Título: Crimson Love
Ficwriter: Kaline Bogard
Classificação: yaoi, AU, aventura
Pares: 1x2
Resumo: Uma tirana se ergue e ameaça a paz... apenas os pilotos lendários serão capazes de despertar os MDs elementais e salvar os Reinos Coloniais.
Aviso: Essa fic participou do Contest "Um Novo Amor", e vou dedicá-la a Evil Kitsune, pois se não fosse essa garota, eu não teria participado do concurso! B-jos, mestra!!


"Não há algo mais fácil que mudar a opinião de alguém
Entretanto ninguém pode impedir o amor...
...de se tornar cada vez mais profundo...
Se a fascinação é uma alegria...
... seria a ruína outro fascínio?"

Crimson Love
Kaline Bogard

CAPITULO II

- Não entendo o porque disso.

Noin reclamou pra si mesma. Preferia estar ao lado de Zechs, defendendo o reino de Sank, não naquela fronteira esquecida do mundo. Mesmo Lady Une, estava caçando a major Sally e o piloto do MD da água, então porque ela tinha de ficar rodeando a fronteira do Reino Colonial 03? Nada acontecia por ali. Era uma floresta de cedros habitada exclusivamente por animais.

- Pra melhorar tudo, ainda chove!

Suspirando, observou os soldados que se moviam de um lado para o outro. Procurando algo que fosse suspeito. Em algum tempo chegariam ao rio que servia de divisa entre os Reinos Coloniais 02 e 03. A comandante vinha fazendo essa patrulha a dois dias, desde antes do ataque secreto de Relena, e nunca encontrava nada.

Não acreditava ser diferente dessa vez.

- Comandante Noin!!

O chamado de um dos soldados a surpreendeu. Sentiu um abalo sísmico forte, mas não se preocupou. Com certeza era seu Móbile Dragon Mercurius.

- O que foi?

- Ataqueeeeee!!

A comandante arregalou os olhos. Como assim 'ataque'?

Em resposta ao pensamento confuso, um MD surgiu detrás das montanhas. Tinha mais de 15 metros de altura. Era um dragão muito pesado, porém ágil, correndo através das árvores, arrancando alguns caules com a cauda longa e poderosa.

Possuía um pescoço alongado e recurvo, e escamas azuis que brilhavam molhadas pela chuva fria que caia. (3)

- Pelas bestas do inferno! Que tipo de Móbile Dragon é aquele? - Noin não queria acreditar em seus olhos.

- Poderia ser um Gundam?! - perguntou um soldado que estava ao seu lado.

Noin pensou por um instante. Se fosse mesmo um Gundam... só poderia ser o elemental da água, era a dedução tirada das escamas azuis.

- Não importa! Quero ver se esse MD é páreo para o meu Mercurius! Enquanto isso vasculhem a área, homens! O piloto não deve estar longe...

oOo

Duo observou seu Gundam. Ele o trouxera nas mãos até a proximidade do acampamento, depois o deixara em uma clareira, de onde poderia comandar e assistir a batalha que se aproximava.

O garoto de tranças analisou detalhadamente os grandes e profundos olhos azuis do MD lendário. Então aquele era o seu dragão? Era lindo, e poderoso!

Sentindo toda a confiança de Duo, Deathscythe rugiu alto, causando um arrepio em todos que o ouviram.

Foi então que um segundo dragão surgiu no improvisado campo de batalha. Era enorme, alto e pesado, dono de incríveis escamas lilases. O pescoço era mais curto e grosso, porém os braços eram mais longos que os do Gundam.

- Não é Lady Une... - Duo murmurou - O MD lilás pertence a Noin, a comandante braço direito de Zechs...

oOo

Próximo dali, Noin fitou ambos os dragões. Não podia negar que eram belos, indescritivelmente magnânimos.

- Vai ser uma bela luta.

Ela também confiava cegamente em Mercurius, uma das únicas três fêmeas dragão que haviam sido domesticadas. As outras eram Vayeate e Tallgeese.

- Prepare-se, Mercurius. Mostre que apesar de ser um Gundam, esse MD não é páreo para a sua determinação e garra!

oOo

Indiferentes a tensão que reinava entre todos, os Móbile Dragon se entreolharam sem esboçar reação alguma. Apenas se sondavam, querendo descobrir do que seu oponente era capaz.

Mercurius era visivelmente mais alta e mais pesada que Deathscythe, em contra partida o dragão azul parecia mais ágil e mais rápido para o ataque.

Tentando intimidar o rival, Mercurius ergueu a cabeça rodeada por uma crista lilás e rugiu alto, fazendo o ar se agitar em turbulência.

Os soldados que faziam uma busca nas redondezas olharam para cima, apreciando a cena. Era mesmo de meter medo. Apenas os soldados mais capazes eram dignos de pilotar um MD daquela proporção.

O que não dizer de um Gundam, o dragão lendário?

- Muito bem! - Noin agitou as mãos com experiência - Mercurius, ataque!

E o grande MD avançou, sacudindo a terra e arrancando algumas árvores com as garras dos pés.

Duo viu o primeiro movimento do inimigo. Mas surpreendentemente Deathscythe não se moveu. Permaneceu parado, apenas aguardando.

Tomado pelo nervosismo, o garoto de tranças levou a mão a cabeça, entrelaçando os dedos alongados nos fios castanhos.

- DEATHSCYTHE!! Saia da frente!

Só então o dragão saltou para o lado, esquivando-se com agilidade impar.

- Oh! - a exclamação traduziu a incredulidade de Duo - Então é isso que significa ser um 'piloto Gundam'?

Feliz com a descoberta, Duo continuou coordenando seus pensamentos, de modo a manter seu coração em sintonia com o coração do MD, e transmitir as ordens que lhe passava pela mente.

- Desvie-se! Cuidado, a sua direita!

A rapidez do Gundam condizia com as lendas. Era incrível a velocidade com que se movia a criatura gigantesca e pesada.

oOo

Noin passou a costa da mão pela testa. Aquele Gundam era mesmo bom! Apesar dos movimentos aparentemente inexperientes e sem coordenação, estava conseguindo manter-se longe das garras de Mercurius.

Precisava ainda levar em consideração que a fêmea era um ás da defesa, não do ataque. Estava contando com seus soldados para localizar o provável piloto do MD e imobilizá-lo.

- Só pode ser Sally e o garoto que ela guiava... ops!

A distração quase lhe valeu um golpe certeiro por parte de Duo. Por muito pouco não era atingida em cheio pelas garras afiadas do dragão azul.

- Mas... eles não parecem estar em sintonia perfeita...

Começava a ver falhas na movimentação do Gundam. Principalmente quando ele recuava para defender-se. Se conseguisse visualizar uma estratégia que combinasse dois ataques conjuntos, poderia derrotá-lo de uma vez!

