Título: Amor, 8º Pecado Capital
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, AU, angust, preconceito
Pares: 1x2, 3x4
Resumo: Todas as dificuldades que um casal homossexual pode encontrar no início do século XVII
Aviso: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!
"Se amar com toda a alma é considerado pecado,
então admito que desse crime sou culpado."
Amor, 8º Pecado Capital
Kaline Bogard
CAPITULO I
Duo avançou pelo grande hall de entrada sem poder conter sua empolgação. Viu Quatre parado próximo a entrada e acenou para o amigo loiro.
Fazia pouco mais de um ano que o jovem americano desembarcara na capital da Inglaterra, depois de uma longa e extenuante viagem, recheada de perigos, mas extremamente educativa e excitante, a bordo do Leviatã Vayeate.
Duo aprendera muito sobre o mar com o capitão-piloto Treize Khushrenada, e conquistara a amizade do oficial definitivamente. Também aprendera muito sobre a China e o mandarim falado pela maioria das pessoas do grande pais oriental, e apesar de não demonstrar, Wufei também tivera sua casca de indiferença destruída pelo carisma daquele americano tagarela.
A viagem emocionante tivera fim um ano e onze meses depois que haviam se despedido de padre Maxwell, nas praias americanas.
Porém o entusiasmo de Duo cedera pouco a pouco, ao conhecer a fria e nebulosa Londres.
Passara os primeiros três meses resolvendo toda a burocracia para poder tomar posse de suas terras e receber o título hereditário de sua família. Agora era um jovem conde.
Conde Maxwell. Nada mal...
Treize o ajudara em cada passo, levando a sério a promessa feita ao amigo sacerdote, e depois de ter certeza que o jovem ficaria bem, apresentou-o a outro grande amigo: Quatre Raberba Winner, comerciante nascido nos desertos escaldantes do oriente médio, mas dono de um coração suave e gentil.
Sem causar surpresa alguma, Duo acabava passando mais tempo nas propriedades de Quatre do que nas suas próprias, onde se sentia solitário e meio perdido, apesar da presença de vários empregados. O americano não se sentia em casa...
Os laços de amizade entre Duo e Quatre se aprofundaram dia após dia, enquanto o loirinho ia apresentando o conde americano a sociedade inglesa. E então Duo percebeu que não seria fácil vencer a indiferença e pouca hospitalidade que aquele povo sentia em relação a estrangeiros...
Sem contar que a capital da Inglaterra era um lugar frio, sombrio e pouco animado. Duo já se sentia entediado, e meio arrependido de ter deixado sua terra natal para trás.
- Ei, Quatre! - avançou até parar em frente ao amigo que observava algumas cortinas vermelhas que haviam sido colocadas recentemente - O que tem aí? Ta sujo?
- Não - Quatre sorriu - Estou me certificando que tudo está perfeito.
- Pro baile que você vai oferecer hoje?
- Quero que tudo fique bem. Quem me pediu isso foi a própria Rainha.
- Ela estará presente? - Duo arregalou os belos olhos violeta.
- Não! Seria uma honra, mas ela não virá. Esse baile será um pretexto para apresentar a sobrinha da Rainha, Relena Peacecraft a Heero Yui, embaixador do Japão a serviço em Portugal. Parece que ambos vão se casar, mas não se encontraram ainda.
- Ah. - e o americano perdeu o interesse pelo assunto - Eu adoro esses bailes que você oferece... e...
- E...
- E... e... - Duo fungou, começando a passar a mão pelo veludo macio da cortina.
- Ah, Duo... o que foi?
Quatre sentiu um calafrio. Conhecia aquele adorável garoto há quase um ano, e julgava que já entendia muito do modo como funcionava aquela cabecinha de doido. Duo era muito autêntico em tudo o que fazia, e por isso o loirinho se afeiçoara muito a ele.
Até se preocupara um tanto, quando o americano se mostrava entediado, escondendo as saudades que sentia da casa no Novo Mundo, e por isso começara a oferecer bailes, querendo apenas alegrar e elevar o espírito do amigo...
Mas quando Duo começava com rodeios e ficava sem palavras para completar uma frase, era por um único motivo: estava aprontado alguma...!
- Nada não, Quatre... apenas uma ideiazinha que me surgiu agora pouco...
- Céus... - preocupado, Quatre tomou as mãos de Duo entre as suas - Duo... da última vez que você teve uma 'ideiazinha' acabou perdido na floresta e com uma perna quebrada!
- Ora! - Duo corou - Eu só queria cavalgar em Deathscythe!
- E eu cansei de avisar que o garanhão ainda não está completamente domado! É um animal árabe que acabou de ser enviado por meu pai... você é muito teimoso, Duo.
- Nhé, não exagera...
- Exagerar? E antes disso... você pegou um dos pequenos barcos e foi 'navegar' no lago sozinho... acabou encalhado num charco e teve que passar a noite naquele lugar horrível antes que Rashid o encontrasse.
- Nossa, Quatre... quando você fala assim parece até que fiz algo terrível. Foi apenas um erro de cálculo. Eu... eu... estava colocando em prática o que aprendi com o capitão Treize...
- Tudo bem, não quero ficar perturbando você.
- Deixa disso. Você não me perturba, gosto que se preocupe. E dessa vez eu prometo que não vou fazer nada arriscado.
- Promete?
