Dedicada a Babi Granger Potter e a Kynn Lucky, valeu pelas reviews!Digo e repito: Card Captor Sakura e A marca de uma lágrima não me pertencem, são do Grupo Clamp e do escritor Pedro Bandeira.

Capítulo 4:

Só, com o inimigo – A paixão e o tormento

"A Sakura é fingidora,

finge tão completamente

que chega a fingir que é amor

o amor que deveras sente..."

O telefone tocava insistentemente na casa de Sakura, e sua mãe berrava para que ela atendesse ao telefone. Sakura desceu pisando duro e pegou o fone, fazendo o barulho parar.

- Alô... – ela encostou o fone sobre a orelha.

- Alô, senhorita Ilusão? – perguntou uma voz masculina e familiar do outro lado da linha.

- Ah, é você, Syaoran... – ela respondeu com desânimo.

- Puxa, que voz desanimada! Acho que eu merecia um pouco mais de entusiasmo por ter ficado a manhã inteira procurando minha ilusão. – ele disse meio decepcionado. – Onde você se escondeu?

- Acho que você não tem nada com isso, Syaoran.

- Isso é o que se pode chamar de um 'fora'. Só que eu sou surdo à palavra 'não'. Eu insisto até ouvir o 'sim' que quero ouvir. – ele disse confiante e de uma forma teimosa, desafiando-a para ver se realmente ela o ignoraria.

- Olhe, eu perdôo a sua insistência se...

- Não quero que você perdoe, quero que aceite! – ele a interrompeu e disse mais alto.

- Desculpe, Syaoran, é que hoje eu não...

- Como fazer pra dobrar você, Sakura? – ele a interrompeu novamente, dessa vez com a voz curiosa. Cada vez mais gostava dela.

- Você já sabe o meu nome?

- Sei muito mais. Sei que está triste e sei também que está com a tristeza errada.

- Como sabe disso? – ela pareceu surpresa por um momento.

- Certas coisas não se precisa saber. Basta sentir. – ele falou num tom baixo e romântico.

- Pois você sente errado. E não tem nada que se meter n minha vida. Me deixa, tá legal? Me esqueça! – ela quis gritar com ele, mas não queria ter que discutir com sua mãe depois. Aquele garoto realmente estava dando nos seus nervos. Por que ele simplesmente não aceitava o seu "Não"?

- Eu nunca vou esquecer daquela noite, naquele jardim...

- Tchau, Syaoran! – o fone já estava longe do ouvido de Sakura, pronto para ser violentamente desligado, e a menina não pôde ouvir a última frase de Syaoran.

- Eu quero você, menina malcriada! – ele disse maliciosamente, desligando depois.

- Como é? Será que a feiosa, a gorducha, vai aprender a lição? – Sakura encontrou o inimigo especialmente cruel. A rachadura partia-lhe o rosto em dois, deformava-o, agravando e justificando a crueldade. – Então você acha que Eriol ia olhar pra você com olhos diferentes daqueles com que se olha a priminha gorducha e de óculos? Priminha... – Sakura estava sem defesa. Dizer o quê, se naquele momento, tudo o que ela desejava era nunca ter nascido? – A grande poeta que cria versos de amor para ajudar a rival a roubar-lhe o namorado! Burra... Trouxa...

Sobre a pequena mesa de trabalho, lá estava mais uma carta. Mais um ofertório da vida de Sakura para Eriol, mas entregue por Tomoyo. Ela se punha em suas mãos, mas seria Tomoyo à quem Eriol abraçaria e amaria. Ao lado da carta, uma pilha de seus livros preferidos. Quantos amores foram conquistados com as palavras daqueles maravilhosos poetas? Será que eles também sentiram o mesmo desespero? O mesmo ciúme? A mesma vontade de sumir, de morrer? Impossível ter todos esses sentimentos por tantos amores desconhecidos. O seu caso era muito diferente daqueles. Só havia um namorado a conquistar, e ela estava fazendo isso... para outra!