- Mercurius, sei que faremos algo arriscado, mas você confia em mim, e eu confio em você. Juntas derrotaremos esse Gundam!

Mercurius rugiu algo. Era o sinal de que entendera as palavras de seu piloto.

- Salte!

Noin moveu as mãos com força para cima.

Imediatamente seu MD saltou, apesar do grande peso, e pegou Duo de surpresa.

oOo

O garoto de tranças ficou paralisado por um instante. Um MD podia saltar daquele jeito?!

- Defenda-se, Deathscythe!

O dragão azul cruzou os braços a frente do corpo, aparando o golpe voador que Mercurius lhe dirigira. Porém a força da fêmea era tão potente, que obrigou o Gundam a dar uns passos para trás.

Antes mesmo de cair no chão, Mercurius girou o corpanzil num circulo completo, colocando-se atrás do MD lendário. Já tinha as mãos erguidas para o ataque pelas costas.

- Cuidado! - Duo ainda tentou alertar o Móbile Dragon, mas foi tarde demais.

Mercurius cravou as afiadas garras nas costas de seu oponente, machucando fundo, com violência.

- AAAAAAAAAHHHHHH!!

Duo arregalou os olhos enquanto gritava de dor. Podia sentir que sua carne se rasgava, assim como acontecia com o seu MD.

Desnorteado, caiu de joelhos no chão, e foi imitado pelo dragão azul. Então era aquilo que significava 'um pacto de dividir seus corações'. Caramba!

Mas o ataque estava longe de terminar. Ainda faltava o golpe de misericórdia.

A fêmea abriu muito os braços, esticando-os o máximo que podia, depois os fechou rapidamente, golpeando com força as costas do MD azul mais uma vez.

- AAAAAAAHHHHHHH!!

Dessa vez a dor se pronunciou próximo aos rins do garoto de tranças. Vencido, Duo caiu pra frente, vomitando um tanto de sangue. Deathscythe também se rendeu. Tombou, abalando a terra com todo o seu peso.

Mercurius ergueu a cabeça e urrou, saboreando mais uma vez o doce sabor da vitória. Era invencível!

Deathscythe brilhou numa luz azulada e desapareceu em pleno ar. Com certeza voltara para seu cockpit, onde ficaria até que se recuperasse. (4)

- Foi difícil... - Noin sussurrou, sentindo-se cansada.

Pilotar um MD era sempre exaustivo, mas aquela batalha em particular lhe tirara as forças. Por um milésimo de segundos chegara inclusive a duvidar de sua vitória. Aquele Gundam era mesmo rápido.

Sua sorte era que estava destreinado. Se o grande dragão azul não fosse inexperiente... Noin tinha certeza de que teria dado mais trabalho.

- Estou louca para conhecer o piloto deste Gundam.

- Comandante, a senhora está bem?

- Sim. - Noin sorriu para o soldado. - Estou muito bem. Sabe me dizer se o capitão já voltou de sua expedição atrás do piloto?

- Ainda não.

- Mande uma mensagem para o major Zechs. Ele vai ficar feliz em saber das novidades.

- Acho que quem não vai gostar muito é a princesa Relena.

Noin olhou para o soldado e não disse nada. No entanto sabia que ele estava certo. Relena ficaria uma arara ao saber que um dos Gundam fora despertado. Agora o MD seguiria apenas as ordens do coração de seu piloto, e não poderia ser usado para controlar os outros Reinos, a menos que o piloto aceitasse cooperar, coisa que Noin achava difícil de acontecer.

Ninguém era mais odiado entre os rebeldes que Relena. Porque algum deles concordaria em ajudá-la?

Somente a morte do piloto podia libertar um MD, e mesmo assim, havia registros de dragões que se ligavam tanto a seus pilotos, que se recusavam a obedecer qualquer outro, mesmo após a morte de seus donos.

E por isso tinham de ser sacrificados.

- Será que Relena vai querer correr esse risco?

Provavelmente não.

- Comandante! Veja, estão chegando!

- Oh!

Noin viu que o soldado tinha razão. A patrulha sob as ordens do capitão regressava, e o oficial parecia trazer algo nos braços. Ou melhor, alguém.

- Comandante Noin, vasculhamos toda a área, e encontramos apenas esse garoto.

A mulher analisou o rapaz nos braços de seu capitão. Era um jovem de aproximadamente uns 15 anos. Possuía cabelos longos que estavam trançados. A bela face empalidecia cada vez mais, devido a grande perda de sangue.

- Mas é uma criança!

- Eu sei. Minha surpresa não foi menor.

- E a major Sally?

- Nem sinal dela.

- Então ele lutou sozinho contra meu MD? Não admira que não mostrasse experiência. Bem, ele está ferido... céus, eu peguei muito pesado! Prestem os primeiros socorros imediatamente.

- Agora mesmo.

- Assim que esse garoto estiver fora de perigo retornaremos para Sank. Deixarei uma equipe de buscas para que encontre Sally. Receberemos novas ordens de Zechs e entregaremos o piloto Gundam aos cuidados dele.

- Entendido, comandante.

- Ah, e... capitão... faça de tudo para salvar esse menino.

- Era exatamente o que eu planejava, senhor.

Noin balançou a cabeça concordando.

Suspirou, enquanto o capitão se afastava quase correndo, em direção a barraca do médico oficial.

Se aquele garoto morresse por causa de sua agressividade, nunca se perdoaria. E sabia que Zechs jamais aceitaria uma descompostura tão grande.

- Minha honra ficaria manchada, não é... Zechs?

E tal fato era inaceitável.

oOo

Trowa e Quatre se surpreenderam ao ver um dos integrantes da patrulha de Treize chegar correndo tão rápido.

- O que foi? - Quatre perguntou.

- Parece perseguido por um bando de demônios do inferno.

O homem respirou fundo, tentando recuperar o fôlego.

- Eu... eu...

- Calma, rapaz.

- Desculpe mestre Quatre. O coronel Treize me enviou. Testemunhas dizem ter visto um combate entre o MD Mercurius e um MD azul desconhecido.

- Uma batalha?

- Trowa, isso é terrível!

- Um MD azul? De quem pode ser?

- Não temos certeza, senhor. Mas os homens começam a murmurar entre si que talvez seja um Gundam. O dragão lendário da água...

- Duo!

O loirinho arregalou os olhos ao simples pensamento do jovem piloto lutando sozinho contra Mercurius. Ele não teria chance!

- Trowa, precisamos ir imediatamente ao encontro de Treize e Chang!

O rapaz de franja concordou. Estavam fazendo patrulha do lado oposto a Treize, então tinham que correr.

- Ele foi até os limites da floresta de cedros, não é?

- Isso. Vamos a cavalo e ganharemos tempo.

- Hn!

Ambos tomaram as rédeas dos primeiros alazões que encontraram. Depois Quatre deixou ordens expressas a seus homens, para que continuassem patrulhando como fora combinado, e depois voltassem a improvisada base na casa de Trowa. Agiriam sob o comando sábio de Rashid.

