Capítulo Cinco – Contos-de-fada
As semanas passavam de maneira quase imperceptível, os dias corriam mais depressa do que Roy poderia supor, a princípio. Ele estava internamente satisfeito, é claro, pois quanto mais rápido o tempo passasse, menos tempo teria para pensar na complexidade do amor, menos tempo teria para sofrer com isso, aliás, sofrer duplamente, por um amor aparentemente não correspondido e pela idiotice de se declarar acorrentado por uma única mulher.
Roy Mustang era um homem corajoso, se considerava corajoso. Não tinha medo de assumir seus atos, de encarar de frente as dificuldades, mas toda essa coragem tomava rumos desconhecidos quando estava cara a cara com a palavra "amor". Cometera atrocidades em batalhas das quais se arrependia profundamente, quebrara corações com uma impiedosidade cruel, era um alquimista de bravura, de fibra, de força. Mexer com seus brios era pior do que a morte. Então, mexer com o amor era o inferno.
Bem, precisava aceitar que era um homem apaixonado. Mas aquela classificação não lhe parecia apetecível, não lhe caía bem. Jamais poderia ser visto como um tolo amando. Não podia simplesmente aceitar aquilo e aquela repulsa, aquela aversão, desconfiava Roy, eram claramente percebidas por Riza.
Depois de todo aquele tempo, chegara à conclusão de que já havia se rebaixado até o limite. Sabia nutrir por sua tenente um sentimento sincero, mas como poderia afirmar aquilo quando tal sentimento lhe causava uma crescente sensação de insatisfação? A sua incapacidade de controlar o amor, a saudade, todas essas coisas, achava um estorvo, apenas perturbavam sua vida meticulosamente programada – prestar serviços ao quartel e conquistar novas e belas garotas.
Para quem desejara ter os mais diversificados dias, Roy apenas tinha as mais diversificadas garotas. Aliás, tivera.
Estava disposto a se tornar um homem direito, se isso lhe trouxesse Riza. Mas era mais difícil do que havia imaginado. Talvez porque no fundo ele tivesse um certo receio daquilo, da mudança, talvez porque não quisesse modificar sua vida a tal ponto, privar-se do seu variado cardápio a lá carte. E ele forçava-se a aceitar que era um sacrifício a ser pago, mas, diabos, havia tanto receio assim era pelo medo de mudar ou pelo fato de que aquilo afetaria sua reputação? Uma das coisas que mais prezava era seu renome. Tornar-se-ia um cachorro do exército acorrentado por sua dona?
Os estereótipos criados por aqueles que não faziam idéia do que se passava dentro da fortaleza do exército já bastavam para aborrecê-lo.
Talvez então Roy Mustang não amasse o suficiente.
"Será?" murmurou para si mesmo, soltando um suspiro.
A mão enluvada passou pelos cabelos negros, bagunçando-os.
"Coronel Mustaaaang!" Veio o grito, então Fuery entrou zarpando pela porta, como um furacão, trazendo um cachorro nos braços, Black Hayatte.
Roy tirou os olhos da janela, por onde observava o céu lá fora, e voltou-se para seu subordinado, de sobrancelhas arqueadas.
"O que há?" Indagou.
"É o Black Hayatte, senhor!" Havia pequenas gotas de lágrimas brilhando nos olhos miúdos de Fuery, que o encarava com uma expressão chorosa. Trazia o cão, mas segurava-o longe do corpo, as mãos embaixo das patas da frente, como se estivesse temeroso de trazê-lo para perto.
Ele, que já pensara que alguma coisa de muito grave estava acontecendo, aliviou-se ao ouvir as palavras de Fuery.
Balançou a mão. "Ora, não me assuste desse jeito, homem!"
"Senhor, ele-ele está se engasgando!" gritou Fuery, apavorado.
Então Roy entendeu porque Black Hayatte não começara a latir furiosamente quando o vira, como havia feito das últimas vezes. Podia dizer que até estava ficando meio roxo, tentando soltar latidos mudos.
"Então aperte-o!" disse, arqueando os ombros.
"Coronel..." Fuery tinha os olhos lacrimejantes, numa súplica.
"Ahh. Está bem, está bem! Dê-me aqui esse cão logo!"
