Título: Amor, 8º Pecado Capital
Ficwriter
: Kaline Bogard
Classificação
: yaoi, AU, angust, preconceito
Pares
: 1x2, 3x4
Resumo:
Todas as dificuldades que um casal homossexual pode encontrar no início do século XVII
Aviso
: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!


"Se amar com toda a alma é considerado pecado,
então admito que desse crime sou culpado."

Amor, 8º Pecado Capital
Kaline Bogard

CAPITULO II

No outro dia, Duo acordou relativamente cedo. Passava um pouco das dez horas da manhã, mas a verdade é que não tivera uma noite nada agradável. Não dormira direito, tendo a mente dominada por pensamentos em relação ao embaixador japonês.

Como podia ser tão fascinante, e interessante? Além do mais era bonito e forte, e transpirava confiança e resolução por todos os poros. Dava a impressão de que sabia o que queria, e lutava por seus ideais.

- Que beleza...

Duo sabia que estava se sentindo muito atraído pelo estrangeiro oriental. Suspirando, levou as mãos ao crucifixo de ouro que carregava no pescoço. Entendia que sentir aquilo por outro homem era errado, Pe Maxwell lhe ensinara os mandamentos muito bem.

"Homens que se rendem a luxúria serão jogados no abismo e abandonados por Deus..."

O americano estremeceu ao se lembrar das palavras graves do homem que o criara. É claro que Duo não queria ir para o inferno... mas também não queria parar de pensar em Heero Yui!

Cada vez mais confuso, Duo dirigiu-se ao salão onde seu amigo Quatre costumava fazer as refeições mais íntimas. Com certeza o loirinho já estava de pé, sendo o garoto madrugador que era...

Conformando-se em tomar seu café sozinho, qual foi a surpresa do americano ao entrar no salão e dar de cara com Trowa Barton e Heero Yui, sentados a mesa, degustando de um aparentemente delicioso desjejum...

Com a chegada de Duo, os dois pararam o que faziam, fixando sua atenção no americano.

Primeiro o garoto de tranças empalideceu muito, para logo em seguida ficar tão vermelho quanto um tomate maduro. Não esperava dar de cara com aqueles dois, apesar de saber que Trowa ficaria hospedado por ali, mas... o embaixador?! Isso que era uma senhora surpresa.

Então Duo lembrou-se de que estava vestindo roupas masculinas. Os longos cabelos estavam presos em uma trança... enfim, não havia nenhum detalhe que o ligasse a bela dama de ontem a noite. Só precisava de uma boa desculpa pra surgir assim na casa de Quatre e não ter participado do baile de ontem.

Enchendo-se de coragem, o americano avançou até a mesa e fazendo uma mesura, sentou-se em frente a Trowa.

- Bom dia! - sorriu amplamente - acho que perdi a hora, cavalheiros.

- Bom dia. - Trowa foi o único que respondeu.

O garoto de franja estava surpreso. Sabia que Duo aparecera vestido de mulher no baile, pois seu amante lhe revelara. Mas nunca ia esperar que o americano tivesse aquela aparência andrógena tão peculiar.

Duo era realmente muito bonito. Fosse usando roupas femininas ou masculinas.

Apesar disso, o clima ficou um tanto estranho. Trowa não sabia se pedia para Duo se apresentar e assim sustentava a farsa de que não sabia que ele estava vestido de mulher na noite anterior.

Ou se continuava na sua, mas seria natural tomar o café na presença de um desconhecido?

Sem saber como reagir, achou melhor pedir licença e sair do salão, indo atrás de Quatre. Ia perguntar a opinião de seu amante, antes de meter os pés pelas mãos.

Surpreso pela saída inesperada de Trowa, Duo voltou os olhos arregalados na direção de Heero. O que faria? Estava sozinho com o embaixador... devia fingir que não o conhecia, devia puxar conversa?

Céus! Jamais aprontaria outra daquelas! Olha a confusão em que se metera.

Heero apenas observava o desconforto do outro, deduzindo corretamente do que se tratava. Apesar de manter uma expressão indiferente na face, os olhos azul cobalto brilhavam muito.

Resolvendo a quebrar aquele clima esquisito, Heero levou a mão ao bolso e tirou o leque negro de dentro dele, depois o depositou com cuidado sobre a mesa de madeira, bem à frente de Duo.

- Acho que isso lhe pertence.

Arregalando ainda mais os olhos, Duo fitou primeiro o leque, depois Heero. Deu-se por vencido naquele exato momento. O embaixador japonês aparentemente sabia de tudo.

- Desculpe! Foi apenas uma brincadeira... eu posso explicar...

Heero apoiou os braços na mesa e somente aguardou a 'explicação'.

- Eu... era uma peça... deveria ser engraçado. Sinto muito!

- Você tem um senso de humor impressionante...

Apesar das palavras, Duo não entendeu se era um elogio ou uma repreensão.

- Como você descobriu?

- O que?

- Ora, você sabe... que era eu?

- Não descobri.

- Hã?! - Duo achou que Heero só podia estar brincando com ele. - Como assim? Então porque está me dando o leque? Oh, não acredito que você jogou verde! Que burro eu sou!

Heero divertiu-se com a explosão. Resolveu facilitar para que o outro entendesse.

- Durante a dança eu percebi que seu corpo não era muito feminino, por debaixo de todos aqueles babados. Quando vim lhe devolver esse leque, eu já sabia que encontraria um homem. Só não imaginava que era você.

- Oh! - então Heero sabia o tempo todo!

- Até que entrou por aquela porta. A cor dos seus olhos e seus cabelos lhe denunciaram.

Entendendo finalmente tudo, Duo sorriu muito. De uma maneira que fez Heero perder o fôlego.

- O senhor deveria entrar para a guarda real. Seria um ótimo oficial, pois é muito perspicaz. Mais uma vez peço desculpas, se causei algum embaraço.

- Como você se chama?

- Duo Maxwell, e sou realmente um conde, mas pode me chamar apenas de Duo.

Heero balançou a cabeça concordando. Aquele garoto já era uma beleza vestido de mulher, mas ao natural... não haviam palavras que o descrevessem com fidelidade.

Ainda sorrindo, o americano estendeu a mão com a intenção de recuperar o leque, uma peça que pertencera a sua mãe. Num movimento extremamente rápido, Heero também estendeu a mão, cobrindo a de Duo com a sua.

Ao sentir os dedos quentes do embaixador tocarem sua pele macia, Duo engoliu em seco, e fixou as íris ametistas na face do outro. Indagava silenciosamente o que ele estava fazendo, implorando algo mais com o olhar. Algo que Heero não conseguiu decifrar o que era.

- Ainda estou impressionado, Duo...

A voz do japonês saiu meio baixa e macia, parecia um convite...

Por um instante Duo esteve disposto a jogar-se nos braços do embaixador, permitindo-se esquecer que existia um mundo, simplesmente aceitar toda a tentação contida nas palavras hipnóticas.