- Boa sorte!

- Boa sorte, mestre Quatre.

oOo

- Finalmente, meus amigos!

O alívio de Treize foi imensurável ao ver Trowa e Quatre surgindo por entre as árvores de cedro.

- O que aconteceu?

O coronel rebelde olhou para Trowa, depois fez um gesto, chamando-o para irem até onde Chang Wufei estava, sentado ao lado de uma cama de armar, onde um jovem desconhecido permanecia com os olhos fechados.

- Quem é ele?

- Não tenho certeza - Treize respondeu - Ouvimos os sons de uma batalha entre MD e viemos até aqui. Encontramos esse jovem caído entre alguns arbustos. Ele permanecia coberto por uma capa, e tinha isso sobre o peito.

Lançou um pedaço de pano a Quatre. No mesmo fora bordado o símbolo real do imperador do Reino Colonial 04, pai do loirinho.

- Oh... foi o pano que enviei para a major Sally! Será que esse garoto é Duo Maxwell?

- Ele parece diferente das descrições.

- Sei disso, Trowa. Mas, o que mais poderia ser? E onde está major Sally?

- Não sei. - a voz séria de Treize soou preocupada- Mas esse jovem está queimando de febre. Temos que levá-lo até um lugar seguro para que se recupere.

- Oh. Vamos partir imediatamente.

- Alias, Quatre... ele não tem um cockpit.

- Poderia ter sido roubado?

- Não sei. O que devemos fazer agora é voltar pra casa, e esperar esse jovem se recuperar.

Trowa concordou com a lógica de Treize. Colocou a mão sobre o ombro de seu amante e apertou com carinho.

- Vamos ver o que esse garoto pode nos dizer.

Sem opção Quatre suspirou. Não cabia mais a ele decidir as coisas.

oOo

Furiosa, Relena arremessou a fina taça de cristal contra a parede, fazendo-a se espatifar, e espirrar vinho em todas as direções.

- Aquele maldito moleque! Como teve coragem de despertar um Gundam?!

Zechs acompanhou a demonstração de raiva sem se pronunciar. Sabia por experiência própria que era melhor não se intrometer, quando Relena descarregava a raiva.

A princesa podia ser gentil em alguns momentos, porém quando se enfurecia... era incontrolável.

- Sabe o que isso significa, meu irmão? Perdi um dos Gundam! Nunca conseguirei o controle do dragão da água. Tudo por culpa daquele infeliz que resolveu brincar de piloto.

Começou a andar de um lado para o outro da sala real, com os braços cruzados atrás das costas.

- Eu estava um passo pequenininho de ter o controle absoluto. Agora o máximo que terei são quatro, dos cinco Gundam. Isso me faz perceber que tenho que agir mais rápido ainda, antes que outro dragão lendário seja despertado.

- Relena...

A garota voltou os olhos faiscantes de ódio na direção de Zechs Merquise, fulminando-o com o olhar.

- Zechs, você me prometeu que faria de tudo para que eu fosse a rainha de todos os reinos, em nome da paz, não é, irmão?

- Sim, prometi.

- Então porque não faz algo?! Vai ficar apenas assistindo as coisas ruírem como um maldito castelo de cartas?!

- Relena...

- Ataque o Reino Colonial 03 imediatamente. Tenho certeza de que aqueles idiotas do Quatre Winner e do Trowa Barton escondem algo. Meus espiões viram Treize se dirigir pra lá. Eles estão armando alguma coisa.

- Acalme-se, minha irmã.

- Me acalmar? Como quer que eu faça isso? Espera que eu me sente a mesa e encha a cara de vinho, esperando aqueles rebeldes armarem um contra ataque? É isso, Zechs?

- Claro que não, Relena. Quero apenas que pense racionalmente. Um ataque declarado contra os Reinos vai estragar nossa estratégia. É isso que você quer?

-... não...

- Pense: esse garoto que capturamos foi o único que conseguiu despertar o Gundam. Nem mesmo você foi capaz de desvendar o segredo.

- E daí?

- Ora, minha irmã. Nosso prisioneiro é o único que sabe a maneira de despertarmos os Móbile Dragon lendários. E temos o garoto em nossas mãos...

Relena parou de andar e fitou seu irmão com os olhos brilhando maldosos.

- Entendo onde quer chegar... você tem razão.

- Se perguntarmos com... jeitinho, tenho certeza de que ele nos revelará o segredo.

- Brilhante, Zechs! Absolutamente brilhante! Assim que ele abrir os olhos, quero que o interrogue. Descubra de qualquer maneira qual o segredo dos Gundam.

- Sim, princesa.

O major curvou-se e saiu da sala, deixando a caçula sozinha.

- Ótimo. Então finalmente saberei como despertar o Gundam do ar. Ah, há, há, há!

Depois de tantos contratempos, a vitória mais uma vez se aproximava de suas mãos.

oOo

Heero abriu os olhos, sentindo-se estranho. Seu corpo parecia aquecido demais, e ele tinha certa dificuldade em respirar.

- Calma, você ainda não está bem.

Surpreso por um tom de voz tão gentil, o príncipe virou-se na cama macia, tentando ver quem conversava com ele. Era um jovem loiro, de aparência angelical.

- Sou Quatre Raberba Winner. Muito prazer, príncipe herdeiro Heero Yui.

- Quatre? Um dos pilotos Gundam?

A confusão na mente de Heero começava a se desfazer, vencida pelos pensamentos lógicos e ordenados. A última lembrança que tinha era de Duo e ele caindo de uma cachoeira. Pelo visto conseguiram chegar ao destino quase em total segurança.

- Sim. Você foi encontrado pelo coronel Treize a três dias atrás, estava ardendo em febre e parecia realmente mal. Temíamos que não sobrevivesse.

- Três dias? - Heero tentou esconder a surpresa.

- Sim, foi por pouco, por isso é melhor que descanse bastante para se recuperar.

Heero colocou a mão sobre a cabeça e apertou os olhos. Nunca tinha ficado doente antes, mas também, vivia tão protegido no palácio que nem mesmo uma simples gripe ousava incomodá-lo.

Ter aquela febre fora uma experiência desagradável, porém instrutiva.

Agora que entendia sua situação, não pôde impedir sua mente e coração de deslizarem para um campo mais delicado, que também o preocupava além da conta.

- Onde está Duo?

Ao ouvir a pergunta, Quatre empalideceu mortalmente. Tal fato intrigou Heero Yui. Seu anfitrião vinha agindo naturalmente até agora, e respondera todas as questões com boa vontade e satisfação...

Aquela súbita tensão não fazia sentido, a não ser que...

- Ele está bem? Quero falar com ele.

- Sinto muito... tenho notícias desagradáveis...

