Capítulo 5:
A segunda promessa – Perdas de amor
Eriol! Era ele! E queria falar com ela! Pedira segredo e que se encontrassem em meia hora no parque de diversões. Seria até melhor, pois, se ele viesse à sua casa, sua mãe ocuparia todos os espaços, ofereceria lanches, não os deixaria à sós nem em paz. Mas por que "à sós"? O que haveria para segredar? Será que... será que ele tinha conseguido ler nas entrelinhas das cartas que Tomoyo lhe entregava? Será que ele descobrira...Não! E se ele e Tomoyo tivessem brigado e ele tivesse descoberto que Sakura era o seu grande amor na verdade? Que nada! Impossível! Como o amor que ele nutria por Tomoyo poderia acabar-se assim depois de todas aquelas cartas e poemas? Depois, mesmo que os dois tivessem brigado, por que ele haveria de lembrar-se dela? Nunca mais haviam se falado depois daquele dia no laboratório...
"É melhor perder as esperanças. Mesmo que ele desista de Tomoyo, nunca haveria de lembra-se de mim. Além do que, você não vai desistir de Tomoyo, Eriol. Eu não vou deixar. Eu continuarei te amando, e você à mim através de minha cartas. Mesmo que você nunca venha a saber disso, meu amor..."
A semana estava no meio e o parque de diversões estava quase deserto. Uma babá trocava sorrisinhos com o sorveteiro enquanto a criança de quem ela deveria cuidar aproveitava para ver de que cor ficariam seus sapatinhos brancos depois de mergulhados na lama até o tornozelo. Sakura o esperava em frente ao parque, curiosa para saber o que ele queria com ela. Logo ele chegou, lindo como sempre. Como sempre estava nos pensamentos dela.
- Oi, priminha! – ele a cumprimentou sorrindo como sempre.
- Oi, Eriol... – ela respondeu desanimada. Logo vieram os beijos estalados e Sakura recordou do beijo daquela noite, aquele beijo tão diferente dos estalos que ele sempre lhe dava. Naquela noite, ela não fora sua "priminha". Fora mulher. Depois... Bem, depois era agora. Sakura o ouviu sem prestar muita atenção às suas palavras, que pareciam um de discurso de introdução a algo mais importante. Eriol falava da sua adaptação à cidade, das muitas escolas em que estudara por causa das viagens de seu pai, da turma boa que já conseguira formar, tudo entremeado de risada e "priminhas queridas".
- Quer um cachorro-quente, priminha querida? – ele perguntou-lhe muito animado.
- Não, eu... Estou de regime... – ela disse desviando o olhar. Atrás da montanha-russa, vazia e parada, parecia um bom lugar para conversar. Ali, os dois estariam protegidos dos poucos olhares indiscretos que aparecessem. Começou a soprar um suave vento frio e a enorme estrutura de ferro rangeu enferrujadamente. Eriol tinha acabado de devorar o cachorro-quente e limpava agora com as costas das mãos um bigode de mostarda.
- Priminha, como da outra vez, eu quero falar-lhe de Tomoyo... – ele disse calmamente. Sakura sentiu-se arrepiar com o vento e com o rangido irritante dos ferros. – Sabe, nunca encontrei alguém como ela. Nunca pensei que fosse me apaixonar desse jeito. Não tenho vergonha de confessar o que sinto por ela. Tomoyo é linda, mas é ainda mais... – as palavras de Eriol tornavam-se cada vez mais claras para Sakura, e ela encolheu-se, como a se proteger de algo muito assustador que estava por vir. E que realmente viria.
- Eu não esperava que ela tivesse tanta sensibilidade, priminha, além de beleza... – ele continuou com a série de elogios. – Engraçado... Você a conhece há tempos, e deve saber disso melhor do que eu: Tomoyo é tímida como um coelho. Quando estamos juntos, ela quase não fala, apenas sorri. É muito carinhosa, é claro, mas pessoalmente quase não se nota a brilhante e inteligente cabecinha que ela tem. Só que, quando ela escreve... – ele parou de falar. Não sabia realmente descrever o que era. Sakura o olhou triste e curiosamente.
- Quando ela escreve... O que é que tem?
