Capítulo IV

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Viva forever, I'll be waiting

Ever lasting like the sun

Live forever, for the moment

Ever searching for the one

Viva para sempre, eu estarei esperando

Eternamente, como o sol

Viva para sempre, para o momento

Sempre buscando sua pessoa

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Próxima ao palácio, uma sombra se movia entre as árvores e se projetava na neve que cobria o chão. Movimentava-se com dificuldade, arrastando uma das pernas. Seus cabelos brancos, sujos de lama, caíam sobre seu rosto, mas não o suficiente para esconder seu olhar ensandecido. Como um animal, ele farejava o ar, sentia um perfume familiar. "É ela!", pensou, enquanto contornava os muros do palácio.

-Eu sabia que você seria tão burro a ponto de querer atacar o palácio de Valhalla sozinho... - uma voz chamou sua atenção. Ao se virar, ele se deparou com a mesma mulher loira que estivera com Alberich.

-O que faz aqui, Jormungand?

-Estava trás de você, Fenris... Um grande idiota, como sempre.

-O que disse? - ele se enfezou, quase atacando a mulher.

-Você me ouviu... Só assim para explicar como uma garota como aquela conseguiu fugir.

-Eu vou saber? Uma distração que tive e a desgraçada conseguiu me atacar e fugir!

-E para se vingar, você pretendia atacar o palácio e tirá-la daí à força? Ficou maluco, Fenris? Não viu o quanto este lugar é bem guardado?

-Está falando dos guardas reais? Pois acabo com todos em um segundo!

-Estou falando dos guerreiros deuses de Hilda, seu idiota! Oito, ou melhor, sete homens escolhidos pelo próprio Odin para servirem à Asgard!

-Eu não sabia disso...

-É um grande burro mesmo...

Resmungando, Fenris baixou sua guarda. Mas seu olhar continuava destilando ódio contra a garota que o atacara, queria de todo jeito dar-lhe um castigo por isso. E Jormungand sabia.

-Se quer tanto pegar a garota com suas próprias mãos, então dê um fim nos guerreiros deuses. Mas tente ser esperto e atraí-los para fora do palácio, onde certamente sua derrota seria inevitável...

-Pois farei isso!

-Porém, não agora... Hel deseja vê-lo.

O olhar furioso deu lugar a um certo medo. Teria de enfrentar sua senhora depois de ter falhado com sua missão. Certamente seria castigado por isso.

-Jormungand... - ele disse, antes de se por a caminho junto da mulher - Por que você se corrigiu quanto ao número de guerreiros que servem à Hilda?

-Simples... Um deles está do nosso lado, imbecil...

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Depois de uma manhã inteira de treinos, os guerreiros deuses dispersaram-se pelo palácio e seus arredores para tratar de outros assuntos. Hanna cumprimentou todos que passaram por ela e correu atrás de Mime, sorrindo e fazendo perguntas sobre o treino e outras coisas. Enquanto isso, Siegfried entrou pelo palácio e foi conversar com Hilda. Encontrou-a ajoelhada em frente à estátua de Odin, encarando enigmaticamente seu deus.

-Hilda? - indagou o guerreiro, fazendo com que a sacerdotisa se virasse para ele - Aconteceu alguma coisa?

-Não sei ao certo, Siegfried... Agora a pouco senti um cosmo estranho no ar, um cosmo maligno...

-Um inimigo?

-Talvez... Foi muito rápido e parecia enfraquecido... Estava pedindo a Odin que me revelasse de quem se tratava...

Nas palavras de Hilda, o guerreiro pôde perceber medo e apreensão, embora ela se mantivesse altiva. Siegfried subiu os últimos degraus da escada que separava o salão do altar e ajoelhou-se ao lado da sacerdotisa, abraçando-a com força.

-Não se preocupe, Hilda... Quem quer que seja, não lhe fará mal algum, nem a Asgard... Eu não permitirei!

-Siegfried...

Aproveitando então o momento a sós, o guerreiro puxou Hilda para junto de si e a beijou. Porém, não estavam assim tão sozinhos... "Isso, aproveitem bem esses momentos... Logo eles serão apenas lembranças que carregarão para o inferno!", pensou Alberich consigo mesmo, sorrindo cinicamente.

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No jardim de Valhalla, Mime estava sentado em um banco de pedra, observando Hanna sentada na grama, brincando com as flores que cresciam por ali, mesmo com o frio extremo. De vez em quando, a garota lhe sorria e acenava, chamando-o para se juntar a ela.

-Uma linda flor em meio às flores do jardim... - comentou Hagen, chegando por trás do guerreiro, acompanhado de Freya. A princesa deu um beijo no namorado e foi até Hanna, conversar com ela.

-O quê?

-Você me ouviu... Thor disse que ela parece uma criança, sempre tão sorridente.

E tão inocente quanto uma...

-Como assim?

-O jeito dela, Hagen... As coisas que ela fala, a maneira como se refere às pessoas, até mesmo em relação ao homem que a atacou...

-Está me dizendo que a Hanna é o tipo de garota que não conhece a maldade humana?

-Exatamente.