Ambos se fitaram durante um longo segundo...

Duo compreendeu que estava atraído por Heero. Aquela atração viera sem aviso algum, e o pegara de surpresa, envolvendo seu coração em um piscar de olhos. Começava a se apaixonar por outro garoto. Um homem belo, forte e interessante. Um homem muito...

Um homem! Caindo em si, Duo se recriminou intimamente, afinal aquilo estava errado! Muito errado... era um pecado grave...

Sentindo a cruz 'queimar' a pele ao redor de seu pescoço, Duo gemeu baixinho e levantou-se de um salto, puxando a mão, como se o contato com Heero ardesse de forma insuportável.

Mal balbuciou um 'sinto muito' e saiu dali, como se fosse perseguido por todos os demônios do inferno, sem nem mesmo tomar o café da manhã.

Heero acompanhou a escapada com os olhos brilhando. Sentiu-se satisfeito ao ver que provocava reações naquele belo garoto, Duo Maxwell.

Sorrindo, o embaixador considerou por um instante. Duo era lindo, interessante e divertido. Parecia uma pessoa extremamente integra. Enfim, aprovava o garoto. Mas mesmo que fosse diferente, não importava. Pois ele era cercado por uma aura de inocência e um ar perdido que o faziam irresistível ao japonês.

Heero era sincero o bastante para admitir que se sentia atraído por Duo. Apaixonara-se pelo americano ao colocar os olhos sobre ele. Seu instinto lhe avisara que tinha algo errado com aquela 'condensa'. Mas ele não se importou.

Simplesmente seguiu seu coração. A cada segundo que se passava, sua mente era dominada mais e mais por pensamentos em relação ao americano doidinho. E Heero gostava que fosse assim.

Finalmente encontrara o amor em sua vida.

Foi então que Rashid bateu a porta discretamente, depois avançou, parando em frente a Heero.

- Senhor Yui. Meu mestre pede desculpas por não estar presente durante o desjejum, mas problemas urgentes exigem a presença dele.

- Entendo perfeitamente.

- Ele avisa ainda que um mensageiro do hotel onde o senhor está hospedado veio aqui, e disse que... sua noiva o aguarda para que possam travar entendimento...

Curvando-se respeitosamente, Rashid deixou o local.

Heero apertou os lábios de forma contrariada. Por um segundo esquecera-se de sua triste realidade. Não era um homem livre.

Era noivo de Relena, e estava preso a ela pelo seu dever de samurai. Pela lealdade que devia a seu daimio Toranaga.

Seu destino já estava traçado. Não tinha direito de rebelar-se contra as ordens que recebera. Se fizesse isso, só lhe restava uma opção: cometer seppuku.

Angustiado, Heero pegou o leque negro, que Duo esquecera de levar em sua fuga, e com cuidado guardou-o novamente no bolso.

Qualquer um dos dois caminhos que escolhesse, o americano não fazia parte de seu futuro... não podia fazer!

oOo

Relena se mantinha sentada esperando pacientemente graças a um grande grau de auto controle. Na verdade seu interior era um vulcão prestes a entrar em erupção. Ainda não engolira o sapo da noite anterior. Jamais perdoaria o selvagem oriental por tamanha descortesia.

Sentia-se tão humilhada que tinha vontade de se jogar na frente de uma carruagem. Pra piorar, Relena tinha consciência de que todos na corte deveriam estar rindo as suas custas, divertindo-se com o episódio do baile.

A garota mal conseguira dormir a noite, ruminando pensamentos de vingança e desforra. Tinha que fazer seu noivo entender quem mandava ali. O converteria em um cordeirinho obediente a todas as suas ordens, não importando o quanto lhe custasse.

Foi com a mente dominada por esses pensamentos negativos que recepcionou seu futuro marido. Assim que Heero adentrou o hall do hotel, Relena já sabia de quem se tratava, afinal, as feições orientais eram inigualáveis e inconfundíveis.

Porém, a impressão mais forte que dominou a mente de Relena foi apenas uma: surpresa. Nunca ia imaginar que o embaixador pudesse ser tão bonito! Heero Yui era um modelo perfeito de homem, másculo, viril e extremamente lindo. A expressão séria não diminuía seu charme em nada, muito pelo contrário, apenas colaborava para deixá-lo mais atraente.

Os olhos eram de um azul cobalto singular, e pareciam enxergar o profundo da alma de quem quer que fitasse.

Imediatamente, Relena se pôs em pé.

Heero notou aquela garota assim que ela se levantou. Só podia ser Relena Peacecraft...

Resistindo ao impulso de ignorá-la e ir para o próprio quarto, Heero forçou-se a caminhar até ela.

- Olá, senhor. - Relena não pôde evitar de sorrir - Suponho que seja Heero Yui, o embaixador japonês, estou certa?

Heero analisou bem a face dela. Relena podia ser julgada acertadamente como uma moça de boa aparência (2)... mas havia algo nos olhos dela... alguma coisa em seu sorriso que fez o japonês se pôr em guarda.

E desde aquele momento, Heero soube que não gostava nem um pouco de sua noiva. Na verdade sentiu quase que uma ligeira repugnância, em saber que aquela garotinha raquítica e apática, com ares de grande dama auto-suficiente dividiria o resto dos dias com ele...

Só de pensar em ter filhos com ela, Heero se sentiu tentado a voltar para o Japão a nado, e permitir que seu Daimio Toranaga lhe cortasse a cabeça com a afiada katana...

Exasperado, Heero suspirou pesadamente. Morte seria uma saída rápida para o problema em que se encontrava. E como o samurai perfeito que era, não recorreria a essa fuga covarde. Enfrentaria seus problemas como um homem.

Voltando a realidade, o embaixador percebeu que Relena estava com a mão estendida a um bom tempo, esperando que ele a beijasse, na saudação respeitosa costumeira.

Heero tomou a mão dela entre a sua, e roçou os lábios muito de leve, mal tocando o cetim vermelho.

- Está certa. Sou Heero Yui.

- Fico feliz em finalmente conhecê-lo, meu noivo. - apesar do tom de voz macio, Heero não deixou de perceber a alfinetada. Decididamente Relena era dissimulada. - Nós temos muito o que conversar.

- Hn.

Relena fingiu não notar o desanimo que turvava os olhos azuis. Só relevava o que lhe interessava, e saber-se casada com um rapaz tão belo, ficar podre de rica, e com um titulo nobre! Era realmente um sonho se tornando realidade!

- Agora que nos conhecemos, podemos preparar o casamento. Quero uma cerimônia que entre para a história... já rascunhei uma lista de convidados... penso em chamar apenas os mil mais íntimos... e com certeza mandaremos anunciar em todos os jornais...

Completamente alheio aos planos da futura esposa, Heero começou a divagar. Sua mente estava dominada por pensamentos agradáveis em relação ao belo garoto americano. Nada mais lhe importava.