Afastou-se do inimigo e despiu-se lentamente. Abriu o chuveiro e deixou a água morna correr por seu corpo, na esperança de lavar sua alma e limpar aquela tristeza que parecia não acabar. Depois de alguns minutos, fechou o chuveiro e pegou a toalha. Enxugou-se diante do inimigo, sem se importar com o que ele pudesse dizer. Amanhã, no cinema, Eriol leria o poema que serviria para aumentar seu amor por Tomoyo. Fazendo, assim, com que sua ilusão fosse liquidada de vez, distanciando de uma vez por todas a esperança de algum dia ele prestar atenção à ela, a priminha gorducha, a amiga feiosa, a escritora de óculo, o cupido de espinha no nariz.

Aproximou-se do inimigo rachado, disposta a eliminar a espinha pelo menos. Mas ela não estava tão grande assim e já secara. Tateou o rosto em busca de outra. Era tão feio assim o seu rosto? Tão repulsivo a ponto de Eriol não encontrar nenhum tipo de encanto? E seu corpo era mesmo tão gordo? Não tinha curvas, aquelas saboneteiras, aquela penugem sensível à carícia em sentido contrário, como dizia Vinícius de Moraes? Naquele momento, Tomoyo também deveria estar pensando no mesmo rapaz e na mesma intensidade. Sakura sentiu nojo de si mesma, sentia-se traindo a amiga por compartilhar do mesmo leito e amor pelo mesmo rapaz. Ah, aquele beijo no jardim... Será que escuridão teria sido a benfeitora a transformar a sua feiúra em fascinação e fazer com Eriol, por um segundo, tivesse se sentido atraído?

Aquele beijo... A pele cheirosa daquele peito de sonho... A correntinha a roçar-lhe o rosto... O hálito acariciante... Os lábios úmidos à procura dos seus... Ah, bendita penumbra, que lhe permitira ao menos uma vez na vida sentir-se completamente feliz ao aventurar-se naqueles braços adorados! Depois, porém, com a mesma penumbra, só houve dor, desilusão, decepção e catástrofe... Pensou que seria diferente naquela manhã... Pensou que talvez pudesse realmente ser feliz com ele, o seu tão maravilhoso sonho... Mas por que fora tão desesperador assim? Por que tinha de ser assim?

"Ah, Eriol, por que não me tomou novamente naquele laboratório gelado, no meio das formas mumificadas, do formol, no meio de ácidos e fórmulas, das cobras e das aranhas? Da Linamarina? Eriol, tudo o que quero é ser sua, ser feliz ao seu lado e realmente me sentir uma mulher de verdade. Ah, Eriol... Por que me magoou tanto?"

O shopping estava estranhamente agitado, só piorando o nervosismo de Tomoyo. Sakura continuava com seu olhar perdido no espaço, concentrada em seus mais profundos pensamentos. Só se desconcentrava quando Tomoyo queixava-se nervosa.

- Ah, Sakura, estou muito nervosa! Será que ele vai vir mesmo? – ela dizia e perguntava receosa.

- Chegamos muito cedo, Tomoyo. É claro que ele vem. – Sakura forçou um sorriso, na esperança de tranqüilizá-la. Ergueu o braço lentamente, como se pesasse muito, e olhou para o seu relógio. – Ainda faltam dez minutos.

- Meu cabelo está bom? Você acha que estou bem nessa roupa? Você acha que minha blusa combina? – ela perguntava apressadamente.

- Você está linda, Tomoyo. Agora pare de bancar a criancinha. – Sakura falava não se importando muito, mas Tomoyo estava tão ocupada sentindo-se nervosa que não conseguia perceber o que sentia sua amiga.

- Ah, Sakura, você devia ter visto a cara do Eriol quando leu o poema... – ela sorriu meio abobada e corou um pouco, lembrando daqueles doces momentos.

- Ele disse alguma coisa? – Sakura fingiu estar interessada em saber.

- Não. Não disse uma palavra. Sorriu, e foi como... Como... – Tomoyo tentava encontrar a palavras certas.

-...Como se o sorriso improvisasse uma resposta de amor... – continuou Sakura.

- Hum? – Tomoyo despertou e fitou Sakura. – Acho que foi isso mesmo. Ele é inteligente até calado! – fizeram um pequeno silêncio entre si. Sakura virou o rosto e olhou à sua volta, no meio das pessoas que subiam pela escada rolante do shopping, ela reconheceu alguém. Um rapaz passava, bastante apressado para "ir" ao cinema.

