Notas: Absolutamente nada de Harry Potter me pertence. Todos sabem que é tudo daquela otária da J.K. Rowling e um pouco da Warner, também. Eu só brinco com os personagens que foram criados pela autora, numa tentativa de suprir expectativas fracassadas criadas por mim. Porém, lembro que meus direitos como escritora dessa fanfiction estão garantidos pela Lei nº 9.610/98, então não se meta comigo.

Essa oneshot foi escrita para a coletânea 'Contos Severísticos de Natal' do grupo Severo Snape Fanfictions, cujo tema era: "o Natal mais feliz de Snape". Os participantes precisavam escolher alguns itens de uma lista para incluir na história. As minhas escolhas foram: assado de Natal, biscoitos de gengibre, árvore de Natal, sob o visco, queda da neve, felicidade, perseverança, surpresa, culpa e desconfiança.

Essa oneshot também está postada nos sites Spirit Fanfics, Wattpad e AO3, neste último tendo sido publicada tanto no meu perfil quanto no do SSF. Caso encontrem essa fic postada em outra plataforma e/ou por outra pessoa, denunciem e me avisem.

Ufa! Fim dos avisos. Boa leitura!


Capítulo único

O âmbar ardente e impetuoso desceu, queimando, pela minha garganta praticamente ao mesmo tempo em que ouvi o meu copo bater sobre a madeira do bar. Eu já havia feito aquele movimento tantas vezes — assistir o uísque preencher o copo, jogar o pescoço para trás engolindo a bebida, bater o copo na bancada e aguardar por outra dose — que o líquido e o som oco do copo On The Rocks (Lucius, com sua arrogância, o chamaria assim, nunca de "copo de uísque"), aos poucos, tornavam-se um só na minha mente já não tão sóbria. Já jogara tanto a cabeça para trás que em breve aquela dor na minha cervical se faria presente e estaria tão tonto quanto um bom tequileiro teria me deixado.

Passei a língua sobre meus lábios, sentindo com prazer o ardor do uísque fazer minha boca formigar. Os muitos anos desde que eu consumira álcool pela primeira vez — eu tinha treze? Ou doze anos? — desenvolveram em mim uma resistência quase incômoda. Tinha dias que eu só queria esquecer de tudo enquanto enfiava meu nariz grande dentro de um copo, mas essa resistência fazia com que fosse preciso muitas e muitas doses para que eu desmaiasse em coma alcoólico; o que não era nada prático. E hoje era um desses dias.

— Ei!

Chamei por Aberforth com o copo balançando em uma das minhas mãos. Ainda me lembro do choque do dia em que descobri que o irmão do grande Albus Dumbledore (Diretor de Hogwarts, Ordem de Merlin, Primeira Classe; Grande Feiticeiro, Bruxo Chefe, Cacique Supremo e blá, blá, blá) era dono de um pé-sujo.

— É melhor ir com calma, Snape. — Ele sempre falava meu sobrenome com aquela entonação de asco e desconfiança, aquele velho insuportável. — Não quero problemas com o meu irmão.

— Então me dê mais daquilo pelo qual estou pagando.

Aberforth hesitou brevemente. Eu via nos seus olhos brilhantes — tão azuis quanto os do irmão, mas desprovidos daquela sagacidade irritante de Albus — que ele queria me perturbar de alguma forma, o que não era surpresa alguma. Aberforth Dumbledore me detestava. Porém, a ideia de perder um cliente — e com isto, é claro, quero dizer dinheiro — com certeza lhe soou um alarme barulhento na mente. Ele poderia me suportar por mais quantas doses eu bem quisesse, desde que pagasse devidamente os galeões. Assim, ele depositou a garrafa de Uísque de Fogo, grosseiramente, ao lado do meu copo.

— Albus deve está te pagando bem, Snape.

— É o adicional por ser diretor de uma das Casas. — Não era uma mentira, mas garanti que meu ar mais debochado estivesse aparente. Aberforth me deu as costas, resmungando.

Deixei o som do uísque caindo no copo preencher meus ouvidos. Era fácil, já que o bar estava praticamente vazio e muito silencioso. Era véspera de Natal. Quem passa a porra do Natal num bar de aspecto duvidoso, enchendo a cara?