Só a grande custo e controle de suas reações foi que Heero não empalideceu. Usou todo seu sangue frio para manter a expressão séria, apesar da angústia que se apossou de seu coração.

- O que houve com Duo? Foi ferido?

- Não temos certeza. Nossa rede de informações é boa, mas não a esse ponto. Sabemos apenas que Duo Maxwell foi capturado pela comandante Noin, juntamente com seu cockpit.

- Por que o levaram junto? Por que não roubaram apenas o cockpit?

- Porque... Duo conseguiu despertar o lendário Gundam da água.

Heero arregalou os olhos. Dessa vez foi impossível controlar a surpresa. Então aquele garoto tão gentil e que o perturbava de uma forma singular conseguira despertar seu Móbile Dragon finalmente?

- Duo...

- Sabemos que você é Heero Yui pelas notícias que interceptamos de seu Reino. O príncipe herdeiro fugiu do palácio, com intenção de recuperar seu cockpit roubado. É você, não é?

- Sim.

- As descrições batem perfeitamente. Foi uma sorte você ter se encontrado com Duo e Sally Po.

- Aliás, a major...

Heero não terminou a frase, porém o loirinho fechou os olhos e respirou fundo, ficando muito triste.

- Sabemos disso. Captamos uma mensagem de Lady Une fazendo um resumo de sua missão. Foi um duro golpe para nós, rebeldes. Sally Po era uma mulher que lutava pelo que acreditava. Ela não tinha medo de ir às últimas conseqüências...

- Hn.

- O coronel Treize está tentando criar uma estratégia que nos possibilite resgatar Duo e o seu cockpit. Acho que finalmente é hora de declaramos guerra a Relena, e parar de agir como simples rebeldes.

- Vocês conseguiram despertar mais algum Gundam?

- Não.

Heero analisou a face entristecida de Quatre por um instante.

- Estão mesmo preocupados com Duo, ou o querem apenas porque ele conhece o segredo para acordar os Móbile Dragon?

Mal terminou de formular a pergunta e Heero quase se arrependeu pela grosseria. Grossas lágrimas fizeram os olhos verdes de Quatre lacrimejarem.

- Acho que nossa conversa o desgastou, príncipe Yui. Descanse um pouco agora, e conversaremos depois.

Visivelmente ofendido, o loirinho levantou-se e caminhou até a porta. Acabou parando embaixo do batente, com a mão na maçaneta.

- Pode se surpreender com isso, príncipe, mas... não somos como Relena.

Saiu fechando a porta suavemente.

Heero suspirou e fechou os olhos.

- Eu tinha que ter certeza disso, Winner.

oOo

As dores pelo corpo de Duo começavam a diminuir finalmente. Mas ele não reclamava: os ferimentos haviam sido realmente profundos. Se cicatrizavam tão rápido, era graças a constituição física jovem e saudável, e a surpreendente atuação dos médicos.

Era óbvio que era um prisioneiro, já que estava sendo mantido numa cela solitária, de uma prisão não tão desconfortável assim, mas também não podia se dizer que era um hotel de luxo.

O que Duo não entendia era porque lhe tratavam bem, sendo um prisioneiro de guerra. Poderia Relena não ser tão má quanto todos diziam?

- Talvez ela seja razoável...

Uma coisa que lhe tirava a paz era não saber como Heero estava. Teria sido resgatado com sucesso? Teria se curado da febre?

- Será que conseguiu chegar até Quatre?

A falta de notícias apenas aumentava a angústia em seu coração.

- Espero que esteja tudo bem!

Outra coisa que o preocupava era o sumiço de seu cockpit. O cordão com a medalha fora tirado de seu pescoço, e Duo tinha a certeza de que estava com a princesa.

- Isto se eu estiver mesmo no reino de Sank.

Mas em que outro lugar poderia estar? Que outra pessoa teria o objetivo de torná-lo prisioneiro, além de Relena Peacecraft? Isso sem contar que os soldados que apareciam por ali com o doutor ou algum alimento usavam os uniformes azuis do reino de Sank, e tinham os emblemas de guardas de Zechs Merquise, o irmão mais velho de Relena.

Foi então que ouviu passos ecoando pelo corredor que levava as celas. Imaginou que se tratava de algum soldado silencioso lhe levando o almoço, mas ainda era cedo...

Os passos terminaram em frente a sua cela, e Duo surpreendeu-se.

Uma garota estava parada a frente de sua cela. Possuía longos cabelos loiros, lisos e cheios. Mas sua característica mais marcante eram as sobrancelhas espessas e recurvas. Parecia ter personalidade forte.

- Olá, piloto Gundam. Sou Dorothy Catalonia, prima de Relena.

- Oh!

Tal presença tão inesperada deixou Duo confuso e intrigado.

- É realmente um prazer conhecer o único piloto Gundam de todos os reinos, claro que não por muito tempo, não é?

- O que quer dizer?

- Ora, existem cinco Gundam, logo os outros gigantes também serão despertados.

- É o que eu espero também.

- Mas... tenho notícias desagradáveis pra você. Assim que estiver forte o bastante, Relena vai mandar Zechs torturá-lo até a que revele o segredo para acordar os outros Móbile Dragon.

Duo empalideceu bastante. Com certeza entendia agora o interesse de Relena por sua recuperação, e o porque de estar sendo tratado de forma eficiente. Se não fosse por isso, talvez já estivesse até morto!

Ia reconsiderar sua opinião sobre a herdeira dos Peacecraft. Relena era com certeza tão má quanto os boatos diziam.

Suspirando, Dorothy passou a mão pela face. Terminou enrolando uma mecha do cabelo loiro no dedo indicador. Parecia muito concentrada em observar os fios amarelados.

- Quando Relena despertar o Gundam do ar, ficará invencível. Ela juntará as forças de Tallgeese, Vayeate e Mercurius com os lendários MD... com certeza os outros três Gundam não serão páreos para tal poder... então eu concluo que a guerra vai terminar e minha priminha querida estenderá suas garras por todos os reinos.

- Porque está me dizendo isso?!

Vendo por esse ângulo, a vitória dos rebeldes parecia cada vez mais distante.

- Porque? Ora, garoto, porquê eu amo a guerra. Sei apreciar o valor de cada combate, de cada luta. E realmente, seria um crime permitir que tudo terminasse tão facilmente...

- Como pode dizer que ama uma guerra? E todas as vidas perdidas? E os sonhos que são destruídos durante um combate?

- Que pensamento utópico e romântico. Não combina com um piloto Gundam...

- Meu objetivo é simplesmente acabar com as lutas. Por isso aceitei pilotar um MD lendário, tão forte quanto um Gundam.

- Sei que essa guerra se aproxima de um fim, fato que lamento imensamente, e você não faz idéia do quanto. Só quero que o grande final seja algo digno de toda a destruição causada até agora. Quero ver os Gundam enfrentando as fêmeas dragão, numa luta justa.