Foi bem mais fácil do que Mustang havia pensado (mesmo que ele não tivesse pensado ser tão difícil), no primeiro apertão que dera sobre o estômago do bicho, um osso saído da sua boca voara longe, batendo na parede, e Hayatte soltou um latido agudo.
Colocando o cachorro de volta no chão, Roy voltou-se para Fuery, batendo as mãos, como sinal de tarefa cumprida. "Pron-"
"Coronel!" exclamou ele, efusivamente.
Seus olhos brilhavam como pedras preciosas, sinceramente admirados, encarando seu superior como encara um deus, tamanha a satisfação.
Roy sentiu-se até um tanto envergonhado diante da animação efusiva de Fuery.
"O senhor salvou o Black Hayatte." Disse, numa voz surpresa. O cão soltou um latido do chão, balançando o rabo. "Oh, o coronel é um gênio! Jamais conseguiria fazer algo assim, não não, não como o coronel!"
Franzindo as sobrancelhas, Roy pensou consigo mesmo que Fuery apenas não conseguira por ter ficado apavorado demais. Mas achou melhor não comentar nada, afinal, era bom sentir aquele gostinho de satisfação que amaciava seu ego.
"Claro que não." Estufou o peito, acenando em positivo.
"A tenente Hawkeye ficará muito agradecida." Murmurou o subordinado, abaixando-se para acariciar Black Hayatte.
Ao ouvir o sobrenome dela, uma expressão taciturna tomou conta do seu rosto, fazendo com que seu ego rapidamente murchasse, desanimando a simples menção de Riza.
"Isso se ela vier me agradecer." Deu um sorriso meio contrariado.
"É claro que ela virá e..." Fuery começava falando rapidamente, mas também havia dúvida em suas palavras.
"Tudo bem. Não tente me animar. Não tem problema que ela não fale comigo também." Arqueou os ombros, perpassando uma indiferença cuidadosamente dissimulada.
Fuery o encarou, desacreditado.
Estalou os lábios, sem encará-lo. "Acredito que a tenente esteja evitando-o por estar duvidosa dos seus sentimentos também, coronel."
"Como...?"
"Desculpe me intrometer em seus assuntos pessoais, mas parece que o senhor está bastante confuso do que acontece à sua volta, de si mesmo. Percebi porque o senhor não é assim, coronel. O senhor não costumava duvidar da própria força, tampouco temia o que os outros pensavam." Fuery falava um tanto rapidamente, enquanto pegava Black Hayatte no colo, acariciando-o no pescoço. Quando se ergueu, seus olhos encararam Roy, curiosos. "Por que está se importando tanto agora, coronel?"
Era uma boa pergunta aquela. Roy não sabia responder.
"Se o senhor não acredita no que sente, como pode querer que a tenente acredite também?"
Ele era apenas covarde por não admitir o que sentia. Não era o homem corajoso que pensara ser um dia.
Roy percebeu então que havia sempre alguém por perto para minar suas dúvidas.
"Roy."
Aquele chamado foi tão melodioso que soou como música aos seus ouvidos – com o perdão daquela comparação batida.
Roy, que caminhava com passadas apressadas pela rua, a caminho do bar mais próximo, parou subitamente de caminhar. O barulho da sua respiração era a única coisa que cortava o silêncio do ar, onde nem o vento remexia as folhas secas das árvores, naquela noite fria.
O chamado lembrou-lhe da época em que dormia nos braços da sua mãe, quando ela falava seu nome assim tão calmamente, tão docilmente, fazendo-o sentir-se o ser mais amado do mundo.
Queria imaginar-se em casa ao lado dela, mas percebeu que não era com sua mãe que queria passar o resto dos dias.
Demorou inúmeros segundos para virar-se na direção da voz, uma satisfação tão indiscutivelmente saudosa invadindo seu peito que, quando encarou os olhos de rubi de Riza, Roy rapidamente sentiu-se mais tranqüilo, como se vê-la e ouvir a voz dela aliviassem todos os tormentos que abateram sua alma durante todos aqueles dias que se seguiram, em meio a duvidas e a insegurança.
Naquela noite, ele tencionava apenas sentar-se num balcão de bar e beber até que não estivesse mais sóbrio. Quem sabe o alcoolismo não lhe trouxesse a luz que a sobriedade não trouxe.