Ah, sim… Eu.

Nunca tinha me importado muito com a data — aliás, com nenhuma data comemorativa. Como um "bom cristão" (com milhares de aspas), meu pai sempre levou o Natal muito a sério, assim como ele levava absolutamente tudo e todos. Tobias Snape era o homem mais rígido que eu já conhecera. Nada nunca estava bom o bastante para ele. Era difícil ter qualquer comemoração agradável com a presença dele, porque você sempre ficava esperando que ele começasse a reclamar e colocar defeitos em tudo. Os Natais menos piores eram os que passei em Hogwarts, porque passei longe de Cokeworth. Porém, não eram bons. A maior parte dos meus colegas sonserinos voltavam para casa, para as comemorações de suas famílias antigas e poderosas. A sala comunal ficava — quase — toda para mim.

— Oh! Pega leve, Snape. — Eu ouvi quando fechei os olhos para degustar a bebida.

A princípio, não reconheci a voz que se dirigia a mim. De qualquer forma, me virei pronto para confrontar quem quer que fosse o imbecil que perturbava minha paz fictícia. Eu nunca imaginei que encontraria a cara rasgada que me olhava de volta.

— O que você está fazendo aqui? O que você quer? — As perguntas escorreram pela minha boca antes que eu pudesse formar qualquer outro pensamento coerente. Tudo bem, talvez eu confesse que já não estava no meu estado normal.

— Boa noite para você também — Lupin disse enquanto se curvava ligeiramente sobre a bancada, à procura do dono do bar. — Abe? Vou querer o mesmo que ele, por favor.

"Abe?", pensei. "Que porra é essa?"

— Essa é a minha última garrafa de Uísque de Fogo, garoto. — Era a primeira vez que eu presenciava Aberforth tratar alguém com simpatia. Se eu não estivesse ocupado com a minha bebida, com certeza estaria boquiaberto. — Andei tendo alguns problemas com o fornecedor. Ano difícil.

— Com certeza… — suspirou o lobisomem.

— Mas as coisas tendem a melhorar agora, não é?! Agora que aquele desgraçado se explodiu.

Aberforth tinha os olhos sobre mim quando falou. Ele pareceu alheio ao desconforto do homem sentado ao meu lado.

— Sim… É o que todos esperam. — Lupin conseguiu responder.

— Bem, se ainda quiser o uísque — ele deu um copo limpo para o grifinório —, vai ter que dividir com ele.

Tanto eu quanto Lupin encaramos as costas de Aberforth conforme ele se afastou. Terminei de beber o que ainda restava no meu copo com minhas narinas infladas. Meus reflexos não me deixaram na mão quando consegui afastar a garrafa antes que Lupin conseguisse pegá-la.

— Vamos lá, Snape — disse com a mão ainda erguida. — Isso não é necessário.

Eu olhei ao redor do bar rapidamente — talvez mais rápido do que deveria, pois fiquei ligeiramente tonto — e voltei a encher meu copo; meus olhos nunca se dirigindo à pessoa ao meu lado. Estava disposto a ignorá-lo tanto quanto eu podia.

— O bar está praticamente vazio e você foi incapaz de encontrar um lugar longe de mim para se sentar? O que você quer?

Não precisei acrescentar nenhum tom sombrio na minha voz, minhas maneiras já falavam por si só. Finalmente olhando outra vez para ele, vi Lupin franzir o cenho e dar um passo para trás, erguendo as mãos para cima, como se estivesse sendo rendido por um Auror.

— Calma. — Eu odiava quando me pediam para ter calma. Isso apenas me deixava mais nervoso. — Sei que nunca gostamos um do outro, mas… Caramba, Snape! Nunca vi você partir pra cima assim, logo de primeira.

Ele tinha um ponto, o desgraçado. Eu preferia, geralmente, começar na ignorância, fingir que a outra pessoa nem estava ali, que sua existência era insignificante demais. Depois, se fosse preciso, eu arriscaria um comentário ácido e maldoso que a desencorajasse, e só se nada surtisse efeito, eu partiria para uma atitude mais agressiva. Mas cá estava eu levantando minha voz para Lupin em menos de um minuto de conversa. Merda, em que momento eu agarrei o copo tão forte na minha mão?

