Capítulo Quatro – Medo e Delírio

O zumbido do mosquito cortava o silêncio da sala.

PAFT.

Havoc esmagou-o contra sua própria bochecha, impiedosamente.

Os outros o olharam surpresos. "Está pretendendo se matar?" Falman se pronunciou, arqueando as sobrancelhas com uma expressão de dúvida.

Revirando os olhos, o segundo tenente massageou o local atingido. "Claro que não."

"Percebe-se." Fuery o observou, curiosamente. Daí, segundos depois, voltou-se para os documentos que analisava, esporadicamente fazendo alguma anotação na margem da folha. Pareceu se lembrar de algo, erguendo a cabeça, com uma expressão inocente. "Vocês sabem onde estão o coronel e a tenente Hawkeye?"

Risadinhas maliciosas foram ouvidas.

Fuery não foi capaz de entender aquela reação, uma vez que lhe era completamente impossível um envolvimento entre seus dois superiores. Infelizmente, era a única opção que tinha em mente e, bem, na concepção dele não era a mais "credível", é claro. Se bem que ele achava com sinceridade que o coronel Mustang e a loira fizessem um casal muito bonito.

Piscou, confuso. "O que há?"

"Ora ora, vai dizer que ainda não percebeu, hein?" Recebeu um cutucão violento de Falman, que sorriu escarninho. Trocou um olhar pra lá de malicioso com os outros, antes de responder. "O coronel e a tenente estão in love."

"Desculpe...em quê?"

"Ele não entende nada sobre monopolização de cultura." Disse Havoc.

Breda pigarreou, resolvendo se pronunciar. Gesticulou espalhafatosamente um coração no ar. "O coronel e a tenente estão apaixonados, Fuery. In love, compreendes?"

"Ahhh." E Fuery fez um ruído de entendimento.

"O engraçado é que eles acham que nunca percebemos!"

E os outros três riram.


Bem, pensou Roy, hoje é um novo dia e dia de uma nova tentativa.

Ele ajeitou a gola da camisa, soltando um suspiro. Intimamente, sabia que aquele dia seria igual a todos os outros. Forçava-se a não pensar em "a quem você quer enganar, Roy Mustang? Você é louco por ela!", mas a cada minuto, a coisa ficava mais difícil, mais complicada. Era vital que mantivesse a esperança, que cresse na idéia de ser perdoado. Se não tivesse aquilo, então não teria nada.

Fazia quase um mês que Riza estava longe dos seus braços. Com todos aqueles acontecimentos, não havia se dado conta de como o tempo passara, havia perdido a noção dele. Apenas pensava nos belos olhos da sua tenente e jamais percebia os dias que corriam. Cada dia diferente do outro – era isso que ele sempre quisera. Mas como obter essa diferença quando se tornara um cara chato e repetitivo nas suas declarações? Aliás, não eram exatamente declarações.

Todas as vezes que abordara Riza para uma conversa, foi ela quem rapidamente desconversou e sumiu das suas vistas, sem dar chances para que ele falasse. Não. Roy não havia feito declarações, não por falta de vontade, mas por falta de oportunidade.

Acreditava piamente no fato de que se declarar era degradante e humilhante. No entanto, quem sabe a sinceridade não fizesse com que finalmente tivesse chance de conversar com Riza?

Ele largou a caneta, levantando-se da sua mesa. Deixou tudo para trás, inclusive seus subordinados.

"Aonde o coronel vai?" ouviu a voz curiosa de Fuery.

"Lembre-se, Fuery, in love, in love!" Quando Roy distinguiu a voz de Breda, estava longe demais para dar-lhe uma resposta a altura. Até porque nem tinha, não naquela ocasião.

A tenente Hawkeye fora entregar alguns relatórios e devia estar voltando.

Seus passos apressados atraíam a atenção dos demais, enquanto atravessava os corredores com uma ligeireza não habitual. Sequer respondeu aos cumprimentos que recebeu, nem correspondeu aos sorrisos acalorados e sedutores das duas atraentes militares que passaram por ele, de risinhos.

Ele teria de aceitar que, para ficar com Riza, não poderia ficar com nenhuma outra, por mais estranho que isso pudesse parecer. Não poderia se dar ao luxo de flertar com duas colegas de trabalho da mulher que estava apaixonado!

Sentiu-se um tanto desiludido por aquele pensamento, pela idéia da fidelidade.

Bah, praguejou, você tem que se tornar um cara direito. Passe reto, não cante mulheres, não marque encontros, Mustang.

Quando percebeu, havia acabado de esbarrar em alguém.

"Oh, desculpe, eu estava dis..." Riza Hawkeye parou de falar quando percebeu quem era. Então, lançou-lhe um olhar de desdém, incrustado de uma frieza discreta, e dos seus lábios saiu uma frase quase depreciativa. "Ah...é você, coronel."