- Onde quer chegar?

- Se você escapar, e levar consigo o seu cockpit, lutaria bravamente contra os MD de Relena até o fim?

- Com certeza!!

- Promete?

Duo não respondeu. Começou a desconfiar daquela loira tão dissimulada. Seria algum plano de Relena a fim de descobrir o segredo para despertar um Gundam? Se fosse isso não fazia muito sentido...

- Não me olhe assim, garoto. Oh, como é o seu nome?

- Duo Maxwell.

- E o nome do Gundam?

- Deathscythe...

- Maravilhoso! Você não confia muito em mim, não é?

- Nem um pouco.

Então Dorothy colocou a mão no bolso do vestido marrom que usava. Tirou dois colares de ouro, onde estavam presos duas medalhas. Uma branca e outra azul.

- E se eu lhe entregar isso?

Os olhos violetas se arregalaram, brilhando intensamente.

- Cockpit! O meu e o de...

- Do príncipe herdeiro, Heero Yui. Sei que Relena interceptou algumas mensagens. O príncipe fugiu do castelo, com certeza foi se unir aos rebeldes.

- Oh.

Dorothy deu um passo a frente, olhando fixamente nas íris ametista.

- Dedique a última luta a mim, Duo Maxwell, e estaremos quites. Em troca você terá os cockpit e sua liberdade.

- Porque faz isso?

- Já te disse. É imperdoável que a guerra termine tão facilmente. Seria um crime imaginar a vitória de minha prima sem que os Gundam brilhem com força total. Eu arriscaria minha vida para que os combates durassem um pouco mais. É o que eu amo, e não me importam os riscos.

Quando terminou de falar, Dorothy deu outro passo a frente e estendeu a mão. Duo aproximou-se cambaleante das barras de ferro e pegou seu cockpit de volta, assim como o de Heero.

Sentiu-se tão bem e feliz, ao recuperar o que era seu. Agora sim estava mais confiante. Ia agradecer Dorothy, mas ela impediu com um gesto.

- Não faça isso. Depois que eu abrir essa grade, você estará por conta própria. Não poderei fazer mais nada, a não ser confiar em você e esperar que cumpra o que foi prometido.

Duo balançou a cabeça concordando. Imediatamente a loira pegou uma chave mestra do bolso e abriu a porta da cela, libertando Duo.

- Relena vai demorar um pouco para descobrir o roubo dos cockpit, e a próxima ronda será apenas daqui a três horas. Você tem esse tempo como cobertura.

- Entendi.

- Boa sorte garoto. E não seja capturado.

Duo sorriu e piscou um olho. Voltou as costas e começou a se afastar.

Dorothy viu aquele belo garoto indo embora cheio de precauções.

- Um soldado de valor... uma batalha vibrante até a morte... um último e decisivo confronto... isso é o mais importante em uma guerra. Não vou permitir que minha prima termine com os confrontos de forma tão fácil e rápida. Todo o sangue derramado teria sido em vão. Um soldado que dá a vida pelo que acredita merece essa derradeira homenagem.

Dorothy avançou cela adentro e sentou-se sobre o catre.

- Relena, se você acredita mesmo na alegria da vitória... tente evitar a terrível ruína, que é o maior de todos os fascínios. Que a guerra se prolongue um pouco mais...

oOo

Duo caminhava apressadamente, tentando apenas não fazer muito barulho. O castelo de Sank não parecia muito grande, e daquele lado da construção não havia muitos soldados.

Com toda a precaução venceu o longo corredor, desceu alguns lances de uma escadaria de pedra e acabou saindo em um estábulo.

O local tinha cerca de oito belos alazões, e todos eles pareciam extremamente velozes. Cansado, o garoto de tranças encostou-se na cerca de madeira. Percebeu que não estava em condições de cavalgar... seus ferimentos poderiam se abrir por causa do trote veloz.

Teria que dar um outro jeito.

Resignado, afastou-se do curral real. Ao redor do castelo havia uma próspera cidade, a capital do reino. O grande problema era o muro que rodeava a cidadela, cujos portões eram vigiados por soldados atentos e agressivos.

- E agora...?

Sua primeira providência foi aproximar-se de uma residência. Circulou em volta notando algumas roupas no varal. 'Emprestou' um par de calças e uma blusa escura. Precisava livrar-se das roupas azuis usadas por todos os prisioneiros.

Sentindo-se mais confiante, Duo tratou de se infiltrar entre os aldeões, fazendo o possível para não chamar a atenção. Mas um garoto com aquela beleza andrógena não passava despercebido. As pessoa começavam a olhar cada vez mais cuidadosamente para a face de Duo.

- Como é que eu vou dar o fora daqui?

Olhava angustiado para os lados. Ainda não achara uma escapatória... foi quando os olhos violetas captaram uma caravana que caminhava pela rua principal.

As pessoas olhavam com hostilidade para eles, enquanto tratavam de sair do caminho, evitando inclusive se aproximar.

- Vão embora, portadores da peste!

Gritou um aldeão mais agressivo, enquanto atirava um tomate. Algumas pessoas o apoiavam, outras pareciam vacilar.

- Não temos certeza se são eles que trouxeram a febre.

- Só pode ter sido! Fora de Sank, malditos!

Duo acabou por decidir-se. Apressou o passo em direção ao último carroção da caravana. Não era coberto, mas o penúltimo era. Sem receio, o garoto saltou ágil, escondendo-se dentro do veículo.

Algumas pessoas perceberam a manobra, mas estavam tão desesperadas para que os integrantes da caravana fossem embora dali que não fizeram nada. Afinal alertá-los para o fato de estarem carregando um visitante não convidado poderia atrasar a ida ainda mais.

E nenhum dos aldeões queria isso.

Embaixo do toldo encardido, Duo tratou de ficar quietinho e meio oculto entre algumas caixas.

Começou a rezar, pendido para sair daquela enrascada sem maiores dificuldades.

oOo

Furiosa, Relena acertou um violento tapa na face de sua prima. A loira apenas sorriu e não revidou.

- Como pôde, Dorothy?! Entregou os cockpit para o prisioneiro, e permitiu que ele fugisse! Ficou louca?!

- Não. E você sabe disso.

- Confiei em uma cobra.

- Não se esqueça que somos parentes...

E a loira sorriu, satisfeita pela chance de provocar a princesa, sem temer qualquer tipo de represália. Nada do que Relena fizesse lhe afetaria. Tudo o que ela queria era que a guerra fosse prolongada o máximo possível.

Relena sabia disso, mas nunca imaginara que Dorothy Catalonia tivesse a coragem de praticar tão alta traição ao reino de Sank.

- Dorothy, reze para que eu recupere aqueles cockpit assim como o piloto. Ou você vai se arrepender. Ponham-na em seu quarto, e que ela fique lá.