- Sim! Aliás, foi por isso que vim aqui... queria que você... me emprestasse uma das suas criadas.
A surpresa do jovem árabe não teve tamanho. E Quatre não se preocupou em escondê-la. Pra que Duo desejava uma criada? Estaria atrás de... diversão?
- Uma... das minhas criadas...?
- Ei, loirinho... não faça essa cara! Eu vou precisar de uns conselhos femininos essa noite, apenas isso. Não to pensando em nada pervertido!
- Ora... - Quatre estava cada vez mais intrigado com tanto mistério - Duo, o que você vai fazer?
- Aguarde e confie... só quero me divertir um pouco. Londres é muito entediante. Como você agüenta passar os dias apenas tomando chá numa sala imensa... vendo os dias passarem... me sinto mal sem fazer nada diferente.
- Na verdade eu tenho muito serviço. Estou aprendendo cada vez mais com papai, para assumir o comércio com os ocidentais, quando eu tiver idade apropriada. Isso toma muito tempo.
- Ah... - a falta de interesse estava visível na voz do garoto de tranças. Falar de negócios era algo que definitivamente não o atraía - Mas... e a criada...?
- Céus... Duo! Bom, você diz que não é pra nada... pervertido mesmo?
- Que coisa, Quatre. Já te disse que não! Eu... eu... preciso... comprar uns... tecidos e... bem, sabe como é... eu... ah, não estraga a surpresa!
O loirinho não pôde deixar de sorrir. Aquele americano era um doidinho, e não sabia mentir. Enfim, confiaria nele mais aquela vez, apesar de estar curioso para saber do que se tratava aquela 'ideiazinha'.
- Se você me garante que não é pra nada suspeito, eu posso pedir que Catherine te ajude.
- Catherine?
- Sim, ela é irmã de criação de Trowa Barton. Está na cidade na casa de campo da família deles. É uma moça muito gentil, e entende tudo de... tecidos.
- Trowa Barton? Ei, eu já ouvi esse nome...
- Ele é interprete e trabalha para vários paises, não apenas em conversação, mas traduzindo documentos e livros. Trowa fala muitos idiomas, inglês, francês, português, espanhol, japonês e chinês. Ah, não posso esquecer do latim.
- Nossa!
Duo estava surpreso, mas não pelo vasto conhecimento de Trowa, e sim pelo tom sonhador com que seu amigo loirinho falava do outro...
- Trowa é meu amigo de muitos anos. Estou ensinando a falar alguns dos principais idiomas do oriente médio. Enfim, faz muito tempo que não o vejo, desde que foi chamado pelo rei da Espanha. Hoje ele virá ao baile acompanhado do embaixador japonês...
- Ah, serve de intérprete.
- Vai ser bom reencontrá-lo depois de tanto tempo... - finalizou com um sorriso diferente, de um tipo que Duo nunca tinha visto na face de seu jovem amigo.
- Ele parece legal...
- E é. Vou apresentar vocês dois essa noite.
- Acho que não vai não... - Duo murmurou de forma pensativa para espanto de seu amigo.
- Que quer dizer com isso?
- Ah, há, há, há! Nada não... vou para o clube de bridge tomar um chá com os cavalheiros, depois a gente conversa...
- E Catherine?
- É verdade... me diz qual é o endereço dela, aí eu vou buscá-la.
- Está bem. Se preferir, peço que Rashid o leve direto para lá.
- Eu agradeceria muito!! A gente se vê a noite. Adeus.
Quatre sorriu de modo sincero. Gostava bastante daquele garoto americano. Duo era espontâneo, alegre e divertido. Ninguém jamais ficaria entediado ou de mau humor na presença dele. Além disso, Quatre tinha certeza que Trowa também simpatizaria com o garoto de tranças.
Suspirando, o loirinho voltou a se concentrar nos preparativos do baile que ofereceria. Não tanto pela presença da sobrinha da rainha e seu noivo japonês, mas sim pela volta de Trowa, o jovem de olhos verdes e longa franja castanha, que era seu amante secreto.
Tal pensamento lhe encheu de doce expectativa, porém também lhe deu um friozinho na espinha... sabia que o amor que ambos sentiam era algo intolerável no mundo ocidental. Mesmo no oriente médio, romance entre dois homens não era visto com bons olhos...
Mas nada se comparava a ignorância demonstrada nos paises europeus. Quatre vira coisas em paises católicos que o deixara de alma profundamente marcada. Quando estava em Londres, sempre evitava se aproximar muito do amante, e tomava todo o cuidado para que ninguém desconfiasse de nada, pois temia as conseqüências...
Apesar disso, não se arrependia de ter se entregado de corpo e alma àquele amor tão profundo e verdadeiro. Trowa era sua metade perfeita... que o completava e o compreendia... que correspondia seu amor na medida exata, sem exageros ou sufocações.
Os períodos que se separavam era tão dolorosos e pareciam nunca ter fim... mas tal fato apenas tornava o reencontro ainda mais emocionante!
- Mestre Winner...?
Uma criada aproximou-se toda cerimoniosa.
- Sim? - o jovem loiro despertou de seus devaneios de amor tentando não corar.
- Precisamos de sua opinião sobre os pratos que devem ser servidos...
- Oh, é claro. Já estou indo.
