Título: Amor, 8º Pecado Capital
Ficwriter
: Kaline Bogard
Classificação
: yaoi, AU, angust, preconceito
Pares
: 1x2, 3x4
Resumo:
Todas as dificuldades que um casal homossexual pode encontrar no início do século XVII
Aviso
: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!


"Se amar com toda a alma é considerado pecado,
então admito que desse crime sou culpado."

Amor, 8º Pecado Capital
Kaline Bogard

CAPITULO III

Duo continuou correndo para além do jardim, até chegar a entrada da pequena floresta. Escondeu-se atrás de uma das primeiras árvores, deixando o corpo cair no solo molhado.

A roupa colava em seu corpo, assim como alguns fios de cabelo em sua face. As palavras chocadas e agressivas de Relena queimavam em sua alma, fazendo-o lamentar seu próprio nascimento.

"Demônio de fornicação" e "Enviado de Satanás". Nunca se abalara tanto por algumas ofensas, mas aquelas estavam realmente fazendo seu pobre coração se partir. Talvez porque deixara se envolver pelos sentimentos proibidos que sentia por Heero.

A cruz de ouro pesou em seu pescoço.

Apesar de tudo, Duo sabia desde o princípio que aquele amor era errado e pecaminoso.

Dois homens não tinham o direito de se amar, não sem arriscar suas almas a danação eterna, e seus corpos ao castigo da justiça do homem. Porém, apesar de sua mente racional o alertar, seu coração impulsivo lhe traíra, e lhe atirara de cabeça na fogueira da luxúria.

- Céus...!

E ainda assim, com todas aquelas complicações, não se arrependia de ter aberto seu coração, pois só assim podia ser sincero consigo mesmo. Mas nesse caso...

- Porque dói tanto?

Doía mais ainda imaginar que Heero estava indo atrás de Relena, sua noiva oficial, e tentaria consertar as coisas entre eles.

Sem que pudesse agüentar mais, o americano deixou as lágrimas quentes rolarem soltas por sua face, misturando-as com gotas de chuva gelada. Perderia a coisa mais importante de sua vida. Uma coisa nova e recente, mas que ganhara proporções gigantescas e assustadoras: o amor por Heero.

Talvez devesse ficar por ali, na chuva, até que se congelasse, e seu coração se tornasse duro e frio, e assim não precisasse mais sofrer tanto...

Foi nesse momento que Duo ouviu passos baixos, ressoando sobre o solo encharcado. Sem poder acreditar, ergueu a cabeça e deparou-se com o embaixador japonês. Heero Yui caminhara na chuva, e procurara por ele, preferindo socorrer o garoto americano a ir atrás de Relena.

- Oh!

- Você está bem?

- Heero...

Abaixando-se, Heero colocou ambas as mãos sobre os ombros do outro garoto.

- Sinto muito. Não devia passar por isso.

- Se engana. Eu também fiz uma escolha. - fungando, Duo passou a mão pela face, tentando descolar os fios de cabelo que grudavam em sua pele molhada - Somos ambos culpados, por alimentar um amor que é errado e proibido.

- Você acredita nisso?

- Dois homens não tem o direito de se amar. Perderemos nossa alma imortal, por causa desse sentimento cruel!

- Cruel? - Heero moveu a mão e tocou gentilmente no rosto de Duo, sentindo a tez macia um tanto gelada - Você acha que isso é cruel, Duo?

O americano fechou os olhos, saboreando a delicadeza daquele toque. Nunca ia imaginar que o estrangeiro oriental, dono de uma eterna expressão indiferente fosse capaz de um gesto tão caloroso.

- Eu...

- Amar não é errado. Pecado não tem nada a ver com uma coisa tão maravilhosa quanto essa. Entende isso? Concorda com isso?

- Heero, não sei. Todos dizem que...

- O que 'todos' dizem não importa. Ouça apenas seu coração. Preste atenção na batida do seu coração, e me diga o que ouve.

Duo permaneceu em um silêncio concentrado, apenas sentindo a mão quente de Heero a lhe acarinhar daquele jeito tão gostoso. Tudo o mais sumiu: a chuva fria, as preocupações e o medo de assumir seus reais sentimentos.

Não ia mais se esconder atrás de uma desculpa covarde e egoísta. No fundo, Duo não acreditava em nada daquela baboseira. Tivera medo da reação das pessoas, medo de saber que alguém poderia descobrir aquele sentimento que todos consideravam tão errado.

Era o momento de ser sincero consigo mesmo.

- Não.

- Não? - Heero insistiu gentilmente.

- Não acho que nosso amor seja cruel. Não acredito que Deus fosse capaz de condenar a nós dois... tentei me esconder atrás de tabus ridículos, mas... minha máscara está caindo... por sua culpa, por você mexer comigo dessa maneira, e me fazer sonhar...

- Sonhar...?

- Sonhar com a possibilidade de ficarmos juntos, de nos amarmos sem medo de sermos castigados - lentamente Duo moveu a mão até seu cordão de ouro e fechou os dedos sobre o crucifixo dourado - Não... Deus não criou o amor para ser um pecado, não é, Heero?