"Riza." Murmurou, com a voz entalada na garganta. "Eu..."
Ela interrompeu-o com um gesto. "Gostaria de agradecê-lo por ter salvo Black Hayatte hoje."
Roy deu um sorriso desanimado, maneando a cabeça numa concordância muda. E quando percebeu que não havia mais nada a ser dito entre eles, deu as costas, enfiando as mãos dentro dos bolsos do sobretudo.
Enquanto ele se afastava pela rua escura, Riza ficou observando-o.
A sineta que havia na porta do estabelecimento chegou, anunciando a chegada de um novo cliente.
"Yoooo!" gritou Sonny, acenando ao vê-la.
Riza deu um sincero sorrido diante da recepção efusiva que recebera. Depois de todo aquele tempo, passara a apreciar e admirar a presença daquele homem que se mostrara de muita fibra e, infelizmente, absolutamente apaixonado por uma víbora.
Tentando deixar o pessimismo de lado – coisa que não costumava fazer –, torcia para que o tempo sarasse todas as amarguras no coração do seu estimado amigo, assim como era capaz de curar as feridas do dela também.
Pensou com tristeza que ele estava feliz daquela maneira e não tinha a mínima intenção de estragar aquele súbito rompante de animação com a notícia que trazia. Sentia-se tentada a escondê-la, sequer tocar no assunto, mas isso seria um desrespeito para com Sonny, que confiara nela e no seu senso de responsabilidade. Por mais que fosse doloroso, Riza não se sentia capaz de esconder dele qualquer coisa que fosse, principalmente se esta estava relacionada a Dolores Dawson.
Ele ergueu-se, puxando uma cadeira para ela. "Sente-se comigo, Riza."
"Você me parece feliz." Comentou, enquanto se acomodava. Deixou algumas pastas, das quais pretendia cuidar mais tarde, em cima da mesa.
Arqueando os ombros, Sonny estalou a língua. "Acho que estou um pouco alto."
A garrafa de uísque sobre a mesa já chegava na metade.
"Então," ele sentou-se, observando-a com olhos avermelhados, possivelmente pelo efeito da bebida. "o que você me traz de novo...ou de ruim?"
O silêncio pairou de tal maneira que Riza sentiu um frêmito de se estapear. Diante da sua mudez, não haveria mais como atenuar a situação. Sonny já devia ter tomado conhecimento do fato, talvez pela sua cara de enterro, pela sua falta de palavras. Mas a vida era assim e Riza gostava de pôr as verdades sobre a mesa, nuas e claras, por mais que fosse doloroso ou decepcionante.
Não percebeu reação alguma da parte dele, que tornou a encher o copo, como se nada tivesse acontecido. Existia uma firmeza nos seus gestos e percebeu que Sonny segurava o copo com tal força que era possível enxergar os nós brancos dos seus dedos.
Como poderia? Como poderia diminuir a tristeza daquele seu excêntrico amigo?
"Bem," Riza tentou parecer suave, mas sabia não haver maneira de suavizar suas palavras. "falei com Dolores como me pediu, Sonny. E...talvez você já saiba a resposta."
Sonny deu um pequeno sorriso, para que não aparentasse desânimo.
"Entendo." Foi tudo que ele disse.
Então eles ficaram ali, sentados, até que o relógio tocasse meia-noite, sem falar nada.
Ela não tencionaria ir embora, de maneira alguma. Ficaria ao lado dele, independente das circunstâncias, ainda mais diante daquela situação. E, impassível, viu Sonny aumentar a velocidade dos goles de uísque, enchendo seu copo cada vez mais rápido e mais rápido.
Quando via seus olhos, enxergava dois buracos fundos, com espessas olheiras pela falta de sono, e não havia neles brilho algum. Mas ainda diante daquela lastimosa aparência, ele conseguia parecer amável e agradável, decerto por sua natureza. Não fulgurava dele grandes conquistas, não havia exatamente o quê acentuar da sua personalidade. Era apenas um homem possivelmente bêbado que amara demais a pessoa errada.
Riza compadeceu-se. "Sonny, talvez fosse hora de parar."
