Naquela noite, Yoh pode se sentir deitado em algo mais desconfortável do que de costume, embora o movimento do mesmo lhe passasse a sensação de estar flutuando rapidamente em sua mente. Abriu os olhos levemente, sem mover nenhum outro músculo, mesmo que a menor presença de luz o incomodasse, era o primeiro contato dele com a realidade desde que tinha tombado pela enfermidade. Atraído pela luz noturna, olhou a janela, e viu as montanhas congeladas, ele conhecia muito bem aquele paisagem, deitado no banco de trem, conseguia sentir a presença de alguém à sua frente – Matamune?... – Se lembrou da primeira vez que viajou para Osorezan, naquele mesmo banco o gato tinha se sentado na última vez – Quem estou enganando? – novamente a cena dela se partindo com seu irmão volta à tona – Eu lhe matei Matamune... e não pude sequer manter minha promessa – As lágrimas escorrem pelo rosto imóvel do shaman. E ele adormece de volta em seus próprios pesadelos.


A velha Itako conduzia Mikihisa, que levava consigo seu filho, no lombo de Imaki e Shigaraki, até o quarto. Trocaram suas roupas, colocaram outra compressa em sua testa, e cobriram o garoto contra o forte frio de Osorezan.

Em seguida estenderam uma cortina ao seu lado, como num hospital quando se vai dividir os leitos. E colocaram suavemente um corpo imóvel, frágil, quase angelical ao seu lado. Acendem uma pequena "lareira" sobre uma superfície própria, e a colocaram ao lado dela, para aquecê-la ainda mais, aquela chama talvez representasse sua única chance de sobreviver naquela noite, tendo em vista a condição que fora encontrada, e o seu quadro nos últimos dias.


Lá fora começava uma tempestade de neve, e os sons dos ventos se faziam ouvir dentro da casa suavemente, como se o interior da casa velha pertencesse a uma outra dimensão, sofrendo uma imperceptível interferência. O garoto havia reconhecido aqueles sons, certa vez já cometera a loucura de atravessar tal tempestade, uma nostalgia misturada com arrependimento crescia dentro do seu ser, quando ele pensou ter percebido ter uma pequena força oracular, imperceptível para um shaman qualquer, mas inconfundível para os sentidos dele. Abriu os olhos hesitante, sem nenhuma emoção, talvez esperando que a frio que sentia congelasse de vez seu sonho bobo. Olhou para o teto, e percebeu uma luz fraca ao seu lado, e sem esperar nada, seguiu com os olhos a luz... e com um grande choque viu as sombras das curvas de um corpo que jamais esqueceria, embora ainda restasse dúvidas no coração dele...

A itako estava perdida em suas próprias trevas, mas também havia percebido uma fraca presença emanando de algum ponto do vazio. Abriu os olhos, e virou com esforço seu rosto para o fogo, não queria fixar seu olhar cansado nas trevas, embora se sentisse atraída pela mesma, não sabia direito o quê, mas algo a chamava e ela temia o que encontrar, seja lá o que fosse... estava farta do mundo. Até ouvir uma voz fraca, que acertou de surpresa sua alma, chamando um nome que para ela era apenas mais um sinônimo de sofrimento:

- A.. a.. anna ?

Estava confusa, queria fugir, duvidou se era sua imaginação, mas sentiu um pequeno calor dentro da sua alma, uma pequena chama que insistia em sobreviver na neve. Sua respiração ficou mais acelerada, embora a cada ciclo lhe causasse uma pressão no peito, resultando numa dor física horrível.

Ouvindo aquilo, o jovem sentiu como se no fim de tudo, pudesse se completar, o que já tinha perdido uma vez agora estava lá ao seu alcance:

- É.. é.. você Anna?

Não houve resposta... mas aquele silêncio confirmava ainda mais as suspeitas do jovem shaman.

- Você não muda não é mesmo Aninha?... – disse o garoto baixinho, acompanhado com um pequeno e triste sorriso - esperei tanto... tanto... e ainda assim continuaria esperando... olha como estou agora...