Queria vê-lo, conversar com ele!

- Chega. - a voz fria cortou a enxurrada de frases que Relena despejava sobre ele com sua voz irritante - Resolva todos os detalhes e me avise depois. Adeus.

- Mas...!

Heero a ignorou totalmente. Voltou-lhe as costas e começou a caminhar em direção as escadas que levavam aos quartos dos hospedes. Na parte interior do casaco sentia o leque de seda negro 'queimando' agradavelmente, num lembrete velado daquele garoto tão lindo e agradável.

- "Duo Maxwell... eu preciso vê-lo outra vez."

Pelo menos enquanto Relena Peacecraft não destruísse sua vida, marcando a data do casamento de ambos...

oOo

No entanto apesar das intenções de Heero, o acesso ao americano mostrou-se extremamente difícil. Sem qualquer desculpa plausível, Duo voltou para sua propriedade e afastou-se de todos, até mesmo de seu amigo Quatre.

Tudo o que o jovem conde desejava era ficar sozinho, longe das outras pessoas, e quem sabe assim conseguir tirar o embaixador de sua mente.

Duo começava a achar que ficaria louco, pois não conseguia pensar em nada mais que não fosse o jovem japonês. A cada segundo, sua mente o fazia recordar do toque quente de suas mãos, a força vigorosa de seu corpo a envolvê-lo durante a dança.

Estremecia só de pensar no olhar atrevido, daquelas magníficas íris azul cobalto a fitá-lo quase de modo hipnotizante, requisitando atenção exclusiva...

Era tão bom...

Porém era nesse momento que toda a sua crença cristã entrava em ação, jogando-lhe na face os ensinamentos ministrados pelo Pe Maxwell. As coisas que ensinara a respeito da ira de Deus faziam Duo estremecer, temendo por sua alma...

Ao mesmo tempo, sabia que sua alma já estava perdida. Ela tinha um novo dono... e se tratava de Heero Yui, o japonês decidido que deixava suas intenções evidentes na maneira com que fitava Duo...

Naquele momento, o americano estava deitado em sua cama de dossel, observando o sol se por através da enorme vidraça que havia em seu quarto. Ele realmente adorava aquela vista, mas seu desânimo era tão grande, que não podia admirá-la por completo.

Batidas se fizeram ouvir, soando de leve na porta de madeira.

- Conde Maxwell, o senhor Winner acabou de chegar para uma visita não marcada. O senhor irá recebê-lo? - o criado perguntou sem abrir a porta, em sinal de respeito a privacidade de seu mestre.

Duo sentiu-se tentado a dizer que não se sentia bem, o que não seria uma mentira completa, mas não podia fazer aquilo com o amigo. Ainda mais Quatre, que sempre se mostrava muito preocupado e atencioso. E fora graças a ele que se sentira mais a vontade na indiferente nobreza londrina...

- Diga a ele que já vou... e por favor, prepare chá para nós.

- Imediatamente, senhor conde. Precisa de ajuda para se vestir?

- Não.

- Com sua licença.

Quase se arrastando, o jovem de olhos violeta levantou-se e procurou alguma roupa para se vestir. Desceu apressadamente, ao mesmo tempo meio ressabiado e feliz. Não se dera conta do quanto sentira falta do loirinho tão gentil.

Assim que entrou na sala de visitas, Quatre se pôs em pé e abriu os braços, ignorando os cumprimentos sociais tão severos, e pedindo um abraço.

Claro que Duo correspondeu, feliz pela demonstração de amizade.

Em seguida ambos se sentaram nas elegantes poltronas aveludadas.

- Duo, o que houve com você? Não se sente bem? Eu estava tão preocupado com seu sumiço repentino...

- Desculpe, Quatre. Eu ando meio sem ânimo para a vida, sabe?

- Oh! - Quatre não podia acreditar naquilo. Duo era a pessoa mais cheia de energia que conhecia... nada parecia abater seu bom humor insuperável! Porque se sentiria desanimado tão de repente?! - Você está doente?

- Não no sentindo exato da palavra... - Duo sussurrou.

Quatre franziu as sobrancelhas. Não compreendia a profundidade da tristeza que cobria aquele sussurro quase inaudível. E havia um brilho de dor tão profunda nas íris, que fez o loiro estremecer. O que poderia estar afligindo aquele americano tão alto astral?

- Duo... porque você está assim?

- Não é nada. Acho que você não me compreenderia...

Qual seria a reação do loirinho ao saber que Duo sentia uma crescente atração por outro homem? Com certeza Quatre ficaria chocado! E tentaria se afastar de Duo, intimidado por um comportamento tão pecaminoso e proibido.

Não, definitivamente Duo preferia sofrer em silêncio a enfrentar o preconceito de seu único amigo em Londres.

No entanto Quatre não era pessoa de desistir fácil. Sentia algo muito errado com o garoto a sua frente. Seu querido amigo não estava num bom momento, e ele não daria as costas a Duo assim tão levianamente.

- Não posso compreender, se você não confiar em mim. Não diga que pegou alguma doença! Não tenho medo de contágio.

- Claro que não! - Duo chegou a sorrir de tal pensamento.

- Então alguém te fez mal? Foi destratado por algum daqueles nobres tão enfadonhos?

- Não. Nada disso. - o americano começava a se animar com os chutes absurdos.

- Então não te entendo mesmo, Duo. Pensei que fossemos amigos, e que confiávamos um no outro... fiquei tão preocupado com você...

- Quatre, não me leve a mal... mas...

- Amigos confiam em amigos, Duo. Não importa as dificuldades e os obstáculos. Se você tem algum problema, eu gostaria de ajudá-lo.

- É que... eu... - Duo fechou os olhos sem coragem de prosseguir.

Sua mente se dividia entre a necessidade de se proteger e resguardar seu coração e a fidelidade com seu amigo. Quatre estava coberto de razão. Amigos confiavam em amigos, mas... mesmo naquela situação?!

Desesperado, Duo fitou Quatre nos olhos. E o loirinho demonstrava tanta vontade de ajudar, que o americano não resistiu. Acabou se abrindo, ou melhor, tentou revelar seu problemas, mas sem se expor completamente.

- É que... - começou de forma vacilante - Acho que me... apaixonei...

- Oh, Duo - a preocupação sumiu da face de Quatre, e o árabe sorriu de orelha a orelha - isso é maravilhoso! Fico muito feliz por você!

- Bem...

Então Quatre ficou sério. Estar apaixonado não era motivo para que Duo ficasse daquela maneira. Pelo contrário. Com certeza tinha mais coisa naquela história.

- O que foi...? Porquê não está feliz?

- Bem... essa pessoa... não é livre... já tem compromisso.

- Compromisso?

Quatre silenciou. Quem poderia ser? Conhecia bem a nobreza londrina... as pessoas com que Duo convivia eram praticamente as mesmas que conviviam com o loirinho... entre todas as possibilidades do momento havia apenas...