"Não." Balbuciou ele, numa voz enrolada. Fitava o copo, sem desviar os olhos. "Você não entenderia, Riza. Você não saberia o que eu estou sentindo. Não me peça para parar, por favor."
Ela observou aquela expressão e todas as notas desesperadas da sua voz.
"O mundo roda e eu sei que nem todos os contos são de fadas. De vez em quando algumas coisas ou pessoas morrem." E Sonny arqueou os ombros.
A princípio, Riza não entendeu o sentido da frase. Pensou ser apenas uma divagação sofrida, mas ela só saberia do que ele falava muito mais além.
"Embriague-se comigo, Riza." E, lentamente, Sonny lhe empurrou um copo.
"Ah, Roy. Quando você vai perceber que nós não temos a mínima chance de ficarmos juntos?" Riza deu um longo suspiro, exasperada.
Sentia sua disposição ir às favas, sem forças para revidar.
"Por que não?"
Aquele era a batalha final, ela percebera. Os dois finalmente estavam frente a frente para verbalizar todas as verdades não ditas, todas as amarguras reprimidas, todo o ressentimento guardado.
Desde o início, Riza sabia que acabaria terminando assim. Não poderiam evitar aquilo para sempre.
Ela encarou Roy Mustang e seus olhos negros, tentando manter o controle.
Desviou o olhar, observando algum ponto distante da rua. O café, que comprara para tomar durante o intervalo, estava esquecido sobre o banco da praça. "Olhe para si mesmo! Jamais conseguiria ficar ao meu lado com a idéia de ter um compromisso sério. Eu o conheço e sei que você se conhece bem também."
"Não tão bem quanto eu imaginei, Riza." Roy deu um sorriso irônico.
Roy também sabia da importância daquela conversa. Havia prometido a si mesmo ser a última vez que a abordava e se dali não saísse qualquer resultado, ele aceitaria a derrota, pois todos os homens perdiam um dia. Tentaria seguir sua vida da melhor forma possível, juntando os cacos que ainda restavam do seu orgulho. Mas ele murmurava para si mesmo que daquela vez seria diferente.
Ele faria ser diferente.
"Ora, vá dizer que descobriu lados desconhecidos do seu eu interior?" Ela, que tentava a todo custo não demonstrar abertamente sua irritação, esteve propensa a soltar uma gargalhada de sarcasmo. Tudo era confuso demais para que ela pudesse compreender.
Os transeuntes passavam ao longe, distraidamente, sem prestar atenção nas duas figuras do exército postadas diante daquele banco de pedra. E não fossem suas palavras rudes, que alcançavam uma entonação mais alta do que deveriam, a praça se encontraria na mais santa paz, preparando-se para o fim do dia. Ainda podiam ouvir o último canto dos passarinhos, já em seus ninhos.
"Não seja irônica." Havia se passado longos segundos até a resposta dele.
"Como você queria que eu reagisse?" Riza, então, pareceu ficar séria. "Espera que eu o receba de braços abertos? Desculpe, isso não irá acontecer."
Aqueles olhos suplicantes estavam novamente a encará-la.
"Apenas preciso que você acredite em mim e nos meus sentimentos. É pedir demais?"
"É."
"Desconfiava." E Roy deu um sorriso triste.
Riza deu as costas, cruzando os braços.
Ela não queria que tudo fosse daquela maneira, não queria que as coisas tivessem aquele fim. Era tudo tão cruel e o sentimento que a atingira era tão absolutamente violento que, desde o princípio, ela vira-se tentada a reprimi-lo e expulsá-lo. Jamais imaginaria que aquela iria ser uma tarefa tão difícil.
Uma tarefa impossível, admitiu com amargura.
"Roy, você está apenas se iludindo. Não existem contos-de-fada. Nós com certeza não viveremos um." Disse, um tanto mais suavemente, como se para não ofendê-lo.
"Acredito em qualquer coisa se estiver ao seu lado." E Roy pensou que aquelas suas palavras eram realmente verdadeiras, apesar de tudo.
"É muito bonito da sua parte ter esse tipo de pensamento, mas sabemos que não é verdade."