— É Natal — ele disse o óbvio. — Podemos dividir a bebida, não acha? Você não vai beber isso tudo… Vai?

Eu me virei para ele outra vez, pronto para afetá-lo com as minhas palavras mais venenosas, mas algo aconteceu. Meus olhos não caíram sobre suas roupas esfarrapadas ou nas suas cicatrizes avermelhadas. Minhas íris deitaram-se sobre as dele, cansadas e castanhas como o âmbar do uísque que ele barganhava. O babaca precisava tanto de uma boa dose de álcool quanto eu — talvez ainda mais.

Havia algo de muito delicado e "camarada" em um outro homem fodido, num bar igualmente fodido, numa noite fria e solitária de um Natal — fodido — que eu não poderia ignorar; mesmo que ele fosse um longo desafeto meu. É quase uma regra intransponível do Manual do Homem Contemporâneo. Não que eu fosse um homem tão íntegro para me preocupar com regras morais… Mas o homem ao meu lado parecia ainda pior do que eu, e isso com certeza deveria significar alguma coisa.

Eu respondi derramando uma dose generosa de uísque no copo de Lupin. Ele agradeceu silenciosamente, com um aceno mínimo de cabeça. Antes que eu pudesse degustar novamente a bebida, o seu copo entrou no meu campo de visão. Eu o fitei, profundamente, em descrença. Ele não arredou. Com desconfiança fluindo de cada um dos meus gestos, eu aceitei a bandeira branca que ele me estendia e ergui meu copo para brindar. Com o Lupin.

O que caralhos estava acontecendo?

— Ainda não me respondeu. — Assisti ele virar o copo e tossir. Lupin não era uma pessoa de bebidas fortes, o que, mais uma vez, me fez questionar o que ele fazia ali.

— A ideia de vir para cá parecia menos solitária do que passar o Natal sozinho, em casa. Aqui pelo menos tem o Aberforth, mesmo que ele não esbanje muita simpatia.

— Acho que era melhor passar sozinho — comentei enquanto observava o dono do bar conversar aos sussurros com uma das cabras.

— Ficar sozinho me faz pensar muito, e, sinceramente, eu não quero pensar.

Um silêncio horroroso se instalou entre nós. Eu sabia muito bem do que ele falava. Odiava me comparar àquele imbecil, mas acabava por ser inevitável. Naquele ano nós dois havíamos perdido muita coisa. Eu perdi Lily e Lupin perdera vários amigos: Potter, Pettigrew, Black, até os Longbottom, que agora estavam loucos no St. Mungus.

— E por que não está no banquete em Hogwarts? Deveria ser crime menosprezar a comida que os elfos fazem. — ele me questionou.

— Porque eu não quis. — Afastei a garrafa de mim e lancei um Aguamenti no copo, após um feitiço rápido de limpeza. Bebi a água em dois goles deliciosos antes de me dirigir ao lobo de novo. — Ainda não respondeu minha pergunta.

— O quê? — Ele pareceu, pela primeira vez, irritado enquanto pegava a garrafa de uísque pra si.

— Por que sentar ao meu lado? Pega leve com isso, lobo — aconselhei quando ele virou outro copo, fazendo careta. — Isso não é o suco de abóbora que você está acostumado.

— Acho que fiquei surpreso por vê-lo aqui. — Lupin não esperava que eu o questionasse, era visível. Sua pouca resistência ao álcool também não estava o ajudando a esconder seu crescente incômodo.

— Então você pensou: "Ah, um possível Comensal da Morte! Vou me sentar com ele"?

— Está confessando que é um Comensal? — Ele abaixou a voz. Seu olhar cuidadosamente garantiu que ninguém estava nos escutando ao inspecionar nossos arredores.

— Eu preciso? — Maldito fosse aquele delicioso Uísque de Fogo que estava me fazendo falar mais do que o normal. — Estou muito ciente dos Comensais presos que citaram meu nome em seus depoimentos.

— E, pelo que eu soube, Dumbledore já está agindo. — Lupin explicou quando ergui a sobrancelha: — Moody questionou o diretor na… — Interrompeu-se.

— Na última reunião da Ordem da Fênix. — Completei. — Eu soube.