Logo o loirinho se envolveu na agitação normal que precedia sua casa, sempre que oferecia um daqueles concorridíssimos bailes no palacete da família Winner. Ele gostava de conferir se tudo estaria perfeito, para seus convidados, e quando não gostava de algo, tratava de mudar imediatamente.
Quando tudo estava quase pronto, Duo regressou com Catherine parecendo muito felizes com alguma coisa, tendo os braços cheios de pacotes e embrulhos. Cumprimentaram Quatre e sumiram em direção ao quarto que o americano estava usando para passar alguns dias.
- Ora...
Quatre não escondeu sua surpresa. Até mesmo a garota de cabelos castanhos parecia se contagiar com a animação de Duo, e assumira um ar de mistério...
- Catherine será cúmplice da idéia de Duo... céus, pelo menos ela é mais responsável do que o meu amigo... é melhor esperar para ver, enquanto isso vou trocar de roupa. Logo Trowa chegará...
O sorriso que tomou conta da face angelical denunciava o quão grande era a felicidade sentida ao simples pensamento que seu amado estaria de volta...
Entrementes, no quarto de Duo, Catherine esperava sentada sobre a cama, enquanto o americano estava escondido atrás do biombo.
- Duo, foi um prazer conhecê-lo. Já percebi que você gosta mesmo de aprontar.
- Você não viu nada... minha cara. Argh!
- Precisa de ajuda?
- Não... unf, eu consigo... porcaria...
- Quatre vai ficar surpreso.
- Eu sei! Arf, quero pregar uma... peça em alguns... arghhh, 'cavalheiros'. Se Treize e Wufei estivesse aqui eu os pegaria também!!
- Cuidado para não ser descoberto... criaria inimizades.
- Huuunf. Eu sei. DROGA!! Isso aperta um bocado!
- Não quer ajuda mesmo?
- Não obrigado.
A garota se pôs em pé e ajeitou o longo vestido de babados.
- Então eu vou embora. Também tenho que me arrumar, pois meu irmão chega hoje!
- Ah... arf, Trowa, não é? Acho que vou pregar uma peça nele também...
- Ai, Duo. Você parece muito travesso... espero que possamos ser amigos.
- Claro! Já somos amigos, Catherine. Muito obrigado por sua ajuda hoje, se não fosse você, não sei o que eu faria! Suas dicas foram ótimas!
- Hum... isso significa que vou pra fogueira com você?
- Credo! Vira essa boca pra lá... brincadeira assim não tem graça.
Então Duo colocou a cabeça pra fora do biombo, abrindo um belo sorriso que prometia muitas e inesperadas surpresas praquela noite...
Quando olhou na face do americano, Catherine corou muito, e cobriu os lábios com as mãos, sem conter sua incredulidade, que vinha mesclada com imensa diversão.
- DUO... você ficou mesmo louco... está... perfeito!!
O garoto de olhos violetas sorriu e piscou.
Seria uma peça e tanto...
oOo
Quatre movia-se entre os convidados com graça impar, mostrando-se tratar de um excelente e experiente anfitrião, apesar da pouca idade. Ele honrava a educação recebida.
Sua casa estava cheia de gente, muitos nobres e pessoas influentes circulavam pelo salão de dança, onde a orquestra contratada tocava uma valsa lindíssima; o salão azul, onde os cavalheiros podiam se divertir com uma conversa animada, enquanto bebiam algo, e as damas trocavam sorrisinhos e faziam suas fofocas rotineiras. Havia ainda o grande hall de entrada, onde algumas pessoas permaneciam em pé, vistoriando quem entrava e quem saia, e o salão de jantar, já pronto com cinco grandes mesas, onde se podiam acomodar até cinqüenta pessoas em cada uma.
O loirinho estava muito ansioso, e tentava camuflar esse sentimento com o belo sorriso cordial, embora os olhos verdes se dirigissem a entrada cada vez que uma pessoa chegava... porém nunca era Trowa! O amante estava atrasado...
Por outro lado, sua angústia era algo crescente, pois Duo ainda não dera as caras, e Catherine andava de um lado para o outro, mantendo um sorrisinho misterioso nos lábios...
- Mas o que está acontecendo...?
Foi nesse momento que a porta se abriu, e finalmente Trowa Barton entrou. Usava um belo traje social verde musgo com detalhes em marrom claro. Estava lindo! Ao lado dele, chegou um estrangeiro, tinha aparência oriental, o que fez Quatre deduzir que devia se tratar de Heero Yui, o embaixador japonês.
Sorrindo, o loirinho preparou-se para ir cumprimentar o amante, quando seus olhos captaram um movimento a sua direita. Uma garota vinha caminhando em sua direção. Andava com elegância meio vacilante, no entanto tinha uma beleza indescritível. O rosto perfeito era emoldurado pela franja e pelos fios castanhos que caiam ao redor de seu corpo numa cascata de fios ondulantes e macios. A face pálida estava pintada com maquiagem discreta, assim como o brilho que cobria os lábios generosos. Fora passado um tom de sombra por cima dos hipnotizantes olhos violetas...
Olhos violetas?!
- Oh, meu Deus!! - Quatre achou que ia desmaiar. Conhecia apenas uma pessoa que possuía aquele tom raríssimo de olhos... a bela dama só podia ser Duo Maxwell! - Ele perdeu o juízo...
