Capítulo 7:

A sombra de um pesadelo – A última carta

- Que coisa mais ridícula, Tomoyo! – disse Sakura, fazendo pouco caso.

- Desde quando falar em casamento é ridículo, Sakura? Ele quer e eu quero. Se for preciso, eu invento até o que não aconteceu, só para os meus pais e os dele não mudarem de idéia! Eu quero Eriol só pra mim! E para sempre! – retrucou uma decidida Tomoyo.

- Mas vocês ainda são...

- Somos um homem e uma mulher, Sakura. Perdidamente apaixonados um pelo outro. Isso basta. E você tem tudo a ver com isso, minha amiga. Você ajudou nosso amor a crescer. Você será a nossa madrinha! – Tomoyo sorriu.

- Mãe... – chamou Sakura por entre a porta entreaberta.

- O que foi, Sakura? – ela perguntou, parecendo irritada com a presença da filha.

- Posso entrar, mãe? – ela perguntou baixinho. Ela aproximou-se da cama da mãe e ajoelhou-se na beiradas, como costumava fazer há muitos anos, quando havia mais um ocupante naquela cama. – Eu preciso falar com você, mãe. – o quarto só estava iluminado pela luz fria da televisão. Recostada na cama, a mãe de Sakura estranhou um pouco a visita da filha.

- Está na hora da novela, Sakura. Você nunca me procura na hora da novela...

"Você é que não quer ser interrompida na hora da novela...", pensou Sakura. – Mãe... eu preciso de ajuda...

- De ajuda? Que espécie de ajuda quer agora? Você não é a "senhorita-sabe- tudo"?

- Eu não sei de nada, mamãe... – ela sussurrou.

- O que quer, então?

- Eu... Eu estou sofrendo, mamãe...

- O que você tem, minha filha? O que está sentindo? – por um instante, Sakura teve a leve impressão de sua mãe estar preocupada com ela. – Vou telefonar para o médico, e...

- Não, mamãe. Eu não estou doente. É... É outra coisa.

- Outra coisa? Mas que outra coisa, menina? – sua mãe pareceu impaciente. Sakura avançou pela cama de gatinhas, como se quisesse novamente ser um bebê em busca da proteção do colo quente da mãe. Enrodilhou-se, de cabeça baixa.

- Nem sei como contar. Mas eu preciso de ajuda...

- O que você andou fazendo, Sakura? – a mãe perguntou irritada.

- Mãe... Você amava o papai?

- Se eu amava seu pai... – ela pareceu muito surpresa e triste. – Que conversa é essa, menina!

- O que você faria se o amasse e ele não a amasse? Como se sentiria?

- Ora, Sakura! Isso não são conversas para uma menina da sua idade!

- Mamãe, me ouça: o que você faria se tivesse encontrado o único amor da sua vida e ele estivesse apaixonado pela sua melhor amiga? – ela perguntou meio desesperada.

- Deixe de besteira, Sakura! Você é muito criança para essas bobagens!

- Eu sou mulher, mamãe! Não sou mais criança. Preciso de ajuda!

- Você precisa é parar de ler essas bobagens que anda lendo! Esses livros andam enchendo a sua cabeça com idéias que não são para a sua idade!

- Por favor, mãe...

- Já acabaram os comerciais, Sakura. A novela já vai começar. Vá para o seu quarto agora e deixe de pensar em besteira!

- Por favor,... – ela sussurrou triste e desesperadamente.

- E feche a porta. Minha cabeça está me matando!

- Essa menina anda estranha... Não sei... – ela disse pausadamente.

- Vai ver, ela sabe de alguma coisa.

- Não creio. Ela teria dito para mim ou para a polícia. Talvez esteja imaginando alguma coisa. Ela é muito inteligente.

- A senhora quer que eu fique de olho nela?

- Talvez... Mas discretamente. Veja com quem ela anda, com quem fala. Vai ver não há nada para nos preocupar. Eu só não gostaria que ela dissesse alguma besteira pelos corredores.

- Deixe comigo. – Touya fechou a porta silenciosamente.