Diante da falta de satisfação da parte dela, Roy até se sentiu acuado.

Diabos. Eu sou um homem ou um rato? Estereotipou-se com a frase clássica.

"Se o senhor me der licença..." ela tentou passar pelo lado, sem encará-lo.

O alquimista segurou seu braço, olhando-a quase com desespero.

"Eu te amo!" Exclamou, com a voz engasgada.

Admitir aquilo para si mesmo fora realmente uma guerra, admitir aquilo então para Riza, havia se demonstrado uma batalha pior ainda. Ele estava afirmando, então, que era plenamente dependente da presença dela, mesmo que isso tivesse ficado nas entrelinhas.

Um dia, chegara à conclusão de que jamais amaria, jamais se casaria, porque mulheres e casamento só traziam problemas, tanto pessoais como para sua carreira. Nada podia ficar entre ele e o poder. Como deixara que Riza Hawkeye, sua primeira tenente, entrasse no seu coração daquele jeito? Se por um lado as pessoas diziam que o amor era um sentimento de completude, Roy discordava.

Não se sentia completo com ela, absolutamente. Aliás, o fato de amá-la não o deixava completo, pois não a tinha. Não é uma ironia da vida as pessoas apenas perceberem que amam quando perderam quem amam? Talvez seja porque a felicidade é um sentimento por demais camuflado diante dos outros, fica obscurecida pelas frustrações do dia-a-dia. Roy jamais se julgara feliz perto de Riza, isso porque usufruía a companhia dela diariamente e não sabia se sentiria sua falta ou não. Mas quando ele a viu longe, quando finalmente percebeu que, bem, sentia algo por ela, então tudo mudou.

Será que era algo psicológico?

Amor literalmente é o sentimento dos tolos.

"Eu preciso voltar para o trabalho, coronel." A voz de Riza foi mais gentil, porém, do que ele esperava.

Ela olhou-o nos olhos, calmamente.

Roy percebeu uma tempestade dentro deles.

Não deixe que ela desconverse de novo!

"Droga, Riza! Eu amo você, fui descobrindo aos poucos e quando dei por mim, era incapaz de esquecê-la." Desabafou, apertando mais forte o braço dela, passando a mão livre pelos cabelos. Havia um quê de frustração em suas palavras, talvez pelo fato de ser incapaz de controlar aquele sentimento.

Me dê qualquer reação, mas não duvide de mim, implorou, mentalmente.

"Sou mais uma na sua lista, Mustang."

A sua fama mais uma vez se mostrava traidora.

"Você não é. Você é a minha mulher." Havia uma pequena nota de súplica na sua voz, como se desejasse aceitação.

Riza percebeu as intenções dele, identificando sua angústia, mas não foi capaz de compreendê-lo. Não sabia se queria fazê-lo, também. Livrou seu braço, tomando cuidado para que não fosse rude, mas com uma polidez distante, quase impessoal.

Com a ação dela, embora demonstrasse confusão e abalo nas faces (coisa que Roy percebeu apenas momentaneamente, pois logo tais traços já sumiram da sua feição), já pôde prever a sua reação.

"Deixe-me. Preciso ficar sozinha." Disse a tenente, devagar.

Uma carga de cem quilos foi despejada sobre seus ombros, fazendo-o curvar-se de leve – era de desânimo.

"Riza..." murmurou.

"Pare de falar meu nome!" A voz dela soou quase histérica, depois retornou à calma. "Vá logo."

Observou-a, sem qualquer traço de esperança. "Amo você."

"Não quero ouvir suas declarações. Me deixe só."

Roy decidiu fazer o que ela queria. Deu meia volta e fez o mesmo caminho que faria para chegar à sua sala, sem sentir realmente seus pés. Não ouviu passos atrás de si.

Bem, eu posso viver sem ela.

Ao término do pensamento, desatou a rir, mas não havia alegria no seu riso.

A quem você quer enganar, Roy Mustang? Você é louco por ela!; admitiu, finalmente.


"Sonny pediu para que você viesse?"

A primeira coisa que ouviu quando bateu na porta 312, na rua Morgos, foi exatamente aquela.

Riza observou a moça que atendera, com seus cachos castanhos que despencavam sobre os ombros, as bochechas rosadas e a pele morena, queimada de sol, com um tom de olhos verdes exóticos. Era uma bela mulher, com um belo rosto redondo, mas uma expressão ameaçadora, que demonstrava uma pequena nota de tremor na voz.

Procurando-se manter indiferente, perscrutou o rosto dela, esmiuçando suas feições. Com seus olhos treinados, pôde perceber com clareza o quão acuada ela se encontrava. Achou que talvez devesse ser mais suave.

"Faz alguma diferença se eu disser sim ou não?" indagou, as sobrancelhas franzidas, sem evitar a leve ironia.

Então, Dolores Dawson assumiu uma posição histérica.