- O mundo todo se enche de luz, priminha! Você nem pode imaginar! Todos os dias Tomoyo chega com uma carta, com uma prova de amor que me tira o fôlego! Bem, eu nunca fui muito ligado em literatura. Mas Tomoyo me abriu as portas para um novo mundo! Um mundo de pensamentos, de palavras, de emoções. Um mundo que eu desconhecia!
- Verdade? – ela perguntou sem muito interesse. – E está gostando desse mundo?
- Você deveria ler o que ela escreve, priminha! Acho que nunca li coisas tão lindas como aquelas em toda a minha vida... – ele falava com muita convicção e paixão.
- Ora, que exagero... – ela virou o rosto e riu da besteira dele.
- Exagero? – ele repetiu a última palavra dela. – Você diz isso porque não sabe do que Tomoyo é capaz! Tomoyo e você são amigas há muito tempo. Você já leu algum poema dela, não é? O que achou?
- Bem... Eu li alguns... – ela dizia em voz baixa. – Até que... Não são maus...
- Não são maus! – Eriol repetiu chocado. – São maravilhosos! Prima, eu estou cada vez mais apaixonado pela Tomoyo! No começo, foi o rostinho dela que me atraiu. Mas era muito pouco perto do espírito que ela escondia dentro dele. Agora nem penso mais em sua beleza. Quase prefiro estar em casa relendo as cartas, do que junto dela... – ele sonhava acordado, enquanto lembrava de cada palavra de "seus" poemas.
- Ah, Eriol, não fale assim... – ela abaixou a cabeça, fazendo com que o cabelo lhe cobrisse o rosto.
- Priminha, eu vou amar Tomoyo por toda a minha vida! Não me importa se ela é linda ou feia! Eu amaria de qualquer forma! Mesmo que ela a pessoa mais feia desse mundo!
- O quê! – Sakura levantou o rosto surpresa e o fitou. – Mesmo se ela fosse feia?
- É claro que sim! – ele respondeu mais do que imediatamente. Freneticamente, Sakura agarrou os braços de Eriol.
- Diga: você a amaria? Mesmo se ela fosse gorda? Mesmo se...
- Mesmo se eu fosse cego! Bastaria que alguém lesse para mim o que ela escreve. – Sakura afrouxou a pressão dos dedos nos braços dele aos poucos.
- Você... Você não sabe o que diz, Eriol... – ela disse virando o rosto. Uma garoa fina e gelada começou a se fazer sentir. Os rangidos dos ferros da montanha-russa percorriam a espinha de Sakura de alto a baixo. Atrás do seu sorriso, o rosto dela estava em branco. – Você... me trouxa aqui... Apenas para me dizer isso? – Eriol baixou os olhos. Toda aquela paixão, aquele entusiasmo deram lugar a um certo desânimo.
- Não... Na verdade, quero que saiba da minha felicidade. Afinal, foi você que levou Tomoyo à minha festa, não foi? E ajudou no nosso primeiro encontro. Eu lhe devo muito, priminha. – Você prometeu nos ajudar, lembra- se? – a garoa estava cada vez mais gelada e, caindo vagarosamente, já tinha encharcado os dois. – Naquela manhã, no laboratório... Você prometeu ser a madrinha desse amor maravilhoso...
- E o quer que eu faça? Que os abençoe? – ela perguntou cínica.
- Não brinque, por favor, priminha. Eu... Sabe... Nunca fui bom aluno. Eu só sei jogar futebol... – Sakura ficou surpresa.
- Mas, a tia disse...
- Isso são coisas da mamãe. Ela faz essas propagandas malucas onde eu apareço como ela queria que eu fosse. Eu sempre passei raspando, prima. Principalmente em português e literatura. Me sinto um pouco humilhado diante do talento de Tomoyo. O que ela pensaria?
- Ela te ama, Eriol. Isso basta.
- Disso eu sei. Só quem ama pode descrever o que ela escreve. Mas e eu? Eu não sei lidar com as palavras! Quando estou com ela, só consigo contar piadas! – ele disse, sentindo-se ridículo. Sakura quis rir do jeito dele, mas a tristeza não deixava.
- Pode ser um novo estilo de namoro. Piadas de amor... – ela gozou seu primo.