Sakura não estava disposta a entrar em aula naquela manhã. Também não poderia ficar em casa, dividindo o espaço com a enxaqueca da mãe. Quando o sinal soou chamando para a primeira aula, ela continuou a andar, sem rumo, pelos quarteirões que rodeavam a escola. Era uma daquelas manhãs geladas de outono e as ruas estavam desertas. A poucas quadras da escola, uma pracinha minúscula, sem bancos nem nada, sobrevivia à especulação imobiliária, exibindo apenas uma árvore. Mas era uma árvore antiga, grande, majestosa, com galhos pesados que pendiam sobre o chão, formando quase uma tenda verde-escura sob a qual Sakura se abrigou.

Debaixo da árvore, a grama não mais crescia, e ela sentou-se no chão batido, meio coberto de folhas caídas e papéis de sorvete. Já não tinha mais lágrimas para chorar. Todo o estoque havia empapado o travesseiro naquela noite, enquanto a mãe assistia à novela. Depois, embalada por seu próprio pranto, Sakura adormecera. Lembrava-se perfeitamente do sonho. Ela era a princesa de um reino distante, a mesma de seus sonhos de criança. Mas agora era uma moça, à beira do mesmo lago de águas cristalinas onde os sapos aguardavam, pacientes, que uma princesa como ela resolvesse beijá-los e transformá-los em príncipes. A água a atraía e ela desabotoou o corpete de fios de ouro. Estava só, despiu-se completamente e mirou-se refletida no espelho da água.

Seus cabelos soltos desciam pelos ombros, apontando para seus seios maduros, eretos, pedintes do carinho de uma mão masculina. Suas mãos desceram pelo seu corpo, contornando uma cintura estreita, um ventre reto, e percorrendo uma pele eriçada, excitada, quente. Acariciou as próprias e demorou-se descobrindo-se mulher. Um calafrio gostoso percorreu-lhe a espinha, subindo até a nuca e espalhando-se pelo cérebro como se fosse o gostinho do chocolate que derrete mansamente na boca. Estava pronta para o tão esperado príncipe encantado, que viesse, a tomasse, aspirasse seu perfume e a carregasse nua em seu cavalo branco.

Uma gargalhada infernal arrancou-a de seu devaneio. Refletida junto ao seu corpo indefeso, a imagem de um gigante ameaçador aproximava-se, cuspindo baba e palavrões. Sentiu-se agarrada por braços peludos, e um hálito demoníaco de alho e enxofre a sufocou. Aterrorizada, olhou para a carranca do agressor. Era Touya. Tentou gritar, tentou desvencilhar-se do abraço obsceno. Debateu-se, sentindo aquelas mãos imundas a apalpá-la, a desvendar cada canto do seu corpo, a apertar, a invadir, a profanar, enquanto a gargalhada se transformava num arfar ofegante. Sufocada, quase desmaiando, viu quando uma mão de aço se abateu sobre o ombro do monstro e o arrancou de cima dela.

Era um cavaleiro altivo, de armadura de prata, pronto a defendê-la até a morte. Foi um combate de sonhos. As espadas reluziam e entrebatiam-se soltando fagulhas. Gotas de sangue salpicavam-lhe a pele nua cada vez que um golpe chegava mais perto. Até que, com um volteio, a espada do cavaleiro fez um círculo de prata no ar, arrancando a cabeça de Touya, que rolou pela relva e foi desaparecer nas águas do lago. O cavaleiro, vitorioso, cravou a espada na terra. Olhou para a princesa e, ainda com o elmo abaixado, ajoelhou-se no chão, oferecendo seus préstimos.

Quem seria ele? Pendendo sobre a armadura, uma correntinha balançava. A correntinha! Sem vergonha da própria nudez, Sakura atirou-se em seus braços. De repente, todo o cavalheirismo do herói pareceu desvanecer-se. Ele aceitou o abraço, esmagando-a com o peso da armadura. Onde ela buscava carinho, foi dor que encontrou. Outra vez agarrada brutalmente, agora arranhada em ferros como se uma jaula se fechasse sobre. – Não! – desesperada, ergueu o visor do elmo. Para seu horror, era Touya novamente. – Não! Socorro!

- Calma Sakura! Eu estou aqui! O que houve! – outros braços a enlaçavam. Desta vez sob a árvore da praça, aquecendo-a do frio da manhã. Ela havia sonhado tudo de novo, acordada, como se tivesse enlouquecido. – Calma, meu amor... Me abrace. Está tudo bem...

