Título: Crimson Love
Ficwriter
: Kaline Bogard
Classificação
: yaoi, AU, aventura
Pares
: 1x2
Resumo:
Uma tirana se ergue e ameaça a paz... apenas os pilotos lendários serão capazes de despertar os MDs elementais e salvar os Reinos Coloniais.
Aviso
: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!


"Não há algo mais fácil que mudar a opinião de alguém
Entretanto ninguém pode impedir o amor...
...de se tornar cada vez mais profundo...
Se a fascinação é uma alegria...
... seria a ruína outro fascínio?"

Crimson Love
Kaline Bogard

CAPITULO I

Heero acordou com a estranha sensação de que algo estava errado. Podia sentir no sangue.

Apesar do silêncio que reinava em seu quarto, o instinto apurado lhe ordenava que levantasse da cama e tentasse descobrir o que lhe incomodava tanto.

Sem perder mais tempo ergueu-se, jogando as cobertas longe, e dirigiu-se até a janela, escancarando-a. Foi então que seu coração pareceu falhar uma batida: o reino estava em chamas.

- O que...!

Imediatamente voltou-se e correu até a porta. Era um rapaz de ações rápidas, tinha que fazer alguma coisa.

Mal tocou na maçaneta e ouviu o grande sino do templo badalando, avisando todos os moradores sobre o ataque eminente.

Quando saiu no corredor, vários soldados passaram por ele, correndo em direção a entrada do castelo, mas pelo jeito estavam desorientados para realizar um contra ataque que fosse eficiente.

- Capitão! O que está acontecendo? Quem são os invasores?

O homem alto parou de correr, ao se ver sendo interrogado por Heero. Aproximou-se dele e reverenciou todo cheio de cerimônias.

- Alteza, não se preocupe, está tudo sob controle.

- Não parece, capitão.

- Os invasores estão se retirando. Por que não fica em seu quarto e...

Mas Heero interrompeu a sugestão. Cortou o capitão da guarda com um gesto de mão.

- Onde está o Doutor J?

- Foi até a sala dos MD. A preocupação dele é com o seu cockpit, príncipe Heero.

- Meu cockpit? Porque? - o jovem príncipe franziu as sobrancelhas sem entender - Poderia ser... não!

Virou as costas e afastou-se em direção a sala real dos MD. Eram onde guardavam as principais armas de defesa do castelo, e onde estava o cockpit do príncipe herdeiro, Heero Yui.

- Poderia Relena ser tão ousada?

O jovem de cabelos negros não queria acreditar no pensamento que dominava sua mente, mas era impossível ignorá-lo.

- Aí está!

Assim que visualizou a porta entreaberta, Heero estremeceu e avançou mais devagar.

- Doutor J...

O velho sacerdote estava parado no meio da grande sala, em frente a uma redoma de vidro, vazia...

- Príncipe Heero... veja isso. Seu cockpit desapareceu...

Os olhos de profundo azul cobalto fixaram-se sobre a proteção de vidro. A mesma permanecia sem absolutamente nada dentro.

- Eles incendiaram o reino como forma de distração...? E aproveitaram para infiltrar um espião e nos roubar? - a voz fria ocultava toda a ira que lhe dominava, por ter sido passado para trás.

- Isso é obra de Relena. Ela provavelmente enviou algum de seus espiões para nos roubar o cockpit. Teremos que recuperá-lo a qualquer custo.

- Eu sei. Irei atrás do culpado agora mesmo! Eles não ficarão com meu MD! Isso eu garanto.

- De jeito nenhum! - o velho foi categórico em sua negação. - Você é nossa única esperança, se sair do castelo correrá riscos incalculáveis. O rei nunca permitirá.

- Tsc.

- Entendo sua preocupação. Seu MD ainda não foi acordado, nunca foi usado, e Relena acredita que qualquer pessoa poderá despertá-lo. Mas nós sabemos que apenas os escolhidos podem fazer esse milagre.

- Doutor, ainda não descobrimos a maneira de fazer o cockpit funcionar. Se Relena conseguir, qualquer pessoa poderá manipulá-lo, e então... nunca mais teremos o MD outra vez.

- Príncipe... - o sacerdote suspirou profundamente- Deixe que nós adultos cuidamos disso. Volte para seu quarto e confie em nós.

Aborrecido, o jovem deu meia volta e regressou ao quarto. Podia sentir a movimentação e o corre-corre que tomava conta de todos no castelo. Relena Peacecraft fora realmente ousada, mandando alguém invadir o Reino Colonial 01 e roubar o cockpit que controlava um dos mais poderosos MD que já existiu.

Angustiado, socou a parede do quarto.

- Não posso ficar parado!

Os olhos azuis pousaram sobre a cidade em chamas. Nunca saíra do palácio, em todos aqueles 15 anos de vida. Fora treinado como nobre, mas também como soldado. Tinha toda a teoria que se necessitava, porém ainda não a colocara em prática.

Estreitou os olhos, decidindo-se de uma vez.

Não ia deixar que Relena usasse o seu cockpit de maneira egoísta e fútil. Aquela mulher queria apenas sub-julgar todos os Reinos Coloniais e ficar com o poder nas mãos, em nome de uma falsa paz.

Com seu MD seria possível!

- Nunca. Não vou esperar sentado que o Doutor J resolva isso.

Apressadamente trocou de roupa, colocando uma blusa escura de frio e uma calça também escura. Pegou um chapéu e depositou sobre os fios curtos, tentando ocultar o rosto.

Depois jogou algumas peças de roupa em uma sacola, assim como algumas moedas. Pegou sua espada e a prendeu na cintura.

Cheio de precauções saiu do aposento e começou a se afastar. Logo se misturou aos diversos soldados que corriam desordenadamente em várias direções. Seguiu os que se encaminhavam para fora do palácio.

Com incrível facilidade ganhou as ruas da cidade. Estava fora do castelo!

A tristeza o dominou, ao ver seu povo desesperado, tentando apagar o incêndio e salvar seus bens e suas vidas, diante do ataque covarde que servira apenas de distração, mas que revelava a natureza traiçoeira de Relena, a princesa do Reino de Sank.

Heero jurou que daria o troco por aquele golpe traidor.

Agora teria que usar todo o conhecimento adquirido e sobreviver sozinho no mundo hostil. E o mais importante de tudo: recuperar o cockpit que guardava o seu MD, o lendário Gundam, guardião elemental do ar.

- Relena... você não se saíra bem dessa! Não vai ficar com meu Móbile Dragon jamais!

E os as íris de azul cobalto brilharam intensamente na noite sem lua.

oOo

- Ai, eu to cansado... tem certeza de que não podemos descansar nem um pouquinho? - a voz manhosa fez Sally Po sorrir com doçura.

- De jeito nenhum. Precisamos chegar o quanto antes ao Reino Colonial 03, e você sabe disso, Duo.

- Mas... Sally... poooor favoooorrr! Vou desmaiar se não comer alguma coisa e descansar um pouquinho!

A loira observou seu companheiro de viagem. Suspirou longamente. Era difícil negar um pedido daquela criaturinha tão bonita que andava ao seu lado. Depois a major analisou bem o local onde estavam. Parecia seguro.

- Está bem. Vamos parar aqui um minuto e comer algo.

- Oba! Eu te adoro!

O sorriso sincero que se desenhou nos lábios esculturais era prova de que dizia a verdade.

Duo era sempre muito sincero, muito profundo no relacionamento com as pessoas, e quando gostava de alguém, tal fato era evidente na bela face.

- Sei... eu também te adoro, agora senta em algum lugar a vista, que eu vou preparar uma gororoba pra gente engolir.

O outro balançou a cabeça, sacudindo a longa trança que prendia seus cabelos. Depois foi sentar-se embaixo de uma árvore.

Ficou um instante observando Sally Po reunir alguma lenha e atear fogo. Em seguida colocou a mão dentro da capa negra que cobria seu corpo e retirou um cordão de ouro, onde estava preso um medalhão azul.