- Sim, princesa!

Os soldados pegaram no braço da loira, mas ela avançou sem oferecer resistência.

Sentindo-se impotente, Relena deixou o corpo cair sobre o trono, e correu os olhos pela sala real. Estava sozinha com seu irmão.

- Relena, quais são suas ordens?

A princesa respirou fundo. Decisões, decisões! Sempre decisões! O que faria naquele momento? Até algumas horas atrás estava com a vitória nas mãos. Agora...

- Céus. O que eu faço, Zechs?

- É hora de abandonar as aparências, minha irmã.

A garota olhou longamente para seu irmão mais velho. Ponderava sobre a frase em silêncio, querendo considerar os prós e os contras da questão tão complexa. Não podia tomar uma atitude levianamente.

Por outro lado Zechs estava com a razão. Perdera todos os trunfos, e sua única opção era agir rapidamente, aproveitando-se do elemento surpresa.

- Você está certo. Zechs dê as ordens para que nossas tropas entrem em ação! Quero todos os reinos sob nosso comando, e inicie um busca intensa atrás do piloto e dos dois cockpit. Ele não pode ter ido muito longe.

- Imediatamente, Relena.

A princesa viu quando seu irmão saiu da sala. As coisas não estavam completamente perdidas. Havia uma chance.

E Relena faria de tudo para conseguir o que queria!

oOo

- Interceptamos uma mensagem cifrada de Sank. Ainda não conseguimos decifrá-la, mas se trata de um Código Púrpura.(5)

Todos os presentes na sala olharam fixamente para Quatre, o portador da novidade. Treize, Heero, Trowa e Quatre haviam se reunido para trocar suas impressões sobre as últimas descobertas.

- Isso é grave. Com certeza trata-se de algo grande. - Treize não pôde deixar de declarar.

- O que Relena estará planejando?

- Nada de bom.

Quatre olhou para Heero. Ainda estava magoado pela grosseria do outro, mas nada muito profundo, afinal o loirinho não conseguia guardar rancor de ninguém por muito tempo. Logo seu coração exigia que perdoasse a afronta e que continuasse seguindo em frente.

Heero não tivera oportunidade de pedir desculpas, e nem se esforçava para isso. Era o príncipe herdeiro e nunca abaixaria a cabeça para ninguém. Claro que estava grato ao loirinho, afinal se curara completamente da febre, graças aos cuidados devotados do jovem. Porém depois pensaria em remediar a situação.

- De qualquer maneira não podemos ficar parados aqui.

- E o que sugere, coronel Treize?

O interrogado olhou para Trowa e suspirou.

- Nossa prioridade é o resgate de Duo e dos dois cockpit.

- As prioridades mudaram.

A atenção de todos se voltou para Chang Wufei. O garoto entrava na sala com uma expressão mais carregada que o normal. Trazia um papel nas mãos.

Heero estreitou os olhos encarando Chang de mau modo.

- Nada é mais importante do que resgatar Duo.

Quatre e Trowa se entreolharam diante da frase tão determinada! Treize também franziu as sobrancelhas.

- Você acha? Veja isso: Catherine conseguiu decifrar a mensagem cifrada em Código Púrpura. Relena autorizou ataques coordenados os Reinos Coloniais 05 e 04. Ela diz que quer dominação total.

A notícia pegou a todos de surpresa, deixando-os abalados pela decisão de Relena de declarar guerra tão abertamente. Agora não se trataria mais apenas de conflitos contra rebeldes!

- De acordo com a mensagem, Zechs marchou para o Reino Colonial 05, enquanto Noin e Lady Une foram enviadas ao Reino de Quatre.

- Oh, não!

O loirinho se angustiou ao imaginar seus pais e irmãs correndo perigo nas mãos dos soldados impiedosos de Relena.

- Temos que impedir isso. - Treize ficou em pé, tendo seu senso prático despertado - Chang e Heero vão para o Reino Colonial 05. Quatre e Trowa devem ir ao Reino Colonial 04. Garotos, mais do que nunca vocês precisam despertar seus Gundam. Eu ficarei aqui, entrarei em contato com os outros reinos, e tentarei infiltrar um espião em Sank, para recuperar seu cockpit e resgatar Duo, está bem?

Os quatro pilotos concordaram. Imediatamente saíram da sala, dispostos a arrumar suas coisas e rumarem para seus destinos o quanto antes.

oOo

Duo acordou sentindo uma forte dor no pescoço. Acabara cochilando sentado entre as caixas, e dormira de mau jeito.

Cheio de precauções espiou por um vãozinho no toldo amarelado. A noite ia alta, e a caravana parara de avançar. Os integrantes haviam se reunido em volta de uma grande fogueira e cozinhavam algo que cheirava muito bem.

Torturado, o estomago do garoto americano deu uma volta e roncou alto, reclamando o alimento que ainda não recebera.

- Não é hora pra isso - Duo murmurou olhando para a própria barriga.

Voltou os olhos violetas para fora do carroção. Estavam parados em uma clareira, rodeada por inúmeras árvores. Poderia escapar dali sem problemas, apesar da noite clara pelo céu estrelado.

Silenciosamente começou a vasculhar o veículo, tentando encontrar algo de útil. Pegou uma capa meio velha, feita de tecido negro, e encontrou também um mapa, mas deixou pra lá. Não ia adiantar muita coisa mesmo. Era melhor seguir a constelação de Virgo.

- Por falar nisso... ainda estamos no reino de Sank? - sussurrou para si mesmo.

Era uma pergunta difícil de ser respondida.

Dando-se por satisfeito, Duo escorregou ligeiro para fora da carroça, esgueirou-se nas sombras até ganhar abrigo entre as frondosas árvores da floresta. Não eram cedros, então Duo deduziu que não estavam no Reino Colonial 03...

Mas querer isso já era querer demais! Devia agradecer pela grande sorte de estar fora do castelo, e longe das garras de Relena.

Podia se virar com o resto.

- Ali está!

Os ansiosos olhos violeta localizaram a constelação de Virgo, do lado sul do céu. Parecia mais longe do que a última vez que a observara.

- Talvez eu ainda esteja em Sank, ou no norte do Reino Colonial 05... é, Deathscythe, temos uma longa caminhada.

Levou a mão ao pescoço e apertou a medalha azul, sentindo-se confiante. Não estava sozinho naquela campanha. E também tinha a medalha branca de Heero.

- Ele vai ficar tão feliz a hora que receber isso de volta!

Avançando lentamente por causa dos ferimentos, Duo sorriu, imaginando o quão alegre Heero ficaria, ao ter seu cockpit. Com certeza presentearia Duo com um belo sorriso.

Sorriso, aliás, que o garoto de tranças ainda não tivera a chance de conhecer.

oOo

Treize seguia todos os movimentos de Chang Wufei, vigiando enquanto o mercenário arrumava sua sacola de viagens.

