Título: Amor, 8º Pecado Capital
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, AU, angust, preconceito
Pares: 1x2, 3x4
Resumo: Todas as dificuldades que um casal homossexual pode encontrar no início do século XVII
Aviso: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!
"Se amar com toda a alma é considerado pecado,
então admito que desse crime sou culpado."
Amor, 8º Pecado Capital
Kaline Bogard
CAPITULO IV
O garoto de olhos violeta levou a mão ao coração, tamanho foi o susto que levou ao ouvir aquele barulhão que ecoara pela casa toda. O que poderia ter sido? Um trovão? Não... não parecia ser. Parecia mais o som de um tiro!
Um tiro?!
- Como...?
Preocupado, sentou-se sobre o colchão, sentindo uma leve tontura.
- Quatre...
Poderia ser algum ladrão? Um invasor!
Começando a temer pela segurança de seu amigo loirinho, Duo levantou-se com cuidado, tremendo um pouco, e ainda tonteando, afinal, a gripe lhe deixara de cama por cinco dias. Era bastante tempo deitado, e as pernas pareciam meio bobas.
Devagar, alcançou a porta e respirou fundo. O corpo todo tremia, exausto pelo esforço daqueles poucos passos. O americano não fazia idéia de que estivera tão mal! Recuperava-se lentamente do baque sofrido.
Valentemente, Duo decidiu que não era hora de esmorecer. Quatre podia estar em apuros.
No exato momento em que abriu a porta, Relena também o fez... mas em um dos outros quartos. A garota entrou apressadamente disposta a vasculhar todo o aposento e ter certeza se sua vítima estaria ou não por lá. Por sua vez, Duo saiu no amplo corredor, sem chegar a perceber o movimento furtivo a sua direita.
Avançou penosamente até alcançar o corrimão da escada. Com cuidado galgou os degraus, agarrando-se firmemente ao apoio de madeira, temendo perder o equilíbrio e escorregar escada abaixo.
Foi somente ao chegar ao meio de sua descida, que os belos olhos ametistas deram com o loirinho caído no carpete, sobre uma enorme e sinistra poça de sangue.
- Qua... tre...!
Na ânsia de socorrê-lo, Duo largou o corrimão e tentou pular dois degraus. O ato precipitado estava além de suas forças debilitadas. O americano perdeu o equilíbrio e caiu, rolando o restante dos degraus.
oOo
Relena parou de bagunçar as roupas do amplo armário, confirmando que realmente Duo não estava por ali.
Foi então que julgou ouvir um barulho abafado, ecoando de longe. Apreensiva levantou a cabeça e escutou, tentando sentir o ambiente. Reinava o mais absoluto silêncio. Dando-se por satisfeita concentrou-se novamente em buscar por seu odiado inimigo. Aquela cria de satã, camuflada em um rosto de beleza angelical.
- Vai pagar, maldito!
Desistiu daquele quarto. Era hora de vasculhar o próximo.
oOo
Gemendo baixinho, Duo passou a mão pela face. Fora uma queda e tanto! Seu corpo ficara ainda mais dolorido do que já estava. Respirando pesadamente, se pôs a rastejar até onde Quatre estava.
Seu corpo doía, mas seu coração doía ainda mais, temendo que algo fatídico tivesse acontecido com seu querido amigo.
Oh, porquê alguém quereria fazer mal a tão gentil criatura?
Usando todas as forças que tinha, finalmente chegou junto ao árabe ferido.
- Quatre...? Quatre...?! Fale comigo... céus!
O loirinho estava dominado por uma palidez de morte. Seu sangue esvaia rapidamente por uma feia ferida em seu peito, do lado direito. Com o coração aos saltos, Duo verificou que havia pulsação, mas tão fraquinha... e sua pele permanecia tão fria!
Logo seria tarde demais!
- Oh, meu amigo!
Duo segurou na mão do outro, apertando de maneira quase desesperada. Já não mais prendeu as lágrimas, deixando-as cair por sua face, rolando pela tez macia até ir pingar sobre o peito quase inerte do loiro.