- Sally... tem certeza de que esse plano vai dar certo?

- Certeza? Nunca podemos ter certeza de nada.

- Mas a idéia surgiu do coronel Treize, não foi? Ele comanda a União dos Reinos Coloniais pela Liberdade... sempre foi muito ponderado, mas agora...

- Agora a princesa Relena cismou de reunir os RC sob seu comando e manter um governo único para 'trazer a paz' a todas as colônias. Sabemos que se ela conseguir... vai se tornar apenas uma grande tirana. Somente se lutarmos com os Gundam impediremos a ambição dela.

- Meu MD é o elemental da água, não é? Mas eu nem sei como funciona, ou como tirá-lo desse cockpit.

Os olhos violeta estavam fixos no medalhão azul. Aquele era o cockpit onde supostamente os lendários Gundam ficavam guardados. (1)

- "Água... é a geradora de toda a vida. É paciente, persistente e tenaz. Sem ela, só existe pó. A água é profunda e misteriosa. Ela busca a serenidade. Pode trazer a paz, mas também pode destruir com força inigualável. Ela deve ser respeitada.".

Duo observou Sally, enquanto a loira fazia aquela citação.

- Você decorou isso? Puxa, Sally, você leva mesmo a sério sua missão.

- Ora... - a loira sorriu - Foi assim que pude conhecer aquela pessoa...

- Não se lembre dele! Vai começar a chorar!

A loira fungou e deu de ombros.

- Não importa. Minha missão é levá-lo em segurança até o Reino Colonial 03, onde já estão os Móbile Dragon do metal e da terra. O coronel Treize vai levar o quinto guerreiro, MD do fogo até lá.

- Mas... e o MD do ar? Você me disse que é o príncipe do Reino Colonial 01... será que ele vai se unir a nós?

- O ar é volúvel... e está sempre em constante movimento. Não posso dizer se ele nos ajudará ou não.

Mais uma vez Duo olhou para seu cockpit. Balançou o medalhão nas mãos, aproximou-o do ouvido e 'escutou' por um segundo. Depois cheirou longamente.

- Como será que isso funciona...?

- Não se preocupe! - a major sorriu - Você saberá no momento certo! O que me diz de jantar agora?

- Oba! O cheiro está ótimo!

Ambos se serviram e começaram a comer depressa. Não podiam perder tempo em se reunir a seus companheiros.

oOo

Heero observou o caminho a sua frente. Era duro admitir, mas estava perdido.

- Eu devia ter trazido um mapa!

Nunca saíra do castelo. E apesar de entender tudo de teoria e ser um 'soldado perfeito', acabava de perceber que a prática era bem diferente!

Tinha quase a certeza de ter deixado seu reino para trás e cruzado a fronteira... mas não saberia dizer em que lugar estava agora. Talvez no RC 02...

Cansado, olhou para todo os lados. Na pressa de fugir não trouxera nada para beber, nem para comer... acreditara que encontraria tavernas pelo caminho, por isso trouxera muito dinheiro...

Mas as moedas de ouro não valiam de nada, pois não havia onde gastá-las!

Também não encontrara nenhuma pista dos espiões de Relena, eles pareciam ter se evaporado no ar.

Provavelmente estariam a meio caminho do reino de Sank, o que significava ter de atravessar os RC 02 e 04 em diagonal, que era a direção mais rápida.

- Pelo que me lembro do mapa... se eu cortar por leste do Reino Colonial 02 posso chegar a um rio...

Os olhos frios analisaram aquela densa floresta.

- Não há tempo a perder!

Foi então que ouviu o som de passos. Seus ouvidos apurados por duros treinamentos identificaram pelo menos dez pessoas diferentes.

Antes que pudesse agir, Heero se viu cercado por um grupo de bandidos.

- Moleque! Entregue tudo o que tem, e pouparemos sua vida!

- He.

Calmamente, o príncipe tirou a espada da bainha. Hora de testar os conhecimentos de batalha.

oOo

- Duo... parece uma luta!

- Tem razão! Vamos!

Ambos saíram correndo apressadamente, indo em direção ao local onde um jovem de cabelos escuros estava cercado por inimigos, mas lutava bravamente. Sem dizer nada, Duo levou a mão às costas e pegou um bastão que levava preso ao cinto. Assim que pressionou um pequeno botão na ponta, o bastão cresceu, se tornando um longo cajado.

Sally Po pegou o arco e algumas flechas e já começou a disparar.

Heero observou os recém chegados, satisfeito por ver que estavam do seu lado, aparentemente.

- Agüente firme, garoto! - Duo encorajou o jovem a sua frente, com os olhos azuis mais belos que já vira na vida.

- Eu não precisava de ajuda.

Apesar disso, agradeceu intimamente a intervenção daquele garoto de longas tranças e olhos ametistas, dono de uma surpreendente beleza andrógena.

Duo manejava o bastão tão bem e de maneira tão precisa quanto Heero empunhava sua espada. A major Sally percebeu que ambos dariam conta do recado sozinhos. Guardou o arco e o que sobrava das flechas e ficou apenas observando, agradavelmente surpresa em ver a sincronia de movimentos entre os dois garotos.

Duo e o desconhecido pareciam ter sido treinados pelo mesmo mestre, apesar de Sally ter a certeza de que nenhum dos dois se conhecia.

Juntos, golpearam o último dos bandidos, vencendo-os depois de uma bela luta.

Os três se certificaram de que todos os vilões estavam fora de combate, depois se aproximaram para as apresentações.

- Ei garoto - Duo foi logo começando - vi que você luta bem, mas saiba que é perigoso andar sozinho por aí. Ainda mais em tempos de guerra.

-... - Heero não respondeu. Sentiu-se perdido naquele mar violeta, que era o olhar do rapaz que conversava com ele.

- Eu sou treinado para enfrentar quase qualquer tipo de situação, e estou acompanhado por Sally, então nos viramos bem, mas recomendo que você retorne a sua casa e não se aventure sozinho. Pode ser perigoso.

Sally apenas acompanhava o monologo de seu jovem companheiro. Duo falava, falava, e o desconhecido parecia nem mesmo prestar atenção. A admiração que tomava conta da face séria era um algo óbvio e evidente.

Enquanto 'ouvia' Duo falar, os olhos azuis percorriam todo o corpo do jovem a sua frente, tentando não demonstrar a irritação por ter sua visão quase oculta por uma capa negra inconveniente...

-Ei, rapaz, você está me ouvindo? Olláááááá...!

O tom de voz despeitado despertou Heero.

- Aa. Não precisava de ajuda.

- Desculpa, mas não foi o que pareceu, he, he. Bom, de qualquer maneira Sally e eu temos que ir. Cuidado, viu?

Heero ia responder, quando seus olhos perceberam algo que lhe causou surpresa: aquele belo rapaz trazia um cockpit em seu pescoço!

Sem pensar no que fazia, o príncipe estendeu a mão e segurou a medalha entre os dedos longos.

- Isso é...

Duo ficou tenso. Estariam diante de um inimigo, quem sabe um espião de Relena? Sally apertou o arco nas mãos, pronta para entrar em ação, caso fosse preciso.

- Cockpit! - foi a afirmação grave feita por Heero. - Quem é você, garoto?

Mais que depressa Duo puxou a corrente que levava no pescoço, arrancando o medalhão das mãos de Heero.

- Quem é você?! É algum soldadinho de Relena?! - o garoto de tranças achou melhor contra atacar com outra pergunta.

Ao ouvir o nome de um ser tão odiado Heero endureceu as feições. Era uma pessoa de pensamentos rápidos e ações mais rápidas ainda. Logo sua mente lógica lhe mostrou o óbvio. Se aquele garoto a sua frente tinha um cockpit era por uma única razão.

- Você é um guardião, não é?

-... - Duo perdeu a voz.

- Como sabe tanto, garoto?

Heero voltou-se para a loira que acompanhava o garoto de olhos ametistas.

- Não é evidente? Sou um guardião também.

Duo e Sally se entreolharam.