- Quero que tenha cuidado, Chang. Enfrentar Tallgeese não será fácil.

- Sei disso. Não se preocupe.

- Ora, isso é impossível garoto. Sabe que sua segurança é uma de minhas prioridades.

Wufei olhou para Treize, analisando-o. Agiam com cerimônia na frente dos outros, tentando manter a relação de ambos em segredo. Ninguém sabia que eram amantes quase desde que se conheceram.

- Sou forte. Sou um soldado forte.

- Não seja bobo, Chang. Soldados fortes também morrem. Veja a major Sally...

- Sally era uma mulher! Mulheres não podem ser bons soldados, pois são fracas.

Treize torceu os lábios diante de tanta teimosia. Como o garoto podia ser tão cabeça-dura?

- Você sabe que Sally não era fraca. Era uma das melhores.

Wufei não disse nada, apenas voltou a se concentrar em guardar algumas peças de roupa na mochila. Depois pegou seu cockpit, e ficou admirando a medalha vermelha como fogo.

- Ainda não sabe como despertá-lo?

- Não.

- Deve ser um belo Móbile Dragon.

- Aa. Um prêmio para os melhores soldados. Não se preocupe, coronel. A morte é feita para os fracos, ou os bravos. Não sou um fraco, e ficarei feliz se morrer como um bravo.

Ao ouvir isso, Treize desencostou-se da parede e avançou. Tomou Chang nos braços, apertando-o com força.

- Não vai morrer. Jurei a Sally que cuidaria de você, e é o que vou fazer. Prometa que não se exporá durante as lutas.

- Não posso prometer isso, e você sabe muito bem.

- Wufei.

O piloto Gundam ergueu a cabeça, encaixando-a na curva do pescoço de Treize.

- Você se preocupa demais, Treize. Nem parece você...

- Eu mudei, quando conheci um mercenário, com os olhos mais negros que já vi na vida... e com a cabeça mais dura dentre todos os teimosos...

Wufei suspirou diante da pilhéria. Era um momento de leve descontração.

- Wufei, você acha que temos tempo para uma despedida?

- Claro. Será apenas um 'até logo'. Quando eu voltar teremos uma comemoração de boas vindas.

Nem bem terminou de dizer aquilo, e ambos escorregaram em sincronia rumo ao colchão macio.

oOo

Quatre e Trowa já haviam tomado o caminho para o reino do loirinho. A preocupação do jovem com seus familiares era tão grande, que nem pudera esperar para se despedir de Heero, Treize e Wufei.

Claro que o garoto de franja entendia tal ansiedade, e ficaria ao lado do amante sempre.

- Vai estar tudo bem, Quatre...

- Oh, Trowa, Relena é tão imprevisível. Porque tomou essa atitude? Se eu soubesse que tentaria dominar os reinos, teria trazido meus pais e minhas irmãs para cá.

O mais alto balançou as rédeas do alazão malhado, fazendo-o apertar o trote.

- Falando nisso, a decisão tomada por Relena é quase suicida. Ela deve saber que não tem potencial para duelar com todos os reinos por muito tempo. Era melhor que tivesse se mantido as sombras, apenas enfrentando os rebeldes.

- A menos que ela planeje uma vitória rápida. O que seria muita prepotência da parte dela.

- Hn. Ou... talvez tenha acontecido algo que a fez se precipitar.

- Mas o que?

- Não sei. Talvez tenha conseguido despertar o Gundam de Yui. Com esse MD e as forças das três fêmeas, Relena teria a vitória muito próxima.

- Tem razão! - Quatre arregalou os olhos verdes - Nós temos alguns MD bons, mas não se comparam as fêmeas de Sank, e... não estariam a altura de um Gundam...

- Ela está se movendo como num jogo de xadrez. Atacou os reinos mais próximos de Sank, e que são estratégicos: o Reino Colonial 05 possui os melhores soldados e mercenários, que seriam decisivos num combate a longo prazo. E o seu reino, Quatre, é o maior responsável pela exportação de alimentos. Não seria perfeito, reduzir drasticamente as reservas de alimentos dos inimigos?

- Uma manobra cruel, com certeza.

- É um golpe sujo, mas você sabe: na guerra vale tudo.

Suspirando, o loirinho segurou seu cockpit e se pôs a observar atentamente sua medalha. A mesma possuía um tom tão bonito de marrom, parecia cheia de vida, assim como a terra mais fértil de todas, a terra de seu reino.

Quando Relena começara as primeiras rivalidades, seu pai, o imperador Winner, o chamara para uma conversa muito séria, onde lhe entregara aquele cockpit, afirmando ser o abrigo de um dos lendários Gundam.

Com muita surpresa, Quatre recebeu a medalha, descobrindo ainda que sua família era a guardiã de tal tesouro há séculos e séculos. E agora ele recebia o encargo de despertar o dragão lendário e pilotá-lo para defender a paz entre os reinos.

Nessa época ele e Trowa, o dono do mais famoso circo ambulante do Reino Colonial 03, já eram amantes. Haviam se conhecido durante uma das apresentações na terra do loirinho e se apaixonado praticamente no mesmo instante.

Era, como a major Sally costumava dizer, um amor carmesim, tingido no rubro da mais incontrolável paixão, e flamejante como a mais intensa das chamas.

Foi então que Quatre descobriu que Trowa também era um dos cinco pilotos Gundam. Tal fato provava mais uma vez que não havia coincidências naquela vida. Com certeza o encontro de ambos fora predestinado pelas estrelas.

Definitivamente encantou-se ao saber que o cockpit de Trowa era cinzento, e representava o frio e indiferente metal. Um elemento poderoso, que parecia não se envolver realmente, mas que no fundo era impetuoso, forte e mortal, principalmente quando lutava pelo que acreditava, e tentava proteger o que amava.

- O que foi? - Trowa perguntou olhando de lado para o amante - De repente ficou tão pensativo. Procure não se preocupar demais, tudo vai dar certo.

- Sim. Eu confio nisso... estava apenas pensando...

- Hn.

Corando um pouco, Quatre agitou as rédeas de seu belo garanhão branco, fazendo levantar uma nuvem de poeira, enquanto cortava a estrada de terra rumo ao seu ameaçado reino.

Trowa balançou a cabeça. O loirinho dificilmente era dado a atitudes precipitadas. Mas não podia negar que quando corava daquele jeito... ficava muito fofo!

Permitindo-se sorrir de leve, Trowa também agitou seu cavalo. Em algumas horas se aproximariam da fronteira, e então, se jogariam de cabeça nos perigos desconhecidos.

oOo

- Preciso descansar... um pouco...

Duo deixou-se cair no chão, ao lado de uma grande árvore. Estava realmente exausto. Obrigara-se a caminhar por todo aquele dia, sem parar nem uma única vez. Seria tempo desperdiçado, afinal não trazia comida consigo, e nem água...