Então Quatre arfou, inalando ar com um chiado. Não teve forças nem para abrir os olhos, e seu peito doía tanto, que ele achou que não resistiria a tamanha provação. Porém sua empatia muito acima da média captou o sofrimento de Duo, e alcançou sua alma, despertando-lhe uma urgência quase sufocante.
Apesar disso, não tinha forças para fazer nada. Não conseguia nem mesmo entreabrir os olhos.
Tudo o que pôde fazer foi mover os lábios, e formular uma única palavrinha sussurrada.
- Fu... ja... - foi o murmuro suspirado que escapou de seus lábios, antes que mergulhasse outra vez no abismo da inconsciência.
No entanto, Duo não conseguiu ouvir aquele conselho quase derradeiro. O jovem mordia os lábios e soluçava, oprimido pela impotência.
Finalmente alertado pela voz da razão, Duo entendeu que precisava ir atrás de ajuda. Tinha que buscar por um médico!
Decidido, soltou a mão gélida de seu amigo, e ergueu-se, tentando ignorar a dor no próprio corpo, a tontura que tornava seus passos vacilantes, e a fraqueza que fazia os músculos de suas pernas tremerem.
Nada disso importava, somente conseguir a ajuda de alguém.
oOo
Relena invadiu o segundo quarto. Notou imediatamente que ninguém poderia estar hospedado ali. Mas apenas para desencargo de consciência resolveu abrir pelo menos o guarda-roupas que estava ao lado da janela.
Assim que se aproximou, seus olhos se arregalaram pela surpresa. O maldito americano estava avançando pelo jardim, indo em direção ao portão principal. Apesar de apressadamente, Duo caminhava de maneira vacilante e incerta, bambeando para os lados. Era óbvio que não estava bem. Trajava um visivelmente grosso pijama negro, e a trança parecia meio desmanchada, olhando de longe. Com certeza tinha acabado de acordar.
- Ei!
Indignada pela quase fuga, Relena apontou a arma contra as costas do garoto que tentava buscar ajuda e sem pestanejar, fez fogo, puxando o gatilho e usando sua última bala.
Duo escutou o barulho de vidro estilhaçando e o eco de outro disparo. Assustado, encolheu-se e percebeu quando uma bala se cravou na terra aos seus pés, arrancando um tufo da grama verde. Por pouco não fora alvejado!
Voltou a cabeça, e olhando por cima do ombro, mirou na direção de onde ecoara o disparo. Para sua imensurável e desagradável surpresa, visualizou uma garota parada na janela do segundo andar da casa de Quatre. Não precisou olhar duas vezes para saber de quem se tratava.
- Relena!
A Peacecraft deu meia volta e desapareceu das vistas de Duo. Sem poder se conter, o americano sentiu um arrepio correr por suas costas. Entendeu perfeitamente qual o objetivo daquela mulher.
Então fora Relena quem baleara Quatre! E agora vinha atrás dele, com uma pistola?!
Meio desnorteado, deu dois passos à frente, mas sabia que se conseguisse sair pelo portão principal, seria um alvo fácil para Relena. Não haveria onde se esconder. Por outro lado, poderia cortar caminho pela floresta, usando um atalho que o manteria longe do alcance de Relena e garantiria que conseguisse trazer ajuda para Quatre.
Era sua única chance! Parando de perder tempo, desviou-se para o lado da floresta.
oOo
Relena correu escada abaixo, passando pelo pobre loirinho, que se esvaia em sangue. Não lançou nem um olhar na direção do pequeno, correndo desvairada em direção a porta.
Assim que colocou a mão sobre a maçaneta, lembrou-se de que acabara-se sua munição. A pistola sem balas era uma coisa inútil. Torcendo os lábios, resolveu ir até a cozinha da família Winner.
Pegaria uma faca, e acabaria com sua missão. Notara que Duo não ia bem. Ou seja: não poderia conseguir ajuda tão rápido assim, nem mesmo se esconder.
Satisfeita, pegou um enorme facão no amolador. A lâmina daquela arma afiada tinha bem uns 20 cm. Era larga e reluzia, mostrando que era novinha em folha.
- Perfeito.
E Relena sorriu, já antegozando o momento em que cravaria a afiada faca no coração daquele garoto, que a seus olhos era o Mal encarnado e camuflado numa beleza etérea, angelical.