Esquecendo momentaneamente do amante, Quatre apressou-se em chegar até Duo, que tratou de esconder seu sorriso divertido por trás do leque de seda negra.
- Duo...? - Quatre murmurou, com medo de que alguém ouvisse - O que você está fazendo?!
- Não gostou?
E o americano rodopiou, fazendo o lindo vestido lilás rodar, abrindo as dobras cheias de babados e bordados em delicados linhos brancos. O vestido não tinha decote, e o garoto não disfarçara 'seios', afinal aquelas inglesas não tinham muitas curvas, algumas ainda pareciam crianças, e Duo sabia que não chamaria tanta atenção assim.
- Eu... eu... não sei o que dizer...
- Catherine me ajudou com as roupas, mas a maquiagem fiz sozinho! Digo, 'sozinha'... he, he, he...
- Duo, e se alguém te reconhece?
- Não vão reconhecer! O marquês Quinze beijou minha mão e me disse um galanteio! Há, há, há! Isso é mesmo divertido.
O garoto árabe abaixou a cabeça e suspirou. Pelo menos Duo fora criativo. Se o descobrissem, causaria embaraço entre os nobres, mas ele sempre teria a desculpa de que era americano... e os ingleses consideravam os americanos como qualquer um dos outros 'bárbaros' estrangeiros.
- Tenho que repreender Catherine. Não creio que ela te ajudou nessa loucura...
- Desculpa ela. Fui eu quem a convenceu e... olha, tem dois homens se aproximando da gente... e um deles parece meio mal humorado...
Quatre voltou-se e deu de cara com Trowa e o japonês. O loirinho engoliu em seco, ao ver que seu amante não sorria...
oOo
Trowa não pôde conter a surpresa, ao chegar à residência de seu amante e, ao invés de ser calorosamente recepcionado por ele, vê-lo correndo para atender uma bela garota de cabelos castanhos e olhos violetas. Foi impossível impedir o ciúme...
Heero percebeu quando seu reservado amigo contraiu as feições. Seguiu-lhe o olhar, descobrindo um garoto loiro que mais parecia um anjo conversando com uma garota que parecia ter saído de um sonho.
Imediatamente decidiu que tinha que conhecer aquela pessoa.
- Heero... quero lhe apresentar meu amigo Winner...
A voz de Trowa saiu um tanto carregada, fazendo Heero entender que o amigo sentia ciúmes pelo loirinho e não pela garota. Menos mal...
- Hn.
Ambos caminharam em passos largos. Muito atento, Heero percebeu quando a garota apontou os dois que chegavam, fazendo Quatre voltar-se para eles. Porém o japonês se desinteressou por tudo o mais. Sentiu-se atraído pelos olhos mais bonitos que já vira em toda sua vida: violetas e grandes, brilhando de animação... talvez pelo baile, e de mais alguma coisa... e essa coisa era inocência, como o japonês nunca encontrara antes.
Mal percebeu quando um surpreso Quatre gaguejou alguns cumprimentos e apresentações... sua mente lógica só registrava uma coisa: aquela menina era linda demais!
- Estou tão feliz que esteja de volta, Trowa!
- Também estou feliz. - apesar disso o tom frio desmentia suas palavras, fazendo Quatre pestanejar. O loirinho entendia que seu amante não estava gostando nada da presença de Duo. Ele tinha que desfazer esse mal entendido!
- Quero... apresentar-lhes... er... a...
- Condessa Maxwella. Olá, cavalheiros. - a desenvoltura e naturalidade de Duo eram tais, que encabulou ainda mais o loirinho, que não estava acostumado com aquele tipo de situação.
- A... a... 'condessa' chegou recentemente em Londres... e... está passando uns dias em minha casa...
- Prazer. Trowa Barton. - respeitosamente tomou a mão de Duo entre a sua e requisitou um beijo de cumprimento por cima da delicada luva de cetim branco.
Duo corou, e imediatamente olhou para Quatre, mas o loirinho balançou a cabeça e suspirou de leve. Era quase como se dissesse: "quem mandou colocar esse vestido? Agora se vira, meu filho"...
O recém chegado examinou bem aquela 'garota' sentindo que havia algo muito errado ali. Apesar de tudo Trowa não soube dizer o que era. Apenas relaxou, notando inconscientemente que não apresentava perigo ao relacionamento com Quatre.
- O prazer é todo meu... senhor Barton.
- Apenas Trowa é suficiente. - voltou-se para o loiro- Precisamos conversar.
- Claro!
Imediatamente os namorados se afastaram, esquecidos dos outros dois. Sem alternativa, e sem ser oficialmente apresentados, Duo suspirou e virou-se para o japonês. Primeiro perguntou-se se ele entenderia inglês.
Imitando Trowa, Heero tomou a mão de Duo entre a sua, percebendo surpreso que o outro estremecia de leve. Depositou um beijo delicado, um tanto mais longo do que o normal, fazendo com que Duo ficasse meio sem jeito.
Foi então que o americano começou a analisá-lo, notando como era bonito. Na verdade muito belo! Tinha mais ou menos a sua altura, ou seja, deveria ser mais alto, já que Duo estava de saltos. Usava um traje azul escuro com detalhes dourados que destacavam os olhos de profundo azul cobalto e harmonizavam perfeitamente com as feições orientais.
- O baile está bem animado, não acha? Senhor...?