O japonês sorriu e moveu a cabeça concordando. Era exatamente o que pensava, apesar de não acreditar em Deus. Não era cristão, e não proferia nenhuma religião, apesar de nascer em uma família budista. Sua própria mãe se tornara uma monja, depois que enviuvara.

Duo puxou a mão com força, arrebentando o colar com o crucifixo.

- Heero... eu falo de amor, e da confusão... que reina em meu coração... mas... e você? Também sente amor por mim? Acredita que... fomos vítimas de 'amor a primeira vista'?

O embaixador deslizou a mão pela face do garoto mais baixo, e voltou a passar os braços em volta dele, requisitando seu corpo trêmulo para um abraço apertado e quente.

- Eu nunca acreditei em amor a primeira vista. Não até conhecê-lo. Quando dançamos juntos... não... quando coloquei os olhos sobre você, eu já estava perdido...

E Heero nunca falara tão sério em sua vida. Tinha sido pego pelas garras do amor, e não fazia questão nenhuma de libertar-se delas. Apaixonara-se perdidamente quando se encontrara com Duo pela primeira vez. Tudo nele era especial: o brilho em seus olhos... o sorriso espontâneo... seu cheiro e seu jeito de andar... o ar de criança perdida que pede pela proteção de braços acolhedores...

Heero queria assumir o papel do homem que protegeria Duo para sempre. A partir do momento em que compreendera seu desejo secreto, perdera sua salvação. E também o seu coração.

- Eu amo você, Duo. Com toda a minha alma, desde o primeiro momento em que nos vimos pela primeira vez. Se existe amor a primeira vista, este é o mais autêntico de todos. Meu coração é seu, todo e apenas seu.

Satisfeito pela resposta, Duo sorriu, de uma maneira tão linda, que tirou o fôlego de Heero. Por um momento, o japonês acreditou que acolhera um anjo em seus braços.

E tomados pela emoção, ambos trocaram mais um beijo. Heero foi abaixando a cabeça, enquanto fechava os olhos. Duo também cerrou seus olhos, apenas para saborear ainda mais aquele momento. Os lábios se entreabriram e as línguas se encontraram. O beijo foi profundo e calmo, diferente do primeiro, pois ambos se entregaram sem reservas, livres de todos os medos.

Afastando o rosto e terminando por hora o beijo, Heero ainda depositou uma beijoca carinhosa sobre a testa do americano, sentindo-se mais protetor do que nunca, mais acolhedor em relação ao garoto que carregava junto ao próprio corpo.

Alheio às sensações que despertava no outro, Duo deu uma última olhada em seu crucifixo, antes de arremessá-lo longe, com toda a força que possuía.

- Já não preciso mais disso.

- Tem certeza?

- Sim. Aquela seria sempre a lembrança de que nos envolvemos em um amor pecaminoso, e eu não acredito mais nisso. Prefiro me libertar dos preconceitos.

- Se você acha. É melhor sairmos da chuva...

O japonês se colocou em pé, e ajudou o americano a erguer-se também. Porém assim que se levantou, Duo sentiu uma vertigem e precisou se apoiar em Heero para não cair.

- Não me sinto muito bem...

- Vamos sair logo daqui.

Para andar mais rápido, o japonês tomou o outro em seus braços, carregando-o de volta para o jardim, e então em direção a casa de Quatre.

Duo aconchegou-se mais ao peito do embaixador, sentindo-se protegido e acalentado.

- É bom estar com você...

Heero observou bem o garoto que começava a ficar sonolento em seus braços. Por um momento desejou prolongar aquela noite chuvosa para sempre. Mas era um desejo egoísta e covarde, o único que sentira em sua vida samurai.

Precisava ter forças para enfrentar o dia que nasceria dali a algumas horas.

Ao preferir correr ao encontro de Duo, dera as costas a Relena e traíra seu daimio, seu clã e seu país. Desobedecera ordens diretas, falhara na única e mais importante missão que Toranaga lhe conferira.

Perdera sua honra e o direito a própria vida.

Só lhe restava um único caminho: o seppuku.

oOo

- Estou realmente impressionado, para não dizer surpreso... - a voz de Quatre ecoou baixa pelo aposento - Não esperava essa atitude por parte de Relena...

Heero olhou para o loirinho e não retrucou, apesar de concordar com o que fora dito. Faziam cinco dias desde o malfadado baile... Quatre, Trowa e Heero esperavam que a garota ofendida colocasse a nobreza londrina de pernas para o ar, com suas acusações e revelações.

Surpreendentemente, ela apenas se retirara e mantivera-se em um silêncio quase eremita, sem aparecer em público todo aquele tempo, talvez amargando seu ódio em imperturbável solidão... ou armando alguma vingança terrível...

Enquanto isso, Heero passava os dias na casa do jovem árabe, vigiando enquanto Duo se recuperava de uma forte gripe. Aliás, ele e Quatre estavam no quarto do americano naquele exato momento, apenas vigiando-o enquanto dormia um sono tranqüilo de recuperação.

- Peço que ela não esteja tramando um escândalo pior.

- Não creio.

- É... você tem razão. Acredito que ela não gostaria de se expor dessa maneira... oh, Heero, que situação a de vocês. Eu quis apenas ajudar, mas piorei tudo... sinto muito de verdade por essa desgraça.

