o primeiro país protestante e rompera não só com o Papa, mas com Portugal, seu aliado confiável de séculos, e sem receio algum, lançara seus navios ao mar, dispostos não só a desbravar, mas a requisitar para si, tesouros que pertenciam a seus inimigos.
Tentando manter seu poderio, Portugal permitiu que a Espanha ampliasse sua influência, a ponto tal, que Inglaterra precisou se aliar a Neerlândia, ou Holanda, como alguns a chamavam.
Com medo do gigante que surgia, toda a estratégia era válida, de ataques traiçoeiros aos navios mercantes, a verdadeiras carnificinas em aldeias indefesas. Milhares de pessoas perderam suas vidas.
O resto do mundo 'civilizado' apenas assistia tal disputa por poder, enquanto as colônias resistiam e tentavam sobreviver da maneira que fosse possível.
Foi então que, em 1529, o Papa Clemente VII sancionou o Tratado de Saragoza, incluindo uma linha sobre o Japão meridional, que dava à Portugal o direito exclusivo de exploração.
E a partir daí, o Japão teve que tomar medidas drásticas para não ser sobrepujado.
Prólogo – 1598
Japão – Feudo Toranaga
A reunião secreta se realizava na residência oficial do daimio Yoshi Toranaga, senhor de Kwanto - as Oito Províncias -, cabeça do clã Yoshi, general-chefe dos exércitos do leste, presidente do conselho regente, entre outros.
Toranaga observava calmamente a carta que recebera naquele mesmo dia, através de um pombo correio. As notícias não poderiam ter sido mais preocupantes. Além do adoradissimo taicum estar gravemente doente, havia a nova movimentação dos bárbaros portugueses, a quem tinham que aturar.
- Entende isso, meu caro sobrinho? - o general indagou a um jovem de cabelos muito negros, e olhos azuis cobalto que estava sentado tensamente a sua frente. - Se o homem que comanda o Japão morrer agora, seu filho não poderá reclamar o trono, pois tem apenas sete anos. Os clãs mais poderosos entrarão em guerra pelo poder.
- A paz será novamente destruída.
Toranaga olhou para o jovem. Apesar de ter apenas treze anos, seu sobrinho já era um garoto de pensamento maduro e raciocínio lógico muito apurado. Toranaga confiava nele cegamente, sabendo que aquele jovem samurai lhe era o mais fiel e devotado de todos.
- Sim, sobrinho de minha prima. Como se não fosse o suficiente, temos problemas com esses selvagens vindos do sul. Problemas políticos graves... mas que você talvez ainda não possa compreender.
- Foi por isso que o senhor solicitou minha presença?
- Sabe que confio em você, pois é igual ao excelente samurai que seu pai foi, e sua mãe é.
- Do que se trata?
- Portugal tenta estabelecer um tratado com a Inglaterra, e solicitou nossa ajuda formal, pelo bem do nosso comércio. Eles pedem a presença de um embaixador japonês em Portugal, que possa estar a disposição das decisões tomadas.
O jovem de cabelos negros não pode esconder sua surpresa.
- O senhor deseja que eu vá?
- Só posso confiar em você. Nossas relações com a China estão cada vez piores. Se perdermos o apoio de Portugal, perdemos a preciosa seda e outras especiarias. (1)
- Mas...
- A viagem é longa e perigosa. E a terra dos selvagens ainda é desconhecida para nós... mas essa noite, nessa reunião secreta, eu evoco o seu giri, meu sobrinho. E em nome do sangue samurai que tem nas veias aceite essa missão.
O garoto piscou, sentindo seus ombros pesarem diante de tanta responsabilidade. Não poderia recusar, ou sua honra ficaria manchada para sempre, e só lhe restaria a opção de cometer seppuku.
Tentando não aparentar seu desanimo, ele reverenciou, curvando-se da maneira correta e polida.