Heero viu que aquela dama falava com ele, mas não captou bem o sentido das palavras. Sua mente se embalou pelo tom peculiar de voz, não muito feminino, mas nem por isso menos atraente.
Duo esperou a resposta, mas a mesma não veio. Aquele cara apenas olhava fixamente para sua face, o que o levou a crer que o embaixador não falava sua língua. Tentou pensar em algo para dizer, mas era encarado tão fixamente que corou, e levou o leque ao rosto, tentando disfarçar.
- Puxa, que calor está aqui dentro não concorda? Quanta gente...!
Só então Heero pareceu despertar do transe. Mas Duo não lhe deu tempo de falar nada, continuou com a enxurrada de palavras nervosas.
- O senhor deve estar desconfortável aqui não é? Não conhece quase ninguém, e não fala nosso idioma... - o americano puxou pela memória tentando se recordar das poucas palavras japonesas que aprendera durante a viagem a bordo do Vayeate. Treize lhe ensinara algo de japonês e chinês. E sabia um pouco de latim, graças às aulas que recebera de Padre Maxwell, resolveu arriscar-se no japonês.- WA-KA-RI-MA-SU-KA...?
Heero sorriu muito de leve, divertindo-se com a situação. A pronúncia daquela garota era horrível! Mas o esforço era válido. Antes que pudesse responder, notou que tocava uma belíssima melodia no salão de danças, e sem considerar as conseqüências segurou na mão de Duo, puxando-o consigo.
- Ei!!
O americano entendeu a intenção do outro, mas a verdade é que ele não conseguiria dançar muito bem com aqueles saltos! Sem chance de protestar, Duo se viu envolvido pelos braços fortes do japonês, tendo que se mover para acompanhá-lo na dança.
Agradavelmente surpreso, Duo notou que Heero dançava muito bem. E mantinha seus corpos próximos, um tanto mais próximos do que seria considerado de bom gosto... mas quem disse que ele queria se afastar? O americano gostou de sentir seu corpo roçando de leve em seu acompanhante, e corava cada vez que erguia a cabeça e notava que era encarado tão fixamente que poderia ser considerado até mesmo uma ofensa... se não fosse tão lisonjeiro...
Heero, por sua vez, estava deliciado em ter aquela criatura tão delicada em seus braços. Nunca conhecera uma ocidental como aquela garota, e mesmo as mulheres orientais ficariam com inveja de tanta beleza. Ou talvez aquela frase devesse ser dita de uma outra maneira...
- Você dança bem. Pena que não pode me entender. Céus, como esses sapatos machucam, onde eu estava com a cabeça para calçar isso? Devia ter dado ouvidos ao Quatre!
Heero não retrucou à reclamação, apenas deslizando pelo salão com graça e suavidade.
- Quatre disse que você é o embaixador. Que interessante... eu queria saber se está gostando do ocidente... tenho certeza de que o Japão também é muito lindo, e deve ser melhor que Londres... cidade fria e pouco acolhedora...
Então a música acabou. O americano fez questão de se afastar, mas Heero não permitiu. Surpreso, Duo percebeu que era convidado para outra dança.
Aquilo estava indo longe demais. Com certeza não devia aceitar...
Mas ao encarar os olhos azuis, sentiu-se derreter, e acabou aceitando o convite, começando a dançar automaticamente. Corou ao sentir a mão de Heero em sua cintura lhe dar um apertão mais ousado.
Aqueles japoneses eram atrevidos!
No entanto, era sincero o bastante para admitir que estava gostando do contato profundo e confiante. Suspirando, acabou desviando os olhos.
- Eu queria poder conversar com você... - deixou a frase pensativa escapar.
- Não vejo porque não. - Heero sorriu mostrando-se divertido.
- Ora, e como vamos fazer isso? Você não entende o que eu falo.
- Ah, não entendo? - o embaixador teve que se segurar para não rir, apesar da carinha decepcionada da 'condessa' ser muito fofa.
- Não. Droga, eu queria falar japonês e... EI!! Você fala inglês?!
- Fluentemente.
- Trapaça! Você me disse que não entendia!
- Eu disse isso? Quando?
Duo acabou corando e emburrando a cara.
- Ta certo, não disse! Mas me levou a crer que não entendia! Me fez de bobo... er, BOBA! Não vou perdoá-lo.
- Você é uma garota estranha... - E Heero sorria ao dizer isso. Um sorriso tão bonito que desarmou Duo, fazendo-o se derreter mais uma vez.
- Você... acha...? - tinha que se comportar de forma mais feminina... não podia ser desmascarado.
- Hn. No Japão não se encontram... garotas como você. Nem mesmo em Portugal e Espanha. Com certeza a Inglaterra é uma nação surpreendente.
- Oh...! - E Duo não soube se aquilo era bom ou ruim... apenas decidiu se policiar um pouco mais.
Numa reviravolta mais animada, Heero fixou o olhar novamente na face de Duo, analisando-o, pensando em como aquela garota era bonita, apesar de estranha.
Sabendo-se vítima de tanta atenção, Duo engoliu em seco tentando disfarçar. Sua surpresa foi enorme, quando Heero começou a aproximar a face, com visível intenção de beijá-lo!
- "Que embaixador abusado!" - apesar do pensamento repreendedor, Duo também fechou os olhos, flagrando-se a esperar pelo beijo quase com ansiedade. Meio assustado percebeu que queria ser beijado pelo japonês.
