O som da campainha não é estranho. Seth tocou a campainha ontem, mas essa é a primeira vez que ouço o som vindo do robô. Ter acesso ao ponto principal de conexão da casa significa que sou avisada de qualquer movimentação na porta da frente se estou dentro do quarto. Mesmo que ninguém tenha fisicamente tocado a campainha sou avisada de que tem pessoas na porta, uma medida de segurança apenas. Sorrio pensando que talvez possa ver Seth antes de dormir, talvez só falar um oi e conversar um pouco.

Mas e se não for ele? O pensamento pipoca na minha cabeça. Se não for Seth eu não vou sair do quarto sem que Esme me chame, eles podem ter convidados.

Olho mais uma vez pela janela tentando ver o carro de Alice. Seth levou o carro dela então seria natural que ele voltou usando o mesmo carro, mas o que eu vejo me deixa confusa. O que ele está fazendo? Vejo Emmett saindo da casa e seguindo em direção a floresta. Ele anda alguns metros e se apoia em um tronco de árvore com os braços cruzados. Não penso muito no frio e tento abrir a janela para falar com ele, mas não consigo. Essa janela sempre esteve trancada? Penso tentando achar uma forma de abri-la, mas sem sucesso.

Talvez, se eu der só uma espiadinha... Penso me rendendo à curiosidade. Caminho até a porta e coloco o ouvido sobre ela primeiro, mas não consigo ouvir nada. Só vou abrir um pouquinho… Hum? A porta está trancada… pelo lado de fora. Uma pequena luz vermelha piscando sobre o acionador indica que a tranca foi acionada pelo lado de fora. —Abra a porta principal falo para o robô. —Acesso negado. Ele responde. Acesso negado? Mas eu estou do lado de dentro. Tento o acionador mais uma vez, mas sem sucesso.

Uma ponta de medo começa a brotar na minha cabeça. Eles me trancaram? O que está acontecendo? Tento controlar meus pensamentos, mas a situação não faz sentido.

O dispositivo principal está na sala. Ouço a voz de Alice na minha cabeça. Foi o que ela disse no dia em que pedi para usar o computador. Talvez eu possa acessar o microfone do computador lá embaixo.

No momento em que Alice me cadastrou no sistema ela me deu acesso a todos os outros pontos de acesso público na casa. Não posso acessar o robô pessoal de ninguém, mas posso acessar o computador no andar de baixo. Eles não devem estar na sala de televisão. Ninguém vai ver o computador ligando. Se eu der sorte e conseguir conectar posso ligar o microfone. Movo os dedos sobre o pequeno robô e um teclado e uma tela holográfica são projetadas. Tento fazer a conexão com o computador da sala. Não sei exatamente o que estou fazendo, mas meus dedos se movem sobre o teclado do meu pequeno robô branco como se tivessem feito aquilo mil vezes. Consegui! Abro o compartimento lateral do robô e tiro dois pequenos fones de ouvido para ouvir melhor e ligo o microfone do computador na sala de estar, mas ainda não consigo ouvir muita coisa. Ouço alguns sussurros, mas nada que eu possa entender.

Milhões de coisas passam pela minha cabeça agora. O fato de terem me trancado é o que mais me preocupa. Porque eles me trocariam? Eles querem manter algo fora do meu quarto? Ou querem garantir que eu não vá a lugar algum?

Também quero saber quem são as pessoas que chegaram. Não sei porque, mas sinto que isso tem a ver com a busca de Jasper. Alice disse que ele ia tentar descobrir alguma coisa sobre mim. O que ele sabe?

Um cenário começa a se formar na minha mente enquanto tento decifrar os sussurros que ouço pelos fones de ouvido. Jasper deve ter descoberto alguma coisa. Quando Alice chegou em casa ela parecia nervosa e mandou Seth para casa antes mesmo de dizer 'oi'. Todo mundo age como se Rosalie e Emmett não tivessem desaparecido por dias. Agora, eles recebem alguém a essa hora e me deixam trancada aqui. Eles não querem que eu saia da casa.

Um calafrio desce pela minha espinha.

—Já não basta o que aconteceu da última vez Carlisle? Você não mede as consequências de sua ingenuidade?, ouço uma voz nervosa vinda dos alto falantes. A voz é de uma mulher e ela parece extremamente nervosa com o Sr. Cullen. Eles estão discutindo, não é uma visita amigável.