"Droga, Riza! Quando você passou a desconfiar tanto de mim? Desde quando você não acredita na minha palavra? Eu-"
"Não misture as coisas." Ela ergueu a mão, interrompendo-o. Falava com sinceridade, calmamente, mas seus olhos estavam sérios ao encará-lo. "Eu acredito em você como meu superior, como um alquimista competente. Não acredito na sua palavra pessoal, tampouco nas suas intenções amorosas."
"Dê-me uma chance! Posso provar que Roy Mustang é tão bom quanto parece ser."
"Você teve sua chance, coronel! E o que você fez? Desperdiçou. Não venha me pedir para reconsiderar, confiar, acreditar no seu amor. Para mim, isso vale tanto quanto as mulheres valem para você: nada."
"Você vale para mim muito mais do que imagina!" Exclamou, irritado.
"Cla-"
"Não! Deixe-me falar agora!" Ele deu uma entonação mais dura as suas palavras, pensando ser uma maneira para que ela o escutasse. E, de certo, funcionou. "Durante todo esse tempo eu tenho estado arrependido, martirizando-me pelo meu erro, por ter decepcionado você. Tive minhas dúvidas, todos têm! Receei e duvidei desse amor que sinto, porque jamais me vi capaz de carregar tal coisa no peito. Pela minha natureza, você não pode me culpar de todos esses meus questionamentos que já foram esclarecidos!"
Fez uma pausa por um momento, terminando a frase com um tom enfático, para que Riza percebesse – o que ele tinha certeza que ela faria – que já estava plenamente consciente da profundidade dos seus sentimentos. Embora soubesse que ela entenderia a mensagem, tinha lá suas dúvidas sobre o quão bem seriam aceitas as suas palavras.
Chega de dúvidas, Roy, falou para si mesmo, mentalmente. Você agora é um cara de certezas.
A prioridade era fazê-la perdoá-lo, fazê-la perceber que alguma coisa dentro dele havia mudado, que ele finalmente havia aceitado o fato de estar amando e as conseqüências e mudanças que isso traria à sua vida. Não saberia dizer o quanto isso o afetaria, mas qualquer coisa valia a pena estando ao lado dela. E aquilo não era apenas uma frase poética. Exprimia perfeitamente seus sentimentos naquele minuto: ele faria qualquer coisa para tê-la de volta.
"Se você me conhece, sabe que eu tenho caráter, que, embora seja um hipócrita com as mulheres, minhas declarações para você foram absolutamente sinceras." Disse, mais devagar, demonstrando calma. Arriscou um sorriso divertido ao falar aquilo, mas tal sorriso não foi correspondido por Riza. "Jamais disse amar sem amar, Riza. Então olhe para mim agora, veja só, sou o tipo de cara idiota e apaixonado, que está pedindo perdão pelos seus erros. Eu a amo e quero que fiquemos juntos. Quero que você me dê uma nova chance para tentar fazer as coisas certas, sei que posso. Acredite em mim uma vez mais. Prometo não decepcioná-la de novo."
"Roy." Ele gostava quando ela o chamava assim, tão suavemente.
Como podia a vida ser tão irônica? Logo aquela mulher que o acompanhara durante todos aqueles anos, a sua tenente, a sua subordinada mais fiel, que o seguira em todos os difíceis momentos políticos, ajudando-o. Jamais pudera pensar nela como a mulher da sua vida. Era ironia aquela, que o fez perceber um dia como Riza Hawkeye era bonita, mais do que um simples rosto sem nome no exército. Para aprender a dar valor a ela, precisou perdê-la.
Roy pensava que nem em todas as coisas da vida ele poderia ter novas chances. Dali a diante, esperava ter uma visão melhor para as oportunidades que batiam à sua porta, pois seus erros não seriam perdoados. Mas aquilo não faria diferença se estivesse ao lado de Riza. A única coisa que desejava era o perdão dela.
"Quantas vezes eu precisarei dizer que a amo? Eu a amo! Seria capaz de fazer qualquer coisa por você, se você quiser eu me ajoelho, beijo seus pés, saio na rua gritando meu amor. Se alguma dessas coisas vai fazê-la acreditar em mim, tenho a absoluta certeza de que vale a pena!" Pegou as mãos geladas dela num movimento rápido, acariciando seus dedos com gentileza com as mãos enluvadas.
Ele pode perceber a incerteza, que a fazia titubear.