- Não brinque, prima! Eu não quero parecer ridículo perto daquela maravilhosa garota! Foi por isso que... que eu a chamei aqui. – ela tomou por entre as suas as mãos de Sakura e trouxe-as ao peito. Olhou profundamente em seus olhos. – Sakura, me disseram que você é ótima em redação. Foi por isso que pedi para falar com você. Preciso de mais um favor. – Sakura corou um pouco e deixou suas mãos apoiadas sobre o peito do rapaz. Sentiu pulsar-lhe o coração em dueto com o seu. – Prima, poderia escrever alguma coisa para eu dar a Tomoyo? – ele perguntou receoso, enquanto a ferragem rangeu de novo, quase abafando a voz surpresa de Sakura.
- Como! – Sakura retirou suas mão rapidamente, sentindo um frio em sua espinha.
- Só de vez em quando, priminha! Uma carta ou verso, para que Tomoyo não se decepcione comigo! Por favor, me ajude!
- Mas como é que eu posso...
- Escrever uma carta de amor para outra garota? – ele a interrompeu. – Você pode tentar, não pode? Talvez escrevendo como se fosse para o seu namorado. Depois eu copio, passando tudo para o feminino. Você tem namorado, não tem?
- Eu? – ela o olhou e fez uma pausa antes e responder. – Tenho... é claro...
- Como é o nome dele?
- O nome dele? É... Syaoran... – Sakura explodiu de raiva em pensamentos. Droga! Syaoran! Foi o primeiro nome que lhe viera à mente. Se Syaoran soubesse...
- Então escreva uma carta de amor bem bonita para Tomoyo como se ela fosse para Syaoran. Vai dar certo, vai ver. Será o nosso segredo! – ele sorriu de novo.
- Eriol, eu não...
- Por favor, priminha! Eu imploro pela sua ajuda! Você prometeu, lembra?
- Sim, eu prometi...
- Pois prometa de novo! – Eriol segurou-lhe pelos ombros e olhou-a bem nos olhos. Sakura esperou que um arrepio percorresse todo o corpo molhado e murmurou.
- Eu... Eu prometo... Eriol...
A aula era de filosofia, matéria que tinha fascinado Sakura desde o começo daquele ano letivo. Uma de suas aulas preferidas, com uma de suas professoras preferidas. Alguém com quem Sakura discutia acaloradamente. Mas, dividida como estava, como prestar atenção ao que dizia a professora Meiling? Como sempre, essa professora transbordava entusiasmo e contagiava cada aluno com sua paixão pela ciência do pensamento. Meiling era uma das poucas professoras a quem os alunos chamavam de você. Não por ser a mais jovem mestra da escola, mas por ser a melhor amiga dos alunos e uma das mais brilhantes do corpo docente.
Meiling acabara de defender brilhantemente na universidade uma tese de doutoramento em psicologia. Alguma coisa sobre educação por indução subliminar. A professora até já tinha conversado com Sakura sobre suas teorias e, naturalmente, a menina discutira essas idéias, pois não podia aceitar isso de educar alguém por indução subliminar. Um método de enfiar as idéias à força na cabeça dos alunos, sem compreensão nem aceitação. Uma traição covarde ao direito de pensar e de escolher livremente. Algo com que Sakura nunca concordaria. Mas Meiling era maravilhosa, um charme indiscutível. E apoiava as discordâncias com entusiasmo, mesmo que fossem contra ela própria.
- Meus queridos, a lógica não esgota o pensamento. Ela, apenas, não é o bastante para explicarmos inteiramente o processo de pensamento. Para pensar, precisamos de palavras. Sem ela, nada podemos reter na memória e nada podemos compreender. Devemos então, para melhor pensar, dominar as palavras, não é? Acontece, minha gente, que a língua tem também sua lógica, que tanto serve para enganar como para revelar. – ela levantou-se da cadeira e começou a escrever no quadro. – É um silogismo, como já vimos na aula passada. – ela terminou a frase no quadro e virou-se para a turma, repetindo a frase. – "O ser é ser e o não ser é não ser. Ora, se o não ser é não ser, o não ser é alguma coisa. Então, se o não ser é, o ser não é." Entenderam? Se aplicarmos a lógica da língua, este pensamento parece perfeito, não é? Assim, como um encadeamento lógico de palavras, podemos criar um absurdo...