-Por Odin, ainda existem pessoas assim nesse mundo? - Hagen comentou, em tom de graça. Mime o fuzilou com o olhar.

-Opa, desculpa aí... Eu não queria ofender a sua garota...

-Como é que é?

Em meio às flores, Freya e Hanna conversavam, alheias à discussão dos dois guerreiros.

-Onde eu morava tão tinha flores, pelo menos não tão lindas como essas...

-E onde vivia, Hanna?

-Em uma aldeia mais ao norte... Lá também não tinha tanto luxo como aqui, nem vestidos tão maravilhosos como esse que me deu... - a garota apontou para o vestido amarelo que usava, um presente de Freya. "Realmente, ela parece uma criança com um brinquedo novo... O Thor estava certo...".

-Hanna... - Freya a chamou, mudando de assunto - Você gosta de festas?

-Festas? Não sei, eu nunca fui a uma!

-Não acredito!

-É verdade... - Hanna comentou, envergonhada - Lá na aldeia não tinha festas.

-Então você conhecerá uma amanhã... É aniversário de Siegfried e Hilda vai oferecer uma festa em homenagem a ele.

-Que maravilha... Mas com que roupa eu irei?

-Ora, se te dei um vestido, posso muito bem lhe dar outro! O que acha?

-O que elas estão conversando? - perguntou Hagen, fugindo das investidas de Mime. O guerreiro parecia furioso com os comentários do amigo.

Furioso e um pouco confuso. Em apenas um dia, Hanna tinha mexido com ele. Mas não sabia exatamente de que maneira...

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Preso em correntes, Fenris sentia seu sangue ferver de ódio pela garota que o atacara. Por causa dela, suas costas estavam quase em carne viva, de tanto açoite que levara. Mas o pior era agüentar as gracinhas de Arcã, o guerreiro encarregado de cumprir o castigo imposto por Hel.

-Um inútil, tapado e sem noção, Fenris! - dizia o rapaz, de longos cabelos azuis escuros e olhos também azuis - Como pode o grande lobo, filho de Lóki, ser atacado por uma simples garota?

-Cale a sua boca, Arcã ou eu vou...

-Vai fazer o quê, idiota? Está preso, esqueceu? Agora, mudando de assunto... É verdade que a danada é bonita?

-Pior que é... Parece até um anjo.

-Puxa... Será que Hel não deixaria eu me divertir um pouco antes do sacrifício ao nosso senhor?

Levantando a cabeça, Fenris soltou uma gargalhada.

-Por que está rindo dessa maneira?

-Simples... Você acabou de mostrar que é mais burro do que eu...

-Ora seu... - gritou Arcã, socando a cara de Fenris. Mas o guerreiro manteve o riso nos lábios.

-Burro sim, Arcã! Ou não sabe que a garota oferecida em sacrifício deve ser pura e inocente para nosso senhor despertar todos os seus poderes?

-Um a zero para você, Fenris... Mas isso não tira a minha vantagem nesse momento!

Dizendo isto, Arcã voltou a açoitar Fenris, que urrava de dor, seus gritos ecoando por toda caverna.

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Durante o almoço, Hilda comunicou a todos sobre a festa que daria em homenagem a Siegfried, sendo aplaudida por todos os presentes. Estavam todos felizes com a possibilidade de se divertirem até dizer chega, menos Mime. Hanna não deixou de olhar para ele, a sombra insistente de tristeza nos belos olhos vermelhos do guerreiro.

Quando acabou de comer, ele se retirou em silêncio. Hanna tentou seguí-lo, mas foi impedida por Fenrir.

-Senhorita, eu sei que está preocupada com Mime, mas é melhor deixá-lo sozinho...

- Mas, Fenrir... Ele pode precisar de...

-Acredite, ele não irá precisar de ajuda...

Resignada, Hanna concordou com o guerreiro deus e não seguiu Mime. Foi para outro lado, decidiu dar uma volta e espairecer. Mas não conseguia esquecer a tristeza do rapaz, a sombra que pairava em seus olhos.

"O que está acontecendo? Por que ela mexe tanto comigo? Papai... Como eu queria poder entender...", pensava Mime, caminhando por uma trilha deserta, dedilhando sua harpa. Estava cabisbaixo quando sentiu um arrepio percorrer seu corpo. O vento trazia até o rapaz uma vibração diferente, como se fosse um cosmo no ar. "O que é isso? Seria possível um novo inimigo aqui em Asgard?".

-Eu bem que poderia acabar com ele agora... É um só, não vai ser difícil! - comentou um homem de cabelos cor de lavanda e olhos cinza, observando Mime do alto de uma colina.

-Acalme-se, Elbereth... Em breve você poderá satisfazer todos os seus desejos de morte. Hel está apenas esperando o momento certo para atacar.

-Eu entendo, Surt... E quando esse momento chegar, espero que ela não se esqueça do combinado...

-Não se esquecerá, fique certo disso. Quando meu senhor despertar de seu sono forçado, Hel saberá recompensar seus esforços... Seu povo voltará a viver sobre estas terras e nem Odin será capaz de impedir isso!