- Syaoran... É você... – Sakura soluçou baixinho, fungando como uma criança. Os dois deixaram passar todo o tempo de que Sakura precisava. E ela precisou de bastante tempo. – Desculpe, Syaoran. Eu ando nervosa, meio louca, falando sozinha, eu...

- Está tudo bem. Você não está sozinha agora. – sussurrou baixinho e carinhosamente, tentando acalmá-la mais. Era um bom amigo. Um amigo que Sakura até poderia ter aproveitado melhor se não o tivesse conhecido no pior momento da sua vida. Deixou-se abraçar e sentiu aquecer-se naquela manhã gelada por entre as ramagens da pracinha.

- Obrigado Syaoran. Foi bom você ter aparecido.

- É a primeira vez que diz isso. – sorriu.

- Como me encontrou aqui? – olhou-o curiosa.

- Por acaso. Estava passando...

- Passando, nada! Você me seguiu! – retrucou.

- Mas é claro que sim! – sorriu meio cínico.

- Ah, Syaoran! – suspirou. – Você não toma jeito...

- Está mais calma agora? Quer falar sobre o que a está perturbando?

- Eu... Nada... É que... A morte de dona Kaho... – olhou para baixo, do que adiantaria contar-lhe sobre seu sofrimento? Era melhor tratar apenas daquele assunto, a morte de dona Kaho, que os dois haviam testemunhado juntos o cadáver. Aquela morte os unia, portanto, só deveriam falar sobre aquilo. – Você quer saber o que eu sei, Syaoran, não é? É muito pouco, nem sei se adiante... – Syaoran nada disse. Se ela achava que deveria falar, que falasse. Do modo e no tempo que quisesse.

- Pode não ser nada, Syaoran. Mas, se for alguma coisa, isso quer dizer que dona Kaho não se suicidou. Ela foi assassinada. – desviou o olhar dos olhos do rapaz. O que tinha que falar agora era bem difícil, mas Syaoran não precisava saber de todos os detalhes. – Você já me falou de suas suspeitas, Syaoran. Mas é que eu vi... Eu vi uma coisa que... Bem, no primeiro dia de aula, eu entre no laboratório sozinha. Nem sei por quê, talvez só por curiosidade... – é claro que ela não falaria de Eriol! – O laboratório é escuro com aquelas cortinas. Mês eu vi alguém entrar e pegar alguma coisa na prateleira. Eu me escondi e acho que esse alguém não me viu. Depois fui ver o frasco em que ele tinha mexido. Na hora, não desconfiei de nada, mas depois...

- O que estava escrito, Sakura? – perguntou curioso.

- Estava escrito "linamarina"... – Syaoran soltou um assobio.

- Quer dizer que alguém, às escondidas, pegou um pouco de veneno? Você viu quem era?

- Não. Eu... Estava sem óculos. Eles estavam sujos e...

- Viu se era jovem ou velho? Se era homem ou mulher?

- Não... Eu não tenho certeza. Mas sei que "não" era gordo. – respondeu com convicção.

- Como assim?

- Não era obeso. Não podia ser dona Kaho.

- É muito pouco para a polícia, Sakura. Uma garota, sem óculos, escondida no laboratório, vê alguém que não é gordo, pegando um pouco de veneno. Ele pode ter mexido em outro frasco, não pode?

- Pode. Só que, se mexeu na linamarina, temos um indício. Se for real, temos alguém, três semanas antes do crime... – Syaoran sorriu, paciente, como se explicasse à tabuada a uma criança.

- Sakura, todas as semanas, todos os dias, antes e depois da morte de dona Kaho, tem sempre alguém mexendo nos frascos de laboratório. Isso não prova nada.

- Sei disso, Syaoran. Sei que muitos funcionários e professores estão autorizados a trabalhar com os produtos do laboratório. Mas alguém entrou lá e pegou um pouco de veneno para matar dona Kaho. E eu vi, eu sei que ele fez isso!

- Ora, Sakura! Que mania a sua de sempre querer saber tudo! Se você falar disso à polícia, o máximo que eles vão achar que é existe uma menininha querendo bancar a detetive. – Sakura calou-se um instante e avaliou as palavras de Syaoran.