"Um perfeito absurdo...", pensava Sakura. "O absurdo de alguém que põe no papel toda a lógica do seu pensamento, e o seu resultado é o nada... Muito bem, eu prometi. Agora tenho que criar mais absurdos!"
O inimigo, rachado de alto a baixo, dividia Sakura. Uma das duas deveria amar Eriol, e a outra deveria estar apaixonada por Tomoyo. Mas ela sentia- se inteira de Eriol, cada pedacinho sei vibrava, pulsava, pertencia a ele. Só que ele pertencia a Tomoyo. Como, então, escrever uma carta de amor para sua rival? Como ajudar seu amor a declarar-se mais ainda para a garota que a estava destruindo completamente? "Mas eu prometi, eu prometi..."
À sua frente, folhas rabiscadas, papéis amarrotados, um respondendo ao outro, um querendo agarrar o outro. Era como se a mão esquerda escrevesse para a direita, era como se um ouvido falasse para o outro. Por sobre aquela divisão, pairava a voz rachada do inimigo, provocando, torturando, gozando e aumentando a dor de Sakura.
Antes de ti, Eriol,
eu nem sabia sequer,
fui metade mim mesma,
fui pedaço de mulher...
Vou
deixar meu peito aberto,
Tomoyo de amor sem
fim,
sem porteiro, sem
vigia,
para que entres em mim...
- Ah, Sakura, idiota! Ouve, sou teu inimigo. Esquece essa promessa cretina! Ele adora o que você escreve! Ele adora você! – gritava o inimigo.
"As palavras de Tomoyo devem ser mais ingênuas. Acho que Eriol espera que seja assim. Ai, Eriol...", pensava Sakura enquanto escrevia.
Era metade mim,
era pedaço inocente,
pois eu era quase nada
e pensava que era gente...
Entra
aqui dentro,
Tomoyo,
aqui
não há nada de
mal,
mas
vais achar em meu
peito
um verdadeiro arsenal!
- Você cozinha os versos com o melhor tempero, não é? E pra quê? Pra morrer de fome enquanto os dois se empanturram com a emoção que você criou! – continuou o inimigo.
"Quando as cartas são de Eriol, acho que têm de ser mais fortes, mais ousadas. Ah, Eriol, eu quero que você seja assim..."
Hoje sou ré, sou culpada,
sou o sul e sou o norte,
confesso meu crime de vida
que dá luz em vez de morte!
É
só transformar em
granada
os
pulmões e o
coração
espalhando aos quatro
ventos
estilhaços
de paixão!
-
Cretina! Burra! Rasga isso! Seja mulher, Sakura! Vá atrás
dele e lute por ele!
"Sou mulher... Sou gente... Eriol... me escute... estou perdida...!"
Quero que venham os juízes
dispostos a me condenar
e te nomeiem carrasco
pra eu viver a te adorar!
Pois
que venha a
medicina,
pois
que berre, pois que
zangue!
Nós vamos juntos gritar:
Um... dois... Três... sangue!
- Rasga isso! Esquece!
Eriol
me agarra, sou
tua!
Vem
morar dentro de mim!
- Te entrega, Sakura!
- CALEM A BOCA! TODOS VOCÊS! – gritou Sakura.
Já havia se passado um mês desde que seu tormento começara. Desde então, vinha escrevendo cartas de amor de Eriol para Tomoyo, e de Tomoyo para Eriol. Os dois haviam se apaixonado ainda mais através daqueles poemas e cartas, sem saber que quem os escrevera fora ela, Sakura. Tomoyo fora visitá-la naquela tarde, com a desculpa de que queria estudar biologia. Subiram para o quarto de Sakura.
- Fique tranqüila, Tomoyo. Aqui a gente pode conversar sossegada. Minha mãe saiu, com enxaqueca e tudo. Temos a tarde toda só pra nós. – disse Sakura entrando no quarto. No banheiro em frente ao quarto, Tomoyo experimentou um batom de Sakura, espremendo os lábios e ajeitando as pequenas partes borradas.
- Precisa trocar este espelho, Sakura. Nem sei como consegue se maquiar com essa rachadura enorme. Como foi que quebrou? – perguntou Tomoyo ainda no banheiro.