- É uma honra que meu suserano confie tal missão a mim. Sou apenas um depreciável samurai... mas se for vossa vontade sairei do Japão e viverei entre os bárbaros, assumindo que a paz é minha única missão.
Toranaga balançou a cabeça, mostrando que aprovava e dando a situação por encerrada.
- A partir de hoje esqueça seu nome samurai. Use apenas o nome que recebeu dos padres invasores. Atenda apenas a Heero Yui.
- Se for sua vontade, senhor Toranaga.
- Todas as providências já foram tomadas, você partirá em um navio português na próxima semana. E não se esqueça: deve fazer quaisquer sacrifícios em nome da paz.
Heero assentiu e saiu da sala, pisando sobre o tatami de primeira linha, fazendo seus passos soarem silenciosos na noite que já ia avançada.
Como poderia se esquecer daquilo? Teria que abandonar o Japão, sua terra-mãe que tanto amava, abandonaria sua família querida e seus companheiros de batalha, logo agora que uma nova guerra ameaçava a paz conquistada a duras penas. Tudo isso em nome de seu giri, ou dever de samurai.
Na verdade, os sacrifícios começavam naquele exato segundo.
Colônia dos Estados Unidos
- Ai, ai, ai... as coisas continuam sempre da mesma maneira...
Duo suspirou, enquanto observava as pequenas ondas quebrando na praia. Os longos cabelos castanhos estavam presos em uma trança, que ondulava devido a brisa leve. O jovem tinha apenas treze anos, mas sentia como se já tivesse muitos mais.
Era filho de pais ingleses, que haviam sido mandados a Colônia Americana por ordens diretas da Rainha... ele nascera ali, por isso era considerado americano, mas tinha sangue nobre.
Infelizmente seus pais faleceram quando ainda era um bebê, e o garoto de tranças acabara sendo criado por Pe Maxwell, de quem adotara carinhosamente o sobrenome.
Porém a vida naquela colônia era por demais calma e rotineira...
Duo estava se cansando daquela vida. Queria conhecer pessoas novas, e lugares diferentes! Seu sonho secreto era conhecer a Inglaterra, terra natal de seus pais, e onde ele tinha propriedades e um título, herança recebida da própria Rainha.
- Mas acho que a Inglaterra está longe demais...
Os olhos violetas se fixaram no longínquo horizonte. Pelo visto teria que assistir a vida passar, sem poder realmente fazer parte de nada...
oOo
Pe Maxwell olhou atentamente para os dois homens que adentravam sua pequena igreja. Um deles era seu conhecido de longa data, tratava-se de Treize Khushrenada, capitão-piloto do Leviatã Vayeate, a serviço direto do Primaz de Madri. O outro desconhecia completamente.
- Pe Maxwell, é realmente um prazer revê-lo.
- Treize! - o Pe sorriu espontaneamente. - Quando foi que seu navio atracou? Não o notei em nosso pequeno porto.
- Viemos por terra, já que ancoramos em terras do Havaí. Fomos muito bem recebidos pelos nativos.
- Aquele é um povo acolhedor.
- Então viemos pelo noroeste, caminhando, alguns homens e eu. Ah, este é Chang Wufei. Ele está conosco por pedido do imperador chinês. Ele quer que ensinemos tudo sobre nosso mundo para Wufei, e depois de alguns anos o levaremos de volta as praias de Catai...
- Muito prazer, jovem Chang Wufei.
O chinês apenas observou o religioso, sem esboçar qualquer reação.
- Ele ainda não fala o nosso idioma muito bem... - Treize sabia que não era verdade, afinal Chang era excelente aluno, e dominava línguas latinas com facilidade surpreendente, mas era melhor uma mentirinha inocente, do que dizer ao bondoso padre que Wufei não o 'achava digno' de uma resposta - Está aprendendo...
- Ah! Claro! Mas... o que faz por aqui?
- Vim a mando de Nossa Majestade... a rainha me disse que o senhor estava incumbido da cópia de alguns documentos importantes.