- Essa é boa. Quer que acreditemos que você é um dos guardiões elementais? Devo rir agora ou espero você terminar a piada? - Duo não resistiu a gracejar.

- Garoto. Conhecemos todos os cinco guardiões. Os MD da terra e do metal estão no RC 03. O MD do fogo está sob os cuidados de Treize Khushrenada, e o MD do ar está no Reino Colonial 01, protegido por...

- Heero Yui, o príncipe herdeiro.

Por um segundo nem Sally nem Duo falaram nada. Até que a conclusão daquilo penetrou na mente relutante de Duo.

- Você é Heero Yui?! Não pode ser!

- Sim. Sou Heero Yui. Quem são vocês?

- Sou Sally Po, major a serviço da União dos Reinos Coloniais pela Liberdade, atendendo ordens do coronel Treize. Este é Duo Maxwell, representante do RC 02, e guardião do MD da água.

- Água... sim, faz sentido, pelo medalhão azul.

- Mas se você é mesmo o príncipe, onde está o seu cockpit? E porque está andando sozinho por aí? Responde essa, senhor Yui.

Heero olhou para Duo, mas ao invés de se aborrecer, gostou de ser a atenção daquele jovem.

- Relena armou um golpe ousado: ela atacou o meu reino, e aproveitou a confusão para infiltrar um espião e roubar meu cockpit. Eu fugi do castelo para poder recuperá-lo, antes que Relena consiga descobrir o segredo para fazer o Móbile Dragon funcionar.

Sally considerou as possibilidades. Era uma sorte que Heero tivesse surgido em seus caminhos. Era intenção de Treize reunir os cinco pilotos Gundam, agora seria ainda mais fácil!

- O que acha de vir com a gente para o Reino Colonial 03?

Heero pensou por um instante. Aquilo iria desviá-lo de seu caminho. Mas por outro lado... prendeu as íris de azul cobalto em Duo...

- Podemos ajudar você a recuperar seu cockpit assim que nos reunirmos com os outros garotos. - insistiu a loira.

- Ei, é uma boa idéia. Pelo menos é melhor do que se você continuasse a andar a esmo por aí.

- Está bem.

Duo e Sally ficaram felizes por tamanha virada do destino. Porém Duo ficou satisfeito por motivos diversos. Algo no príncipe o atraía, e o deixava interessado...

- Ótimo. Então vamos logo. Os soldados de Relena estão alertas e vigiam tudo atentamente. Temos que ter cuidado.

Os garotos concordaram e se colocaram em marcha.

oOo

- Alto!

Trowa ergueu a mão e impediu o avanço dos outros integrantes da patrulha.

- O que foi, Trowa?

O garoto alto, de cabelos castanhos olhou para o seu jovem amante loiro. Quatre parecia muito preocupado, e não era pra menos.

- Veja.

Indicou alguns rastros a sua frente.

- São sinais de MD. Tem soldados de Relena por aqui. - Rashid deixou claro a situação para todos.

- Oh! Trowa, você acha que Sally conseguirá trazer o guardião da água até nós?

- Sim. Ela é muito boa no que faz. E nós vamos ajudá-la na medida do possível.

- Por isso espalhamos patrulhas por todos os caminhos. Para que quando forem localizados, tenham a devida cobertura. Serão levados ao esconderijo em segurança, jovem mestre, mas antes precisam cruzar a fronteira.

- Relena está agindo cada vez mais as claras. Está óbvio que quer dominar todos os reinos... tenho até medo de pensar no que ela fará se conseguir! Com certeza não trará a paz...

O jovem de cabelos castanhos observou seu amante em silêncio. Podia sentir o quão agitado e angustiado Quatre estava, e não tirava sua razão. O loirinho sempre se preocupava tanto...

- "A terra é a mãe de todos os seres. É acolhedora e cuidadosa. Sábia, aceita a qualquer um, sem distinção. Pode ser frágil, assim como firme e impenetrável, árida ou fértil. É o elemento que nos sustenta, e por ser tão generosa deve ser protegida." - Trowa recitou de maneira pensativa.

Quatre sorriu ao ouvir a frase. Sim, Terra era preocupada e protetora. Não podia evitar. Ainda sorrindo, o loirinho pegou seu cockpit na mão, e olhou a medalha marrom que levava no pescoço.

Trowa também tinha uma igual, porém em cor diferente. A do rapaz de franja era cinzenta.

- "Metal é impetuoso e pomposo, forte e mortal. É decidido e rígido. Não faz concessões e jamais se rende. É honesto, bravo, e sempre pronto para a luta. Pode ser cego, preciso, quente, frio, fundido ou sólido... mas nunca fraco." - foi a vez do loirinho murmurar.

Trowa corou ao ouvir o elogio. Eram opostos marcados pelo destino, mas se completavam perfeitamente.

Rashid percebeu o clima que se formava e respirou fundo.

- Terra e Metal. Juntos podem bloquear o ar, represar a água e abafar o fogo. Os outros elementos respeitam essa união. Mestre Quatre...

- Vamos voltar para casa. Está anoitecendo... não creio que Sally se arrisque tanto... por outro lado, devemos evitar um confronto com MD.

- Está certo, seria desastroso chamar a atenção de Relena sobre nós.

- Treize está vindo com o representante do fogo, e Sally com o guardião da água. Quando nós nos reunirmos, precisaremos apenas do príncipe herdeiro, o dono do MD do ar.

- Então poderemos enfrentar Relena e seus terríveis Móbile Dragon: Tallgeese, Vayeate e Mercurius. - apesar da determinação de Quatre, sua voz não soou muito convencida.

Trowa colocou a mão sobre o ombro do amante. Entendia que o loirinho não aprovava lutas, mas Relena não deixava opções. Seguia impondo sua vontade a todos os reinos, e tentando estender seu poder de maneira infinita.

Gente demais já perdera sua vida na guerra. E aquilo tinha que ter um fim.

oOo

A noite ia alta, quando Sally concordou em fazer uma parada. Duo jogou-se esgotado ao chão, enquanto Heero ia ajudar a major a recolher toda a lenha para preparar o jantar. Depois se sentou ao lado de Duo.

Os olhos azuis brilharam ao ver o cantil cheio de água preso a cintura de Duo. Só então Heero deu-se conta de que estava sedento.

- Quero água.

- Ora! E cadê as palavrinhas mágicas?

Sally riu baixinho de longe, apenas observando a cena.

Heero estreitou os olhos. De que palavras Duo poderia estar falando?

- "É uma ordem"?

O garoto de tranças quase engasgou ao ouvir a pergunta. Sally não resistiu. Desatou a rir muito.

- Claro que não! Passou longe!

- "Anda logo"?

Sally riu mais ainda. Heero era meio mimado, mas nem podia ser diferente, afinal, era o filho único do rei, um homem velho e sem esperanças de ter um herdeiro. O nascimento quase milagroso de Heero fora um acontecimento aclamado e festejado em todo o reino.

Com certeza crescera cheio de mimos, com todas as suas vontades feitas.

- As palavras mágicas são: "por favor"! - o outro perdeu a paciência.

-... - Heero pareceu perder o interesse pela água.

Resignado, Duo lançou o cantil para ele.

- Olha, 'alteza', é melhor que aprenda a ter bons modos. Aqui ninguém é seu criado não, viu?

Heero não respondeu. Bebeu um pouco da água e devolveu o cantil a Duo, que suspirou e ergueu as mãos para o céu.

- "De nada", príncipe mal educado!

Sally voltou a rir, e acabou recitando mais uma vez:

-"Ar... elemento que está em todo lugar. Cerca-nos, invisível e intocável. Mantém-se em constante movimento. É volúvel e impossível de segurar. O ar é espontâneo, errático e volátil. Aqueles que subestimam seu poder, que o façam sob seu próprio risco."

Ao fim da frase, tanto Heero quanto Duo olhavam fascinados para Sally. A descrição encaixava-se muito bem no príncipe herdeiro.