Não consigo ouvir a resposta dele e só posso imaginar que ele queria evitar uma discussão.

—Você realmente acha que pode lidar com isso? Ninguém está seguro aqui! Ouço a voz de outra mulher, uma voz mais rouca e tão nervosa quanto a primeira. Só consigo ouvir algo quando eles levantam a voz.

Com o que Carlisle acha que pode lidar? E porque ele, ou melhor, ninguém está seguro?

—Você sabe que vai ter que entregá-la a eles. A mesma mulher com a voz rouca completa sua gritaria e eu percebo sobre o que é a conversa.

Eles estão falando de mim. Imaginei que tinha algo haver comigo, mas ainda tinha esperança de que eles me trancaram no quarto para me proteger de alguma forma. Na verdade era a segunda opção. Eles me trancaram para que eu não pudesse fugir.

Jasper descobriu alguma coisa. Não sei exatamente o que, mas só pode ser algo ruim. Eles não estão discutindo entre si, mas sobre mim, sobre o perigo que represento para os Cullens. Ninguém está seguro. A voz rouca daquela mulher ecoa alto na minha mente. Estou arriscando a segurança deles, por isso tiveram que me trancar. Eu deveria saber. Quem simplesmente cai do céu em uma floresta? Eu estou metida em algum problema, e não deve ser coisa pouca.

Talvez hoje foi apenas um ato, algo planejado para que eu não suspeitasse do que realmente estava acontecendo. Se Jasper descobriu algo tão ruim que os levou a me trancar… o que eles vão fazer? Ele deve ter falado com alguém sobre mim. Ele deve ter falado com as pessoas no andar de baixo. Seriam eles policiais? Ou advogados?

—Tanya! Eu sei o que pode acontecer, mas não é o que parece. A voz de Esme me acorda dos meus pensamentos. Uma delas se chama Tanya. Esme usou o primeiro nome dela. Elas são conhecidas, talvez até amigas.

Tento ouvir mais alguma coisa, mas finalmente desisto e corto a conexão, não sem antes limpar meus traços. Não acho que preciso ouvir mais essa conversa. Seja lá o que ela vai dizer de agora em diante, não é para me ajudar.

Penso em como acabei de limpar meus traços na rede, como praticamente hackeei o sistema no primeiro dia em que Alice me cadastrou para ver a planta da casa dos Cullens e procurar sistemas de segurança dentro e fora da casa. Penso em como quebrei a cabeça tentando entender porque eles moravam em um lugar tão remoto e como nem pensei duas vezes ao invadir a privacidade de Carlisle entrando no escritório dele e analisando tudo que ele tinha.

Quanto mais penso, mais convencida estou de que muitas das minhas ações simplesmente não foram normais. Ela está certa penso ouvindo aquela voz rouca no meu ouvido novamente. Tenho que ir embora… antes de afundar eles junto comigo.

Eu tenho que ir embora. As palavras me acertam como um soco na boca do estômago e eu estou sem ar. Mais um dos meus ataques de pânico. Coloco a cabeça entre os joelhos e diminuo as luzes.

Eu só queria me lembrar. Queria torcer meu cérebro como um pano molhado até que as memórias pingassem para fora dele. Queria poder me justificar ou saber o suficiente para desmentir o que Jasper possa ter achado ou até mesmo mentir se fosse necessário, mas eu não tenho nada. Eu não posso falar a verdade, porque não sei a verdade, e não posso mentir pelo mesmo motivo. Não tenho para onde correr.

Talvez eu possa sim mentir, pelo menos algo parecido com isso penso. Se eu me ´lembrar´ eu posso mentir. Posso dizer que me lembrei onde é minha casa, que sei de onde eu vim. Claro que não posso dizer que lembrei tudo, mas uma mentira pequena o suficiente para me tirar dali sem que eu precise pular da janela no meio da noite. Mas para onde eu vou? O primeiro lugar que me veio a mente não me agrada nada. O único lugar que alguém como eu pode ir sem colocar ninguém em risco é o ultimo lugar que gostaria de ir, a polícia.