Então o loirinho abriu a boca e arregalou os olhos de maneira chocada. Teve certeza de que matara a charada.

- DUO... você se apaixonou por... meu Deus! Diga que essa coisa horrível não está acontecendo?!

O americano acabou se encolhendo diante de uma reação tão negativa. Não imaginara que Quatre fosse adivinhar tão rápido, e que seu amigo se mostrasse repugnado ao extremo. Definitivamente não se preparara para aquela condenação... devia ter ficado calado!

Será que perderia o amigo?

NÃO!

Tinha que explicar que não era sua culpa! Não mandava no próprio coração. Apaixonar-se por Heero acontecera de maneira não programada... fora tão espontâneo e natural... como um verdadeiro amor deveria ser.

- Sinto muito, Quatre! Não me olhe assim, não tenho culpa! Acredite em mim, por favor... será que... poderia guardar segredo?

Inconformado, Quatre levantou-se do sofá e começou a andar de um lado para o outro. Ainda não podia aceitar aquilo.

- Duo, sei que não é sua culpa, mas... sinceramente! De todas as pessoas da face da Terra você tinha que se apaixonar por ESSA?!

- Amigo, não fui eu quem escolheu...

- Eu sei! - o inconformismo na voz de Quatre era gritante - Mas sinceramente... como foi se apaixonar pela Relena?! Céus...

- Aconteceu... oras... e... - então foi a vez de Duo arregalar os olhos - O QUÊ?! RELENA?! Quem disse que me apaixonei por ela?! ECA! Bate na madeira!

Quatre parou de andar de um lado para o outro.

- Mas... ela é a única dama que está comprometida. Pensei em Dorothy, mas a prima de Relena está livre...

- Nossa, Quatre. Parece que você está jogando praga em mim... vira essa boca pra lá... prefiro atravessar o oceano a nado a ficar com Relena...

- Nesse caso... Duo... - Quatre franziu as sobrancelhas. Pensou por um segundo, e acabou desvendando realmente o mistério - Ah... acho que entendo o que está acontecendo...

Duo ficou sério. Engoliu em seco intuindo que dessa vez Quatre acertaria.

- É Heero Yui, não é?

A afirmativa fez o americano corar envergonhado ao mesmo tempo em que desviava os olhos.

- Horrível, não é? Acho que me apaixonei por ele.

- "Acha"? O que é isso? Ou você gosta de alguém ou não... você se apaixonou por ele de verdade? Tem que ter certeza.

Ao invés de responder, Duo encarou o amigo com surpresa. Acabara de revelar ao outro que se apaixonara por um homem, e ele reagia com menos horror do que quando confundira a pessoa com Relena...

- Quatre... eu amo outro garoto...

- Puxa, gostaria de dizer 'parabéns', mas Heero Yui já está comprometido com Relena. Será que ele terminaria com ela, pra ficar com você? Oh, seria tão romântico!

- Ei, você não está escandalizado?

- Porque? - a confusão de Quatre foi genuína.

- Amigo... um homem amar outro não é visto com bons olhos. Esse amor é pecaminoso e proibido!

A angústia na voz do americano fez Quatre se sentir mal. Duo estava tão torturado por aqueles pensamentos! Suspirando, o loirinho decidiu que era hora de expor seu coração e se expor também. Duo não merecia sofrer daquela maneira!

Sentando-se muito perto de Duo, Quatre tomou-lhe as mãos entre as suas.

- Duo, o que você está dizendo? O amor é apenas um. Não existe 'amor ruim' e 'amor bom'. Nós, seres humanos, moldamos os ensinamentos de Deus a nossa conveniência. Não deixe que preconceitos estúpidos destruam a sua felicidade! Amigo, preciso te dizer uma coisa...

Duo prendeu a respiração diante da eloqüência com que Quatre defendia seu pensamento. Permaneceu em silêncio, temendo quebrar a cumplicidade do momento.

- Trowa e eu somos... íntimos...

- Oh!

Aquela pequena exclamação continha uma gama infinita de sentimentos. Muita coisa fez sentido para Duo ao ouvir a confissão.

- Não assumimos nossa relação no ocidente, porque sei que seriamos castigados severamente. Como eu te disse, os seres humanos distorceram a vontade de Deus, e transformaram o amor no oitavo pecado capital. Eles aceitam coisas medonhas: que se adore ao dinheiro e ao poder acima de tudo, que se explore seus semelhantes em troca de lucro e posição social. Os nobres permitem que um homem e uma mulher se unam sem que sintam nada um pelo outro. Essas coisas terríveis são admitidas e tratadas como naturais. Mas um amor... o verdadeiro amor, como o que eu sinto por Trowa, ou o que você começa a sentir por Heero... esse sentimento tão puro e poderoso, é condenado e destruído severamente. Não é uma coisa horrível, Duo? Transformar o amor num pecado imundo e amaldiçoado...?

O americano estava sem palavras diante do desabafo sincero de seu jovem amigo. Nunca imaginaria que Quatre guardava aqueles pensamentos profundos dentro de si. E o discurso ainda não acabara.

- Sei como se sente, porque eu passei por isso. Quando descobri que estava amando Trowa, meu mundo desabou. E eu não tive ninguém para me apoiar, Duo. Acreditei que era o fim de meu coração e minha alma. Tive medo e me senti sozinho. Imagine: estrangeiro aqui em Londres, e quebrando o maior de todos os tabus... foram dias duros e torturantes. Quando Trowa se aproximou de mim e me confessou seus sentimentos, fiquei tão feliz e aliviado! Oh, Duo, você não faz idéia! Quase permiti que a hipocrisia das outras pessoas destruísse o que nasceu de mais puro em mim! E quer saber mais? Não vou permitir que um 'compromisso' feito por puro interesse impeça você de ser feliz!

- Oh, o que quer dizer?!

Antes de responder, Quatre abriu os braços e envolveu seu amigo em um abraço cheio de conforto.

- Não se abata. Vou fazer de tudo para que você e Heero fiquem juntos.

- Mas... Relena...

- Ignore-a. Vamos descobrir se o embaixador sente algo por você... se for o caso, quebrar o acordo com Relena será o de menos. Eles são apenas noivos, não marido e mulher.

- Quatre! Não sei...

- Confie em mim! Vou dar um baile essa noite mesmo! Convidarei a todos, menos Relena! Assim você e Heero poderão conversar com calma.

Duo corou, e correspondeu ao abraço de maneira agradecida. Estava imensamente aliviado por ter se aberto com alguém e contado o que lhe afligia. Claro que ficara surpreso ao descobrir que Quatre e Trowa eram amantes, ou melhor, 'íntimos', mas era a prova definitiva de que havia esperanças para ele. Se Heero correspondesse seus sentimentos... realmente havia esperanças!

A compreensão de Quatre fora definitiva para que seu coração voltasse a bater animado, sem o peso que o oprimia.