- O 'jantar' está pronto! - sorriu Sally, evitando qualquer outro comentário. Estendeu duas tigelas, uma para o príncipe e outra para Duo. - Comam vocês primeiro. Depois eu engulo alguma coisa.

Os pilotos aceitaram agradecidos. Então Duo murmurou uma prece em agradecimento e no instante seguinte praticamente atacou sua comida, devorando-a como se não comesse à dias... tal atitude impressionou o príncipe.

- Você não tem modos, garoto?

- Sim, é claro! - engoliu outro bocado do jantar - Mas já passei tanta fome nessa vida que quando tenho oportunidade tento encher minha barriguinha o máximo possível.

- Oh! - o garoto de olhos azul cobalto se surpreendeu mais uma vez. Percebeu que não conhecia nada daquele belo piloto a sua frente.

- Mas isso não significa que...

A frase de Duo foi cortada pela chegada inesperada de um soldado. O mesmo vinha armado com uma besta, e corria muito. Estacou ao perceber o improvisado acampamento.

- Vocês!

O inimigo ergueu a arma, mas antes que tivesse tempo de atirar, Heero abandonava seu alimento e lançava a espada contra seu peito, acertando-o em cheio.

Porém o soldado não vinha sozinho. Mais dois chegaram em seguida. Assim que viram o companheiro morto trataram de reagir. Um partiu para cima dos garotos, enquanto o outro tirava uma espécie de apito do bolso e começava a assoprá-lo com força, fazendo um som estridente, de longo alcance.

- Maldição!

Sally acertou-o com uma flechada na garganta, enquanto Duo erguia-se do chão soltando sua tigelinha e acertava o outro com seu cajado.

A loira voltou-se e agarrou a própria mochila, depois pisoteou a fogueira, apagando-a e jogando o restante do jantar do grupo longe.

- Vamos embora! Veja o emblema dos uniformes azuis: são soldados de Lady Une, a mulher que obedece todas as ordens de Relena. Precisamos fugir daqui!

- Lady Une?! - a preocupação de Duo estava visível na voz.

- A piloto do MD Vayeate... - Heero demonstrou que conhecia os integrantes das fileiras inimigas.

- Sim! Vamos rápido!

Os guardiões do ar e da água concordaram, e após pegar suas mochilas também saíram correndo.

Mas foi tarde demais. Podiam ouvir os sons de um grande exercito que se aproximava deles, também correndo. Pelo menos não pareciam estar usando Móbile Dragon, o que já era uma vantagem.

Sally, Heero e Duo corriam a toda velocidade que suas pernas permitiam, avançando pela floresta cerrada, quase inexplorada. Sendo guiados basicamente pelo instinto de sobrevivência.

- Ali! Uma caverna!

- Eu a conheço - afirmou Sally - Teremos uma chance!

Entraram no local escuro e meio apertado, avançando destemidamente, com Sally sempre a frente, até que chegaram ao fim do túnel. Alguma luz penetrava pelos vãos entre as pedras do teto, assim era possível enxergar razoavelmente bem.

- Mas o que é isso? Não tem saída?!

- Calma, Duo. Veja: é uma passagem secreta criada por nós, rebeldes.

A loira aproximou-se do paredão de pedras e deslizou a mão, encontrando quase imediatamente uma espécie de maçaneta.

- Sally, isso não vai nos dar muito tempo! Logo eles descobrirão a passagem secreta.

Antes que a major respondesse, ouviram o eco de muitos passos que avançavam pela caverna. Os inimigos já estavam ali.

Engolindo em seco, Sally Po pensou por um segundo. Foi quando uma idéia brilhou em sua mente. Era a hora de mais uma escolha. Rapidamente enfiou a mão no bolso e tirou um pedaço de pano rasgado.

Entregou a Duo.

- Guarde isso com você. Quando chegar ao Reino Colonial 03 procure por Trowa e Quatre, esse pano vai identificar vocês dois.

- Sally, o que quer dizer?! - a pergunta de Duo ecoou muito alta na caverna.

Sem responder, a major puxou a maçaneta e abriu a porta. Nem Duo nem Heero passaram pela mesma, fato que irritou Sally ao extremo, e ela não era mulher de perder a paciência por pouca coisa.

- O que estão esperando?! Querem morrer aqui?!

Empurrou os dois, que não reagiram a princípio. Os garotos agiram mecanicamente, cruzando a porta de pedra que escondia a passagem secreta. Sally não atravessou, como já era esperado inconscientemente pelos guardiões.

-Heero, por favor... cuide de Duo.

Os olhos tranqüilos sorriram para os garotos guardiões.

Antes que pudessem se dar conta, Duo e Heero viram a pesada porta ser empurrada, até se fechar, separando os dois de Sally Po.

- SALLY!! SAAALLLLYYYY! Abra essa porta!!

- Mulher de coragem.

Duo olhou para Heero, revelando os olhos marejados de lagrimas. Depois voltou a se concentrar no paredão, tentando descobrir qual o truque para abrir a porta.

oOo

Sally ouviu o 'clique' que indicava que a porta estava fechada. Pegou seu arco e uma flecha. Mirou na maçaneta de pedra e disparou, destruindo a única maneira de se abrir aquela passagem secreta, e garantindo assim, a segurança de Heero e Duo.

Sabia que estava arriscando a vida, mas era um soldado, e não temia os riscos. Daria a vida pela causa, pela crença de que fazia o certo para garantir a paz.

Sua única tristeza era pensar que nunca mais o veria...

- Não vou vê-lo outra vez! Não vou vê-lo outra vez! Não vou...

Apertou os olhos com força. Seria aquela a hora por se arrepender de suas escolhas?! De jeito nenhum! Não era mulher de amargar uma decisão. Nem mesmo as escolhas erradas...

Os ecos se aproximavam. Em segundos os inimigos estariam ali.

- "Fogo... impetuoso, quente e mortal... quando fora de controle..."

Pegou uma flecha, e mirou o arco contra a curva que dava acesso ao local onde estava. Disparou antes mesmo de vislumbrar a pessoa que avançava.

- Ahhhhhhhhh!

Um inimigo tombou. Sally era dona de uma mira invejável.

- "... sua fúria devasta até consumir a si mesmo. Mas quando é domado..."

Outra flecha disparada, mais um inimigo que tombou.

- "... o Fogo é uma força formidável... combate as trevas e o frio. Sozinho..."

Duas flechas, dois inimigos que tombaram. Porém eram mais inimigos do que as flechas que possuía. Um, dois, três começaram a se aproximar antes que tivesse tempo de arrumar mais flechas.

- "...é deletério até para si mesmo. Quando se une a outros elementos..."

Deixou o arco cair. Suas flechas tinham se esgotado.

- "... tem as forças para conquistar mundos."

A primeira flechada atingiu Sally no ombro. A segunda varou-lhe as costelas e a terceira acertou-lhe a coxa direita. Com os olhos lacrimejando, a major olhou para o alto, fixando as íris numa fresta, por onde a luz da lua penetrava.

- O fogo foi domado...

"E nunca mais poderei vê-lo... Chang..." foi o pensamento final que teve, antes da flecha mortal que lhe varou o peito.

- Alto!

Lady Une ergueu a mão impedindo que mais algum soldado disparasse contra a loira que tombava de costas no chão. Suspirando, a inimiga avançou até estar perto o bastante da major.

- Bravo, Sally. Um soldado até o fim. Você merece meu respeito. Com esse sacrifício conseguiu mais alguns dias para o guardião da água. Mas... o que pode fazer um garoto sozinho nesse mundo em guerra?

Ambas as mulheres se encararam. Nas íris de Sally brilhava a frieza solitária da morte, enquanto nos olhos impetuosos de Lady Une se refletia a frieza de uma vitória impessoal, desprovida de adornos.

-... foi... do... mado... Cha... ng...

Sem entender a voz murmurada, Lady Une armou o arco com uma afiada flecha, e mirou a ponta mortal contra o pescoço de Sally Po. Quando ia disparar, notou o filete de sangue que escorria pelo queixo da loira, e a maneira como se apagavam os olhos antes tão vivazes.