— Como- Ah! — Compreensão o acometeu. — Você era o informante secreto de Dumbledore. James estava certo, então… — Esta última parte foi sussurrada, mas chegou nítida aos meus ouvidos.

— O quê? — Apertei minhas mãos. O nome de Potter sempre me deixaria nervoso.

— Nós achamos muito estranho quando soubemos que Dumbledore havia o contratado como professor. Mais ou menos na mesma época, ele começou a falar sobre informantes secretos que eram da confiança dele. James logo concluiu que era você, mas que provavelmente estava enganando Dumbledore para favorecer Voldemort.

O nome, como sempre, me fizera tremer. Porém, naquele momento, eu pude ignorar aquilo, pois estava muito interessado na história que me era contada. Aliás, a morte (ou desaparecimento) do Lorde das Trevas fizera não só com que a Marca Negra clareasse, como também parecia ter diminuído o alcance do poder da tatuagem.

— E o que os outros panacas achavam? — perguntei e, surpreendentemente, Lupin riu.

— Peter concordou com James, como ele sempre fazia. Sirius… — Sua voz fraquejou por um momento e seu sorriso sumiu. A raiva que me acometeu me fez tremer muito mais do que a menção do nome de Você-Sabe-Quem. — Ele achava que Dumbledore estava vigiando você de perto, que você não era inteligente o bastante para enganar um bruxo como Dumbledore.

— E você?

— Eu me abstive da discussão.

— Assim como sempre fez, não é?

Meu tom era amargo e proposital. Ele sentiu, eu o atingira. A omissão de Lupin perante os ataques dos amigos a mim e a outros na escola muitas vezes me incomodara muito mais do que a humilhação em si, porque era desesperador ouvir o silêncio de alguém que poderia te ajudar, mas optava pela omissão.

Touché — murmurou antes de matar o que pareceu ser sua última dose. Ainda sobrara uma ou duas doses na garrafa para Aberforth vender para outro cliente depressivo. — Mesclando um pouco da opinião deles, eu achava que Dumbledore realmente o queria por perto para ter uma maneira de saber os planos de Voldem-

— Não diga o nome dele. — Desta vez achei melhor avisar.

— Mas eu não achava que Dumbledore o aceitaria tão perto dos alunos se pensasse que você era realmente um Comensal. — Continuou ao me ignorar, mas notei que ele não terminara de dizer o nome. — Então eu só confiei no julgamento do diretor.

— Ah, claro! Porque um bruxo como Dumbledore jamais poderia errar, correto?

— Então está insinuando que ele errou? Você está o enganando, Snape? — Lupin tentou arquear a sobrancelha da mesma maneira que eu fazia. Ele pareceu atrapalhado e patético.

— Você sempre foi inconveniente assim? — Rebati.

— Você sempre fugiu de questionamentos assim?

Filho da puta. Eu sempre soube que Lupin era o mais inteligente daquele grupinho dos Marotos, mas nunca tive a oportunidade de realmente conversar com ele para provar daquela tênue sagacidade. Eu precisava confessar que era divertido.

— Esse é o problema de vocês, grifinórios — falei.

— Não vamos começar com essa velha rivalidade, Snape… — Ele soou cansado, como se aquele fosse um assunto que constantemente tentava dispersar. Imaginei que seus amigos deveriam ter o costume de dizer muitas coisas sobre os sonserinos.

— Mas é verdade. Vocês confiam muito. Confiam cegamente nos outros.

— Se não confiarmos uns nos outros, para que lutamos, então? Por que fazemos amigos?

— A confiança de Potter levou a família dele à morte. — Eu estava entrando num terreno muito perigoso, e eu sabia que mentia. Eu também tinha minha gigantesca parcela de culpa na morte dos Potter.

— James não tem culpa alguma de ter confiado em alguém que ele pensava ser um amigo fiel! — Uma veia saltou próxima do olho direito dele e Lupin se curvou sobre mim. — O culpado é quem os entregou e quem brandiu o feitiço.

— Claro…

Escondi meu acovardamento com um sorriso de escárnio. Lupin era um lobisomem com mais de um metro e noventa de altura e eu não estava disposto a (nem era burro para) entrar numa briga física que eu poderia perder. Eu era esplêndido em duelos, mas raramente me garantiria no soco. Eu era alto e magrelo. Lupin era ainda mais alto e ligeiramente musculoso; eu não tinha um pingo de curiosidade em descobrir a força de um lobisomem, mesmo em forma humana.