- Sei lá. Quebrou, só isso. – respondeu Sakura do quarto. Ela estava separando uma pilha de livros e cadernos, mas olhou sorrindo para a amiga que voltava do banheiro. – Você não estava pensando realmente em estudar biologia quando veio pra cá, não é? – Tomoyo sorriu e andou sonhadoramente até a cama de Sakura, onde se jogou, sem se preocupar em tirar os sapatos. Ela colocou os braços embaixo da cabeça e os fez de travesseiro.
- Não sou como você, Sakura, que está sempre interessada em tudo, ligada nas coisas. Eu só tenho uma idéia fixa na minha cabeça. Uma idéia que já dura um mês. Não consigo pensar em nada que não seja o Eriol. Você não sabe o que isso significa...
- Ah... – Sakura acabou derrubando a pilha de livros das mãos e ajoelhou-se no chão, começando a empilhá-los apressadamente, como se um rios fosse carregá-los consigo. – Posso fazer uma idéia, Tomoyo. – ela disse.
- Acho que não pode. Ninguém pode saber o que é amar alguém como Eriol. Eu... eu acho que estou te traindo, Sakura... – ela disse bem baixo.
- Traindo? – surpreendeu-se Sakura. – Como? – a pilha de livros, quase totalmente empilhados, espalharam-se pelo chão novamente.
- Estou escondendo um segredo de você. Eriol adora suas cartas... – Tomoyo sentou-se na cama e olhou para Sakura.
- Adora mesmo?
- E como! Vou ser grata a você o resto da minha vida! Você me impediu de passar por burra diante de Eriol. Ele parece tão caído por mim quanto eu estou por ele. No começo, ele se conteve, como se... como se...
- ...como se quisesse deixá-la à vontade... – emendou Sakura.
- Isso! Deixar-me à vontade. Isso fez com que nosso namoro girasse em torno apenas das suas cartas, Sakura. Daquilo que você escrevia. Mas depois, ele se abriu. E como se abriu! Ele é um amor, mas também é um gênio! O segredo que eu queria te contar são estas cartas dele. Veja! – Tomoyo abriu a bolsa e tirou um macinho de cartas mil vezes relidas.
- Hum? Cartas de Eriol? – perguntou Sakura sem interesse.
- Eu não queria mostrar a ninguém, Sakura. É lindo demais! Tenho ciúme dessas cartas! Mas você tem direito, não é? É você quem põe no papel o amor que eu sinto por ele. Acho que você tem direito de ler. – Tomoyo estendeu-lhe o macinho. Como se estivesse pouco interessada, Sakura folheou rapidamente os papéis com os poemas que sabia quase de cor. A letra firme de Eriol reproduzia cada uma daquelas palavras que ela havia criado na tortura da sua solidão, perseguida pela voz do inimigo rachado. – Então, o que acha?
- Eu? Hum... Não sei, parece razoável... Algum estilo...
- Algum estilo! Que é isso, Sakura! Você está perdendo a sensibilidade! Aí estão as idéias mais malucas, mais francas e lindas que já vi! Ser amada por alguém dessa forma é mais do que sonhei na vida! E você diz que tem "algum estilo"!
- Você realmente gostou, Tomoyo? – perguntou Sakura muito pouco interessada e devolvendo-lhe as cartas. Tomoyo as pegou indignada.
- Desculpe, mas eu acho que você finalmente encontrou um rival literário à sua altura. O que ele escreve tem muito mais inspiração do que as cartas que você escreve pra mim! – Sakura deixou seus livros em cima da mesa. – É um sonho tão maravilhoso com Eriol, que eu chego a sentir medo!
- Amor e medo... Parece que não combinam. – disse Sakura. – Por que tem medo?
- Tenho medo de ser desmascarada por Eriol. Um garoto tão incrível... Toda a beleza que ele tem por dentro fica para as cartas e para as poesias. Acho que ele sentiu que eu, pessoalmente, não consigo dizer o que você escreve nas cartas.
- E você, o que faz? – Sakura virou-se e a fitou.