- E então... Heero será meu!
Seu coração psicótico acreditava piamente nisso.
oOo
-Heero!!
Trowa mal pôde acreditar em tamanha sorte. O embaixador japonês estava prestes a cometer o seppuku. O garoto de franja chegara no momento exato de impedir aquela loucura.
O japonês permanecia sentado a moda oriental, com o corpo muito ereto e tenso. A sua frente fora montado um pequeno altar, onde queimavam dois bastões de incenso. No meio dele estava uma magnífica e brilhante katana de cabo verde escuro. Heero trajava um kimono azul e marrom, com o emblema cinza do feudo Toranaga na manga direita.
Os braços permaneciam ao longo do corpo, com as palmas tocando o chão. A expressão era de profunda serenidade. Pelo que entendia da cultura oriental, mais especificadamente da japonesa, Trowa deduziu que Heero estava se preparando para morrer, acalmando seu espírito e seu corpo, para que a transição não influenciasse no karma em sua nova vida.
- Heero, você precisa me ouvir...
O japonês parecia realmente concentrado, quase em transe. Estava mesmo preparando seu espírito e karma. Tentava manter na memória todas as suas últimas experiências. Seu lar, o Japão, casa onde nascera... Duo, sua cara metade e o lar que abrigara seu coração... todas as lições sábias, que aprendera em seu treinamento samurai e as lições de amor, que desvendara nos lábios inocentes. O mar, que o encantara em sua beleza azul profundo, o anjo que surgira em sua vida sem que fosse esperado. A luz do sol, vibrante e quente, oposta a luz da lua, acalentadora e inspiradora. Luz. A luz de Duo! O frio do inverno, nostálgico e desestimulante, tal qual a promessa de uma eternidade sem o americano... formando uma antítese ao calor, os quentes e animadores verões, os olhos vibrantes e raros em tom de ametista, que envolviam e aqueciam.
Todas as palavras que se agitavam em sua mente, criando um poema de suas emoções, confusas e sem sentido, mas autênticas, sinceras, inquestionáveis...
Finalizaria naquele instante seu 'último tudo'. Não haveria mais nada. Apenas a felicidade de encerrar sua vida, manchada pela desonra da missão em que falhara. Mas podia pensar claramente; pagaria por seu erro, porém morreria satisfeito e acalentado, porque acima do 'último tudo', estava a imagem latente de Duo Maxwell.
Só isso bastava para acalmar sua alma, e seus instintos, e saber que seu karma para a próxima vida seria leve de carregar, e quem sabe... quem sabe, se Deus, Buda, Kami sama, ou quem quer que fosse a Criatura Sublime; permitisse, pudesse se encontrar com Duo, em uma nova encarnação.
E aí sim, talvez, ficassem juntos.
Então, quando se julgara pronto para abdicar de sua própria vida, quando sua consciência atingira um patamar acima da compreensão desse mundo... Trowa Barton entrara precipitadamente em seu quarto, e destruíra o equilíbrio perfeito... alcançado apenas pela meditação absoluta!
Totalmente furioso, Heero abriu os olhos e fitou o tradutor com ira fria e devastadora, a ponto tal, que fez Trowa recuar um passo.
- O que pensa que está fazendo, Barton?
A pergunta foi feita em tom baixo e ameaçador. Trowa conhecia a cultura japonesa bem o bastante, para saber que a partir daquele momento, sua vida não valia um iene furado. A interrupção de um seppuku dava o direito total sobre a vida do intruso, e se Heero quisesse, poderia eliminar Trowa antes de continuar com o suicídio...
O garoto de franja sabia que estava com os minutos contados, a menos que... convencesse Heero da burrada que estava fazendo. Consciente disso, respirou fundo e recuperou o sangue frio. Nunca fora de se precipitar, não ia começar exatamente no momento em que sua vida dependia totalmente de sua calma.
- Vim devolver-lhe o bom senso, e impedir que cometa um erro incorrigível.
- Desde quando o dever de um samurai é um erro? Falhei com minha missão e traí a confiança de meu daimio.
- Heero...
- Agora você quer me impedir de fazer a única coisa que pode lavar minha honra?!