Abaixou o arco e suspirou. Usar aquela flecha seria um desperdício. A major já estava morta. Em seguida Lady Une percebeu que a 'maçaneta' da passagem fora quebrada. Com certeza Sally pensara em tudo... ou melhor: quase tudo.

- Vamos embora! O guardião da água está sozinho, ele não poderá ir muito longe!

Relena já tinha o cockpit do ar, e apesar de não saber como despertar o MD, seria apenas questão de tempo, até que descobrisse. Se Lady Une levasse o cockpit da água... a princesa do reino de Sank seria invencível, mesmo que os outros três Gundam se unissem.

- A vitória está muito próxima!

E gargalhou já saboreando o fim daquela guerra.

oOo

- Duo temos que ir!

O garoto de olhos violetas ignorou a lógica contida na afirmação de Heero. Ainda tentava encontrar um modo de abrir aquela porta, mas parecia impossível. Desanimado, Duo deixou o corpo escorregar até cair de joelhos no chão frio e úmido.

- Sinto muito, Sally.

A espessa parede de pedra não permitia que nenhum som chegasse ao dois garotos, então era impossível descobrir o que acontecia. A dedução tinha que ser algo derivado da lógica, mesmo que fria e dolorosa: a major não seria páreo para tantos soldados!

- Não foi sua culpa, não foi nossa culpa. - o guardião do ar tentou incutir algum ânimo ao companheiro.

- Eu sei! Não estou nos culpando por isso. Sally era uma mulher de fibra. Ela fez uma escolha...

- E então...? - a dúvida brilhou nas íris azul cobalto. Não entendia aquele jovem a sua frente.

- Droga! Se eu fosse mais forte... ou se soubesse como usar essa droga de cockpit!

- Duo... não é hora de se desesperar.

Duo abaixou a cabeça. Nunca se sentira tão inútil em toda a sua vida! Como queria ter o poder de mudar as coisas que aconteciam ao seu redor. Como queria proteger as pessoas que amava!

Perdendo a pouca paciência que ainda tinha, Heero avançou e segurou no braço de Duo, obrigando-o a se colocar em pé.

- Não podemos perder tempo aqui. Temos que chegar ao Reino Colonial 03, ou o sacrifício de Sally Po será em vão.

Duo não respondeu, apenas deixou-se ser arrastado, seguindo na única direção possível, ou seja, em frente.

Os guardiões caminharam por horas, antes de encontrar a saída da caverna. A madrugada ia alto, anunciando para logo um belo alvorecer.

Cheio de precaução, Heero observou o local. Saíram em um descampado que se perdia no horizonte, mas era cortado por um largo e profundo rio.

- Estaremos a descoberto nesse campo.

- O que faremos agora? - Duo não queria se desesperar, mas era difícil - Não temos um mapa, perdemos nossa guia... sabe, eu nunca sai do Reino Colonial 02...

Heero apertou os lábios. Ele também não tinha experiência fora do castelo, mas recebera todo o treinamento necessário para que sobrevivesse em todas as situações. Sua mente lógica lhe disse que precisava apenas unir seus instintos à mente dedutiva, e tudo ficaria bem. Teoricamente era um 'soldado perfeito'...

Mas no momento a prioridade era outra. Podia ver que seu companheiro estava exausto, e ele próprio chegava ao limite. Se desmaiassem de exaustão poderiam se por em perigo.

- Vamos descansar um pouco.

Os olhos violetas brilharam profundamente ao ouvir a quase ordem. Nem hesitou em obedecer.

Caminharam até a margem do rio, e sentaram-se sobre a grama macia. Heero notou quando Duo fungou e secou uma lágrima que lhe escorreu pela face. Não se surpreendeu ao se ver tomado por curiosidade em saber tudo o que se relacionava com aquele garoto.

- Você e a major Sally se conheciam a muito tempo?

Duo piscou e respirou fundo. As íris violeta prenderam-se nas de azul cobalto requisitando toda a atenção para si. E Heero não fez questão nenhuma de desviar os olhos.

- Bom, nós nos conhecemos a uns dois anos. Ela recebeu a missão de encontrar o guardião da água... esse medalhão está comigo desde que nasci.

- É herança de família?

- Não sei... - deu de ombros - sou órfão, não conheci meus pais. Foi o clérigo Maxwell que me criou e me disse que encontrou o cockpit no meu pescoço. Ele achava que minha mãe deixou comigo.

- Oh, e como Sally te localizou?

- Ora, eu nem imaginava pra que servia isso. Nunca foi preciso usar os Gundam, até que Relena assumiu o trono de Sank e decidiu que queria o poder sobre todos os reinos... claro que houve resistência. Foi então que os rebeldes decidiram que os Móbile Dragon seriam a solução.

- Sim, Relena na verdade destruiu a paz.

- E de toda a confusão se despertou um interesse sobre os Gundam. Eu também queria saber o que era isso, e descobri um livro que ilustrava e descrevia os cockpit.

- Ah.

- Sally Po visitava a mesma biblioteca que eu, e usava os mesmos livros. Logo percebemos que estávamos atrás de algo em comum. Difícil foi saber se ela estava do meu lado ou... do lado de Relena. Decidi seguir meu coração.

- Eu não a conheci tempo bastante, mas sei que era uma grande mulher.

- Se era. Acreditava e lutava com todas as forças na possibilidade de recuperarmos a paz, se Relena for impedida.

- E isso será possível apenas com os Gundam.

Duo balançou a cabeça concordando. De repente sentia-se muito a vontade na companhia de Heero. Era tão bom ter alguém que o escutava não apenas porque era um dos guardiões, mas porque tinha interesse mesmo.

Heero também se sentia bem. Era diferente de tudo o mais, dar atenção a alguém, ao invés de ser o centro das atenções de todos. E era isso o que acontecia em seu reino, era sempre a 'atração principal' onde quer que fosse.

E estava cansado daquilo! Gostava muito mais de ouvir e ver, e ficar ao lado de Duo lhe dava essa satisfação.

- Não podemos ficar aqui para sempre, não é? - Duo indagou de forma desanimada.

- Não. Creio que Lady Une está por aí, atrás de nós.

- Atrás de mim. Ela não deve saber que você se uniu a nós. Será que já descobriram sua fuga, príncipe Heero?

O garoto de cabelos curtos apertou os lábios. Era quase certo que já tivesse sido descoberto. E isso era irritante.

- Deixe isso pra lá. Temos que chegar ao Reino Colonial 03 o quanto antes. Lá você estará em segurança, e então poderemos pensar em algo para recuperar o meu cockpit.

- Tenho certeza de que Trowa e Quatre vão nos ajudar!

- Você os conhece?

- Hum, não pessoalmente - Duo sorriu - Mas já troquei algumas cartas com Quatre, e ele é um bom rapaz. E é o guardião da terra. Trowa é o dono do MD do metal.

- Fica faltando só o do fogo.

- Oh!

Aquela exclamação chamou a atenção de Heero.

- O que foi?

Duo desviou os olhos e começou a arrancar pequenos tufos de grama do chão, de maneira pensativa.

- Sally era muito... reticente sobre esse piloto. Só dizia que estava sob proteção direta de Treize Khushrenada, e sempre ficava muito triste quando pensava nele...

- Estranho...

Duo suspirou e olhou para o céu estrelado.

- É... mas, o que faremos agora? Não temos um mapa... como acharemos o caminho?

Então Heero levantou a mão e apontou para uma constelação.

- Vê aquelas estrelas? São Virgo, e elas marcam o extremo leste dos reinos. Se a seguirmos chegaremos a fronteira com o Reino Colonial 03. Podemos seguir o leito do rio enquanto isso.

- Puxa, como você sabe tanto?!

- Eu estudei.

Duo sorriu e fechou os olhos. Gostava mesmo da companhia de Heero, e sentia como se fossem amigos a bastante tempo. Por sua vez, o príncipe perdeu o fôlego diante daquela visão. Duo já era lindo demais, porém quando sorria daquela maneira... céus! Era indescritível.

