Entro no quarto de Seth e, diferente da ultima vez, o lugar tem um toque mais pessoal. Antes parecia apenas outro quarto de hóspedes, mas agora, traços da pessoa que vive ali estão por todos os lados. Na pilha de roupas sobre o sofá, na cama bagunçada e sapatos no chão. O quarto dele tem um cheiro diferente, algo como o cheiro de alguém que acabou de sair do banho, refrescante e suave, como sabonete. Não sei exatamente o que é.

—Porque não se senta? Ele pergunta limpando as roupas do sofá sobre a janela abrindo espaço o suficiente para nós dois.

Me sento e ficamos em silêncio por alguns segundos. Não sei exatamente o que quero falar para ele, mas quero ajudar ele a entender minha decisão. Não achei que ficaria tão próxima dele assim em tão pouco tempo. Ele passou de uma presença que me deixava desconfortável para um amigo com quem posso conversar e me sentir normal, assustadoramente rápido. Existe alguma coisa no jeito em que ele fala comigo, como se ele quisesse me falar alguma coisa que não consegue. E vendo ele lutar com as palavras que quer dizer sem achá-las… é como olhar para uma reflexão de mim mesma. Talvez seja por isso que eu aceitei ele tão rápido, porque ele parece familiar, como uma outra metade da mesma moeda.

—Quer conversar? Pergunto sem olhar para ele.

—Sobre? Ele responde sem me olhar.

—Bem… olho para a janela atrás do sofá. —O tempo está uma droga hoje.

Seth ri um pouco e responde —O tempo sempre está uma droga em Forks.

Ele tem razão. Não é difícil falar com Seth. Honestamente, é fácil demais. As vezes me pergunto se está tudo bem ser tão honesta assim com ele. Não é como se nós fossemos velhos amigos, e, apesar de ser assim que eu me sinto, não sei se ele está confortável comigo o suficiente para ser honesto sobre o que o está incomodando. Eu começo então. Se ele parecer incomodado eu mudo de assunto.

—Você está… bem?

—Na verdade… não.

—Sabe, eu não posso te fazer confortável com a situação, mas eu posso te garantir, por ahm.. experiencia própria que você… que você vai ficar bem, tudo vai ficar bem.

—´Eu´ vou ficar bem?

—Tá, nós dois.

Seth olha para algum ponto para baixo. Sigo o olhar dele e noto que ele está encarando minha mão machucada. Não é a melhor prova de que ele está seguro aqui, mas isso foi só um acidente.

—Ahm… isso? Bem, eu diria, risco ocupacional? Sorrio sem achar garça de verdade.

—Eu achei que você tinha morrido. Seth fala sério. As vezes ele é tão direto comigo que parece que se esquece que nos conhecemos a apenas alguns dias… Dias que foram tão longos que parecem anos.

—Eu também. Eu tive medo de morrer.

—Você não está com medo agora?

Olho para o fundo da minha mente procurando alguma ponta de medo. Eu acho o medo de ter que ir embora, o medo de que quem eu sou pode machucar as pessoas com que me importo, o medo de ficar sozinha, mas não acho medo em relação aos Cullens serem vampiros, de fato, esse detalhe me parece quase insignificante. O futuro parece muito mais assustador do que qualquer outra coisa. O amanhã pode trazer qualquer coisa, inclusive minha memória.

—Eu não sei. Nesse momento me sinto aliviada porque estou viva e porque posso continuar a viver nessa casa.

—Porque você quer ficar aqui?

Aí vem a honestidade não solicitada. Minha mente parece derramar tudo que tem quando falo com ele.

—Bem, Esme salvou minha vida e eu quero retribuir de alguma forma, mas honestamente? Eu… gosto de morar aqui.

Seth parece pensar por um segundo nas minha palavras. Não sei se foi sua intenção, mas suas palavras me machucam quando ele fala.