A voz aumentou um pouco, apesar de continuar fria. Apenas o brilho homicida nas íris azul cobalto revelava o real estado daquele garoto japonês.
- Não é nada disso. Vocês samurais esquecem de uma das coisas mais primordiais da face da Terra.
Heero abriu a boca para rebater o argumento, mas silenciou. Não sabia do que Trowa poderia estar falando. Notando que Heero parecia mais racional, Trowa aproveitou o momento para despejar o que realmente achava daquela atitude suicida. Não era um rapaz de muitas palavras, mas a situação crítica exigia muito jogo de palavras.
- Dever de um samurai? Tsc, entendo perfeitamente o quer dizer, mas... parece que vocês japoneses se esquecem de um detalhe. Antes de serem samurais, vocês são homens. Homens, Heero, ouviu o que eu disse?
Heero não falou nada. Continuou atento ao discurso inflamado.
- Um homem também tem deveres. Mais antigos e mais profundos que um samurai. E sua obrigação maior é com o caminho que seu coração escolheu. Na noite em que Quatre ofereceu aquele baile, seu coração, Heero Yui, escolheu um caminho. Refez todo o seu destino, e a partir de tal momento, seu dever passou a ser apenas cuidar de Duo Maxwell.
Heero moveu-se incomodado, mas ainda não disse nada. Sem poder decifrar a expressão fechada do japonês, Trowa respirou fundo e deu um passo a frente.
- Seppuku é a fuga mais covarde de todas. Vai apenas lhe livrar das responsabilidades, não como samurai, mas como o homem que você é. E vai afastá-lo, não apenas de seu daimio, mas também do garoto que confiou plenamente em você. Diga-me com sinceridade: teve coragem de explicar a Duo o que era seppuku?
Dessa vez Heero não podia se esquivar da pergunta que lhe era feita diretamente. Ignorá-la revelaria uma fraqueza oculta. E ele não era fraco.
- Não.
- Eu sabia. Como pôde ser tão covarde? Se esconder atrás de em uma desculpa egoísta e falsa, 'dever de samurai'? E seu dever de homem? De decência? Ia abandonar ao Duo... e como ele se sentiria por isso? Imaginou o quanto ele sofreria? O quanto choraria?
- Não... - dessa vez a voz saiu totalmente limpa de ira ou raiva. Começava a enxergar a verdade por trás das palavras duras de Trowa.
Vendo que vencia aquela batalha, Trowa acalmou-se, feliz porquê não morreria por enfrentar o japonês. Avançando destemido, o tradutor sentou-se ao lado de Heero, cruzando as pernas a frente do corpo.
- Sei que não é fácil, Heero. Não é para você, e não será para Duo. Não deve abandoná-lo agora. Eu não abandonei Quatre, porque sei que ele tem um coração frágil e vulnerável, e ficaria desprotegido se eu lhe voltasse as costas.
Dessa vez Heero olhou fixamente para Trowa. Só então se dava conta do quanto o mais alto era seu amigo e se preocupava com ele, pois estava se expondo, e expondo seu jovem amante totalmente.
- Duo... é forte...
- Claro que é. Mas não da maneira como você pensa. Garotos como ele e Quatre se entregam para valer, e dependem da segurança de homens como nós. Se apóiam em nosso amor, usando-o como se fosse a única forma de sobrevivência. Se tiramos esse 'apoio' deles, ficariam perdidos e... Deus sabe o que poderia acontecer.
- Você fala como se...
- Ora, este é apenas um lado da moeda. Eu mentiria se não dissesse que não me apóio em Quatre. Uso o amor que ele sente como o farol que ilumina meu caminho, e me oriento por ele. Às vezes sinto que perderia o rumo, se não tivesse Quatre ao meu lado. De todos os presentes maravilhosos que a vida poderia me dar, Quatre é o mais perfeito, belo e inigualável.
- Eu... entendo o que quer dizer.
- É por isso que dizemos que somos 'almas gêmeas', pois para as minhas fraquezas, encontro a solução em Quatre, e onde ele falha, eu sou nossa fortaleza. Se uma das metades falta, ambas desabam. Se der as costas a Duo, vai condená-lo para sempre.