- Com certeza não era o Reino Colonial 04, ou já teria esbarrado em alguma árvore frutífera.

Cuidadosamente, passou a mão pelo ferimento em suas costas, sentindo a pele arder. Estava se recuperando bem, mas todo o esforço das últimas horas vinha cobrar o preço. E o mesmo era altíssimo.

Fora um imprudente, mas não tinha escolhas. Desconhecia se era perseguido por algum soldado de Relena... nem imaginava onde estava, se aquele local era muito distante de seu destino ou não...

- Céus...

Ainda bem que não estava sozinho. Tinha os dois cockpit em seu poder, e a presença reconfortante de Deathscythe. Sim, podia sentir que o grande Móbile Dragon azul permanecia em seu coração, acalentando-o ao mesmo ritmo das batidas do coração que ambos compartilhavam.

Dois seres, uma única alma.

- Espero que... seus ferimentos não estejam doendo tanto quanto... os meus...

Suspirando, o garoto de tranças passou a mão pela testa, limpando o suor frio que escorria. Suas mãos tremiam, e todo o corpo parecia tão enfraquecido, que ele temia desabar a qualquer momento.

- Sinto muito, Deathscythe. Eu devo ser... o pior de todos os pilotos... que você já teve.

A tristeza de tal pensamento invadiu Duo, e o abateu mais do que qualquer mal físico já sentido antes. Finalmente desabou, rompendo em lágrimas.

Começou a chorar lamentando sua sorte, ou falta de sorte.

Chorou por seu Gundam, que era obrigado a partilhar dessa tristeza e de toda a dor. Lamentou pela major Sally, que dera a vida acreditando que Duo se tornaria um bom piloto e ajudaria trazer a paz aos reinos. Estaria decepcionada? Como tal pensamento feria!

E principalmente, chorou por Heero, atormentado pelo medo de que talvez, se as coisas continuassem indo tão mal... nunca mais reencontrasse o príncipe.

oOo

Heero e Wufei cavalgavam em silêncio lado a lado. Nenhum dos dois precisava da troca de palavras. Não tinham muito em comum, além do ideal de paz entre os reinos.

A preocupação maior do príncipe estava na segurança de Duo.

Como era possível que tal criaturinha dominasse seus pensamentos depois de tão pouco tempo de convivência? Caminhava a mais de um dia tentando ruminar aquele assunto.

Heero conhecia as belas cortesãs de seu reino, vivia cercado pelas magníficas damas, todas de puríssimo sangue azul... e nunca dedicara a elas mais do que um reles olhar desinteressado.

E quando menos esperava, Duo entrara em sua vida, com os olhos violetas mais belos e raros que já encontrar antes. Com seu jeitinho meio insolente e moleque, enganosamente inconseqüente, trazendo consigo um coração visivelmente generoso e preocupado. Muito sincero e devotado às coisas que acreditava e protegia.

Isso ficara óbvio na devoção a major Sally.

Suspirando, Heero encarou os fatos: fora fisgado. Pela pessoa menos conveniente da face da Terra, mas sem dúvida a que melhor lhe completava. E disso o príncipe não tinha dúvidas. Não precisava de uma longa convivência para aceitar isso.

Só não era justo perder o amor, logo agora que o tinha ao alcance da mão. Heero não procurara por isso, mas já que ganhara um presente tão maravilhoso, não deixaria que fosse tirado de si.

Nem mesmo Relena e sua ambição cega tinha poder para isso.

- Estranho... - a voz sussurrada de Wufei tirou Heero de seus devaneios.

- O que foi...?

- Abalo... não sentiu?

Heero estreitou os olhos e prestou atenção. Ambos os cavalos se agitaram diante de um outro tremor, leve e quase imperceptível, mas presente.

- Móbile Dragon?

- Com certeza. Meu reino não cederia aos caprichos de Relena sem lutar. Zechs e Tallgeese devem estar enfrentando resistência.

- Então vamos logo! Temos que ajudá-los de algum jeito!

Wufei balançou a cabeça concordando e picou esporas, fazendo o cavalo castanho galopar mais rápido.

Levemente arredio, olhou para baixo, prendendo os olhos negros em seu cockpit escarlate. Não tinha a menor idéia de como ativar o MD...

Qual seria o truque? Uma palavra? Uma frase? Algum pó ou poção?

Esse era um segredo que apenas o piloto guardião da água sabia.

Pelo menos por enquanto.

oOo

- Trowa, sentiu isso?

- Hn. Foi um abalo.

- Devem ser os MD de Relena. Será que meu pai está lutando contra Vayeate e Mercurius?

- Não se torture. Os tremores estão cada vez mais próximos.

O garoto de franja estava certo. A terra tremia cada vez mais violentamente. Foi então que o solo se sacudiu com tanta força, que os cavalos perderam o equilíbrio, caindo ao chão, e lançando seus cavaleiros longe.

- Quatre! Você esta bem?

- Sim, e você?

- Hn.

Ambos se levantaram, percebendo que os cavalos fugiram assustados.

- O que houve?

Ao invés de responder, Trowa olhou para cima. O olho verde se arregalou de surpresa e incredulidade.

- Trowa...?

O amante apontou para cima. Quatre seguiu a direção indicada, então empalideceu muito.

- Céus!

A cena era dominada por dois grandes Móbile Dragon. Ambos tinham mais de quinze metros de altura, e pesavam várias toneladas.

O mais alto tinha as escamas lilases, possuía dois braços longos e fortes, e uma grande crista, também lilás, em volta da cabeça. Era Mercurius, o MD da comandante Noin. O outro era alguns metros mais baixo. Possuía aparência realmente assustadora. A grande cabeça era dominada por dois chifres pontiagudos e suas escamas eram prateadas como a luz da lua. Tratava-se de Vayeate, sanguinário MD de Lady Une.

- Estão destruindo tudo! - exclamou Quatre.

Os olhos verdes se marejaram, ao ver a destruição causada pelos dragões. Não havia outros MD por perto, ou seja, elas não lutavam. Apenas destruíam a terra fértil, arrancando as árvores centenárias do chão, e pisoteando imensas plantações.

Aquela cena causou uma angústia incontrolável ao jovem loiro. Sua terra estava sendo despedaçada em nome de uma falsa guerra.

Sua terra...

Porém as coisas se precipitaram quando Vayeate moveu-se, girando o corpo em 180 graus, tentando esmagar um pequeno vilarejo que havia por ali. Com tal movimento a enorme cauda do animal virou-se em direção dos pilotos, mais especificadamente para o lado de Quatre.

O loirinho seria esmagado!

Continua...


(3) Pra quem achou que não podia piorar: agora virou Eskaflowne...

(4) Eu num disse que era pokebola? Então, direto para o centro Pokemon mais próximo...

(5) Código Púrpura era o nome dado ao código mais complexo criado pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.