— Potter não tinha como saber que o melhor amigo o trairia — continuei, assumindo riscos — e você não poderia suspeitar que seu namoradinho era um criminoso.

— Não toque mais no nome deles! De nenhum deles! — vociferou com um dedo em riste. A essa altura, eu já estava ligeiramente de pé, com uma mão no bolso da varinha, e Aberforth nos observava atentamente, pronto para deixar com que Lupin acabasse com a minha raça (nunca para apartar aquela briga).

— Tudo bem. — Cedi. — Não precisa ficar nervoso, lobinho.

O apelido deveria soar pejorativo. Pelo menos havia soado assim na minha cabeça. No momento que falei, porém, pareceu ridículo demais aos meus ouvidos e pegou Lupin desprevenido. Seu olhar raivoso deu lugar a uma risada envergonhada, que ele não pôde segurar. Naquele momento me questionei o quão bêbado nós dois estávamos. Concluí que a resposta era "muito", porque em seguida nós pagamos pela bebida e saímos juntos do bar, sob o escrutínio assombrado de Aberforth Dumbledore, para seguirmos juntos até alcançar a Londres trouxa.

Em algum momento ele tinha me convidado para irmos até seu apartamento. "Passar o Natal sozinho é horrível", ele dissera. "Só por hoje, Snape. Por favor." Eu não sabia exatamente o que ele quisera dizer com aquilo, mas me vi assentindo enquanto deixava cair os sicles sobre a bancada encardida do Cabeça de Javali.

Agora, nós estávamos juntos dentro de uma loja de conveniência. Talvez fosse uma das poucas coisas funcionando àquela hora num dia de Natal. A luz muito branca do estabelecimento pareceu queimar minhas retinas, já muito acostumadas com o escuro da noite e as luzes avermelhadas e douradas das decorações pelas ruas.

— O que nós viemos comprar? — Não percebi, na hora, como me incluí naquela ação.

— Eu não tinha planos nenhum de passar o feriado em casa, então… Digamos que minha geladeira e despensa estão um pouco desertas.

Do freezer, ele pegou um peru pequeno. Com ele debaixo do braço, vagueou pelos corredores para escolher o vinho mais barato que tinha. Eu praticamente não saí do lugar, mas podia vê-lo claramente entre as prateleiras baixas. Parei na seção de biscoitos por algum tempo. Um doce após uma refeição era sempre bem-vindo.

— Já escolheu? — questionou Lupin ao se aproximar.

Foi quando algo me chamou atenção. Por ele ser alguns centímetros mais alto que eu, precisei inclinar ligeiramente o pescoço para trás e percebi o pequeno arbusto verde de plástico sobre nossas cabeças.

— Um visco, Snape. — o idiota sorriu para mim. Irritantemente, o canto do meu lábio tremeu.

— É muito mais provável eu te dar um soco do que um beijo, lobo.

— Isso dá azar, sabia?

Por um momento me questionei seriamente se Lupin estava caçoando de mim ou flertando comigo. Com a minha mente torpe do uísque, preferi não descobrir. Assim, peguei um pacote de biscoitos de gengibre e joguei sobre ele. Demonstrando reflexos impressionantes, ele conseguiu equilibrar o biscoito em cima da embalagem do peru.

Dividindo as duas sacolas igualmente entre nós dois, vagamos até uma rua menos movimentada para aparatarmos. Lupin morava num bairro trouxa e muito humilde. Seu apartamento era um cubículo, mas a maneira impecável como cuidava da residência disfarçava a escassez de móveis e a baixa qualidade dos poucos que haviam.

Na cozinha, Lupin temperou o peru e o colocou para assar, enquanto eu despejei os biscoitos de gengibre num pote de vidro. Nós nos dirigimos para a sala, onde uma minúscula árvore de Natal era a única decoração que deixava saber em que época do ano estávamos — além do aquecedor barulhento que, pelo menos, fazia seu serviço.

— Você trabalha com o quê? — perguntei após jogar um biscoito dentro da minha boca.

— Agora estou trabalhando no almoxarifado de um pequeno mercado a quatro quadras daqui.