- Tchau, Tomoyo. – ela virou o rosto novamente e fitou a amiga. – Eriol vem aí. Se ficar nervosa e sem saber o que dizer, entregue esta carta a ele. – Sakura abriu sua bolsa e tirou uma folha de dentro, entregando à uma confusa Tomoyo.

- Outra carta? – ela surpreendeu-se. – Mas a letra não...

- Não se preocupe. Eu sei imitar sua letra. – interrompeu Sakura, forçando outro sorriso.

- Ah, Sakura, você é demais! – Tomoyo sorriu muito feliz. – Nem sei como agra...

- Então não agradeça. – interrompeu Sakura novamente, afastando-se mais da amiga. – Tchau, Tomoyo. – ela virou-se e tomou seu caminho sem um rumo certo, enquanto, lá trás, Tomoyo e Eriol trocavam carinhos entre si.

Entrou numa livraria qualquer e tinha um ar despreocupado, como se no cinema, quase vizinho, não tivesse deixado um pedaço de sua alma. Sakura procurou as estantes do fundo, que sempre têm menos gente e luz. Ao acaso, uma edição luxuosa: Fernando Pessoa. Bateu os olhos no livro e incluiu a si mesma no poema "Autopsicografia":

A Sakura é fingidora

finge tão completamente

que chega a fingir que é amor

o amor que deveras sente...

Lia com um sorriso vago, como se lê uma velha anedota. Outro fingimento, afinal, não era ela a rainha dos fingidores? Fingia tão completamente naqueles versos e cartas que Eriol acreditava naquele amor. E ficava cada vez mais apaixonado... Por Tomoyo.

"Fingir não é difícil, quando se finge que se finge. É só usar alguns exageros, alguns símbolos...", pensou consigo. Mas uma vez, das páginas do livro, saltaram as palavras de Fernando Pessoa, reforçando o pensamento de Sakura:

Símbolos? Estou farto de símbolos!

Que o sol seja um símbolo, está bem.

Que a lua seja um símbolo, está bem.

Que a terra seja um símbolo, está bem.

Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,

mas a costureira que pára vagamente à esquina

onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?

Símbolos? Não quero símbolos!

Queria que o namorado voltasse para a costureira!

A pouca luz que iluminava a página diminuiu, coberta por alguém às suas costas. Logo reconheceu a impertinente pessoa.

- Renovando as ilusões, senhorita Ilusão? – ele perguntou-lhe animada e cinicamente. Syaoran, sempre Syaoran! Sempre nas horas em que Sakura queria ficar sozinha, curtindo sua tristeza e sua dor de cotovelo! – Fernando Pessoa... – ele leu calmamente nas mãos de Sakura. – Gosta de Fernando Pessoa? E da minha pessoa, você gosta? – ele perguntou interessado. Sakura suspirou e virou-se para fitá-lo.

- Poderia gostar mais, se a sua pessoa fosse menos insistente e soubesse escolher uma boa hora para aparecer... – ela respondeu impaciente sem fitá-lo.

- Dessa vez, acho que quem escolheu foi você. Eu trabalho à tarde nessa livraria. – ele encostou-se ao lado dela, sem deixar de fitá-la nem por um segundo.

- É mesmo? – ela perguntou meio cínica. – Eu não sabia...

- Tem muita coisa que você não sabe, Sakura.

- E que você, certamente, gostaria de ensinar, não é? – ela perguntou cínica novamente.

- Você não encontraria professor mais dedicado. – ele sorriu, imitando o cinismo dela.

- Por que, Syaoran? O que você quer? – ela virou o rosto e fechou os olhos.

- Você, Sakura. – ele sussurrou bem perto do seu ouvido, fazendo-a estremecer.

- O que você vê em mim? – ela afastou-se. – Uma gorducha, de óculos, feiosa e sem graça, que ninguém tira pra dançar? – ela perguntou triste.

- Não. Isso é o que você vê. O que eu vejo é uma garota adorável, que se esconde em jardins para não ser tirada pra dançar... – ele disse em tom baixo, aproximando-se dela novamente. Sakura fechou os olhos de novo e virou-se para ele meio irritada.

- Que é que você entende, Syaoran? Que é que você sabe!

- Aquilo que eu não sei não posso saber que não sei. Por que você não me conta? Vamos sair um pouco. Que tal dar uma volta? – ele perguntou, como se não tivesse escutado o tom dela ou suas palavras. Sakura suspirou, não adiantava protestar nem nada. Ele não a deixaria em paz. Pensando bem, até que seria melhor mesmo que desse uma volta com ele.