"Como você pode ter tanta certeza assim?" Ainda assim, havia algo na voz de Riza, algum tipo de resquício de confiança que lhe dava esperança.
Sua mão correu até a bochecha dela, que estava corada pelo frio da noite, fazendo uma carícia suave.
"Pelo simples fato de que você é a mulher da minha vida e eu não quero me arriscar a perdê-la de novo." Em seus olhos estava refletido então o olhar mais indubitavelmente apaixonado que ela jamais vira até então, revestido de um sorriso vacilante, esperando aceitação.
Riza sentiu que não havia mais o que duvidar ali, não havia mais dúvidas, questões não resolvidas, aquelas incertezas todas que impediam que ambos agissem normalmente um com o outro, que aceitassem com franqueza todos os baques e felicidades que o amor poderia trazer. Pensou que Roy fora muito mais corajoso que ela, teve um caminho mais tortuoso, até que chegasse ao cume e se visse plenamente resolvido de si mesmo.
Jamais teria a coragem que ele tinha, mesmo naquela situação. Para ela, seria muito mais fácil simplesmente deixar estar, esperar que o assunto e o sentimento morresse por si só. Então não teria aqueles milhares de pensamentos povoando sua mente, confundindo-a, numa mistura de amor e ódio, sem saber ao certo o que pensar. Sempre repreendera a si mesma por envolver-se psicologicamente em um trabalho do exército. Roy devia ser apenas seu trabalho.
Mas Riza percebeu tarde demais que quando aceitara a idéia de levá-lo ao topo independente do que fosse, já estava por demais envolvida, imperceptivelmente, cada vez com mais força. O relacionamento entre eles foi o estopim. Começou e terminou com enormes rompantes de paixão, coisa que caracterizava a ambos, que jamais se viram tão esfomeados e carentes do calor um do outro. Riza encontrou em Roy muito mais do que um companheiro de cama, embora jamais quisera admitir. Era um dom natural aquele seu, abster-se dos sentimentos para evitar dores futuras.
Os beijos e os lábios dele despertavam sensações assustadoras, com as quais não sabia lidar, e aquilo a assustava.
Não envolva trabalho com amor, minha filha. De repente, a voz do seu pai foi ficando mais fraca, mais fraca, até que não exercesse influência nenhuma nos seus atos.
Riza sempre se guiara pelos conselhos do pai, a quem tanto respeitara. Ele fora um homem amargo, tendo sua mulher, uma oficial do exército, morta em uma operação de guerra do lado oposto. Infelizmente, a história dos seus pais terminara trágica, mas não poderia deixar que aquilo a desacreditasse para sempre.
Deveria dar uma chance a si mesma, à Roy.
"Roy." Riza olhou-o, a voz rouca. Seus orbes vermelhos estavam chamejantes. "Beije-me."
Então Roy sorriu, reconhecendo o quanto sentira falta daquele jeitinho todo especial que ela tinha de requisitar seus beijos.
Sua mão, que até então se encontrara recostada à bochecha dela, que de morna passara a pegar fogo, levou-a até a nuca, puxando o rosto corado para junto do seu. Os lábios rosados se abriram suavemente, antes mesmo que lhe fosse pedido permissão, e encostaram um ao outro com uma indescritível sensação de deja vu. Roy não saberia nem dizer por quantas noites passara desejando de volta aquela sensação.
Riza agarrou-se a ele debilmente, sentindo suas pernas trêmulas.
Os braços fecharam-se em torno dela como numa prisão de ferro, impiedosos, e ela quase deixou que seu pescoço despencasse para trás quando a mão dele abandonou sua nuca, descendo rapidamente para a cintura, para trazê-la para perto, até que Riza não soubesse mais o quão perto estava.
Percebeu então a necessidade que sentira dos abraços dele, do quanto seu carinho fazia falta – embora eles jamais tivessem enxergado a relação anterior como um romance.
O fogo que ateou à volta deles dissipou-se aos poucos, enquanto as línguas ainda se acariciavam, lentamente. E Roy sorriu maliciosamente assim que os lábios se distanciaram apenas alguns centímetros, o suficiente para que ela visse sua expressão e observasse seus olhos.
"Eu faço o feitio de cara apaixonado?" Brincou, sussurrante.
Ela sorriu. "Não."