- Não se preocupe. Nós japoneses acreditamos em karma. Esse é meu karma, e você não tem o poder de mudá-lo.

Quatre ouviu a frase mais longa que se lembrava de Heero ter pronunciado em sua presença. Suspirando, o loirinho levantou-se e balançou a cabeça.

- Com licença. Preciso terminar de arrumar minhas coisas. Papai solicitou minha presença o quanto antes em nossa casa. Claro que vocês podem ficar aqui o quanto quiserem. Deixarei esse lugar à sua disposição.

- Aa.

Sem acrescentar mais nada, o jovem árabe saiu do quarto, deixando Heero e Duo sozinhos.

O japonês acompanhou a saída do amigo. Finalmente voltou os olhos azul cobalto na direção da cama, bem a tempo de ver Duo abrindo os olhos devagar, de maneira vacilante.

A alegria do embaixador não teve tamanho. Se pudesse, tomava-o nos braços naquele momento, mas tinha que se conter para não piorar a situação.

- Hee... ro...?

- Você está bem?

- Eu... acho que sim.

O americano se espreguiçou e esfregou os olhos manhosamente.

- Parece que dormi... um mês inteiro... o que... aconteceu...?

- Você pegou uma gripe fortíssima. Estamos na casa de Quatre.

- Oh!

- Felizmente você venceu a doença.

- E... - Duo piscou sem jeito. Não podia negar que apreciava a companhia do outro, pois o amava mais que a si próprio, e admitia tal fato. Porém, com o despertar todos os acontecimentos do malfadado baile vieram a sua mente - Relena...?

Heero manteve-se impassível, apesar de arrepiar-se todo. Tinha horror aquele nome, e depois de tudo, definitivamente, não poderia passar o resto da vida ao lado daquela criatura arrogante.

Decidira-se a não cometer aquele erro, e agir contra as ordens diretas de seu daimio. E por conta de uma decisão tão radical, deveria agüentar as conseqüências. Estava apenas aguardando que Duo se recuperasse. E esse dia enfim, chegara.

- Não fez nada. Absolutamente nada.

- Jura? - a incredulidade do americano era evidente na palavrinha.

- Hn.

- Será que ela vai nos deixar em paz? - os olhos ametistas brilharam tanto que fizeram Heero sorrir muito de leve, sentindo a ternura amolecer seu coração. Que poder aquele garoto tinha sobre si?!

De onde saíra aquele anjo tão alegre e cheio de vida, porém ao mesmo tempo gentil e preocupado, dono de uma alma pura e conscientemente sagaz? Duo Maxwell era sua metade perfeita, o amor que nunca imaginara encontrar em sua vida de guerreiro, mas que caíra em seus braços e o desarmara por completo.

Olhando fixamente para a face de Duo, que começava a recobrar o colorido saudável de antes da gripe, Heero respirou fundo e recostou-se na cadeira macia que fora posta ao lado da cama do americano.

Duo sentiu que Heero estava prestes a fazer uma confissão, ou lhe dizer algo importante, e apenas aguardou, temendo atrapalhá-lo num momento tão delicado.

- Você conhece a cultura e a hierarquia nipônica?

- Eu... não... - Duo murmurou surpreso pela pergunta inesperada.

- Nasci em uma família de samurais, que serve direto a Toranaga, o senhor feudal de Kwanto. Quando ele me enviou para o ocidente, pediu que eu abdicasse de qualquer desejo pessoal, para servir apenas à minha nação...

- Oh! - o americano não pôde deixar de pensar no quanto era cruel aquele pedido.

- Aceitei tudo, em nome de meu senhor... até que o conheci... e então não pude mais abrir mão de meus desejos. Do desejo de ficar com você.

- Heero...!

Duo corou muito ao ouvir a declaração feita a queima-roupa.

- Mas isso tem um preço, Duo. Eu estava apenas esperando você se recuperar, para fazer o que tem de ser feito.

- Não... não me diga que... você voltará para... o Japão?!

- Não. Nunca mais poderei fazer isso.

- Oh! - sem saber do que Heero realmente estava falando, Duo se alegrou com a afirmativa feita em tom de voz decidido.

Heero ficou em pé, e esticou a mão, depositando-a gentilmente sobre os cabelos macios de Duo.

- Relena parece conformada, mas antes do seppuku preciso falar com ela, e liberá-la do compromisso que nós tínhamos. Tudo ficará bem.

Os dedos de Heero passearam pelos fios longos, e terminaram numa suave carícia na face de anjo. Apesar de adorar aquele toque, Duo sentiu uma pontada de tristeza em seu coração. O instinto apurado lhe disse que não deveria permitir que Heero se fosse naquele instante, mas tudo o que o americano pôde fazer foi assisti-lo ir embora, sem se despedir.

Os olhos violeta perderam o brilho no instante em que se fixaram na mesinha de cabeceira. Ali fora depositado seu leque de seda negra, do qual se esquecera completamente.

Heero estava lhe devolvendo o precioso objeto.

- Céus... algo está... errado...

Duo só não sabia dizer o que...

oOo

Heero saiu da casa sem encontrar com Quatre ou algum dos criados. Pelo visto a pressa do loirinho era autêntica. Ao que se lembrava das palavras de seu anfitrião, restara apenas Rashid naquele local, e era óbvio que em breve não ficaria mais ninguém.