Olho para o quarto a minha volta. Uma luz fraca ainda está acesa e faz longas sombras nos móveis. Me levanto e apago as luzes completamente. Leva alguns momentos mas meus olhos se acostumam a escuridão. A luz da lua vinda da janela ajuda. Olho para fora e já não vejo Emmett encostado na árvore. Toco o acionador da janela e ela se abre facilmente. O ar gelado bate no meu rosto e sinto-o queimar sobre minha pele. Fecho a janela com cuidado e deito na cama. Eles vão vir checar se ainda estou aqui, se ouvi alguma coisa.

Me mantenho deitada sem me mover por alguns minutos até ouvir a porta abrir. O cheio doce de menta preencher o ar e eu sinto a mão de Esme tocar meu cabelo e acariciá-lo devagar. Fico perfeitamente parada, minha respiração estável. Esme não fica muito tempo. Quando ouço a porta fechar me sento na cama. O relógio marca uma hora da manhã. Oito horas até a manhã.

Encaro a escuridão no quarto mais calma do que achei que estaria. Rosalie estava certa. Eu deveria ter voltado para lugar de onde vim naquela noite. Esme deveria ter chamado a polícia assim que me viu. Ela devia ter me abandonado. Mas essa não é Esme. Não é atoa que confiei nela desde a primeira vez que a vi. Esme nunca abandonaria alguém que precisa de ajuda. Outro motivo para eu mentir. Me pergunto se eles vão acreditar. Eu me lembrei. Minha família está me procurando. Eu tenho que ir até a polícia e achar minha família. Obrigado por tudo. Eu posso pegar um taxi daqui. Eu ligo quando chegar. Rio da minha mentira ridícula. Digamos que eu consiga falar isso com uma cara séria e sem cair no choro, e depois? O que vai acontecer comigo se eu for até a polícia? Eles vão me prender? Me deportar? Algo pior?

Quando cheguei aqui tudo que eu queria era me lembrar, lembrar do rostos das pessoas que amo, do meu próprio rosto. Depois eu só queria me encaixar, não ser um fardo ou peso morto, eu queria ajudar. Mas no fim, eu fui gananciosa demais. Ignorei todos os avisos na minha mente e ousei pensar que poderia viver com eles para sempre, ser parte da família… ter uma família. E agora aqui estou eu, no escuro no meio da madrugada pensando nas minhas últimas palavras para eles. Pensando em como ir embora sem prejudicar a vida deles ainda mais.

Não quero ir embora. Não quero deixá-los. Não quero ficar sozinha. A sensação de estar perdida e sem rumo que senti quando acordei na floresta… eu não quero passar por aquilo novamente.

Pensar no adeus apertou minha garganta tão forte que me deixou sem ar. Eu estava acostumada. A sensação de uma bola de basquete na minha garganta. O desespero de não conseguir respirar. O pânico fazendo meu coração bater em um ritmo irregular.

Não sei quando, mas em algum momento durante a madrugada me rendi ao cansaço. Assim que consegui dormir tive meu primeiro pesadelo desde que cheguei aqui. Estou na sala de estar e Esme está vestida de branco me olhando e sorrindo. A imagem dela vai ficando borrada e estico meu braço na direção dela, mas bato em uma barreira de vidro. Olho em volta e estou na mesma água esverdeada que tenho visto nos meus sonhos, mas dessa vez é diferente. A água parece densa e sufocante. Olho para Esme novamente. Ela deixa de sorrir e fica de costas para mim enquanto anda para algum lugar. Ela continua andando de cabeça baixa e ficando mais distante. Tento falar o nome dela, mas ela não me ouve. Ela continua se afastando enquanto eu grito o nome dela e tento quebrar a parede de vidro. Ela desaparece e a parede de vidro se fecha a minha volta como um tubo. As bolhas na água são grandes e eu não consigo estoura-las. Algo segura meus braços e pernas. Várias mãos pretas vão me prendendo dentro do tubo de vidro. Tento me livrar, mas não consigo mais me mexer. Meu pescoço dói e arde em contato com a água. O verde vai ficando vermelho e o líquido parece esquentar. Sinto que estou perdendo o fôlego quando ouço uma risada. Não sei de quem, mas sei que a pessoa está satisfeita. Ela está apreciando o fato de eu estar presa naquele tubo.