- Sim, sim. São portulanos portugueses. Ou seja, mapas de várias rotas marítimas descobertas pelos portugueses...
- Eu sei o que são portulanos, padre. Não se esqueça de que também tenho os meus. Todo piloto que se preze possui pelo menos dois... - apesar da 'reprimenda' Treize sorria abertamente.
- Desculpe! Não fiz por mal. Mas o senhor continuará suas viagens pelo mundo?
- Sim, depois de deixar esses portulanos na Inglaterra. Sei que Nossa Majestade precisa deles urgentemente, para uma expedição através do estreito de Magalhães.
Ao ouvir aquilo o padre deu um pequeno salto, e apoiou-se num dos bancos de madeira, tal foi a sua alegria.
- Vai para a Inglaterra? Direto pra lá?
- Sim. - Treize não entendeu a reação do religioso. Wufei apenas observou disfarçando o interesse.
- Quanto tempo de viagem?
- Ora, não sei, padre. Se o mar estiver bom, talvez um ano e meio, talvez dois anos... quem sabe? Se não pegarmos nenhum tempo muito ruim, acho que chegaremos nessa previsão. Porquê?
- Meu amigo, você foi enviado por Deus! Tenho aqui um jovem pássaro que acabou de ganhar suas asas, e está ansioso pela chance de testá-las.
Então a expressão de Treize se endureceu, e ele ficou subitamente sério.
- Padre Maxwell, o senhor sabe que não aceito novos marujos, a não ser os autorizados por Nossa Majestade. O mar é perigoso e eu já tenho muitas responsabilidades para assumir mais uma...
- Oh não! Não se trata disso!
Em poucas palavras o padre contou a história de Duo Maxwell.
- Então o senhor compreende, capitão-piloto? Duo tem posses e um título dados pela própria Rainha, mas aqui não passa de um simples órfão. Eu aguardava que algum navio real passasse por aqui, mais cedo ou mais tarde, e nessa lá se foram bons anos.
- Não sei...
- Só peço que o senhor o deixe aos cuidados de alguma amigo de sua confiança em Londres, que o possa ajudá-lo. Ora, Duo é um excelente garoto, e não vai dar trabalho algum, hum... ele deve ter a idade do jovem Chang, talvez eles tornem bons amigos.
Treize Khushrenada suspirou de leve. O que o padre pedia era razoável. Apenas um favor entre amigos, de modo que não viu mais empecilhos.
- Está bem. Diga ao garoto que vamos partir em três dias. Ele deve estar preparado.
Padre Maxwell sorriu, assegurando que Duo estaria com tudo certo, no dia marcado. A felicidade do religioso não teve tamanho... aquele era o momento que tanto esperara em toda a sua vida.
Tinha que admitir que sentia um pouco de tristeza, por ter de se separar do jovem tão alegre e cheio de vida, mas o americano de olhos violeta necessitava seguir seu caminho, e reclamar o que era seu por direito.
- Espero que nosso bom Deus reserve surpresas maravilhosas para Duo.
E não teve dúvidas que seu jovem amigo só encontraria boas coisas em seu caminho...
Londres – Inglaterra
- JAMAIS FAREI ISSO!!
- Mas minha irmã...
- Zechs... você enlouqueceu? ACHA QUE EU, RELENA PEACECRAFT VOU ME CASAR COM UM MALDITO JAPONES? UM BARBARO?! NUNCA!
Os dois únicos membros da família Peacecraft estavam sentados em sua sala de jantar, numa das melhores casas de Londres. Relena espumava de raiva, enquanto Zechs tentava contornar a situação.
- Relena...
- E eu sou muito jovem! Tenho apenas treze anos!
- Não seja ridícula. Ele chegará ao nosso continente em dois ou três anos. Até lá você estará passando da idade. Estamos em fins do século XVI, quer morrer seca e sem filhos, solteirona?