— O "agora" me faz questionar quantos outros empregos houveram…

— Alguns… — Ele tirou a rolha do vinho enquanto nos servia a bebida numa xícara de chá. — Todos trouxas. Qualquer bruxo consegue somar um mais um quando percebem que eu preciso me ausentar toda lua cheia. Nos empregos trouxas consigo inventar uma desculpa melhor… A da vez é que tenho uma avó muito doente da qual preciso cuidar, em tempo integral, num determinado período do mês, já que divido a função de cuidador com um primo. Felizmente, meu chefe é um idoso solitário que se comoveu com a minha preocupação e carinho com a vovó.

Eu nunca tinha parado pra pensar no quão fodido era Remus Lupin. E agora ele tinha perdido praticamente todos que lhe eram importantes, tinha um emprego com um salário merda e era menosprezado no mundo bruxo pelo poucos que sabiam, ou suspeitavam, da sua condição. Talvez fosse a porra da magia do Natal, mas não pude evitar me compadecer um pouco pela sua situação.

— Nossa, isso é horrível! — ele exclamou quando bebericou o vinho.

— Brilhante ideia de comprar o vinho mais barato que já existiu na face da Terra. Comprar uvas saíra mais caro do que essa… bosta.

— Ei! Nem tudo que é caro é bom, sabia?

— Que papo de pobretão, Lupin — impliquei, mas ele não pareceu se incomodar.

— O sujo falando do mal lavado.

— Hogwarts jamais serviria uma água suja dessa.

— E para onde você vai nas férias de verão, Severus?

— Pra puta que pariu… — murmurei e a risada rouca dele preencheu toda a sala. Antes que percebesse, eu estava sorrindo. Felizmente, Lupin não fez nenhum comentário sobre isso.

Muito tempo depois, o assado ficou pronto e nós o comemos, puro, com aquele vinho terrível que ele havia comprado. Estávamos tão famintos que a nossa ceia foi feita em absoluto silêncio, o que serviu para que muitas coisas viessem à minha mente.

Eu estava surpreso — positivamente — com a perseverança do homem sentado à minha frente. Depois de um ano tão horroroso como aquele e com todos os rumores que espreitavam por aí sobre mim, ele teve a ousadia de se sentar ao meu lado, dividir uma garrafa de uísque e agora me recebia, com cortesia, em sua casa. Eu não sabia mais o que pensar sobre Lupin.

Por longos anos, eu o vi como um lobisomem desprezível e um desgraçado omisso. Então, repentinamente, ele havia me oferecido um teto e comida no Natal que tinha tudo para ser o mais pavoroso da minha existência, mas que — agora eu percebia — se tornara o mais agradável. Em quase vinte e dois anos de vida, antes de Lupin, só uma pessoa me salvara de forma tão pura. E naquele dia nenhum dos meus "amigos" — os Malfoy e Dumbledore — pareceu se importar comigo, e quem me estendeu a mão foi justamente quem compactuou com meus algozes.

Que ironia desgraçada.

— Pensativo? — Ele me tirou dos meus devaneios.

— Sempre.

— Eu ainda não lhe dei uma resposta satisfatória. — Olhei para ele com o cenho franzido. Já nem mesmo lembrava com clareza da conversa no bar, horas antes. Ele disse: — Me sentei ao seu lado porque precisava saber se você ainda era o cuzão que estudou comigo, ou se era o agente secreto leal que Dumbledore tanto defendeu nos últimos meses.

— E quem você encontrou? — Arqueei uma sobrancelha bagunçada para o homem à minha frente.

— Alguém diferente. — Lupin mordiscou o lábio. Pela primeira vez na minha vida eu desejei parar de beber, porque agora eu estava confessando a mim mesmo que Lupin merecia muito mais a fama de "Colírio da Grifinória" do que Potter ou Black. — Sei que nós dois só estamos aqui pois estamos sob efeitos perigosos do álcool, e se não fosse por isso, nós já teríamos nos matado.

Eu teria saído ileso. Sou melhor duelista.

— Eu adoraria pagar pra ver — colocou o último pedaço do peru na boca e mastigou com os olhos sobre mim —, mas deixarei para uma próxima oportunidade.