As lágrimas da itako rolaram ainda mais, a voz que lhe dizia isso, parecia um dos murmúrios que sempre ouvia naquele lugar, pequenos soluços de uma alma despedaçada se faziam ouvir no lugar... infelicidade e tragédia era tudo que rodeava aquela presença... e seus demônios voltavam contra ela...

- Mas apesar de tudo... se este é o fim quero você do meu lado ... para... poder fazer valer a pena...

Seus músculos estavam dormentes, e parecia não poder sentir o corpo, mas ainda assim esgotou toda energia do seu corpo para por os pés no chão.. até ouvir uma voz triste, manchada de sangue, embora com uma beleza por essência:

- Se afaste de mim ! Ou você será infeliz Yoh Asakura !

Estava feliz de poder ouvir aquela voz novamente... aquela frase apesar de tudo, já lhe fora dita uma vez, e agora já não lhe tinham motivos para hesitar.

- Você já devia saber que eu não vou fazer isso... mas... dessa vez... não vou deixar você ir novamente...

Apoiado na parede o shaman se põe de pé, e com a outra mão abre a cortina levemente, sem poder sentir o tecido nas suas mãos... pela primeira vez em tantos anos revê aquela itako deitada de costas para ele, estava coberta até a altura dos braços com um cobertor, e vestia um kimono branco... se contorceu um pouco mais para o lado, quando a cortina foi aberta... e podiam se ouvir pequenos soluços daquele anjo que estava deitado à sua frente... Yoh nunca a tinha visto assim, naquele momento sentiu uma enorme vontade de reconfortá-la, a preocupação agora lhe era aparente. Deu um dois passos para frente, e se deitou suavemente ao seu lado, embora quase estivesse caindo devido as suas condições físicas.

- Por que? Por que faz isso? Não percebe que eu o traí... que sou a causa de infelicidade... que não existe futuro comigo... o que eu tenho? ... – diz Anna baixinho em meios os soluços – Por que?

O shaman abraça sua noiva, e a puxa para si, querendo sentir o calor daquela presença, embora estivesse gelada superficialmente, jamais a largaria...

- Eu também não sei o porquê – diz o garoto soltando um pequeno sorriso – Só sei que te amo Anna... não importa como... não vou te deixar...

E encosta seus lábios no pescoço da noiva que lhe tinha voltado...

Pela primeira vez Anna se sentia totalmente preenchida, mais uma vez ela tinha certeza que apesar de tudo, aquele garoto JAMAIS ia lhe deixar, e com mais esforço se virou para ele o olhando nos olhos. Neste momento a tempestade de neve, abre a janela apagando a chama que aquecia os dois, assim os frágeis corpos passaram a noite abraçados, e seus lábios após se unirem uma única vez repousaram eternamente a poucos milímetros um do outro... até o último suspiro de vida de ambos...

Alguns dias depois todos os amigos, todos os membros da família Asakura se reuniam para contemplar um acontecimento especial, finalmente as duas almas tinham entrando em união eterna na desértica paisagem de Osorezan... seus rostos demonstravam tristeza, mas no fundo desejavam felicidades para a nova vida do casal, essa nova existência que permaneceria para a eternidade. A nova história começaria, justamente onde a antiga começou.

Alguns shamans mais experientes deviam ter visto uma garotinha no alto de uma colina sozinha por alguns, sendo conduzida para a eternidade até sumir, de mãos dadas com um garoto de cabelos longos e capa... que esbanjava enorme experiência e bondade...
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- Não disse... para tudo se dá um jeito !


Nota do autor:
Finalmente terminei uma fanfic o/o/o/o/o/
Nossa... eu amei escrever esse final - eu já tinha ele esboçado na minha mente, mas hoje simplesmente a cena e seus detalhes, simplesmente vieram do nada xDD
Gomen se ficou um pouco enfadonho... mas não conseguia fazer tal cena tão friamente, tive até que me controlar para não acabar escrevendo mais u.u''