Que sentimento seria aquele que tomava conta de seu coração? Por que sentia aquela necessidade de proteger o outro a todo custo, de garantir que chegaria em segurança ao seu destino? Nem o conhecia direito. Fazia apenas algumas horas que o encontrara pela primeira vez...

Não... seu coração dizia algo diferente: aquele era um encontro predestinado pelas estrelas. Não foram guiados ali por puro acaso.

Duo abriu os olhos e flagrou Heero a admirá-lo em silêncio, com os olhos azuis brilhando intensamente. Um clima profundo tomou conta de ambos, enquanto apenas se fitavam, embevecidos com a situação de certo modo íntima e nunca vivida antes, por nenhum dos dois.

- Eu... - Duo começou a dizer, porém calou-se ao sentir um abalo sísmico muito leve. A Terra tremera suavemente.

Heero franziu as sobrancelhas, estranhando o fato. Quando sentiu um segundo abalo, não tão leve, o príncipe pôs-se em pé com um salto.

- Inferno!

Duo assustou-se com a reação tão irritada.

- O que foi?

- Não sentiu isso?

Um terceiro abalo sacudiu as redondezas como um pequeno terremoto. Então se seguiu um som estarrecedor e assustador. O jovem de tranças arrepiou-se e estremeceu.

- Heero! É um Móbile Dragon! Lady Une está usando um MD para nos caçar!

O príncipe balançou a cabeça. Aquela mulher era muito mais louca do que tinha julgado a princípio! Sem perder mais tempo estendeu a mão, indicando que Duo devia segurá-la.

- Vamos. Não permitirei que ela se aproxime de você!

O outro não disse nada. Apenas entrelaçou os dedos nos de Heero e deixou-se ser erguido. Heero lançou um último olhar em direção a caverna para iniciar uma desatada corrida.

Tinham que se afastar dali o quanto antes. Não teriam chances se fossem alcançados por um MD, ainda mais se fosse o cruel Vayeate, o MD prateado de Lady Une, famoso por sua especialidade em táticas de ataque...

- Estamos ferrados! - Duo lamentou baixinho.

- Duo, confie em mim! Lady Une não vai nos pegar.

Alguma coisa na voz de Heero fez Duo se sentir confiante. Talvez fosse algo que o príncipe conseguisse naturalmente, mas ele podia fazer Duo acreditar que tudo ficaria realmente bem.

Os dois guardiões corriam na beira do rio, tendo consciência que estavam desprotegidos naquele campo, ainda mais em noite de lua cheia, mas não podiam fazer nada. Apenas correr e correr, e torcer para que Lady Une e seus soldados guiassem o Móbile Dragon para outra direção.

Um som ainda mais alto, seguido de um tremor quase violento indicou aos fugitivos que os inimigos estavam mais próximos.

Na ânsia de correr ainda mais rápido, Duo tropeçou nos próprios pés, e o garoto acabou se desequilibrando e caindo em direção ao rio.

Heero sentiu quando os dedos do companheiro se desenroscaram dos seus. Um medo frio correu por sua espinha ao ouvir o som de algo mergulhando nas águas frias daquele grande e profundo rio.

- DUO!!

O outro se agitou e emergiu, tentando vencer a correnteza selvagem que sacudia as águas escuras.

Heero não temeu que ele se afogasse, afinal Duo era o guardião da água, e devia saber nadar tão bem quanto um peixinho... o que assustou o príncipe foi o pensamento de que podiam ser separados por aquele rio!

Não queria se separar de Duo!

Sem pensar duas vezes, o príncipe mergulhou atrás do companheiro, e em poucas braçadas chegava ao meio do rio, alcançando Duo.

- Heero...!

- Está tudo bem... deixe a correnteza nos levar.

Duo ficou agradavelmente surpreso quando sentiu uma das mãos de Heero segurando sua cintura por dentro das águas frias, enquanto a outra tentava mantê-los na superfície.

- Sinto muito...

Heero apenas balançou a cabeça. Não choraria sobre o leite derramado. Deviam apenas seguir a correnteza. E na verdade aquilo lhes afastaria de Lady Une e seu MD por algum tempo...

oOo

Quatre abriu os olhos e ficou observando o teto do quarto do amante. Estava com um mau pressentimento, e não conseguia dormir.

Suavemente virou-se sobre o colchão, deitando-se de lado, de maneira a observar a face adormecida de Trowa. O rosto dele parecia tão sereno, tão tranqüilo...

O loirinho segurou um suspiro. Suas vidas seguiam perfeitas e em ordem, até que Relena resolvera se erguer e espalhar aquele domínio de tirania. Por causa dela, precisariam lutar e se colocar em perigo.

Porém até isso Quatre poderia relevar. O que nunca perdoaria seriam todas as vidas tiradas, todas as pessoas inocentes, simples civis, enfim, todas as mortes que Relena causara em nome de uma falsa paz.

- Se você continuar me olhando assim eu não vou conseguir dormir... o que houve, Quatre?

O loirinho se assustou ao descobrir que seu amante não estava adormecido, e sentira-se profundamente observado. Acabou corando por esse flagra, encarando os olhos verdes profundos do rapaz de franja.

- O que foi, teve um pesadelo?

A voz gentil de Trowa fez Quatre relaxar instintivamente.

- Nada. Estou preocupado com Sally. E com Duo, é claro. Apesar de não conhecê-lo pessoalmente, sei que é um bom rapaz, e me assusta que os dois possam estar na mira de Relena.

- Ora, se preocupar assim faz parte de sua natureza, e não vou condená-lo. Se não consegue dormir, vamos conversar.

Quatre sorriu docemente, ao ouvir a proposta. Seu amante era mesmo extremamente maduro e compreensivo.

Mas antes que continuassem falando, batidas urgentes se fizeram ouvir a porta do quarto de Trowa.

- Mestre Quatre... - a voz de Rashid estava tensa - desculpe por despertá-los mas... creio que aconteceu algo urgente.

Tanto Quatre quanto Trowa empalideceram terrivelmente.

- Obrigado, Rashid. Já estamos indo.

- Esperamos na sala azul.

Imediatamente trocaram de roupa e saíram do aposento, indo em direção ao salão de visitas azul. Quando entrou no local, Quatre suspirou e fechou os olhos, sentindo-se intensamente aliviado. No local estava Treize Khushrenada, sentado em uma das poltronas. O coronel da União dos Reinos Coloniais pela Liberdade fez questão de se levantar, mas Quatre impediu com um gesto de mão.

- Seja bem vindo, coronel Khushrenada.

- Pode me chamar de Treize, meu amigo. Deixemos as formalidades de lado, pois não se trata de uma reunião entre soldados, e sim entre amigos.

O loirinho sorriu e balançou a cabeça.

- Trowa, vejo que está bem.

Trowa respondeu ao cumprimento do major com um leve balançar de cabeça.

- Quatre, Trowa, quero que conheçam Chang Wufei, guardião do Móbile Dragon do fogo.

Só então os amantes notaram a presença de uma outra pessoa. Tratava-se de um rapaz dono de feições sérias e fechadas. Tinha olhos negros enviesados e cabelos lisos e negros pelos ombros, presos num rabo de cavalo baixo. Estava com braços cruzados a altura do peito, e não parecia muito amigável.

- Prazer... - o loirinho disse em seu tom mais gentil.

- Chang, esses são Trowa Barton, proprietário do maior circo do Reino Colonial 03 e protetor do MD do metal. E Quatre Raberba Winner, filho do imperador do RC 04 e guardião do MD da terra.

Wufei desencostou-se da parede e acenou com a cabeça, num cumprimento extremamente formal.

- Chang Wufei é um dos melhores mercenários do Reino Colonial 05 e devo dizer que foi difícil... convencê-lo a se unir a nós. Felizmente ele está do nosso lado agora.

Quatre e Trowa acabaram por ir sentar-se no sofá à frente de Treize.

- Alguma notícia da major Sally, meus amigos?