Claro que o loirinho enviara uma mensagem para os criados de Duo, e logo os mesmos viriam tomar conta de seu mestre, sem que ele se desgastasse com a viagem.

Assim que saiu na rua, o japonês analisou o céu cinzento de Londres.

Aquela cidade estava sempre coberta por uma névoa deprimente e entristecedora, mas naquele momento combinava perfeitamente com o estado de espírito de Heero.

- Agora... Relena...

Primeiro iria a casa de sua futura ex-noiva e romperia o compromisso com ela. Depois voltaria para o hotel, onde tudo já estava pronto para que levasse a cabo o seu carma.

Caminhando sem pressa, o japonês abriu mão de chamar um condutor. Londres não era uma cidade tão grande assim, e poderia chegar a casa de Relena sem se cansar muito.

Doía-lhe pensar que aquela era a última vez que via Duo... não lamentava pelo Japão, sua nação mãe, nem pelos parentes que deixara no oriente.

Não lamentava pelos lugares que não conheceria jamais, nem por ter manchado sua honra de samurai...

O que magoava mesmo, o que estilhaçava seu coração e destruía sua alma, era o pensamento de nunca mais ver Duo. Nunca mais sentir seu calor, ver seu sorriso radiante ou tocar a maciez de sua pele e seus cabelos.

Inconscientemente, Heero abriu e fechou a mão, lembrando-se da sensação de ter tocado naqueles belos fios de cabelo. Aquilo estaria gravado para sempre em sua memória, como uma cicatriz marcada a ferro nas lembranças mais recentes.

Na verdade, tudo o que Heero possuía, eram as lembranças recentes, ou seja, as lembranças de Duo. Todo o resto fora varrido de sua mente pelo belo americano. Sua mente recordava-se apenas dos momentos que partilhara com ele, raros e inconstantes, mas fortes e profundos.

Momentos que haviam sido vividos com emoção impar, diferente a cada vez, e nem por isso menos singulares, muito pelo contrário.

Duo... Duo... Duo...

Claro que havia o outro lado da moeda: Heero abandonara seu país, dera as costas a seu dever de samurai e traíra a confiança de uma garota que aceitara ser sua esposa sem nem o conhecer... em contrapartida descobria que existia o amor verdadeiro. Percebera que seu coração também podia formular desejos egoístas, apesar dos mesmos irem contra sua missão, e por um breve instante... tivera Duo para si. Provara daqueles lábios imaculados e inocentes.

Por tudo isso, daria sua vida sem hesitar. Pagar com seppuku era até mesmo pouco. Afinal, o americano alcançara o mais profundo de seu ser, e o fizera conhecer a felicidade que somente um amor verdadeiro poderia trazer.

Mesmo que tal amor fosse taxado pela maioria como proibido e sujo. Mesmo que fosse considerado o oitavo pecado capital. A verdade é que aquele sentimento lhe dera um par de magníficas asas brancas...

E fizera sua alma livre!

oOO

Relena estava sentada ao lado da lareira apagada. Permanecia muito calma e impassível, apesar de seu íntimo arder de ódio e rancor. Sua educação nobre não permitia que demonstrasse aqueles sentimentos.

E os conselhos de Zechs, é claro.

Os olhos indiferentes da garota caíram sobre as cinzas frias e geladas. A muito tempo não tinham dinheiro para comprar mais lenha, e de toda a extensa frota de criados, apenas um restara... os outros haviam ido embora, pois os irmãos não tinham mais condições de pagar seus salários.

Fora a cinco dias atrás, que a caçula dos Peacecraft chegara espumando da casa de Quatre, tomada pela raiva, asco e humilhação. Ela ainda lembrava-se da cena muito bem...

oOo

"A porta foi aberta com um estrondo, surpreendendo Zechs que lia tranqüilamente à luz de um lampião. O rapaz não disse nada, apenas observou sua irmã se dirigir as cortinas de veludo negro, e num rompante de raiva, arrancá-las e jogá-las ao chão.

- Malditos! Desgraçados! Infames e sujos!

- O que houve, minha irmã?

- Aqueles malditos estrangeiros! São todos uns amaldiçoados! Não têm pudor algum... nenhum respeito por nós, nobres e fidalgos.

- De quem está falando?

Numa voz recheada de petulância, Relena narrou tudo o que flagrara na casa de Quatre.

- Aquele alcoviteiro dissimulado! Por isso não me convidou para o baile!! Winner queria apenas acobertar uma coisa tão nojenta!! Gggggrrrrrr, que ódio!!

- Relena...

- Mas essa humilhação não fica assim, guarde minhas palavras, Zechs! Vou denunciá-los à Rainha! Duo e Heero serão enforcados, decapitados, esquartejados e queimados! Depois, cuspirei sobre as cinzas desses dois desavergonhados!

Zechs acabou por perder a paciência de uma vez.

- Isso. Entregue ambos à inquisição, e destrua suas chances de sair dessa miséria!

Relena parou de pisotear as cortinas e olhou para seu irmão.

- Zechs...?