- "Mas... ele não sabe que... eu não sou uma garota! E ele também é um homem! Céus! Isso está errado, não posso permitir!"
Usando o resto de bom senso que ainda tinha, Duo empurrou Heero de leve, afastando-o de si.
- Atrevido!
Usou a revolta 'feminina' como desculpa para afastar-se dali quase correndo.
Heero observou a fuga com um meio sorriso nos lábios finos. Aquela garota deixara uma impressão muito forte em si. Adoraria conhecê-la melhor. Quer dizer, iria conhecê-la melhor.
Só então se lembrou do porquê de estar ali. Tinha ido ao baile para conhecer sua 'noiva' prometida. Por um instante desejou que fosse aquela condessa, mas sabia que não era. Precisava encontrar Trowa, para que o amigo lhe apresentasse a tal Relena.
Mesmo tendo certeza de que ninguém mais lhe interessaria, além daquela criaturinha adorável que acabara de fugir de seus braços, antes que pudesse lhe roubar um beijo.
oOo
Trowa ainda estava surpreso pelas declarações do amante. Então aquela 'condessa' era na verdade um jovem conde americano, e estava apenas se divertindo com uma brincadeira meio inocente, mas perigosa.
- Quatre, você não devia tê-lo apoiado.
- Ora, você não conhece o Duo... vai entender o que eu digo quando o conhecer melhor.
- Hn.
O garoto de franja deu de ombros. Pelo menos tinha certeza de que não havia nada entre Quatre e Duo. Isso era óbvio na expressão do amante ao falar do americano: amizade e nada mais.
Depois de desfeito qualquer mal entendido, finalmente os sentimentos de ambos afloraram, e ambos mal puderam resistir a se tocar. Claro que não podiam fazer isso no meio do baile. Tinham que ser pacientes e aguardar que todos fossem embora.
- Senti tantas saudades - Quatre sussurrou, sem poder se conter. Sentira realmente muita falta de seu amante. Como queria poder jogar-se nos braços dele!
- Eu também, pequeno.
Trowa dividia os mesmos sentimentos que o loirinho. Às vezes queria convidá-lo para que partissem juntos em uma viagem, mas sabia que Quatre não podia abandonar as responsabilidades para com seu pai e sua nação.
Por outro lado, sabia que dentro de alguns meses poderiam partir para o Oriente Médio e passar uns dias com certa tranqüilidade, longe da hipocrisia da nobreza londrina.
- Trowa, você está me ouvindo?
Só então o garoto mais alto notou que Quatre estava falando com ele. Perdera-se no meio de devaneios.
- Desculpe, estava pensando em nós dois.
- Oh! - o árabe corou e sorriu, empolgado com a declaração.
- O que você dizia?
- Eu disse que a senhorita Relena está atrasada. Afinal, ela é o motivo desse baile.
- Ela e Heero Yui.
- Como sempre, ela deve estar planejando uma entrada espetacular. Você sabe que Relena se julga acima de todos, apenas por que é prima em terceiro grau da Rainha.
- Prima falida, não se esqueça. A família Peacecraft não tem onde cair morta.
- Esse casamento vai salvá-los.
- Tenho que concordar com isso. Foi uma jogada política esperta.
- Oh, Trowa, você acha que irá funcionar?
- Não sei... talvez.
Ambos silenciaram um instante.
Heero os viu de longe, e resolveu aproximar-se.
- Heero, desculpe por abandoná-lo naquele momento.
- Tudo bem, Trowa. Onde está minha noiva?
Trowa e Quatre se entreolharam. O mais alto sabia que os japoneses não suportavam nenhum tipo de descompostura ou falta de educação. E um atraso tão grande quanto o de Relena poderia ser considerado uma falta grave. Ainda mais vindo por parte de uma mulher...
- Está um pouquinho atrasada, senhor Yui... mas garanto que logo ela chega, sabe como são essas damas... - apesar de não gostar de Relena, Quatre tentou bancar o relações públicas.
Heero permaneceu impassível. Seu longo treinamento como samurai não permitia que suas emoções transparecessem em sua face. Mas a verdade é que se sentiu ofendido com o atraso de sua noiva. Aquilo queria dizer que ela não tinha pressa alguma em conhecê-lo... muito bem, não se esqueceria da desfeita.
- Deseja algo, senhor Yui?
- Apenas Heero basta. Se você é amigo de Trowa, é meu amigo também.
Heero já sacara que entre os dois havia algo mais que amizade, e não os julgava nem para condenar, nem para apoiar, simplesmente não era da sua conta.
- Então me chame de Quatre. Fique a vontade, e se precisar de algo, é só me avisar.
O japonês inclinou a cabeça e olhou em volta. Tentava encontrar Duo, mas o americano parecia ter sumido da festa.
- Se vocês me derem licença, preciso falar com os outros convidados, estou negligenciando meus deveres como anfitrião. Trowa, você sabe que minha casa é sua, então fique a vontade.
Trowa sorriu de leve e balançou a cabeça. Assim que o loirinho se foi, Heero enfiou a mão no bolso e tirou um belo relógio de ouro.
- Minha noiva já deveria ter chegado a duas horas atrás.
- Nós também nos atrasamos.
- Mas não tanto.
- Bom, eu te disse. Relena é um pouco mimada, e adora se aparecer.