- Não. - a voz de Trowa soou séria.

- Ela ainda não chegou com Duo Maxwell. Fazemos patrulhas todos os dias tentando localizá-los próximos a fronteira, mas nosso esforço é em vão. Espero que não tenha acontecido nada a eles...

- Não se preocupe. Sally Po é um dos meus melhores soldados. Se alguém pode trazer Maxwell em segurança, esse alguém é a major.

- E você, além de Wufei, tem alguma novidade?

Treize encarou Trowa e passou a mão pelo cabelo castanho.

- Na verdade tenho sim. O Reino Colonial 01 sofreu um ataque e minhas fontes afirmam que o cockpit do ar foi roubado.

A informação pegou aos amantes de surpresa.

- Um ataque?

- Isso mesmo, Quatre. É claro que Relena usou de um inteligente ardil: afirmou formalmente que estava perseguindo rebeldes, e que o conflito foi necessário, apesar de lamentável. Com essa nota aos governantes dos outros reinos, ficamos de mãos atadas.

- Isso não é bom... - murmurou Trowa.

- Em contra partida, ela espalhou seus MD pelos reinos, com a desculpa de que irá encontrar os rebeldes que conseguiram fugir e que foram os 'culpados' pela destruição da capital do Reino Colonial 01.

- Que dissimulada!

A revolta do loirinho foi muito grande, ao perceber o quão hipócrita Relena podia ser.

- E isso não é tudo. Relena enviou Lady Une e o MD Vayeate para o Reino Colonial 02 e mandou a comandante Noin e seu MD Mercurius para cá.

- Oh! Que abuso! Trowa...

Porém o rapaz de olhos verdes apenas apertou os lábios e cerrou os punhos. Apesar de se enfurecer com tal ousadia, ele não podia se precipitar e colocar seu amante e seus amigos em perigo. Tinha de ser paciente e esperar que todos os Gundam estivessem reunidos, o que parecia se complicar, visto que Relena estava com um dos cockpit em suas mãos.

- Treize, o que o príncipe herdeiro fez a respeito do roubo de seu cockpit?

Treize deu de ombros.

- Não sabemos. O caos é tão grande que ainda não conseguimos descobrir que atitudes Heero Yui tomou.

- Oh, e o que nós faremos?

- Temos três dos cinco Gundam. Proponho um ataque frontal.

A sugestão foi dada por Chang Wufei. Mas Treize a descartou logo de inicio.

- Seria arriscado. Os Gundam são fortes, mas não podemos esquecer de Vayeate, Mercurius e Tallgeese. Três Móbile Dragon formidáveis.

- O melhor é esperar Sally chegar com Duo, não é? - Quatre faria todo o possível para protelar a luta e garantir a segurança de seus amigos por todo o tempo que conseguisse.

- Tsc.

Wufei resmungou e afastou-se da sala, indo em direção ao local que sabia ficar a varanda da frente. Treize acompanhou a manifestação de rebeldia e sorriu de modo suave.

- Ele é meio cabeça dura, mas é um bom garoto.

Trowa e Quatre se entreolharam, estranhando a maneira gentil com que o coronel descrevia o guardião do fogo. No entanto resolveram não comentar nada.

- Eu gostaria de fazer parte de uma das patrulhas amanhã.

- Claro! - o loirinho assentiu- Toda ajuda é bem vinda. Mas acho que devem descansar agora. Sairemos cedo pela manhã.

Treize concordou balançando a cabeça. Quanto antes tivessem notícias de Sally Po, melhor.

Embora nenhum dos três dissesse algo, eles estavam bem preocupados, com a falta de novidades a respeito da major.

oOo

O primeiro a sentir a mudança sutil na correnteza do rio foi Duo Maxwell. Talvez ele sentisse porque era o guardião da água, e tinha muita afinidade com o precioso líquido.

Assustado, o jovem de tranças ergueu a cabeça fitando Heero, e então sua preocupação apenas aumentou. O príncipe tinha os olhos semi cerrados e os lábios entreabertos. Parecia realmente cansado, e não era pra menos: haviam fugido por muito tempo, depois de ter caído naquele rio a horas atrás, e era Heero quem sustentava o corpo de ambos, esforçando-se para lutar contra a correnteza.

Correnteza que começava a aumentar gradativamente, correndo cada vez mais rápido... e isso só podia significar uma coisa... que era confirmada pelo barulho de uma queda d'água...

- Cachoeira...

- Hum?

- Heero, acho que estamos seguindo para uma cachoeira.

O príncipe arregalou os olhos azuis.

- Tem certeza?

- Claro! E o pior é que já fomos pegos pela corrente principal. Não vamos escapar!

Apesar dessa afirmação, ambos começaram a dar braçadas vigorosas, tentando sair das águas perigosas, mas foi inútil. Resignado, Heero aproximou-se novamente de Duo e segurou fortemente nas mãos dele.

- O que quer que aconteça, não solte a minha mão, entendeu, Duo?

O jovem de tranças balançou a cabeça. Podiam perceber nitidamente que a velocidade do rio aumentava assustadoramente, assim como aumentava o barulho de águas despencando.

- Céus! - o guardião da água implorou intimamente que não fosse uma cachoeira muito grande... ou que não houvessem pedras!

- Vai ficar tudo bem!

Foi a última coisa que Heero disse, antes que os dois fossem engolidos pelas águas revoltas do rio, que os lançava de modo nefasto para a cachoeira que surgia a poucos metros.

Duo e Heero foram tragados, mergulhando e emergindo várias vezes. No entanto sentiram terror apenas quando se separaram, empurrados para lados opostos, tal a força das águas, tendo suas mãos desenlaçadas.

- HHHEEEERRROOO!

Engolindo um tanto de água, Duo viu que Heero era o primeiro a ser jogado queda abaixo, sem poder fazer nada para impedir. Seu corpo também foi sugado, sendo lançado junto com milhares de litros de água cachoeira abaixo.

Felizmente não era uma queda muito alta, e não havia pedras no leito do rio.

Meio atordoado, Duo emergiu, respirando fundo e tentando cuspir água. Apesar de ter engolido muito liquido, estava bem.

Os olhos violetas vasculharam o local, preocupados em encontrar Heero. Com grande alívio notou o companheiro tentando segurar-se a alguma vegetação que crescia na margem do rio, fazendo um esforço para ficar acima do nível da água.

Imediatamente Duo nadou até Heero, ajudando-o a se manter a salvo.

- Você está bem, Heero?

- Sim... - a voz soou baixa e cansada.

- Não é o que parece. - Duo se preocupou de verdade.

Ajudou Heero a sair da água, e depois içou-se para fora. Ambos deixaram os corpos exaustos caírem na grama verdinha, e respiraram fundo, tentando recuperar o fôlego. O rio seguia beirando uma densa floresta. Pelo menos não estariam tão a descoberto assim, daqui pra frente.

Algum tempo depois Duo virou-se e olhou para Heero. O dia começava a amanhecer, mas pelo visto não faria sol. Poderiam aproveitar muito o tempo fresco e avançar em direção ao Reino Colonial 03.

Porém Heero mantinha os olhos fechados e os lábios entreabertos. Ainda parecia cansado. Duo estranhou o rubor que cobria as faces do príncipe.

Intrigado, estendeu a mão e tocou o rosto do jovem de cabelos negros. Afastou os dedos quase no mesmo instante.

Heero estava queimando em febre!

- Céus!

Com cuidado, o garoto de tranças puxou o corpo do companheiro até embaixo de uma frondosa árvore. Só então prestou mais atenção e viu que era um cedro.

- RC 03... - o alívio de Duo foi imenso.

O terceiro reino era conhecido por suas inúmeras florestas de cedros, que formavam sua característica mais marcante, junto é claro, com as produtivas minas de ouro e vários metais preciosos. Era uma terra rica.

Isso os deixava mais próximos de Quatre e Trowa!

Porém a preocupação de Duo era outra. Heero.

Tocou a face do príncipe com cuidado, verificando que o garoto ainda estava com febre. E não era pra menos, depois de toda aquela agitação!