- Nossa Majestade prometeu lhe dar um dote generoso, propriedades e um título. Se você denunciar esses dois, perderá tudo. E vai ficar na pobreza. Convenhamos, minha irmã... você não é a preferida entre as boas pretendentes dessa temporada.

- Oh... - a verdade daquelas palavras a atingiu em cheio - E o que sugere que eu faça?

- Espere. Apenas isso. Com certeza esse estrangeiro japonês está passando por alguma fase confusa e se rendeu ao charme daquele americano afeminado. Logo o bom senso voltará a ele, e então, você estará feita. Heero virá a você mais cedo ou mais tarde, quando perceber a mancada que está cometendo.

- Acredita mesmo nisso?

- Ou você prefere jogar todas as promessas no lixo? Se denunciar Heero e Duo, você está perdida, minha irmã. Sabe que me casarei com Noin, e a baronesa é muito rica... mas não poderei olhar por você para sempre.

Relena murchou naquele momento. Zechs estava lhe dando um aviso preocupante: em breve abandonaria o barco, e se ela não fosse esperta o bastante, afundaria na miséria e naufragaria junto com os ratos...

- Esperar? E aceitar viver com Heero...? Sabendo que ele se envolveu com outro homem? Que ele ousou cometer esse pecado terrível?

- Não. Vou colocar de outra maneira: esqueça do que viu. Apague de sua memória. Aceite viver com Heero e... com toda a riqueza e conforto que ele lhe garantirá.

- Oh...

- Acha difícil? Pense bem, minha irmã. Não lhe peço nada absurdo, não é?

A caçula abaixou a cabeça e suspirou.

- Esquecer isso... em nome da paz, não é?

- Oh, claro... - Zechs sorriu de lado - Tudo em nome da paz... você não irá se arrepender, querida".

oOo

E ali estava ela, apenas esperando. Usando todo seu pouco sangue-frio para manter as esperanças, torcendo para que o belo japonês a procurasse logo. Seu tempo estava acabando.

Foi então que o último criado bateu a porta. Era um velho cansado, que se mantinha fiel a família Peacecraft acima de tudo. E porque não tinha pra onde ir, nem parentes que o acolhessem.

- Senhorita Peacecraft... o senhor Heero Yui deseja falar com a senhora.

O rosto de Relena se iluminou de tal forma, que fez o homem recuar um passo.

- Mande-o entrar imediatamente!

- Sim, madame.

A garota exultou. Seu irmão estava certo! Como sempre, Zechs matara em cheio!

Heero demorara apenas cinco dias para se arrepender de ter se envolvido com aquele diabo americano... com certeza vinha pedir seu perdão, e rastejar aos pés dela, implorando para que se casassem.

- Hum... devo aceitar imediatamente ou me fazer de difícil primeiro? Ah, mas ele vai ter que se desculpar muito. Há, há, há, há!

Batidas na porta interromperam seu monólogo vingativo. Respirando fundo, a garota custou para disfarçar o ar vitorioso que iluminava seus olhos frios.

- Pode entrar. - sua voz tremeu um pouco, denunciando a ansiedade.

Heero abriu a porta e avançou. Estava sério e grave como sempre. Não... talvez estivesse um pouco mais fechado do que o normal.

Relena permaneceu em pé, ao lado da janela sem cortinas, pois as mesmas haviam sido destruídas por sua fúria arrasadora a cinco dias atrás. Estendeu a mão, para que o japonês a cumprimentasse formalmente.

Prendendo um suspiro, Heero tomou-lhe a mão e depositou um beijo leve. Tão suave que foi quase imperceptível. Apenas um roçar de lábios.

A garota percebeu isso, mas preferiu ficar quieta, dissimulando o rancor que ameaçava manifestar-se por tão grande desfeita. Heero também reparou nesse fato, e tal coisa o fez entender que jamais poderia passar o resto de sua vida ao lado de uma pessoa que podia camuflar tão bem o que sentia.

Relena era controlada, mas de um jeito diferente de Heero. O japonês passara por um longo e árduo treinamento samurai. Já a garota de sangue azul agia de maneira tendenciosa, visando seus próprios interesses.

Era tão absurdamente contrário a Duo, o jovem americano transparente como o mais cristalino dos cristais. Aquele belo garoto que não podia esconder o amor que sentia por Heero, que estremecia ao menor toque e se deixava envolver pela paixão avassaladora, sabendo dos riscos, ciente de que podia sofrer punição.

Como resistir a um coração tão autêntico? Tão verdadeiro e sincero que chegava a ser inocente...

Jamais poderia se entregar a Relena. Nunca poderia amá-la. Mas apesar de tudo, a respeitava, a via como um ser humano, e por esse motivo gostaria de ser correto com ela, e fora ali para terminar com aquele compromisso ridículo.

- Eu estava esperando pelo senhor... - Relena confessou, começando a se irritar diante da falta de pronunciamento de Heero - Tinha certeza de que viria.

- Hn.

- Precisamos conversar. Estou disposta a perdoá-lo e esquecer toda essa história absurda com aquele americano idiota e...

Calou-se diante do olhar que recebeu por parte de Heero. Era tão frio que lhe gelou a alma.

- Não fale dele, você não tem direito. Vim aqui apenas liberá-la do nosso compromisso. Não haverá casamento.

- O... que...? - em choque, Relena arregalou os olhos.