"Todos os conquistadores são conquistados um dia." Roy arqueou os ombros, demonstrando descaso.
Riza encostou a cabeça no peito dele, aspirando seu perfume, e fechou os olhos.
"Então, você acredita em contos-de-fada agora, Riza?" Murmurou Roy, acariciando seus cabelos.
"Posso tentar."
"Para minha "Julieta",
Não seria capaz de entender porque você me deixou. Eu até tento, mas me nego a compreender o motivo. Admito a realidade, que me joga na cara o fato de que você não me ama tanto quanto eu a amo. Meu coração dói tanto, sangra tanto, que eu sinceramente prefiro ignorar, prefiro não demonstrar ter aceitado, porque, no meu caso, a dor da dúvida é menos cruel do que a dor da verdade.
Não te peço para voltar para mim, embora fosse capaz de aceitá-la. Não poderia mais beijar seus lábios sem pensar que estamos vivendo um relacionamento de mentira. Não acredito, também, que você pretendesse voltar.
Queria compreender se a companhia de Roy Mustang é mais agradável do que a minha. Desculpe, não consigo.
Há uma pequena coisa que denota a diferença entre mim e ele, que julgo ser mais importante do que apenas o fato dele ser o coronel do exército e um cara deveras mais atraente do que eu: eu te amo. Te amo como tenho absoluta certeza de que ele não vai te amar, minha cara. Fica aí uma satisfação cruel da minha parte, que eu não gostaria de ter, é verdade, mas já que tenho, me basta aceitá-la: por mais que você o ame, por mais que faça tudo por ele, vocês nunca irão ficar juntos. Para ele, você é apenas mais um brinquedo.
Diabos, Dolores. Se não pretendia ficar comigo, por que fez com que as coisas fossem até um ponto além do que eu posso suportar? Por que fez com que eu investisse num sentimento sem futuro? Na minha poupança, há um dinheiro juntado à base de muito suor, para dar a você o casamento mais luxuoso e as jóias mais caras que um homem podia dar. Diga-me agora: tudo foi em vão? Fui apenas um cobertor de pés, enquanto você esperava um partido melhor?
Eu a amo e sou perfeitamente capaz de perdoá-la. Fica apenas a mágoa, então, que não se dissolve.
Prefiro as lembranças, nelas você era alguém que parecia feliz. Parecia, que ironia.
Talvez você não tenha percebido – ou quem sabe fui eu quem não deixou explícito –, mas essa é uma carta de despedida. Não pretendo nem quero levar as coisas adiante. Se meu amor é para você um estorvo, uma inutilidade, tratarei de eliminá-lo para sempre, para que não volte para incomodá-la.
Veja que apenas penso em você, quando devia pensar em mim, diante do que você me fez.
É uma pena que meu amor esteja entranhado em mim e a minha única salvação é a morte. Para livrar-me dele, precisarei deixá-la para sempre e só conseguiria deixá-la, morrendo.
A morte vai me ser benéfica, acredito nisso.
Tenho apenas um pedido. Não pedirei para que me esqueça, porque não haverá trabalho nisso. Sei que, como não me amava, vai apenas recordar relativamente de mim nos anos seguintes, cada vez menos, até que eu suma completamente dos seus pensamentos. Vai acabar encontrando alguém que te sustente, quem sabe que te ame quase igual ao que eu amei. Isso me conforta.
Se você algum dia vir Riza Hawkeye, diga ela exatamente isso: "Minha história terminou trágica, assim como eu bem falei. Nem todos os contos são de fadas. O seu é?"
Do seu "Romeu",
Sonny."
N/A: Fica aí meu final então para vocês. Tem uma nota reflexiva, a qual era a minha intenção, já que finais explicitamente felizes não fazem o meu feitio – ou ao menos não fazem o meu humor no momento, rs. Espero que tenham gostado dela tanto quanto eu gostei de escrever. Aqueles que gostam do Sonny, bem, acredito que ele deu um melhor final a trama, não? Quebra parcialmente o ciclo "amor-tristeza-reconciliação-final-feliz".
Agradeço aos reveiws, a toda a galera que acompanhou e das quais tem todo meu carinho, por terem se mostrado tão receptivas a minha história.
Bem, é isso.
Kissus, Li.