Heero relaxou, e arqueou as costas, como se elas suportassem todo o peso do mundo. A imagem mais forte de todas dominou sua mente: lembrou-se daquela noite na floresta, quando Duo arremessara fora sua corrente com o crucifixo de ouro. "Não preciso mais disso!"... não precisava mais da cruz, porque julgava que Heero o protegeria dali pra frente. Céus...!
- Mas... eu... meu dever...
Trowa sorriu de leve, vendo aquele garoto japonês sempre tão racional, ser vencido pelas fortes emoções. Nunca era fácil.
- Dever de samurai? Não, Heero, no momento em que se apaixonou por Duo, você deixou de ser um samurai. Não é mais um guerreiro que luta for seu daimio. É um homem, que luta por seu amor.
O japonês abaixou a cabeça, refletindo na frase por um instante.
- Se não cometer seppuku, meu karma será terrível numa próxima encarnação.
- E o que isso importa? Deixe que seu outro 'eu' se preocupe. Não será mais você, Heero, nunca, por mais que renasça e renasça. Existirá apenas um Heero Yui, que vive no dia de hoje, e que hoje tem a oportunidade ser feliz ao lado de Duo. Isso nunca mais se repetirá. Vale a pena abrir mão desse presente?
Heero desviou os olhos. Mas não precisou ponderar por muito tempo. Estivera a ponto de cometer o maior erro de toda a sua vida. Graças a Trowa não jogara o mais puro de todos os amores no lixo, por causa de um falso sentimento de obrigação.
Trowa tinha razão. Antes de mais nada, era um homem. O destino colocara em seu caminho aquele amor tão magnífico. Não agiria como um covarde, dando as costas a Duo e aos sentimentos que o americano abrigava no coração.
Não cometeria seppuku! Usaria todos os dias de sua vida para proteger o americano tão gentil e doce.
- Barton, não abrirei mão de Duo. Nunca mais.
- Hn.
Feliz por ver que seu longo discurso tivera efeito, Trowa se pôs em pé. No que foi imitado por Heero. Era hora de voltar para o lado do americano.
Enquanto ambos saiam do quarto, um dos bastões de incenso brilhou intensamente e se apagou em seguida. Sua chama se extinguira antes que pudesse queimar completamente.
Talvez aquele fosse um sinal das estrelas, mas nem Trowa nem Heero puderam ver, e mesmo que vissem, não entenderiam.
oOo
Relena saiu na rua. Olhou de um lado para o outro. Não havia nem sinal de Duo. Ora, a rua não oferecia muitos locais onde o americano pudesse se esconder... então...
Voltou os olhos para a mansão da família Winner. Por um instante as íris brilharam de cobiça e inveja. Logo, logo teria uma casa maior do que aquela, assim que se casasse com Heero Yui. Claro que tudo aquilo era em nome da paz...
Mas isso só seria possível quando o filho de Lúcifer desaparecesse...
Foi então que pelo canto dos olhos vislumbrou a pequena floresta... claro! O americano só poderia ter procurado abrigo entre as árvores do bosque.
- Isso é inútil, Maxwell...
Decididamente correu até a floresta, embrenhando-se no mato, temendo que Duo conseguisse encontrar um esconderijo que lhe mantivesse a salvo e longe do alcance da mais jovem dos Peacecraft...
oOo
Trowa e Heero estavam se aproximando da casa de Quatre. Ambos montavam dois belos cavalos, que haviam alugado na cocheira do hotel. Ao mesmo tempo notaram Rashid, que regressava conduzindo um carroção vazio.
- Mestre Barton! Senhor Yui...
- Olá, Rashid. Está regressando do navio?
- Exatamente. Acabei de levar as últimas bagagens de mestre Quatre. Agora venho pegá-lo pessoalmente. Devemos partir o quanto antes.
- Treize espera por vocês, não é?
- Sim. Ele está ancorado em Nápoles.
Os garotos desmontaram ao chegar ao portão principal. Atravessaram o jardim trazendo os alazões pelas rédeas, enquanto Rashid dava a volta, e ia levar a carroça para a cocheira da casa.
Assim que colocou o pé no hall de entrada, Trowa que ia a frente, percebeu alguém deitado sobre o tapete. Precisou apenas de um segundo para registrar aquela cena arrepiante.