- Está livre, senhorita Peacecraft. Não temos mais nenhuma ligação.

- Prefere... um garoto a mim?!

Heero olhou fixamente para ela, durante alguns rápidos segundos, antes de responder.

- Isso já não é da sua conta.

- Heero, está fazendo a escolha errada. Não há Deus nesta união.

- Agora é entre Duo e eu. Deixe Deus fora disso.

Sem dizer mais nada, Heero se foi.

Relena Peacecraft ficou algum tempo em pé, no mesmo lugar a olhar o vazio. Sua última chance de salvação acabara de sair por aquela porta, depois de lhe voltar as costas. De agora em diante, só lhe restava afundar em sua própria ruína.

- Nunca!

Não permitiria que seu barco naufragasse. Não afundaria com os ratos, jamais!

Tudo aquilo era culpa do americano. Ele fora o ponto de discórdia entre o casal, desde o princípio. Maldito estrangeiro sujo!

Se pelo menos Duo Maxwell não tivesse entrado em suas vidas... se ele não existisse...

- Oh...!

Saindo da letargia, Relena olhou para cima, na direção do quarto de seu irmão, no segundo andar. Zechs não estava, fora fazer a corte para Noin... apesar da garota ser extremamente rica, havia mesmo paixão entre ela e o mais velho dos Peacecraft.

Fervendo de raiva, Relena sabia que o dinheiro fora um golpe de sorte, mas Zechs se casaria com Noin mesmo se ela fosse mais pobre que a filha de um moleiro. Amor era uma coisa realmente absurda. Cegava as pessoas, e as mudava totalmente, convertendo-as em fantoches sem vontade própria.

Relena decidiu que nunca amaria ninguém. Nunca permitiria que seu coração se entregasse! O amor acabara de se mostrar um sentimento egoísta, que destruíra todos os seus sonhos.

Maldito fosse o amor. Maldito fosse aquele pecado capital!

- A culpa é toda dele... se Maxwell desaparecer, tenho certeza de que Heero ficará comigo!

Decidida, Relena avançou ao quarto de Zechs. Sabia que seu irmão tinha uma magnífica coleção de armas, de punhais a espadas. E até mesmo aquela invenção baseada na pólvora chinesa...

Sim, era uma pequena pistola de dois tiros... uma preciosidade que salvaria seu futuro.

A caçula dos Peacecraft se recusava a deixar o barco naufragar.

oOo

Trowa avançou pelo hall de entrada olhando para ambos os lados. Sabia que seu amante estava de partida para seu país natal, a chamado do importante magnata Winner, chefe da família, e por isso o procurara, para que pudessem conversar e se despedir antes da longa separação.

Vistoriou o local. Provavelmente Quatre se encontrava no andar superior, terminando de arrumar suas coisas. Mas antes que seguisse em direção as escadas, viu o loirinho adentrar pela porta da sala de jantar. A surpresa do mesmo foi grande.

- Trowa!

- Olá.

Quatre avançou com os braços abertos, oferecendo-se para receber um abraço apertado de seu amante. Em conseqüência os lábios se buscaram e se tocaram, iniciando um beijo tranqüilo e cheio de carinho.

O mais alto foi o primeiro a afastar o rosto, a contragosto.

- Está mesmo de partida?

- Sim, preciso ir. Papai me espera. Porque não vem comigo? Seria uma viagem muito mais agradável.

- Não posso, você sabe disso. Fui contratado por Portugal, e preciso acertar a situação de Heero, antes de partir de Londres.

- Lamento muito por isso.

- Mas assim que tudo estiver resolvido, lhe farei uma visita.

O loirinho sorriu, já ansiando pela promessa cumprida. Sentia saudades de Trowa antes mesmo de se separarem. Era tanto amor que às vezes sufocava o loirinho, e o enchia de tristeza, por não poder demonstrar mais claramente. Doía muito ter que agir as escondidas, longe dos olhos da sociedade.

Por que era errado ser diferente? Só porque não agia como a maioria merecia ser julgado e condenado? O mundo era, com certeza, um lugar injusto. No entanto não se deixaria abater por aqueles pensamentos. Trowa e ele haviam vencido os primeiros obstáculos, e superado os tabus mais proibidos e antigos: estavam juntos, e assim ficariam, para sempre.

Trowa percebeu um quê de tristeza a nublar os belos olhos de seu amante, mas logo aquilo esmaeceu, e a costumeira gentileza voltou com força total.

Aliviado, o mais alto indagou:

- Precisa de ajuda? Estou com tempo livre...

- Oh, não! Rashid foi com a carruagem ao porto levar a bagagem para o navio. Iremos no South Way até um certo ponto. Rashid recebeu uma mensagem de papai dizendo que o capitão-piloto Treize está no meio do caminho. Pegaremos uma carona com eles.

- Treize? - Trowa não escondeu sua surpresa - Ele não estava pajeando um garoto chinês? Ouvi dizer que voltaria para a China, ano passado...

- Parece que ele mudou de planos... não tem mais interesse em voltar para o oriente tão depressa assim.

- Enfim, Treize é um excelente marinheiro. Conhece o mar como poucos. Sei que você ficará em segurança e chegará bem em sua casa.