- Mas você não está trabalhando? – ela perguntou em tom baixo, olhando-o diretamente nos olhos dessa vez. Syaoran sorriu.

- Tenho direito a uma folga. Depois, minha mãe é a dona da livraria...

Até que fora bom encontrar Syaoran. Ele a ajudara a passar aquelas duas longas horas. Poderia até ser um bom amigo, desde que parasse de chamá-la de "senhorita Ilusão", é claro. Com aquele passeio, depois que Sakura pegou Tomoyo no cinema, tinha até no que pensar para não ter que ficar ouvindo as descrições da amiga.

- Nem deu pra ver com quem era o filme, menina! – disse Tomoyo ainda rindo muito e um pouco corada. – Imagine que...

Syaoran, na verdade, tinha sido menos cínico e, ela tinha que admitir, um pouco agradável. Mas Sakura só enxergava Eriol quando tentava ver Syaoran, só ouvia a voz de Eriol quando tentava escutar a de Syaoran.

-...Me deu até vontade rir! – continuou Tomoyo. – Mas, num momento, eu estava nas nuvens, porque Eriol... – em pensamentos, Sakura interrompeu a descrição da amiga.

"Por que, Eriol? Por que a Tomoyo? Por que não eu, que escrevi todo o amor que Tomoyo sente por você? Você acreditou, não foi, Eriol? Então por que não consegue ler esse amor nos meus olhos?", ela pensava aflita.

-...Eu nem sabia o que fazer, Sakura! Mas, pelo jeito, ele sabia por nós dois e estava louco pra me ensinar...

"Eu também queria aprender, Eriol. Eu também queria ensinar. Juntos, ninguém saberia mais do amor do que nós... Eu aprendi tanto com aquele beijo, com aquela noite, com seus lábios, com seu calor, com seu cheiro... mas..."

- ...Bem, eu não queria deixar, mas foi aí que... – Tomoyo falava sem parar, e Sakura sentiu a raiva e resignação explodirem de vez.

- Cala a boca, Tomoyo! – ele esbravejou.

- Oh, oh! Mais uma cartinha? – perguntou o inimigo, sarcástico e se fazendo de bobo. – Quantas já escreveu para Eriol? Cinco? Dez?

- Cala a boca! – esbravejou Sakura. O inimigo ria-se sério, como se transformasse cada escárnio em uma bofetada. Surrada por ela mesma, Sakura punha no papel todo o tormento e toda a paixão que a perseguiam, que aumentavam a cada dia e cada carta que renovava o namora de Tomoyo e Eriol. O mesmo papel que, mais uma vez, seria entregue pela amiga ao seu amado. E que aumentaria a paixão de um lado e o tormento do outro.

Ah, tormento que eu não posso confessar...

O que eu escrevo é a verdade, eu não minto,

eu declaro tudo aquilo que eu sinto,

e é a outra que teus lábios vão beijar...

Sei que quanto mais verdade tem no escrito,

mais distante eu te ponho dos meus braços,

pois desenho o paralelo de dois traços

que na certa vão perder-se no infinito...

Estes versos feitos pra te emocionar

justificam todo o amor que tens por ela

e as carícias que esses dois amantes trocam.

E eu te excito, sem que venhas a notar

que esses lábios que tu beijas são os dela,

mas são minhas as palavras que te tocam...

- Não! – Sakura finalmente se deu conta do que havia escrito. – Onde estou com a cabeça! Eriol não pode saber que... Nunca! Eu prometi! Preciso escrever outra carta. – Sakura amassou a folha e jogou-a dentro do cesto de lixo. – Ah, Eriol, eu morro...

- Sakura! Telefone pra você! – o grito histérico da mãe ecoou pelo banheiro outra vez. Com certeza seria Syaoran de novo. Ela já estava se acostumando a ele. Desceu as escadas lentamente, enquanto o fone descansava sobre a mesinha.

- Alô? – ela pegou o fone.

- Alô, priminha? É você? – uma voz mais do que familiar perguntou do outro lado da linha. Sakura sentiu-se enfraquecer, suas pernas ficaram bambas.

- E... Eriol...