-Então, tenha certeza de que Hel e seus homens contarão com meu apoio... Ora, veja só quem vem por ali...

Surt virou-se para a direção onde Elbereth apontava e viu Hanna caminhando pela trilha, carregando uma braçada de flores, cantarolando.

-Burra! Mesmo tendo sido atacada ela não toma cuidado... Qualquer um poderia seqüestrá-la que ninguém notaria!

-Não acredite nisso, Elbereth... O guerreiro deus está mais à frente, ele certamente sentiria nossa presença... Sejamos pacientes, logo ela será nossa...

Então, desaparecendo no ar, os dois guerreiros se foram. No mesmo instante, Mime deixou de sentir o cosmo maligno. Bem na hora que chegava a um certo lugar.

-Papai...

Ajoelhando-se, o rapaz largou sua harpa em frente ao túmulo de seu pai e iniciou uma prece. Não percebeu quando alguém se aproximou por trás.

-Quem é Folken? - perguntou Hanna, lendo o nome inscrito na lápide. Mime deu um salto para o alto e a encarou, com raiva.

-O que pensa que sou para ficar me seguindo para tudo quanto é canto, sua mãe?

-Eu não... - Hanna balbuciou - Eu não o segui... Saí depois de um tempo, não vi que estava na mesma direção que você...

-Mentira!

-É verdade... Desculpe se o atrapalhei... Desculpe!

Chorando, Hanna saiu correndo dali, deixando cair a braçada de flores. Correu pela trilha adentro, até que tropeçou e caiu com tudo no chão, sujando todo o vestido e até mesmo o rosto. Ela já ia se levantando quando uma mão lhe foi estendida.

-Eu é que peço desculpas pela maneira como reagi, Hanna.

Era Mime, que a ajudou a se levantar. O guerreiro trazia a braçada de flores e as entregou para a garota.

-Tudo bem... Você... Eu...

-Folken era meu pai... - o rapaz disse de sopetão, enquanto limpava a terra do rosto da garota com um lenço. Hanna ficou de boca aberta - Ele morreu há alguns anos...

-Sinto muito, eu não sabia... É por isso que vive sempre tão triste?

-Triste?

-Sim... Os seus olhos me contaram...

Mime tentou sorrir ao ouvir aquilo, mas não conseguiu. Hanna, então, o abraçou. Porém, desta vez, o rapaz correspondeu ao abraço, apertando o corpo da garota contra o seu. Um calor gostoso se fez presente, era como se pudesse ficar ali para sempre, apenas sentindo a respiração dela, o carinho que Hanna lhe oferecia.

-Venha, vamos rezar juntos por seu pai... - ela disse por fim, afastando-se de Mime e o puxando pelas mãos.

Com carinho, ela fez uma bonita prece em voz alta e deixou as flores que carregava sobre o túmulo. Depois, em silêncio, os dois jovens voltaram ao palácio. De mãos dadas, o que fez o rapaz sentir-se corar e ficar sem jeito.

-O que vai fazer agora, durante a tarde? - perguntou a garota, parando em frente ao portão do Valhalla.

-A segunda parte dos treinos... Os outros já devem estar me esperando.

-Está certo. Eu o vejo durante o jantar, então.

Para surpresa de Mime, Hanna aproximou-se e despediu-se dele com um beijo estalado em seu rosto. Sorrindo, ela se afastou, sem ter idéia das sensações que aquele gesto tão puro e singelo tinha provocado no rapaz.

-Eu acho que vou ganhar a aposta... - comentou Hagen com Thor, ao ver a cena. Ambos estavam observando os dois jovens, debruçados sobre a amurada da ponte que ligava o palácio ao jardim.

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Uma nota ultra-importante desta autora para quem não conhece mitologia nórdica... Os guerreiros de Hel e a própria são personagens que fazem parte da mitologia de onde saíram os guerreiros deuses. Abaixo, uma pequena explicação sobre cada um e sua função na mitologia.

Hel: Filha de Lóki, foi expulsa de Asgard por Odin e tornou-se a senhora dos mortos, governante do Muspell, um mundo antigo repleto de chamas onde nenhum humano pode pisar sem ser imediatamente incinerado;

Surt: Guardião do Muspell, no dia do apocalipse vai incendiar Yggdrasil e destruir a fortaleza dos deuses. É um fiel soldado de Hel;

Fenris: Filho de Lóki, este lobo feroz foi aprisionado pelos deuses sob a terra;

Jormungand: A "serpente do mundo" é filha de Lóki e habita o oceano ao redor de Midgard, a terra dos homens;

Elbereth: O rei dos elfos, senhor de toda criação na concepção deste povo milenar. Habitam as florestas lendárias e possuem poderes ligados à imortalidade;

Arcã: A morada dos anjos, que rodeiam Asgard.

Bem, por algumas das descrições, acho que dá para perceber quem é o senhor a quem Hel e Surt tanto se referem, não? Ih, a coisa tá esquentando! Beijos e até o próximo capítulo. Ah, a fonte de onde tirei as informações é a revista Superinteressante de Junho/05, tem uma matéria muito bacana sobre mitologia nórdica e um pôster muito bem desenhado, eu fico babando nele...