— Tem certeza? Minha varinha está logo aqui.

— Ora, e a minha também.

— E eu sei fazer coisas fantásticas com ela, que te deixariam surpreso — brinquei, ganhando, satisfeito, um olhar curioso.

— Nós ainda estamos falando sobre um duelo?

Naquele momento, eu genuinamente me senti feliz. Todo aquele cenário era catastrófico e sem sentido; tudo gritava caos. E eu estava feliz. Porra, eu estava feliz no meio daquele caos por causa do Lupin. Era ridículo e perigoso e preocupante e engraçado e… e… e bom.

— Eu adoraria duelar com você, num outro dia. — Propositalmente, deixei sua última pergunta pairando entre nós. — Contudo, sei que acordarei amanhã, sóbrio, com uma dor de cabeça das brabas, me amaldiçoando por ter passado o Natal com você. Então para evitar possíveis mortes, acho melhor eu voltar para Hogwarts e dormir.

Ele não me questionou, pensando, assim como eu, que tudo estava caminhando torto e rápido demais. Não era uma trégua — ou amizade — que poderia surgir de repente. Muitas coisas pesavam na minha relação com Lupin e nenhum de nós poderia, nunca, ignorá-las.

Na porta do apartamento, nós nos olhamos. Ele sorriu de novo para mim. Remus Lupin sorriu para mim. Merlin do céu! Eu precisava dormir.

— Obrigado pela refeição. — Ele anuiu com a cabeça, o que fez uma mecha castanha do seu cabelo cair sobre sua testa. — Mas o vinho estava grotesco.

— Peço desculpas por isso. Comprarei um melhor da próxima vez.

— Não, deixa que eu compro. — Nós realmente estávamos fazendo planos para uma futura reunião?

Acenei-lhe com a cabeça, imitando-o, e avancei para descer as escadas que me levariam até a porta do prédio. Do topo da escada ele me chamou. A luz amarelada do corredor dava sombras curiosas ao rosto arranhado do Lupin e o âmbar dos seus olhos pareceu, então, escuro demais.

— Feliz Natal, Ranhoso.

— Feliz Natal, lobinho.

Dei as costas para ele com o som da sua risada cravado na minha cabeça. Deixei com que a porta atrás de mim batesse, alta, e respirei fundo o ar congelante daquela noite natalina. Pude sentir a neve cair e salpicar meus cabelos e macular minhas vestes escuras. Olhei para cima.

A porra de um visco florescia sobre mim.


Notas: Juro pra vocês que escrevi essa one nos 45 do segundo tempo. Eu nem ia participar, mas no finalzinho de novembro pipocou esse enredo na minha cabeça e eu tive que escrever. Mas aconteceu tanta coisa durante esse tempo (publiquei meu primeiro livro, passei por um momento fantástico de superação de um término, estou descobrindo uma nova Julia incrível que está surgindo depois desses acontecimentos pessoais, a faculdade está uma loucura...) que eu estava certa que não ia conseguir terminar a tempo. O primeiro prazo de envio era até dia 10 e eu tinha escrito um pouco mais de mil palavras só. Larguei de mão mesmo. Até que no fim do dia dezenove (e o novo prazo era até 23h59 do dia 20) bati o pé e disse a mim mesma que ia entregar essa história. Consegui! Era um pouco mais de uma da manhã do dia 20 quando digitei o ponto final.

Essa foi a minha segunda vez escrevendo totalmente em primeira pessoa. Eu ando obcecada com esse tipo de narração puramente por causa da Surviana, que escreve em primeira pessoa como ninguém! E como não estou acostumada a escrever assim e eu escrevi a maior parte da fanfic num prazo curtíssimo, não pude desenvolvê-la como eu realmente queria e talvez a qualidade também não esteja a das melhores, mas eu gostei dos sentimentos que pus aqui.

Quero deixar um obrigada especial à Sophia Snape, que ficou super animada quando contei a minha ideia de plot, e à Daniela Regina, que deu a ideia deles passarem num mercadinho antes de irem pra casa do Lupin haha!

Acho que isso é tudo. Falei até muito mais do que geralmente falo nas notas.

Feliz Natal a todes e desejo a vocês um Ano Novo maravilhoso, repleto de saúde, sucesso e amor!