- Obrigado, Quatre, meu querido amigo...

Como seria bom, se todos pensassem como o loirinho. Infelizmente não era assim.

E sem que pudesse evitar, lágrimas abundantes começaram a rolar por sua face, talvez porque, no fundo, Duo sabia que as coisas não seriam tão fáceis...

oOo

Heero olhou para o convite em suas mãos. Viera por parte de Quatre Winner, e fora entregue em cima da hora. O loirinho daria mais um de seus bailes, sem qualquer motivo aparente...

Apesar disso, o japonês ficou satisfeito. Fazia tempo que não via Duo.

Acreditara que podia tirar aquela paixão avassaladora de sua mente e de seu coração, mas não conseguira. Parecia que ele e o americano haviam nascido um para o outro.

Combinavam tão perfeitamente! Onde Heero era sério, Duo mostrava-se extremamente divertido. A gentileza do americano contra-balanceava com a firmeza do japonês. A aura de garoto perdido que rodeava Duo, que brilhava oposta à determinação ao redor de Heero. Eram opostos simetricamente perfeitos!

Limpando tudo o mais da mente, o embaixador olhou para o mensageiro e balançou a cabeça. Participaria daquele baile. Com certeza estaria presente, e tentaria não 'atacar' o garoto americano, para não assustá-lo, como da última vez...

- "Tenho que vê-lo!"

Pelo menos enquanto tivesse tempo... enquanto não destruísse sua vida, casando-se com aquela noiva arranjada...

oOo

Relena e Dorothy estavam tomando chá juntas, na casa da família Catalonia. A primeira estava aproveitando a oportunidade para descrever o quanto seu noivo era belo e maravilhoso, e a loira apenas ouvia, sentindo-se extremamente enfada, mas evitando deixar isso transparecer.

Irritar Relena podia ser muito perigoso...

- Como eu dizia, Heero será o marido perfeito. Comerá na minha mão e fará todas as minhas vontades, e...

Um criado bateu a porta e entrou, anunciando um mensageiro de Quatre.

Imensamente grata pela interrupção, Dorothy recolheu um papel das mãos do mensageiro. Estava sendo convidada para mais um dos bailes da família Winner.

- Oh, diga ao senhor Winner que não poderei ir.

Na verdade a loira queria que Relena se tocasse e desse o fora logo dali. E Dorothy não gostava muito das festas de Quatre. Eram sempre tão tediosas. Preferia ficar em casa e apreciar a companhia de sua amiga, mais que íntima, Hilde.(3) A mesma estava hospedada sem que Relena ou qualquer outra pessoa soubesse.

Eriçada pela novidade, Relena cercou o pobre mensageiro antes que ele se fosse.

- E o meu convite? Já foi deixado em casa?

- Er... eu... bem...

- O que foi?

- Na verdade, mestre Quatre não lhe enviou nenhum, senhorita. Com licença!

E mais que depressa a pobre criatura escapou dali, antes que uma chocada Relena despertasse de seu estupor e descontasse a raiva nele. Dorothy apenas observou a face rubra da prima sem dizer nada, apesar de estar adorando ver a prepotente Relena sofrendo outra humilhação.

- Mal... maldito, Winner! Se ele pensa que vou aceitar essa desfeita está muito enganado! Adeus, Dorothy.

A garota saiu pisando duro, totalmente enfurecida.

- Ora, ora, ora - a loira bebeu um gole do chá - pelo visto Quatre esqueceu de convidar a bruxa má... e ela vai fazer uma visita surpresa, pra levar um 'presente' amaldiçoado... quem será a 'princesa' que dormirá por cem anos? Pobre Winner...

Despertar a ira de Relena não era uma atitude muito sábia...

oOo

Os eficientes serviçais de Quatre já estavam acostumados com todos os tipos de situação inusitada, e arrumar a grande mansão para uma festa seria muito fácil. Em questão de horas estava tudo preparado para receber os convidados.

Trowa, que se hospedara na casa do amante, apenas observava a movimentação, sem se manifestar. Sabia da conversa travada entre Quatre e Duo, porque o loirinho lhe revelara cada detalhe.

Apesar de gostar muito de Heero, e de ter simpatizado com o americano doidinho, Trowa não se sentia a vontade para interferir. E preferia que o amante não se metesse também... porém era aquela preocupação com os outros que tornava Quatre tão especial, e o fazia dono de um coração caloroso e gentil.

Por isso, o garoto de franja se apaixonara, e por mais que pudesse hesitar, ficava feliz que Quatre se importasse realmente com as pessoas. Só não demonstrava isso, porque era o seu jeito reservado e sempre na dele.

- Que expressão mais pensativa... o que foi?

Nesse momento Quatre adentrou a sala, e parou no meio do local, sobre o tapete persa. Flagrou Trowa a observar a paisagem do jardim, através da grande janela envidraçada.

- Nada. Pensava nessa situação.

- Em Heero e Duo?

- Hn.

- Já posso imaginar até o que se passava pela sua cabeça - Quatre sorriu, ao mesmo tempo em que enfiava as mãos no bolso do casaco - Você pensava que eu não deveria me meter, não é?

- Hn.

- Eu sabia - o sorriso se ampliou - que pensaria isso, Trowa. Desculpe, mas não pude me manter a parte dessa vez. Não em uma situação assim.

- O caso é diferente da gente.

- Não vejo como.

- Existe Relena. E os sentimentos dela.

- Ora, Trowa! Heero e Relena mal se conheciam. Acha que ela pode ter se apaixonado por ele assim, de repente?

- E não foi o que aconteceu com Duo?

- Oh!

Quatre não teve resposta para dar. Trowa estava coberto de razão. Apesar de não gostar de Relena, não podia se esquecer de que a garota tinha sentimentos...

Por outro lado, o jovem árabe era amigo de Duo, não de Relena. Se tinha que ajudar alguém, seria o americano a quem se afeiçoara como um irmão, e não a megera caprichosa e egoísta.

- Trowa, sei que o caso deles se complica, porque tem outra pessoa envolvida, e com a gente não houve esse obstáculo. Quando existem corações na balança sempre se tem o risco de sofrer. E nesse caso, se for para alguém se machucar, que seja Relena e não Duo!

Trowa franziu as sobrancelhas, ao ver a eloqüência de seu jovem amante. Nunca vira Quatre tão decidido e alterado. Ele falava de maneira firme, empregando na voz, geralmente gentil, um toque de dureza.

Pelo visto a amizade entre Duo e Quatre era mais profunda do que o garoto mais alto imaginara.

Mas isso os levava a outro lado da questão.

- E Heero? - Trowa perguntou de maneira pensativa - Você sabe como ele se sente?

- Ainda não...

- E pretende prosseguir com isso?

- Oh...

- Não teme estar apenas alimentando as ilusões de Duo? Cuidado para não fazê-lo alimentar falsas esperanças...