- E você, o que pensa, Syaoran? – perguntou, sem olhá-lo.

- Penso que você é a garota mais adorável que conheço. Não me importa se quer bancar a adulta ou detetive. Para mim, você é uma criança assustada. Uma criança que eu quero proteger e am...

Criança! O sangue subiu ao rosto de Sakura. Ela se pôs de pé, furiosa, disposta a... Mas um outro rosto, uma carantonha sinistra, recortada em meio às sombras da folhagem, calou o protesto que estava a ponto de explodir em sua garganta.

- O quê! Syaoran veja! – exclamou bem alto. A folhagem mexeu-se. Syaoran levantou-se num salto, volteou a árvore, mas só pôde ver o vulto de alguém que desaparecia na esquina oposta. – Quem era, Syaoran? Você viu? Alguém estava espionando a gente!

- Espionando? Chega de bancar a detetive, Sakura! Deve ser um moleque qualquer.

- Não parecia um moleque, Syaoran. Que horror! Me abrace, por favor! – pediu, mais do que assustada.

- Nem precisa pedir! – respondeu muito animado. Syaoran enlaçou-a carinhosamente e esperou que seu coração recuperasse os batimentos normais.

- Syaoran... Acho... Acho que era o Touya! Eu poderia jurar!

- Touya? Bobagem! Se fosse ele, já teria nos agarrado pelas orelhas. Estamos cabulando aula, lembra-se? – perguntou sem parecer muito afetado. Sakura olhou-o rapidamente, e, sem saber por que, sentiu-se mais calma ao ver seu sorriso.

- Boa noite, meu inimigo. Você sempre tem razão, não é? – Sakura perguntou sarcástica. A imagem rachada estava séria, rosto seco, sem uma lágrima. – Aqui está. Está pronta a última carta de Tomoyo para Eriol.

- Como sabe que é a última? – perguntou sem emoção.

- Eu digo que é a última.

- E depois?

- Depois... Não haverá depois. – abriu a caixa de sapatos em que a mãe guardava os remédios. Vários vidrinhos, pílulas para enxaqueca, calmantes, estimulantes, comprimidos para o coração... Cuidadosamente, leu cada bula, cada recomendação, cada alerta sobre efeitos colaterais, sobre doses exageradas. Com decisão, escolheu um dos frascos e fechou o armário do banheiro. Lá estava o inimigo de novo. Olhando de frente, sorrindo com tristeza atrás da rachadura. – Ouça. E não fale nada.

E o meu amado o que diria

se eu partisse?

O que diria se estes versos

não ouvisse?

O que teria em suas mãos

senão um corpo dessangrado,

cheio de carne, de suspiros,

de delírio apaixonado?

Faltaria, porém, o recheio das idéias,

a loucura e a razão,

que transformam um encontro sem graça

em tremenda paixão!

Mas não tema o meu

querido que esse amor desapareça,

pois ele é amado ao mesmo tempo

por um corpo e uma cabeça.

O corpo ele pode beijar, cheirar,

fazer do corpo mulher.

Mas a cabeça o possui, manipula,

e faz dele o que quer!

Haja o que houver, do meu amor

esse garoto foi o rei.

Digam a ele que com corpo e cabeça

eu sempre o amarei.

A marca desta lágrima testemunha

que eu o amei perdidamente.

Em suas mãos depositei a minha vida

e me entreguei completamente.

Assinei com minhas lágrimas

cada verso que lhe dei,

como se fossem confete,

de um carnaval que não brinquei.

Mas a cabeça apaixonada delirou,

foi farsante, vigarista, mascarada,

foi amante, entregando-lhe outra amada,

foi covarde que amando nunca amou!

A noite já caíra completamente quando Sakura voltou pra casa. Enfiara a última carta por baixo da porta da casa de Eriol. Agora, ela estava pronta. O frio do começo de noite era cortante, e ela apertou-se dentro da malha leve demais, apressando o passo em meio às sombras da rua mal- iluminada. Mas uma das sombras não cedeu ao seu passo. Destacou-se, ao contrário, das outras e agarrou Sakura pelos braços.

- O quê! – exclamou surpresa.

- Calada menina! Não vai acontecer nada...