Tomou fôlego, o rosto ficando de bochechas mais vermelhas, e começou a gesticular antes mesmo de falar. "O que ele quer? Você veio me prender? Já aviso que não cometi nenhum crime e..."

Riza ergueu a mão, interrompendo-a.

"Por que eu deveria prendê-la?" perguntou, mais lentamente.

"Ora," ela arregalou os olhos, como se pega de surpresa pela pergunta, então apontou para a veste de Riza, como se respondesse qualquer dúvida. Mas percebendo a aparente gafe, Dolores gaguejou uma vez antes de falar, encolhendo os ombros, explicando de uma maneira tímida. "sua farda. Eu pensei que..."

"Pensou errado. Não estou aqui a serviço do exército."

Dolores observou-a, calada.

"Então por quê?" Sua voz saiu miúda.

"Ele pediu que eu perguntasse isso a você."

Lembrando do estado lastimável de Sonny e do que aquela mulher fizera com ele, Riza deixou, então, de sentir qualquer tipo de simpatia por ela. Via-a apenas como uma pessoa sem valor e qualquer explicação que viesse dela seria recebida e guardada, é claro, para transcrevê-la para Sonny mais tarde, mas caso afirmasse qualquer tipo de intenção amorosa para com ele, a tenente não acreditaria em uma única palavra.

Era hipocrisia aquilo que estava habituada a ouvir, depois de tanto tempo ao lado de Roy Mustang. Ele traia as mulheres com quem ficava, impiedosamente, para que elas o vissem com outra e então se sentissem impelidas a abandoná-lo, isso porque Roy era um estúpido covarde, sem coragem para terminar o que havia começado. Ainda assim, todos seus rápidos relacionamentos terminavam com palavras gentis, assegurando um amor impossível de ser levado adiante.

Não havia coisa pior do que mentir sobre algo tão sério. Sentimentos alheios não eram brinquedos, não eram jogos com os quais é possível se divertir. Precisam ser manipulados com o devido cuidado ou poderão ser facilmente destruídos.

No fundo, Dolores e Roy eram parecidos. Haviam machucado aqueles que os amavam.

"O quê?" O questionamento dela tirou Riza dos seus pensamentos.

"Por quê?" Perguntou, frisada e pausadamente.

Existia uma frieza nas suas palavras que invocou receio nos olhos de Dolores, então, na porta da própria casa, deu um passo para traz, demonstrando abertamente seu temor.

O silêncio reinou entre elas por longos segundos.

Dolores tomou ar. "Por que eu o deixei?"

"Você entendeu bem rápido." Riza deu um sorriso, mas era um sorriso gelado.

Franzindo as sobrancelhas, estalando os lábios, coçando a têmpora, mexendo os cabelos, todos os gestos da moça à sua frente pareciam completamente automáticos, como uma maneira de ganhar tempo para dar uma resposta. Mas Dolores não parecia mais temerosa. Uma coragem repentina surgira na sua expressão determinada, embora agregada a uma pequena nota de frustração.

Parecia uma boneca, com todos seus atos meticulosamente programados. Riza achou que ela era falsa e cruel, dona de uma beleza pueril, que lhe dava um ar angelical.

Ainda assim, Dolores parecia dona de uma grande personalidade, possuidora de grandes sonhos, mesmo que fossem egoístas. Não que tal constatação mudasse alguma coisa no seu julgamento, mas Riza a achava estranhamente desconcertante, incompreensível. Tanto seu medo ao deparar-se com ela fora sincero, como sua confusão diante da farda do exército vestida pela tenente. Dolores havia sido pega de surpresa, sem tempo para armar um plano de escape.

"Jamais seria capaz de amá-lo." Disse ela, depois de um tempo.

Existia uma satisfação cruel nas suas palavras.

"Então por que ficou com ele?" indagou Riza, friamente.

Dolores arqueou os ombros, observando uma senhora que dobrava a esquina lá adiante. "Porque não havia alguém melhor."

Diferente do que esperava, Riza não se viu surpresa diante dessa resposta. Sua voz continuou gelada, de tal maneira que parecia preste a fazer uma ameaça. "Isso é cruel." Comentou, parecendo casual.

"O amor de vez em quando é cruel." E a moça deu um sorriso, como se sem se importar com o fato.

"Não." Maneou a cabeça. "Você é cruel."

Riza então compreendia que Dolores era o tipo de mulher que trocava um homem como Sonny por um homem como Roy.


N/A: Quero me desculpar pela demora, mas ando meio ocupada com as aulas e tal – ainda tenho que fazer quatro redações, a capa do meu caderno de artes e as contas de matemática u.u. To postando agora de manhã, animadíssima, porque de tarde tem um evento de anime!

Agradeço a todos os comentários, espero que a galera continue acompanhando e gostando – de preferência XD. Esse foi o penúltimo capitulo, minha gente. Deixem comentários! Go go!

Bjos,

Li.