- QUATRE!!
Heero que vinha logo atrás estranhou quando o amigo se precipitou, correndo até um ponto qualquer do chão. Um ponto qualquer não... até o local onde o loirinho estava caído, banhado em sangue.
Muito sangue.
Agindo por puro instinto, Heero correu também. Mas não precisou analisar muito para que o japonês percebesse que Quatre não ia nada bem. Talvez não resistisse.
- Quatre!
Com cuidado Trowa tomou-lhe a mão e tratou de verificar se havia pulso.
- O que aconteceu?
- Céus, sua pulsação está muito fraca. Ele precisa de um médico!
- Mestre Quatre!
Rashid também entrou naquele momento, se inteirando da tragédia que se abatera sobre a família Winner.
- Rashid, vá buscar o médico! - o homem não esperou segunda ordem. Deu meia volta e correu com intenção de pegar o cavalo de um dos garotos e trazer um médico a qualquer custo.
- Quatre... resista, garoto!
- Precisa estancar o sangramento.
Enquanto falava, Heero rasgou a manga da blusa que vestia em uma tira e dobrou-a. Depois abriu delicadamente a roupa de Quatre. Não pôde evitar de contrair as feições, ao reparar como o ferimento estava feio!
Depositou a improvisada atadura sobre o tórax do jovem árabe e indicou que Trowa deveria colocar a mão ali, e pressionar com força.
- Se continuar perdendo sangue, ele pode morrer. Parece que Winner foi atingido por um tiro. Acho que não feriu nenhum órgão vital. Precisamos apenas evitar que ele sangre mais.
- Hn. Quem poderia ter feito isso? Um ladrão?
Ao ouvir a pergunta Heero saltou, se pondo em pé.
- Duo! - saiu em disparada, escada acima temendo que o pior tivesse acontecido.
Trowa acompanhou a desembalada carreira sem falar nada. Entendia a preocupação de Heero, mas ela não podia ser considerada a angústia que esmagava sua alma.
Não conseguia acreditar no que estava acontecendo! A algum tempo atrás deixara seu amante naquela casa, perfeitamente saudável e cheio de vida. Um tanto temeroso, sim, mas... agora retornava e o descobria entre a vida e a morte, baleado por um inimigo desconhecido que invadira sua residência.
Só podia ser um pesadelo!
Porém por mais terrível que fosse, aquela era a sua realidade. Sua mão direita apertava firmemente uma bandagem sobre o peito ferido de seu jovem amante, enquanto a mão esquerda segurava-lhe a palma enregelada, mantendo os dedos de ambos entrelaçados.
- Sobreviva, Quatre... por favor!
As lágrimas começaram a correr soltas por sua face lívida, e Trowa não fez nada para as conter. Dissera a mais pura verdade a Heero. Quatre era o farol que iluminava sua vida antes tão solitária e vazia.
O loirinho o aquecera e o ensinara a amar, a ser dedicado a outra pessoa. Aprendera a ceder uma parte de seu coração de boa vontade.
Se o loirinho não resistisse... céus, Trowa não queria nem pensar naquilo. Não queria nem imaginar aquilo! A vida perdia todo o seu valor e encanto, se não tivesse Quatre a seu lado.
Heero desceu as escadas lentamente. Viu que Trowa estava com a cabeça baixa, e a franja ocultava totalmente sua face... o japonês deduziu corretamente que o garoto mais alto se entregara a sua dor.
Porém Heero também tinha sua cota de preocupação. O quarto de hóspedes estava vazio. Vasculhara os quartos de dormir, e não enconttrara nem sinal de Duo. O americano sumira sem deixar vestígio.
E as únicas pistas não eram nem um pouco animadoras: um aposento bagunçado, e outro com a janela estilhaçada, talvez por um tiro...
O que deveria fazer naquela situação?
oOo
Completamente cansado, Duo sentou-se no chão coberto de folhas murchas e encostou-se em uma das árvores.
- Não posso... mais...
E a exaustão não era seu maior problema: estava perdido. Completamente perdido!
Olhou de um lado para o outro, mas todas as árvores lhe pareceram iguais... não sabia mais se tinha vindo da direita ou da esquerda... se deveria seguir para frente ou para trás...