Heero suspirou irritado. Aquela história de casamento não estava lhe agradando em nada. E só aceitara por que era o seu dever de samurai com o daimio Toranaga. Não podia desobedecer suas ordens sem esperar punição: no mínimo uma morte desonrosa, e sem falar na desonra para toda a sua família.
Resumindo: era casar com Relena ou morrer.
Por mais que desaprovasse as mulheres ocidentais e seus hábitos horríveis, não podia ir contra uma ordem que visava o bem de sua nação. Casaria-se com a inglesa porque era necessário.
Mas isso não significava ter que aceitar aquela descortesia por parte dela.
- Já esperei o suficiente. Agradeça a Quatre por mim.
- Não vai participar da ceia?
- E esperar? Por mais quanto tempo?
- Bem... não podemos começar sem Relena...
- Agradeço. Eu vou para o hotel.
Trowa não insistiu. Conhecia o pensamento decidido de Heero assim como conhecia as tradições rigorosas japonesas. Uma demora tão grande seria uma ofensa mortal nas terras nipônicas. Relena estava brincando com fogo.
oOo
Heero começou a se afastar, chamando a atenção de todos, afinal era o convidado de honra... e estava indo embora sem nem mesmo se despedir de ninguém...
Assim que ganhou o jardim, o japonês percebeu que o mesmo estava vazio. Os convidados estavam todos entre os salões, se divertindo. Por outro lado, não havia nem sinal de Relena por ali.
Suspirando, parou um instante para observar o belo céu enegrecido, dominado pela lua cheia. Não podia negar que sentia saudades de casa, tantas saudades... Estava longe do Japão a três anos.
Era bastante tempo.
Ta certo que conhecera muita gente interessante, aprendera costumes e fizera muitos amigos. Mas isso não diminuía a falta que sentia do seu feudo, de sua família... da cultura samurai...
Heero estava perdido nesses pensamentos quando ouviu o som de passos chegando pelo outro lado do jardim. Qual foi sua surpresa ao virar-se naquela direção e dar de cara com a 'condessa Maxwella'.
Então ela havia se refugiado naquele jardim? Por isso sumira do baile.
Duo não ficou menos surpreso, ao encontrar o motivo de seu desaparecimento. Era muita falta de sorte.
Sem perder tempo, Heero aproximou-se com passos apressados, sabendo que se não fosse rápido, a condessa lhe escaparia outra vez.
- Porque está fugindo de mim?
- Oh, não estou fugindo de nada! Só... queria tomar um pouco de ar... - e Duo escondeu a face com o leque negro. Não podia negar que o japonês era bem direto!
- Entendo. Qual o seu nome?
Acuado, o americano pestanejou. Não podia dizer que se chamava Duo, mas também não podia continuar com mais mentiras! Ele quisera apenas se divertir, vestindo-se daquela maneira, mas agora as coisas começavam a fugir de seu controle.
- Senhor Yui, está enganado comigo.
- Eu lhe ofendi?
- Não... é que não sou o que está pensando.
- Tem certeza? - um sorriso discreto desenhou-se nos lábios finos, mas Duo mal percebeu, ficando cada vez mais nervoso.
- Ah, você não faz idéia do quanto.
- Gostaria de te ver outra vez.
- Isso será impossível.
- Porque?
- Ora, não sei quais são os costumes no Japão, mas aqui uma... dama direita não incentiva um cavalheiro comprometido. E se não me engano, o senhor está noivo.
Heero quase praguejou. Esquecera-se daquele detalhe. Claro que o noivado ainda não estava oficializado, mas... era algo inegável. Acabaria casando-se com Relena...
- No meu país, um samurai tem direito a uma esposa oficial, e quantas consortes puder sustentar.
Ao ouvir a declaração, Duo ficou rubro. Como o embaixador podia ser tão direto? Agia sem um mínimo de decoro! Sorte sua que no dia seguinte, a condessa desapareceria no nimbo, e sobraria apenas conde Maxwell, a salvo daquele japonês atrevido.
Esse pensamento era tranqüilizador, mas também entristeceu o americano além da conta... para disfarçar, Duo fingiu-se zangado.
- Oh, então quer dizer que para o senhor eu seria apenas um simples... er, uma simples amante?! Está me ofendendo!
- Eu...
- Passar bem, senhor embaixador.
Sem deixar o outro se defender ou se explicar, Duo deu as costas e foi se afastando rápido, quase correndo, sabendo-se estritamente vigiado. A alguns passos de distância torceu o pé e quase caiu, mas conseguiu se equilibrar. "Maldito Salto".
Imediatamente voltou-se para o japonês e acenou com as mãos de maneira desesperada.
- Estou bem! Não se aproxime! - e continuou com a fuga como se nada tivesse acontecido.
Heero estava tão surpreso com a peculiaridade daquela jovem que acabou sorrindo de leve. Eita criatura interessante. Ficou a observá-la se afastar até sumir entre os arbustos do jardim. Depois voltou os olhos de azul cobalto para algo que viu reluzindo no chão.
Era o leque negro da condessa. Os fios de ouro que bordavam a seda negra reluzia à luz da lua. Com certeza ela deixara cair ao tropeçar. Vendo aquilo, Heero não pôde deixar de se alegrar.