- Eu dou todo o carinho que posso, mas banco a tímida, sorridente, meio calada, pra disfarçar. Eu queria poder falar, abrir a boca e dizer tudo o que sinto por ele. Mas sei que na hora não vou conseguir dizer nada e ele vai se decepcionar comigo! Tenho medo de que...
- Está bem! – disse Sakura bem alto.
- Como! – surpreendeu-se Tomoyo. Sakura bateu os livros sobre a mesa e agarrou Tomoyo pela mão, arrastando-a para a sala. – O que está havendo, Sakura!
- Você vai falar com Eriol e dizer tudo o que sente! Agora! – sem dar chance de Tomoyo dizer algo contra, Sakura pegou o telefone e estendeu à Tomoyo. – Ligue para ele.
- Mas...
- Não tenha medo. Eu fico ao seu lado e vou falando. É só repetir, entendeu? – Sakura disse, mais do que decidida. Tomoyo assustou-se com a amiga.
- Sakura, você... você está vermelha... O que houve! – Tomoyo pareceu preocupada com ela. Sakura viu que não tinha outro jeito e discou ela própria o número. – Sakura! Não... – já era tarde. O telefone já chamava e logo uma voz respondeu da outra linha.
- Alô. – disse Eriol do outro lado da linha. Tomoyo lentamente levou o fone ao ouvido.
- Eu... Eriol, eu... – Tomoyo não conseguia dizer nada.
- Tomoyo? Oi, meu amor! Eu estava agora mesmo relendo aquele seu poema que...
- Que bom! Relendo o meu poema... – ela disse feliz e nervosa. Sakura colou a boca ao outro ouvido de Tomoyo.
- Repita: Não, não releia o que já sabe, Eriol. Não quero que pare no tempo da jura de ontem. Ouça o amor de hoje, que será bem menor do que o de amanhã... – Sakura sussurrou à Tomoyo.
- Não, Eriol... eu... – Tomoyo gaguejava sem parar.
- Alô, Tomoyo? O que está havendo?
- Vamos! Repita o que eu disse! – sussurrou Sakura parecendo brava.
- Não! Eu, eu... Eriol... – Tomoyo estava muito nervosa. Sakura, com o rosto em brasa, arrancou o fone das mãos de Tomoyo e tapou parcialmente o bocal com toalhinha de crochê que enfeitava a mesa do telefone, e falou, inflamada de paixão.
- O que eu escrevo, Eriol, é muito menos do que eu posso dizer. E o que eu posso dizer agora, é muito menos do eu sinto por você. Tanta verdade se perde no caminho do coração ao cérebro, do cérebro à boca, da boca à mão, da mão ao papel... Agora, quero que você percorra os meus caminhos de volta, dos papéis ao coração. É aqui! É aqui dentro de você tem de morar, meu amor!
- Ah, Tomoyo... Sua voz está tão diferente! A ligação parece que está abafada... Parece ser outra pessoa... – Eriol dizia surpreso e confuso.
- É que eu não sou eu, pois sou eu mesma. Eu sou aquele verdadeiro "eu", que você ainda não conhece. É esse eu que você deve compreender, conhecer e amar!
- Eu... Eu te amo, Tomoyo... – sussurrou Eriol, mais apaixonado do que nunca. Ao lado da amiga, ouvindo só algumas partes. Tomoyo começou a chorar. E Sakura falou, falou, quase sem dar tempo para a resposta do outro lado, sem tomar fôlego. – Tomoyo! Eu quero te ver. Agora! – ele disse bem alto, não conseguindo conter sua paixão.
- Então venha correndo! Me encontre na casa da Sakura! A mãe dela não está aqui. Hoje eu quero ser sua, Eriol. Venha me buscar! – ela sussurrou como uma gata tímida, excitando Eriol. Tomoyo olhava atônita para Sakura sem entender nada e com os olhos molhados. Sakura desligou o telefone com decisão. Levantou-se, respirando como se tivesse acabado de correr uma maratona, com os olhos arregalados e um sorriso cínico, de triunfo se formou em seus lábios. – Pronto. Eu consegui. Prepare-se, pois ele vem aí. É todo seu. Eu vou à livraria da mãe do Syaoran.
- E eu! O que eu digo quando ele chegar! – Tomoyo perguntou aflita.
- Apenas aja. Eu já disse tudo...