- Oh, Deus! Quatre pre... cisa de um... médico! Me ajude... a sair des... ssa maldita... floresta!
Apesar da prece ardorosa, não conseguiu reconhecer o caminho.
Sua situação não era nada animadora...
Sabendo que era a única esperança do loirinho, Duo fez um esforço supremo e levantou-se, apesar de sentir-se fraco e meio tonto. Continuaria, seguiria em frente pelo amigo, pois devia muito a ele.
Sem perder mais tempo, tomou o caminho da esquerda.
oOo
Relena endureceu as feições. Tinha a afiada faca na mão, e no coração a mais decidida intenção de matar.
Sua presa estava naquela floresta, tentando fugir de sua algoz caçadora... e bem que Relena poderia ser considerada a mais terrível das predadoras...
Só havia um pequeno obstáculo a sua frente: estava perdida.
Não sabia mais para que caminho seguir...
Resignada, tentou seguir sua intuição. Algo em seu íntimo lhe disse que deveria seguir o caminho da direita, e foi o que fez...
oOo
Quando Heero estava disposto a ir atrás de Rashid, o mesmo adentrou o hall com o médico, que levava uma maleta negra nas mãos (4) e sabendo exatamente da gravidade da situação.
Imediatamente tomou todas as providências, e começou a aplicar os primeiros socorros no loirinho, sabendo-se vigiado por Rashid, Trowa e Heero, que estavam preocupados com a segurança do jovem árabe tão gentil.
Até mesmo o doutor ficou indignado. Conhecia o garoto Winner, sabia que ele era um poço de doçura... por isso mesmo não entendia quem poderia querer fazer mal a tão bondosa criatura.
Enquanto aguardavam os resultados das providências médicas, Trowa acercou-se de Heero.
- E Duo?
- Não sei, não estava no quarto.
- O que? Mas ele ainda não se recuperou... para onde poderia ter ido?
- Maldição. - Heero murmurou, suspirando - O que foi que aconteceu aqui?
Sentindo-se mais culpado do que nunca, o japonês apertou os olhos. Falhara com Duo. Falhara mais uma vez, na sua vidinha miserável, e agora as conseqüências eram terríveis!
Se tivesse permanecido ao lado do americano, nada disso talvez tivesse acontecido.
- Mande um mensageiro a casa de Maxwell. Sei que parece improvável, mas... temos que esgotar todas as possibilidades.
Heero cruzou os braços e concordou com a cabeça. Uma vez que tivera Duo em sua vida, perdê-lo seria inaceitável! Moveria céus e mares, para encontrá-lo!
- Talvez haja alguma pista em um dos quartos... acho que não procurei direito.
- Hn. - Trowa não acreditava muito naquilo, mas era melhor que o japonês se ocupasse com alguma coisa.
Assim que o embaixador subiu as escadas, o doutor voltou-se para Trowa com um sorriso nos lábios.
- Ele perdeu muito sangue, mas vai se recuperar. Me ajude a levá-lo para um dos quartos. Fiz uma sutura de emergência, e felizmente a bala atravessou direto, não será preciso operá-lo.
O garoto de franja teve que fazer um esforço supremo para não voltar a chorar, mas de pura alegria dessa vez. Saber que o loirinho ficaria bem, era quase como se ele próprio tivesse nascido outra vez.
Ganhara uma segunda chance com seu amor!
oOo
Heero observou os vidros quebrados e espalhados pelo chão. Sentia-se desolado.
O que poderia ter acontecido?!
Deixou os olhos azul cobalto vagarem pelo belo jardim. Fora ali que trocara um beijo apaixonado com Duo, o primeiro beijo de ambos. Fora precioso e marcante, mas não tanto quanto o segundo, quando já haviam se acertado.
Ambos estavam entre as árvores da floresta, molhados pela chuva fria, mas aquecidos pelo amor que aflorava em seus corações.
- Duo...
Enquanto sua preocupação aumentava, notou algo se movendo na direção da floresta. Algo não, alguém! Era o jovem americano, que caminhava de maneira vacilante, parecendo ferido.