- Trowa... - o loirinho desviou os olhos. Sua expressão torneou-se séria - Afinal de contas, você está do meu lado, ou não?

- Claro que estou do seu lado. - o garoto de franja aproximou-se de seu amante e colocou a mão sobre o ombro dele - Só não quero que sofra. Nem você, nem Duo. Sentimentos são fáceis de serem feridos.

- Eu acredito no amor. Sei que um sentimento verdadeiro pode vencer qualquer obstáculo! Nós conseguimos, Trowa. Então Duo também conseguirá...

- Mas...

- Por favor... não continue. Não diga que é diferente, porque no fundo não é. Quando o assunto é amor, não há diferenças! "Amor proibido" e "amor profano", não existem coisas assim. Apenas 'amor'. As pessoas tentam controlar tudo, até mesmo os sentimentos mais puros. Essa sociedade hipócrita quase nos fez acreditar que o amor pode condenar... impossível. Nenhuma forma de amor pode ser considerada pecado. É nisso que acredito, Trowa.

- Quatre... - o outro suspirou longa e profundamente - Repito que sentimentos são fáceis de se ferir... e as cicatrizes não se curam jamais. Acredite que sempre o apoiarei em todas as situações, porque amo você, garoto. Só tenha consciência de que vai interferir em algo muito delicado. E terá que arcar com as conseqüências.

O loirinho sorriu, finalmente livrando-se da sensação de opressão, e do medo de ter que agir contra seu amante. Ou muito pior: brigar com ele...

A leve tensão do ambiente se desfez no mesmo instante em que o jovem árabe jogou-se nos braços do mais alto e ambos trocaram um abraço apertado.

- Trowa, eu também te amo tanto! Muito mesmo!!

Trowa abaixou a cabeça com a visível intenção de beijar seu amante. Lábios se tocaram, suaves e sequiosos daquele contato mais íntimo. Então as línguas se encontraram e se enroscaram, fazendo o loirinho quase se desmanchar, e desmoronar nos braços de Trowa. O beijo prosseguiu, lento, molhado e quente, até que os amantes se dessem por satisfeitos e encerrassem a troca de carícia.

Muito feliz, Trowa desviou os olhos em direção a grande janela, observando o céu precocemente escurecido. Grossas nuvens se juntavam na abobada celeste, num prelúdio de uma noite chuvosa e fria. Típica do clima úmido de Londres.

- Vai chover...

- Mas logo a chuva passa. Sempre foi assim.

- Hum...

O resmungo murmurado indicou que a preocupação de Trowa voltara a dominar a mente do garoto de franja.

oOo

Quando Heero chegou a festa, a mesma já ia animada e concorrida, com quase todos os convidados presentes. Imediatamente o japonês foi recebido por Trowa, que estava discretamente ajudando seu amante a bancar o anfitrião.

- Boa noite, Yui.

- Boa noite, Trowa.

- Deseja algo?

- Não. Ainda não. Onde está Quatre?

- Verificando se está tudo de acordo.

- Entendo...

Os olhos azuis varreram todo o salão, como se buscassem algo, ou melhor, alguém. Trowa logo percebeu a intenção do outro. Por um instante sentiu-se tentado a sair dali, e deixar o japonês com seus problemas...

No entanto lembrou-se da promessa feita a seu amante. Trowa garantira que ficaria ao lado dele, e o apoiaria em todas as situações, mesmo as difíceis como a que passavam agora...

Com esse pensamento, suas feições ficaram sérias, coisa que chamou a atenção de Heero. Os rapazes se fitaram em silêncio por um instante. Em seguida o mais alto fez um sinal com a cabeça, chamando Heero para um canto.

Heero o seguiu, sentindo-se intrigado com tal atitude. Mas é claro que não demonstrou em suas feições indiferentes o que se passava em seu íntimo. O árduo treinamento como samurai lhe dera inúmeras vantagens, inclusive a de camuflar seu estado de espírito nos momentos críticos.

- Yui, você sabe porque Quatre está oferecendo esse baile?

- Não.

- Claro. Quatre pode ser muito preocupado em alguns momentos...

Heero não entendeu o comentário. Apenas aguardou, confiante de que teria esclarecimentos. No entanto ficou surpreso com o comentário que se seguiu.

- Ele não convidou Relena.

O japonês ergueu uma sobrancelha. Mal pôde conter o alívio de saber daquele fato. Mas logo se pões em guarda. Porque Trowa estaria lhe revelando aquilo? Talvez pelo fato de ser noivo de Relena... deveria se ofender com a desfeita de ignorarem sua futura esposa?

Só de pensar aquilo Heero teve um calafrio. Futura esposa? Era melhor que ficasse o máximo possível longe dele. Enquanto pudesse protelar o momento de se unirem, Heero o faria de consciência tranqüila. Notando que estava divagando, o embaixador concentrou-se em Trowa.

- Não vou me ofender por isso. - Heero manteve os olhos firmes nos de Trowa, provando que não hesitaria diante de tão pouco - Pelo contrário.

Trowa quase sorriu ao ouvir aquilo. Então Heero não era um caso perdido! Ainda havia esperanças para Duo... mais uma vez Quatre acertara em seu julgamento. Como seu amante conseguia ser tão intuitivo? Às vezes ele parecia ter algum tipo de sensitividade, que o fazia enxergar sentimentos ocultos no mais profundo do coração das pessoas...

Ao concluir isso, Trowa se viu diante de um outro problema: como falar com Heero daqueles assuntos tão delicados sem o ofender? Deveria ir devagar, rodeando? Impossível.

Trowa era um homem de atitudes diretas, não sabia fazer rodeios e gostava sempre de ir logo ao ponto. E foi o que fez.

- Relena não foi convidada. Mas Duo Maxwell sim.

Heero estreitou os olhos. Onde Trowa queria chegar com aquele comentário tão fora de hora? Claro que Heero exultou em saber que Duo estava ali, afinal, aquele belo garoto americano era o motivo de sua ia aquele baile...

O embaixador conhecia Trowa bem o bastante para saber que ele não desperdiçava seu tempo com coisas supérfluas. O mais alto fora um amigo precioso e muito útil durante toda a viagem do Japão à Portugal, e de Portugal à Londres. Fora Trowa quem lhe ensinara a ler e escrever português, inglês e latim.

Por isso e por seu jeito maduro, Trowa conquistara a amizade de Heero, e tal coisa era recíproca.

- Entendo...

- Foi por isso que Quatre ofereceu esse baile.

- Você fala como se... - Heero sentiu que Trowa e Quatre eram muito mais íntimos do que podia se supor.

O japonês sabia muito bem do costume do povo ocidental, de seus tabus e preconceitos. Isso o levou a crer no porquê do relacionamento de seus amigos ser secreto.

Aquele tipo de envolvimento era extremamente condenável entre os cristãos. De acordo com alguns livros que Heero lera, pessoas do mesmo sexo que se envolvessem e fossem descobertos, recebiam os mais terríveis castigos. E a morte era o prêmio final.