- Trowa! - o loirinho sorriu encantado ao descobrir o quanto o mais alto se preocupava com seu bem estar. - Pode ter certeza de que será uma viagem muito segura. Ele ainda comanda o Vayeate. Trata-se de um Leviatã de três conveses, e dois tombadilhos... é preciso ser um capitão de garra, para comandar os mais de duzentos homens necessários para navegar numa embarcação dessas.

- Não é segredo algum que Treize é temido e respeitado entre os marujos. Enfrenta navios inimigos com garra, mesmo os piratas. É um Leviatã sem pátria, que serve a quem puder pagar mais.

- E atualmente está a serviço do imperador chinês, engraçado não?

- Hn.

- Mas deixe-me continuar arrumando minhas roupas e mais algumas coisas. Vem comigo? Falta pouco para terminar, e quero deixar em ordem para quando os criados de Duo chegarem.

- Ele aceitou sua hospitalidade?

- Aceitou meio relutante. Duo queria voltar o quanto antes para sua casa, porém o convenci a ficar mais uns dias, até se recuperar.

- Ele está bem?

- Está ficando mais forte. A gripe não foi brincadeira...

- Rashid conhece ótimos remédios. Quatre, eu poderia falar com Heero? Preciso acertar alguns detalhes com ele sobre essa história. Pelo visto ele não se casará mais com Relena, e terei que explicar a situação para Portugal...

- Oh! - quase se esquecera daquela história complicada. Haviam interesses políticos envolvidos nos bastidores do casamento do embaixador japonês com a parenta da Rainha... - Heero não está aqui.

Trowa franziu as sobrancelhas. Desde que Duo adoecera, Heero não saíra do lado do americano. O que poderia ter acontecido de tão urgente para tirá-lo de lá?

- Você sabe onde ele foi?

- Bem... para dizer a verdade - Quatre suspirou longamente - fui ao quarto de Duo e Heero não estava lá. Quando perguntei a Duo, ele explicou que Heero tinha saído para conversar com Relena e liberá-la do casamento, antes do seppuku.

Trowa sentiu que ficava lívido. Do que Quatre estava falando?!

- Trowa? Tudo bem? - o jovem árabe ficou preocupado ao ver a palidez súbita de seu amante.

- O que? O que você falou?

- Ora, porque está tão surpreso? Heero não se casará com Relena. Isso é bom.

- Você disse 'antes do seppuku'?

- Sim. Não sei o que significa, mas deduzi que se trata de alguma cerimônia japonesa. Os orientais são tão cheios de formalidades.

O garoto de franja mal ouviu a última frase de seu amante. Deu meia volta e começou a se afastar com passos largos.

- Trowa! Onde vai?

- Vou atrás de Heero. Impedi-lo dessa loucura!

- Você quer que ele se case com Relena?! - a incredulidade fez a voz de Quatre aumentar uma oitava. Não acreditava naquilo!

- Claro que não. Quero impedir o seppuku.

- O... seppuku?

- Sabe o que isso significa, Quatre? - apesar da pergunta, Trowa não parou de avançar, nem esperou pela resposta que já sabia ser negativa. - Suicídio. Às vezes chamado de harikiri. É assim que os samurais se punem, quando não cumprem seu dever ou perdem a honra.

- Oh!

- Fique aqui com Duo. Irei até o hotel e procurarei por Heero.

Trowa só pedia para que não fosse tarde demais.

oOo

Relena observou o garoto alto sair da casa de Quatre. Mas o mesmo não a viu. Ela apenas vigiava de longe. Fora apenas por muita sorte que conseguira desviar-se do caminho dele a tempo de passar despercebida.

Se Trowa a visse, estaria tudo perdido.

Relena sabia que a maioria dos criados de Quatre havia partido. O boato corria pela nobreza e não era mais segredo que o loirinho partiria em breve.

A garota estava mais que satisfeita, afinal era um estrangeiro sujo a menos, para contaminar a atmosfera de sua amada Londres. Se pudesse expulsava a todos, mandando-os de volta ao buraco de onde nunca deveriam ter saído.

A todos não... manteria apenas o belo e viril Heero Yui ao seu alcance. Preso a ela pelos laços sagrados e invisíveis do matrimônio. Tal pensamento a fez lembrar-se do porque estar ali. Puniria Quatre Raberba Winner por seu acolhimento ao mal, e depois... faria Duo Maxwell desaparecer definitivamente!

Seguiu em frente, avançando destemidamente pela imensa construção, atravessando o bem cuidado jardim, até alcançar a porta da frente, que estava entreaberta. Trowa tinha tanta pressa em ir, que nem mesmo fechara a grossa folha de madeira.

Quando ouviu o som da porta sendo aberta, Quatre julgou que fosse seu amante, retornando por algum motivo. Fazia apenas alguns minutos que Trowa saíra, logo não tivera tempo de encontrar Heero.

Por sua vez, o loirinho ficara tão chocado, que nem se movera do lugar. Permanecera em pé, no meio do tapete persa que cobria o chão do hall de entrada. Matutava sobre a sinistra decisão de Heero. Não podia achá-la mais drástica.

Ignorando esses pensamentos, Quatre levantou a cabeça e qual foi sua incredulidade, ao deparar-se com Relena, que acabava de encostar a porta principal.