Ouvira Quatre dizer que ela estava hospedada em sua casa. Agora tinha uma ótima desculpa para voltar ali amanhã.
oOo
Somente uma hora depois foi que Relena surgiu, conseguindo causar fulgor, com seu caríssimo vestido escarlate, bordado com ouro e rubis, numa das últimas coisas valiosas que a família Peacecraft ainda possuía.
A garota entrou confiante, acompanhada por seu irmão Zechs Merquise, e antes mesmo de cumprimentar qualquer um, correu os olhos astutos por perto, tentando reconhecer seu noivo bárbaro.
- Boa noite, Winner.
- Merquise, seja bem vindo.
A troca de cortesia entre Quatre e Zechs não chegou a ser fria, nem tão pouco foi efusiva, e sim, apenas cordial.
- Boa noite, senhorita Relena. É muito bem vinda. - apesar de toda a antipatia que sentia, Quatre não podia falhar com seu dever de anfitrião.
- Oh, boa noite, senhor Winner...
Relena usou um tom de voz quase indiferente. Não era segredo algum que desprezava estrangeiros, mesmo os tão ricos quanto Quatre. A esses ela tinha verdadeiro horror, a não ser que fosse um pretendente a sua mão...
Como Quatre não se encaixava nessa categoria, Relena não lhe dispensava mais atenção que a um criado.
- Espero que possa perdoar esse meu pequeno atraso - a expressão desmentia o pedido de desculpas evidentemente insincero - Tive problemas com a carruagem.
- Claro... - o loirinho tinha que usar todo seu auto-controle para não dizer o que realmente achava daquela garota tão enfadonha e caprichosa - Agora que a senhorita chegou, podemos iniciar a ceia...
Relena preferiu ignorar os olhares irritados que recebia por parte dos famintos convidados. Eles já estavam acostumados com seus atrasos, mas dessa vez ela batera todos os recordes... uma demora de mais de três horas!
Trowa apenas acompanhava de longe, sabendo que seu amante passava um aperto, tendo que ser gentil com Relena. Quatre era naturalmente gentil com todos, e ver o loirinho irritado era coisa raríssima. Nesse quesito, Relena merecia um prêmio!
- Aliás, senhor Winner... onde se encontra meu noivo? Creio que o correto é sermos oficialmente apresentados, antes de iniciarmos a ceia, não concorda?
Quatre engoliu em seco. Estava prestes a dar uma resposta nem um pouco agradável a Relena. Ainda não se conformava por Heero ter sido capaz de fazer isso: abandonar um baile que seria feito em sua homenagem... e deixar a noiva as favas!
Angustiado, o loirinho lançou um discreto olhar em direção a Trowa, como se pedisse socorro. Entendendo a situação delicada, Trowa balançou a cabeça de leve, querendo emprestar forças ao amante.
Deixando de enrolar, Quatre suspirou e resolveu ir logo ao ponto. Até havia pensado em suavizar um pouco a revelação, mas mudou de idéia. Era melhor dizer a verdade, nua e crua.
- Senhorita, sinto ser o portador de tão desagradável notícia, mas... o embaixador Heero Yui, er... cansou... de esperá-la e... foi embora...
Todos os convidados que estavam por perto silenciaram, esperando ansiosos o show que certamente Relena daria. A garota avermelhou, e prendeu a respiração de modo dramático. Treize apenas franziu as sobrancelhas e balançou a cabeça como se dissesse "eu sabia que isso aconteceria...".
- O que você disse, Winner? - a pergunta foi formulada a meia voz, mas em tom tão ameaçador, que fez o loirinho prender o ar.
- Seu noivo... foi embora. Sinto muito...
Relena apertou as mãos com força e sem dizer nada deu meia volta, abandonando o salão. Imediatamente inúmeros cochichos se espalharam no local. Todos sabiam que Relena seria motivo de chacota entre os nobres no dia seguinte...
Zechs apenas acompanhou a saída teatral com expressão contrita. Sabia por experiência própria que era melhor deixar a caçula sozinha. E já que ele estava ali, porque não aproveitar a ceia?
Surgindo quase do nada, Rashid começou a pedir que os convidados se dirigissem a seus lugares, a fim de continuar com a ceia, mesmo que os convidados principais não estivessem presentes.
Quatre demorou-se um pouco mais, pensando naquela situação. Sentia pena do embaixador japonês, afinal, não era prudente despertar a fúria de Relena... e se ele não tivesse muito tato, ganharia não somente uma noiva, mas uma perigosa inimiga... e o pior: teria que passar o resto da vida ao lado dela.
Enfim, ele não tinha nada a ver com aquela confusão. Já tinha problemas demais para pensar. Desistindo de ruminar o assunto, caminhou para o salão, notando que Trowa já estava sentado em seu lugar, e ficaria do lado do amante durante a refeição.
Verificando que todos estavam acomodados, Quatre deu dois passos, decidido a sentar-se e dar inicio a ceia, quando notou algo mais. Na verdade, haviam três lugares vagos, excluindo o seu próprio. Dois, obviamente eram de Heero e Relena. Mas e o terceiro, de quem seria? Pela ordem, quem deveria estar sentado ali era...
- Duo...
Uma intuição alertou o loirinho para aquele fato. Não soube dizer o porquê, mas sentiu que aquelas três ausências tinham um fator em comum... e Quatre intuía que nada de bom poderia resultar daquilo...
Continua...