Por outro lado Heero também compreendeu o interesse de ambos no que acontecia entre Duo e ele. Era óbvio que Trowa e Quatre sabiam de tudo, e apoiavam o que quer que estivesse prestes a acontecer naquele cenário festivo.

- Barton, você e Quatre...

- Eu fui criado no mundo - Trowa cortou a frase de Heero - por isso conheci muitas culturas diferentes. Inglaterra, Espanha, Portugal, França, Neerlândia, e também o oriente, Japão, Catai, Oriente Médio... navego desde que me dei por gente, conheci nações e costumes diferentes. Por isso sou livre de qualquer tipo de preconceito. Quatre nasceu e foi criado por uma cultura diferente também. Não tão tolerante assim, mas menos agressiva que esses chamados cristãos.

Trowa parou para tomar um ar. Não gostava de longos discursos, e geralmente falava pouco, mas aquela ocasião era diferente.

Heero, por sua vez, ouvia com um atenção quase sinistra. Em todos aqueles anos que navegara ao lado de Trowa, do Japão a Portugal, depois rumo a Londres, nunca ouvira uma frase com mais de cinco palavras soando daquele garoto tão calado. Com certeza quando ele falava, merecia atenção.

- Quatre está oferecendo esse baile com uma única intenção: que você e Duo resolvam o que tem de resolver. Decidam-se logo de uma vez. Se existem sentimentos envolvidos, as coisas serão ainda mais difíceis. Mas aproveite a oportunidade que Quatre oferece, e coloque tudo em pratos limpos.

- Hn.

- Saiba apenas de uma coisa: qualquer que for sua decisão, nós o apoiaremos.

- Você disse que Duo foi convidado também. Ele ainda demora a chegar?

- Ele já chegou faz tempo. Deve estar circulando por aí.

Heero balançou a cabeça e afastou-se. Mal deu dois passos e ouviu a voz de Trowa chegando a ele.

- Heero... - o mais alto estava com a cabeça baixa, e não fitava o japonês nos olhos - lembre-se apenas de uma coisa... nessa sociedade, as regras são diferentes. Esse... amor que vocês podem estar sentindo, é um crime grave. É quase... um pecado capital.

- Não se preocupe. Não sou cristão. Por isso não entendo o conceito de pecado capital.

- Não precisa entender nenhum conceito. Necessita apenas ter coragem, mesmo que seja para agir escondido dos olhos de todos.

Em silêncio, Heero voltou-se e afastou-se de vez. Trowa suspirou e cruzou os braços, encostando-se na parede. Os olhos do japonês brilhavam muito, nas poucas vezes em que fora mencionado o nome de Duo.

Um forte amor estava enraizado no coração do samurai... o necessário era saber se ele seria forte e profundo o bastante...

oOo

Heero circulou pelo salão de entradas, mas não encontrou com quem tanto procurava. Sem desanimar, deu uma volta pelo salão de danças e acabou saindo no salão azul, onde os cavalheiros podiam conversar em paz e sossego.

Ali sim, encontrou o garoto que dominara sua mente nos últimos dias. Duo estava conversando com uma jovem de cabelos curtos e castanhos, mais alta do que ele. Era Catherine, a garota que fora criada com Trowa Barton.

Imediatamente se dirigiu a eles.

- Boa noite.

O cumprimento chamou a atenção do casal. Catherine sorriu muito, ao ver o japonês. Estendeu a mão pare ele, e recebeu o beijo de praxe. Já Duo, por sua vez, parou de sorrir e engoliu em seco.

- Boa... noite...

- Boa noite, embaixador Yui. Duo e eu estávamos falando a respeito do oriente, não é mesmo, Duo?

- É...

- Enfim, também acabei de chegar, vou atrás de Trowa, para cumprimentar meu irmão. Preciso falar com ele urgentemente.

E Catherine afastou-se, alertada por seu sexto sentido apuradíssimo.

Finalmente a sós, os garotos se fitaram.

- Precisamos conversar, Duo.

O americano arregalou os olhos. Não conseguiu dizer nada, apenas balançar a cabeça dizendo que sim. Ambos tinham consciência de que não poderiam conversar a vontade no meio de tantas pessoas.

Então Heero começou a se afastar, confiante de que Duo o seguiria. E foi o que aconteceu. Apesar de todo o nervosismo, o americano avançava a passos curtos e rápidos, ansiando, e ao mesmo tempo temendo, a conversa que teriam.

Conhecendo bem o caminho, Heero se dirigiu para o jardim da casa de Quatre. O belo local estava vazio. Era lindo e muito bem cuidado, e antecedia uma floresta de carvalhos.

Os garotos sentaram-se em um dos bancos de madeira, e acabaram ficando em silêncio.

O coração de Duo batia tão rápido e alto, mais parecendo o galopar de um alazão indomado. Nunca ficara tão nervoso em sua vida antes, não que se lembrasse.

Apesar de tudo, tinha de admitir que gostava de estar ao lado de Heero. Apenas ficar sentado ali, lado a lado... era tão bom! Era uma sensação de satisfação e euforia, que mal podia ser contida.

Os olhos ametistas cravaram-se no céu, observando as pesadas nuvens que cobriam o céu. Talvez chovesse logo, logo.

- Espero que não seja uma tempestade... - murmurou de maneira pensativa.

Heero analisou bem o garoto sentado ao seu lado. Duo Maxwell era realmente bonito. Tinha um rosto perfeito, e olhos magníficos, vivazes. Ele trajava um conjunto azul escuro, com babados nas mangas e no peito. Haviam detalhes dourados na gola e na bota de cano médio.

Era uma coisinha adorável de se admirar.

No entanto Heero não se apaixonara apenas pela aparência exótica daquele americano. Havia muito mais... aquele ar de criança inocente que o rodeava, e o jeito de quem está perdido e precisa de ajuda, eram irresistíveis.

Heero queria ser o único a ampará-lo, a cuidar dele...

- Você sabe como me sinto?

A pergunta a queima-roupa fez Duo se ruborizar. Mas o americano não esmoreceu, pelo contrário. Chegara até ali, não desistiria por nada desse mundo.

- Sim... acho que... sim...

- Como você se sente? - o embaixador perguntou num tom de voz macio e calmo, sabendo que não devia assustar ou pressionar aquela criaturinha irrequieta, sentada ao seu lado.

- Igual. - incentivado pela paciência de Heero, o americano nem hesitou em confessar.

Só então Duo desviou as íris do céu negro e fixou-a na face de Heero. Daquela troca de olhares nasceu um clima romântico, típico de conto de fadas, que nenhum dos dois experimentara antes. Ambos entenderam perfeitamente que o amor já era inegável, e recíproco. A alegria de saber disso atingiu um patamar inimaginável, e de repente nada mais importava.