- Você...

- Quatre.

Relena usava um traje inteiramente negro, sem nenhum detalhe. As mangas eram compridas e a gola alta. Parecia um vestido mais apropriado para uma dama de luto. Mas o que realmente assustou o loirinho foi a frieza exibida nas íris da garota. Parecia um anúncio de morte...

- O que você deseja aqui? - controlou-se, conseguindo manter a voz firme, apesar do coração galopar loucamente. Se aquela garota tinhosa chegasse um tiquinho antes... poderia flagrar a conversa que tivera com seu amante...

A caçula dos Peacecraft moveu a mão e a colocou num dos bolsos ocultos pelas muitas dobras do vestido negro. Quatre franziu as sobrancelhas ao ver o gesto. E a cisma virou medo, ao perceber que Relena tirava uma pequena pistola e apontava para ele.

Pistolas não eram objetos comuns, e Quatre vira uma daquelas apenas poucas vezes em sua vida.

Era, principalmente, quando navegava em alto mar. A maioria dos marujos possuía uma.

- Relena... que pensa que está fazendo?

- Alcoviteiro! Acolhedor do filho de Satanás! Achou que sairia impune de sua atitude, maldito?

O jovem árabe não respondeu. Soube instintivamente que nada do que dissesse aplacaria a fúria assassina que faiscava nos olhos de Relena.

- Primeiro vou fazê-lo pagar, pois tudo o que aconteceu é culpa sua e de seus bailes lascivos! Depois... depois vou fazer aquela peste de Satã desaparecer do meio de nós, pessoas descentes!

- Relena...

- Cale-se!!

Num esforço desesperado, Quatre deu um passo a frente, tentando desviar a atenção da inimiga, ou pelo menos distraí-la. Mas não deu certo. Relena simplesmente deu ao gatilho e disparou a sangue frio.

O tiro ecoou alto pela mansão.

O loirinho arregalou os olhos ao sentir o projétil rasgar sua carne, causando-lhe uma dor horrível, em seguida um calor estranho fez com que a ferida ardesse. Aquela sensação era causada pelo rastilho de pólvora desprendido pelo tiro. Era normal naquela situação.

Mas era um fato que Quatre não sabia. Só teve tempo de registrar que doía muito. Então o sangue espirrou num jorro, a sala rodopiou. O mundo escureceu para o árabe, e ele desabou, desfalecendo e caindo na poça de sangue que se formara no tapete e aumentava segundo a segundo.

Relena observou a cena por um instante. Satisfeita, percebeu que fizera aquele instigador pagar por suas ações e incentivos ao mal.

Agora restava apenas um deles. O pior deles... Duo Maxwell.

Teria que ser muito cuidadosa, afinal, sua pistola era de apenas dois tiros, e um deles já fora gasto. Não podia desperdiçar o outro já que não tinha munição extra.

Com lentidão calculada e enervante se dispôs a subir as escadas. Não sabia onde Duo podia estar, por isso precisaria procurar em todos os cômodos.

oOo

Trowa chegou ao hotel onde Heero estava hospedado e dirigiu-se a recepção.

- Boa tarde, senhor Barton. - cumprimentou o cordial recepcionista.

- Boa tarde. O embaixador Yui está em seu quarto?

- Ah, sim senhor. Ele chegou a algum tempo e foi direto para seus aposentos.

- Hn.

Trowa virou-se para ir ao quarto de Heero, quando a voz do outro o paralisou.

- Sei que ele é um senhor respeitável, apesar de estrangeiro, mas... ele estava muito estranho...

- Estranho?

- Er... não quero ser indiscreto mas... a expressão dele me assustou. Talvez seja nervosismo antes do casamento, não é?

Arf, não existiam segredos naquela maldita cidade. Todos sabiam do destino do embaixador japonês. Aquilo por si só, já era terrível demais.

Sem responder, Trowa subiu as escadas e ganhou o longo corredor por onde se estendiam os inúmeros quartos dos hospedes. Sabia que o de Heero era o número 05 e foi para lá que se dirigiu.

Tinha pressa em impedir que o japonês cabeça dura cometesse uma loucura daquelas.

Até entendia como ele se sentia, mas Trowa acreditava profundamente que suicídio não era a solução. Era apenas uma fuga covarde, uma escapatória para não ter de enfrentar os problemas e obstáculos.

O garoto de franja compreendia que precisava ser rápido e convincente para fazer o embaixador japonês desistir de suas idéias terríveis. Trowa sabia que os homens orientais podiam ser tão duros quanto ferro. E para serem maleados tinham que ser aquecidos antes.

O mais alto implorou que a lembrança de Duo fosse quente o suficiente para amolecer o coração de Heero e fazê-lo entender que sua morte não traria benefício nenhum a ninguém, apenas deixaria o americano abandonado no meio de uma alcatéia de lobos esfaimados.

Foi com alívio sincero que divisou a porta do quarto de Heero.

Nem se preocupou em bater a porta. Tratou de meter a mão na maçaneta e escancarar a folha de madeira. Arregalou os olhos com o que viu, ao mesmo tempo em que seu coração deu um salto, começando a bater de maneira acelerada.

- Heero...!

Continua...