Duo era um garoto duro, crescera órfão, e tivera que lutar pela sobrevivência até ser acolhido pelo clérigo Maxwell. E a vida nas ruas lhe deixara forte e resistente. Já Heero, por sua vez, crescera num castelo, cercado por todos os cuidados possíveis e imagináveis. Mesmo que soubesse toda a teoria, na prática as coisas se mostravam diferentes.

Todo o tempo arrastados pelas águas frias fora minando as defesas do corpo de Heero, e ele sucumbira.

Pensar isso não aliviava a angústia de Duo em nada. Afinal, não tinha como trocar as roupas encharcadas por outras mais secas, não possuía nada que aquecesse o príncipe, além de sua capa, mas o tecido negro também estava molhado.

Não tinha como fazer fogo.

Duo sentiu-se novamente um inútil. Estava com as mãos amarradas!

Desanimado, colocou a cabeça de Heero sobre suas pernas e começou a deslizar as mãos sobre os cabelos negros.

- Sinto muito...

Heero arfou, parecendo ter dificuldades em respirar.

- Droga!

O garoto de tranças não entendia porque seu coração batia daquele jeito tão descompassado, e porque sua garganta parecia ter um nó. Estava preocupado, realmente preocupado.

Sentira-se tão bem ao lado de Heero, e mesmo o conhecendo a pouco mais de um dia, já se julgava mais que íntimo dele. Na verdade era o seu jeito. Quando se dava bem com alguém, e gostava de verdade dessa pessoa, não media esforços em fazer tudo por ela.

Mas com Heero ainda era um pouco diferente. Jamais se sentira daquele jeito antes.

O príncipe mexia com seu coração de uma maneira peculiar.

"Amor carmesim"...

O jovem de olhos violetas lembrou-se das palavras de Sally Po. Fora assim que ela se referira ao sentimento que tinha por Chang Wufei, o piloto do MD do fogo. A loira sempre fora reticente ao falar sobre o garoto, e nunca revelava muita coisa, apenas isso:

"Uma vez na vida, encontramos um amor que é tão único e especial, que nos marca para sempre. Eu o chamo de amor carmesim, pois é um sinal rubro em nossa alma."

Ela garantira que todos tinham direito a esse amor, e ele entraria em nossas vidas mais cedo ou mais tarde.

"O amor mais forte chega sem aviso. É suave como uma pétala e sutil como um suspiro. Só nos damos conta quando é tarde demais, e ele está enraizado em nosso coração."

- Amor carmesim... poderia ser...?

Deslizou a mão pelos fios negros e úmidos, passando suavemente pela tez macia da face do príncipe. Distraidamente contornou os lábios finos com a ponta dos dedos, numa carícia íntima, que nunca fizera em outra pessoa. Heero era bonito, muito bonito mesmo.

Não podia negar que ficava feliz. Apesar de conhecer Heero a tão pouco tempo, seu coração lhe dizia que o jovem era a escolha acertada. E nunca se enganava em seu instinto tão apurado.

- Heero Yui... o que será que você sente...?

Foi então que o sangue gelou nas veias de Duo. Sentira um abalo sísmico muito de leve, semelhante ao sentido por ambos durante a fuga antes de caírem no rio. Era com certeza causado por um Móbile Dragon!

Com a boca seca, Duo fitou Heero. O que faria agora?

Desesperado moveu-se, tirando o príncipe de seu colo, e colocou-se em pé.

- Heero, você pode me ouvir?

O outro não respondeu.

- Você tem que ser forte, temos que sair daqui!

Passou um dos braços do jovem de cabelos negros por seu ombro, e apoiando-o começou a se afastar, praticamente arrastando Heero, que não tinha forças para se mover.

O príncipe apoiava todo o peso do seu corpo em Duo, e isso dificultava bastante a caminhada.

Após alguns metros, Duo viu que não poderia continuar 'arrastando' Heero pelo caminho. Pois além de cansar-se rápido, ainda poderia enfraquecer ainda mais o príncipe. Ele precisava descansar para recuperar-se!

Em contra partida, outro abalo tremeu o chão. Ainda era fraco, com certeza a pessoa que pilotava o MD estava longe mas não seria assim por muito tempo...

Desesperado, Duo passou a mão pela face. O que faria agora? Queria muito proteger aquele príncipe, que estava indefeso em suas mãos. Como poderia fazer isso?

Os olhos violetas varreram o local, tentando encontrar uma vala, ou algum esconderijo apropriado. Não havia nada do tipo, além de algumas moitas, mas não seria suficiente, se Lady Une e seu MD surgissem por ali. A não ser que...

- Ter e proteger.

Esse era o lema de Sally Po. E Duo entendia finalmente o significado das três palavras. Por um segundo quisera ter Heero Yui, quisera compartilhar algo com ele, e agora que esse sentimento estava ameaçado, Duo queria protegê-lo a todo custo, mesmo arriscando sua própria vida.

Decidido, o garoto de tranças continuou trazendo Heero até uma das moitas, a que parecia oferecer maior proteção. Com cuidado deitou-o entre a folhagem, depois cobriu-o com a capa negra, mesmo ela estando molhada.

Colocou a mão no bolso e tirou o emblema que Sally lhe dera.

- Isso vai ajudar você a ser identificado... eu espero.

Duo depositou o pano sobre a capa. Deu uma longa olhada para a face febril de Heero.

Quase se sentiu um verme, por abandonar o príncipe ali, indefeso, mas um dos dois precisava sair a salvo dali. E Duo era o único que podia criar uma distração adequada naquele momento.

- Espero que isso chame a atenção não apenas de Lady Une, mas de Quatre também...

Finalizou fechando as folhas da moita, de modo a esconder o corpo de Heero completamente.

- Muito bem, Relena. É hora de ver do que os rebeldes são capazes.

Deu meia volta e começou a correr em direção de onde viera o abalo sísmico. Evitava pensar em todos os riscos que corria naquele momento. Sua vida não era importante, nada era importante, apenas ter a certeza de que Heero ficaria bem!

Duo faria qualquer coisa para protegê-lo!

A medida que avançava, podia sentir os tremores aumentarem consideravelmente.

- É agora!

Parou de correr e pegou seu cockpit na mão. Olhou demoradamente para a medalha azul.

- Muito bem, Gundam... não sei como você é, nem como ativar esse cockpit, mas por favor... ouça o meu pedido...

Um relâmpago rasgou o céu da manhã, clareando entre as densas nuvens. Uma chuva começou a cair sem qualquer aviso. Isso desviou a atenção de Duo um segundo. Seu coração se apertou de tristeza ao imaginar Heero escondido entre aquelas moitas, indefeso no meio da chuva! Um nó se formou em sua garganta. O príncipe estava febril, e aquela chuva fora de hora poderia fazê-lo piorar!

Sem agüentar mais, o garoto de olhos violetas caiu de joelhos no chão, já se pondo a chorar dolorosamente.

- Por favor... eu preciso de você... me ajude a proteger as pessoas que amo...

O choro se transformou em soluços, quando a sensação de inutilidade aumentou a ponto de ameaçar esmagar seu pobre coração.

Foi quando um segundo relâmpago cortou o céu, e Duo começou a sentir uma agradável sensação de calor envolvendo seu corpo.

- O que...?

Havia uma voz, que parecia falar diretamente a sua alma, e chamava o seu nome.

- Quem é você...? Seria meu Gundam...? (2)

Silêncio. Apesar disso Duo ouviu a resposta em seu coração. O MD lendário ouvira suas preces, e estava vindo até ele.

- Entendo... você me propõe um pacto. Eu aceito. A partir de hoje o meu coração será o seu coração. Obrigado por me achar digno. É um prazer conhecê-lo, Deathscythe.

O terceiro relâmpago rasgou os céus, e enquanto um potente trovão ressoava, um gigante surgiu nos céus.

Continua...


(1) -.-" Pokebola então? Sei...

(2) u-u" Olha, ta virando Rayearth... que coisa...