Completamente surpreso, Heero deu meia volta e correu como nunca na vida. A alegria renasceu com força total, e ele mal pôde acreditar em tamanha virada do destino.
O que se passara? Porquê ele havia se escondido na floresta? Que perigo o forçara a uma atitude tão arriscada? Ele poderia ter se perdido!
Praticamente voou pela escadaria, e atravessou o salão de entrada. Só vagamente registrou que Quatre não estava mais ali. Torceu para que ficasse tudo bem com o loirinho.
Assim que saiu no jardim, Heero virou a sua direita e acenou para o americano.
Duo sorriu entre feliz e aliviado. Antes ficara danado de raiva e frustração, ao ver que voltara ao início de tudo, e que corria o risco de dar de cara com Relena.
Felizmente foi o contrário. Quem aparecera do nada fora Heero, ostentando uma expressão esquisita em seu rosto, apesar de trazer um sorriso obviamente de alívio. Se o americano pudesse, correria ao encontro dele, no entanto estava tão cansado, que somente a duras penas conseguia caminhar.
Foi então que Duo ouviu um grunhido, como alguém que engasga ao inalar ar. Percebeu quando o sorriso de Heero desapareceu, e o embaixador passou a exibir uma expressão assustadoramente feroz.
Sem compreender, Duo voltou-se bem a tempo de ver que Relena surgia correndo por entre as árvores, levando uma enorme e afiada faca em suas mãos. Num movimento extremamente rápido, a garota saltou e caiu sobre Duo, fazendo-o perder o equilíbrio.
- Re... lena...! - Duo arfo, quando o peso da garota sufocou-o, e tantos babados e pregas do vestido negro enroscaram-se nele, atrapalhando-lhe os movimentos.
- Vai pagar, maldito! Vai pagar por tentar espalhar o pecado sobre a Terra!!
oOo
Heero mordeu os lábios, vendo Duo e Relena se engalfinharem numa desesperada luta corpo a corpo. E o americano levava desvantagem, pois estava doente. Somente uma cobra como Relena poderia atacar traiçoeiramente alguém que não tinha condições plenas de defesa. Se fosse uma situação normal, claro que o garoto de tranças teria total chance de defender-se...
Vencendo o choque, o embaixador avançou, pronto para chegar aos dois contendores e separá-los, antes que a tragédia viesse abraçá-los.
Apesar de toda a urgência, o japonês sentia como se estivesse num sonho. Seus movimentos, sempre tão ágeis, pareciam não ser rápidos o bastante. Quando mais precisava agir racionalmente, era vencido pela emoção.
Devia ter entendido desde o princípio que Relena Peacecraft não merecia confiança! Fora alertado por seu instinto apurado, rejeitando-a desde o primeiro momento. No entanto, se deixara levar pelas aparências tranqüilas da situação. Não fora capaz de criar um paralelo: aquela falsa calmaria de sua ex-noiva, na verdade era como o prelúdio de uma violenta tempestade.
O japonês baixara a guarda, e como conseqüência colocara não só a vida de Duo em risco, mas a de Quatre também. E tudo o que o loirinho queria era ajudá-los...
No entanto, aquele não era o momento apropriado para lamentações. A única prioridade era defender a vida de quem tanto amava, e que corria perigo bem diante de seus olhos azul cobalto.
O tempo nunca parecera tão irritantemente longo. A distância era de alguns metros, mas de repente pareciam quilômetros, milhas! O samurai temeu não conseguir chegar a tempo de... evitar o pior!
Duo e Relena reviravam-se sobre a grama, com a garota forçando a lâmina da faca em direção do peito do americano, enquanto Duo forcejava para impedir aquilo. Foi então que numa reviravolta imprevisível ambos tornaram a rolar depois de um jogo de corpo que Relena aplicou.
Heero estava a poucos passos da briga, quando seus olhos incrédulos viram a faca saltar, arremessada durante um rodopio mais afoito. A lâmina afiada estava encoberta de sangue vermelho e vivo. Seguiu-se um grito agoniado e arrepiante que fez a alma do japonês congelar.
Algo no coração de Heero o fez acreditar que tudo estava perdido...
Continua...
(4) Maleta negra? O.O" Isso me dá calafrios!! XD