Gelada de surpresa e pavor, Sakura reconheceu aquele apertão, mesmo antes de erguer o rosto e deparar-se com aquela carranca assustadora: Touya! E não era um sonho. Não viria um cavaleiro enlatado, de espada de prata, disposto a defender-lhe a honra. Aquela era a realidade, da qual nunca se acorda.

- Quietinha... Isto é só um aviso... – a cara brutal abria-se num esgar que pretendia ser um sorriso, enquanto as mãos enormes cravavam os dedos nos braços de Sakura, no limite de quebrá-los como se fossem gravetos. – Um aviso, mocinha: tem gente que acha que viu coisas. Mas, vai ver, não viu nada, só quer causar confusão. E essa confusão pode prejudicar pessoas. Não é isso que você quer, é? Claro que não... Senão, o causador da confusão pode ficar muito mais prejudicado... Pode deixar de ver qualquer coisa... para sempre! Juízo... estou só avisando... Juízo! Senão...

Um carro entrou na rua cantando os pneus e jogou a luz dos faróis sobre os dois. Sakura sentiu-se empurrada e bate contra um muro, enquanto o agressor se encolhia. Em um instante, estava sozinha novamente.

Andou calmamente para casa. Não estava apavorada, mas o ataque de Touya tinha significado muito mais do que uma ameaça. Significava que ela era realmente uma testemunha importante. Alguém que podia desmascarar o assassino da diretora. Alguém que sabia demais, alguém que tinha de morrer. A mãe não estava em casa. Era a noite de jogar buraco com as amigas. Ultimamente ela se enfeitava tanto para aquelas noites que, se Sakura não estivesse tão ocupada com o que estava acontecendo, pensaria que naquela jogo havia só um parceiro. Como um estalo, um pensamento veio à sua cabeça.

- Syaoran também corre perigo. Precisa ser avisado. – pegou o telefone e discou o número. O telefone tocou muitas vezes, mas Syaoran não estava em casa. Tentou a livraria, mas nada também. Deixou, então, um recado. – E agora? Adianta ligar para a polícia? Com quem eu falo? Vão dizer que estou louca... – olhou pela janela fechada. Por um momento, pensou ter visto o enorme vulto de Touya do outro lado dos batentes, pronto a estraçalhar a murros a veneziana. – Pode vir, Touya. Não terei juízo. – nem pensou em localizar a mãe, muito menos a pai. Quem, então? Quem acreditaria nela?

- A professora Meiling! É isso! – respondeu a si mesma. A professora de filosofia, a melhor amiga dos alunos. Ela ouviria Sakura, sempre a ouvia. Sakura achava até que Meiling produzira aquela tese para denunciar a possibilidade de a educação tornar-se impingida aos jovens como um purgante. Meiling acreditava na liberdade, acreditava na capacidade de criação. Acreditava em Sakura, acreditaria novamente. Sakura procurou na lista telefônica. Foi fácil encontrar o número da professora.

- Alô. – uma voz feminina veio do outro lado da linha.

- Meiling? Sou eu, Sakura. Sua aluna, lembra?

- Sakura? Claro que sim. A minha contestadora predileta e a minha companheira na descoberta de cadáveres. Quer falar comigo? – sua voz era sempre gentil e delicada.

- Eu preciso falar com alguém, Meiling. E tem de ser com você.

- Bom, se é sobre a prova da próxima semana...

- Não é prova nenhuma, Meiling. É sobre o assassinato da dona Kaho.

- Assassinato? – Meiling ficou surpresa. – Você disse assassinato?

- Isso mesmo. Desde o primeiro momento eu não acreditei que fosse suicídio. Só que não ia falar nada. Mas o Touya...

- Touya? Quem é esse? – outra vez se surpreendeu.

- É assim que chamamos o bedel-chefe.

- Ah, um nome que combina com a pessoa! – debochou. – Mas o que tem o Touya?

- Ele me atacou, Meiling. Me ameaçou...

- Ameaçou? Por quê?

- Eu acho que sei de alguma coisa, Meiling. Eu acho que sou uma testemunha muito importante. – por um instante, Sakura sentira-se muito nervosa.

- Fique calma, minha querida. Assim, por telefone, não dá para conversar. Onde você está?

- Estou em casa, sozinha. Minha mãe saiu.

- Onde você mora? Pego o carro e chego aí num instante!