- Eu nasci no Novo Mundo, filho de pais ingleses que morreram quando eu era um bebê. Foi Pe Maxwell que cuidou de mim desde muito cedo... - Heero acompanhava a narrativa sonhadora com grande cuidado. Tudo o que dizia respeito ao garoto de olhos ametistas lhe interessava - Morávamos na costa, em uma bela vila à beira mar. Mas apesar de toda a beleza, e de todas as amizades, eu sentia que queria algo mais na minha vida... foi um sonho receber a oferta do capitão Treize, que me trouxe aqui. A viagem foi outra aventura, cheia de coisas inimagináveis e grandes perigos... quando cheguei aqui... que decepção! Achei Londres um lugar indiferente e pouco acolhedor. Claro que a amizade de Quatre foi algo maravilhoso... mas eu ainda sentia falta de algo. Eu detestei esse tempo úmido e frio e pensava em voltar para a América... agora não penso mais... realmente... não penso... mais...

Ali estava o resumo de toda sua vida, encerrado com uma sincera declaração. Duo desligou-se completamente de seus temores, das crenças religiosas e do peso da sociedade hipócrita, que esmagavam seu coração. Fechou os olhos e entreabriu os lábios, oferecendo-os num convite impossível de ser recusado.

Ao ver aquilo, Heero se descontrolou. Simplesmente jogou fora todos os anos árduos que treinara como samurai. Despiu-se de suas obrigações para com seu daimio, e apagou de sua mente o fato de que já não era um homem livre...

Simplesmente estendeu os braços e tomou o americano para si, aceitando o convite ao mesmo tempo tentador e inocente, numa antítese de enlouquecer e fascinar. Os lábios apaixonados se tocaram, e os garotos iniciaram um beijo faminto e voraz, sequiosos de satisfazer o desejo que começava a inflamar no íntimo de ambos.

Debaixo daquele céu negro, perdidos nas sensações do beijo avassalador, Heero e Duo esqueceram-se do mundo.

oOo

O salão de entradas silenciou de maneira impressionante. Trowa e Catherine que conversavam num dos cantos, voltaram seus olhos para a porta principal.

- Ora... - a garota franziu as sobrancelhas.

- Era só o que faltava.

Trowa torceu os lábios, sem poder acreditar em tamanha ousadia. Relena Peacecraft adentrava a casa de Quatre, com a maior cara de pau da face da Terra. Usava um vestido muito rodado, feito em veludo escarlate. Era tão cheio de babados, fitas e laços, que chegava a ser ridículo. Estava sozinha. Pelo jeito Zechs ainda tinha um pouco de vergonha na cara...

Surgindo quase do nada, Quatre dirigiu-se a ela. Não gostava daquela garota, mas não podia expulsá-la de sua casa.

- Senhorita Relena.

- Senhor Winner... - a voz fria soou extremamente cortante - o meu convite não chegou a tempo. Espero que tal descortesia não se repita...

- Fique a vontade.

Relena não respondeu. Avançou pelo salão ignorando a todos.

As pessoas começaram a cochichar baixinho, e logo retornavam a conversa de antes da garota mal educada chegar.

Trowa e Quatre se entreolharam. Trocaram um sinal de cabeça e seguiram para lados opostos. Tinham que encontrar Heero e Duo, e avisá-los daquele inconveniente irritante.

O beijo encerrou-se, mas os garotos continuaram abraçados, embalados pela música que ecoava distante, de dentro da casa de Quatre.

- E agora? - a pergunta de Duo cortou a noite fria. Mais cedo ou mais tarde teriam que tomar uma decisão.

Enquanto pensava na pergunta do americano, Heero tentava gravar na mente todas as sensações que experimentara enquanto beijava o belo garoto que tinha em seus braços. Estava fascinado pelo sabor inebriante e inigualável de Duo. Sentira-se tão bem estando com ele...

Como a vida era injusta e desesperadora! Teria que abrir mão do amor, somente por que devia obrigações ao senhor feudal de seu clã? Aquilo doía demais!!

Antes que se pronunciasse, Heero sentiu uma grossa gota d'água pingar sobre seu ombro. Logo uma densa chuva começou a cair.

- É melhor irmos para dentro. - "E adiarmos a decisão um pouco mais..."

Duo balançou a cabeça concordando.

A chuva aumentava consideravelmente. Se não entrassem logo, acabariam molhadinhos!

Heero ficou em pé, e ajudou Duo a levantar-se. Como o jardim estava vazio, não sentiram receios em caminhar de mãos dadas, pelo menos até que chegassem a porta que dava acesso ao jardim. Por aquele lado sairiam em uma área de pouco uso, e onde os convidados não costumavam circular, visto que Quatre tinha muita preocupação com seu belo jardim, e restringia o acesso do mesmo, reservando-o apenas para os amigos mais chegados.

Estavam quase alcançando a entrada, quando a folha de madeira se abriu, e para assombro dos garotos, acabaram dando de cara com a última pessoa que gostariam de ver naquele momento.

Relena Peacecraft.

O choque se estampou na face dos três. Duo e Heero se indagaram intimamente o que aquela mulher poderia estar fazendo ali, enquanto Relena, por sua vez, olhou surpresa para a face molhada de Heero. Depois fitou Duo.

Terminou a análise encarando as mãos entrelaçadas de ambos. Num segundo, a compreensão de tudo abalou sua mente, fazendo-a recuar um passo.

- Vocês!!

- Relena... espere... - Duo ainda tentou salvar as aparências, mas era tarde.

A garota olhou fixamente para ele, mostrando repugnância em sua expressão.

- Demônio de fornicação! O que está fazendo com meu noivo?! Está tentando prendê-lo em suas garras, enviado de Satanás?! Isso é... é... NOJENTO!! Embaixador Yui... me responda onde está sua palavra nesse momento? É assim que honra nosso compromisso? Atentando contra as leis de Deus?! Seres da perdição!!

E sem esperar resposta, Relena deu meia volta e saiu correndo.

Duo ouviu todas as ofensas com os olhos arregalados.

"Enviado de Satanás"?!

- Oh, Deus!!

Soltou da mão de Heero, e saiu correndo de volta para o jardim, saindo na chuva que caia fortemente.

Heero levou a mão ao rosto. Pela primeira vez em quinze anos de vida, não sabia o que fazer. Para um lado, corria Relena, e levava com ela sua honra e seu dever de samurai. Para o outro, corria Duo, e o belo garoto levava seu coração, e o amor que desabrochara de maneira pura entre ambos.

O que Heero deveria fazer?! Atrás de quem deveria ir?

Continua...


(2) Soda cáustica! Alguém, por misericórdia, jogue soda cáustica em mim! -

(3) Huhauahuahauhauah! Transformei a loira em Yuri! Sou mah! Muy mah! E assim me livro da Hilde! Há, há, há, há! Ei, acho que esse foi o primeiro caso de Yuri nas minhas fics... O.O Que coisa!