- NÃO! MAS NUNCA CASAREI COM UM JAPONES SUJO E PEÇONHENTO! NUNCA, ENTENDEU?!
- Relena, isso é necessário para a paz e...
- Não entendo nada de estratégias políticas! Sei apenas que sou prima da Rainha em terceiro grau. Devo me casar com um nobre inglês rico e poderoso, não com um selvagem japonês! Argh, que asco!!
- Me escute com atenção, vou tentar explicar o que está acontecendo... Portugal é um pais rico, e tem o direito de explorar o Japão e a China.
- Sei.
- Nossa Rainha acha que a Inglaterra é mais digna desse direito do que os porcos portugueses... nossos espiões interceptaram uma mensagem, dizendo que Portugal pediu a presença de um embaixador japonês, para mostrar a boa vontade de ambos ao Papa, e de modo a manter as relações estáveis.
- E se esse embaixador vai pra Portugal, porque EU TEREI DE ME CASAR COM ELE?!
- É uma jogada política - Zechs continuava calmo e cheio de paciência com a irmã caçula extremamente mimada - A Inglaterra vai aceitar assinar um tratado de paz com Portugal, se ele se mostrar disposto a permitir com boa fé a união entre as nações.
- Ainda não entendi.
- Ora, quer maior boa fé entre as nações do que a união de uma dama inglesa com um embaixador japonês?
Novamente furiosa, Relena se pos em pé com um salto, começando a andar de um lado para o outro na sala.
- Mas isso nos levará a um beco sem saída! Portugal continuará negociando com o Japão, enquanto eu terei ARRUINADO MINHA VIDA!! Pensar nisso é repugnante e obsceno... fere a lei de Deus.
- Se engana. Nossa Majestade a conhece muito bem, irmãzinha. Com o embaixador morando aqui, em nosso reino, em nossas mãos, poderemos usá-lo para criar um novo meio de negociação. Relena, se existe mulher no mundo capaz de domar um homem, e fazê-lo obedecer todas as suas vontades, essa mulher é você.
- Não tente me lisonjear.
- Imagine: o bárbaro japonês estará longe de casa, nesse local desconhecido. Faça com que ele confie em você, e assim o tiraremos de Portugal... em seguida, será a vez das relações com o Japão. Portugal sofrerá um belo golpe.
- Ainda não estou convencida... dizem coisas horríveis dos bárbaros japoneses! Ouvi Dorothy comentar que eles tomam banho todos os dias, acredita nisso?!
- Não sei, minha irmã. Só sei que a Rainha lhe prometeu uma imensa propriedade em Virtude Hill, e o título hereditário de baronesa, além de um belíssimo dote de casamento.
- Oh! - os olhos de Relena brilharam cobiçosos. - Ela quer mesmo essa união...
- Sim, minha querida - Zechs sorriu indulgente. As mulheres eram mesmas duras na queda, mas Relena ganhava de todas. - Nossa Majestade deseja obter para Inglaterra o lucrativo comercio oriental. E você é a chave para isso...
Relena parou de andar e apoiou a mão no queixo.
- Baronesa Peacecraft? Hum, soa bem... dinheiro e propriedades... acho que posso aceitar o sacrifício de me casar com um bárbaro japonês.
- Tudo pela paz.
- Paz?! Ah, paz... é claro. Tudo pela paz! Há, há, há!
A gargalhada sinistra ecoou pela sala vazia, soando de modo quase assustador.
Por um segundo Zechs teve pena do embaixador japonês. Fosse quem fosse o pobre coitado.
Continua...
(1) As relações entre china e Japão eram realmente hostis. Antes da intercessão de Portugal, toda a seda que chegava ao Japão era graças ao contrabando, e o preço era o mais alto possível. Foi então que os jesuítas portugueses entraram na história, servindo de intermediários entre Japão e China, e conseguindo uma posição fundamental entre os dois paises.