—Mas eles vão ter que ir embora um dia. Eles não podem ficar aqui por muito tempo. Eles não mudam de aparência… nunca.

Ele quer dizer que vou ser deixada para trás? ´É isso que acontece com humanos que seguem vampiros´ é o que ele quer dizer?

—Eu… eu não entendo o que você quer dizer. Minto para ele e para mim mesma. Sei exatamente o que ele quer dizer.

—Você não pensa sobre isso? Sobre o seu futuro aqui?

—Eu tento não pensar sobre isso. Mais uma vez sou honesta demais. —Eu… sei que no dia em que eu recuperar minha memória, esse dia, vai o ser o meu último dia aqui. Não faz sentindo pensar no amanhã na minha situação. Além do mais imagina se quando eu recuperar a memória eu viro quem realmente sou, uma patricinha mimada e chata ou quem sabe uma matadora a sangue frio. Novamente solto um sorriso fraco para disfarçar o desconforto. Tudo é verdade. Se eu pensar no amanhã o pânico parece me esmagar então eu agradeço por ter o dia de hoje com eles e com Seth e fico satisfeita. Nada de se afundar em alto piedade.

Seth passa por cima do comentário sobre meu ´último dia´ e apenas responde —Você não vai mudar. Essa pessoa aqui, agora, é quem você é.

Sinto que nunca sorri de verdade olhando para Seth antes, mas hoje foi o dia. Quando falo

—Obrigado ao ouvir as palavras deles sinto meus lábios puxarem para trás em felicidade. O sorriso dele é grande e confortante. Vai ficar tudo bem.

Os dias que se seguem são… normais. As vezes Carlisle faz algum exame extra em casa outras vezes ando com Esme pela propriedade apreciando vista e para esticar as pernas. Não voltamos mais no hospital desde aquele dia. Carlisle me explicou que os meus resultados foram… inconclusivos. Não existe motivo real para minha perda de memória, então a única coisa que podemos fazer é esperar. As vezes sinto dores de cabeça ou dores no corpo, mas nada alarmante, mesmo assim Esme pede que Carlisle me examine toda vez que ela me pega massageando o pescoço por conta da dor. Carlisle me deu algumas pílulas para controlar a dor mais eu evito usá-las, a não ser que seja demais para suportar.

Nuca mencionei para ninguém, mas a dor no meu pescoço é exatamente no ponto onde o anel de metal estava. Analisei aquele anel mil vezes mas nunca achei nada que me ajudasse a entender o que ele está fazendo ali. Agora, aquele maiô fica na gaveta do meu closet. As vezes olho para ele, mas logo fecho aquela porta na minha mente com medo de olhar dentro dela.

Seth e eu passamos o dia na sala de jogos montando um quebra-cabeça em realidade virtual. É um dos grandes, mas ninguém estava com pressa de terminar. Seth não é o maior fã de quebra cabeças, mas ele perdeu no pedra-papel-tesoura, então não tem escolha.

—Usar hologramas para montar um quebra-cabeça não é a mesma coisa. Seth fala torcendo o nariz para as peças virtuais.

—Como assim não é a mesma coisa? Pergunto arrastando uma peça para o local que me parece apropriado, mas a cor vermelha ao redor dela me diz que errei de novo.

—Ah… tocar nas peças era bem melhor. Igual ler livros. Olho para ele e levanto a sobrancelha.

—Você fala como se já tivesse tocado em um livro de verdade. Ele teria que ter pelo menos duzentos anos para ter tocado um livro.

—Quero dizer que eu ouvi dizer que era muito melhor antigamente. Meu avô me contou histórias que ouviu do pai do pai dele. É claro que não tem como eu saber como era. Seth ri desconcertado e de um jeito meio assustador na minha opinião.

—Claro que você nunca viu. Falo. —A não ser que você seja um vampiro também. Falo rindo e levantando as duas sobrancelhas ao mesmo tempo duas vezes.

—Eu não sou um vampiro! Seth fala rápido demais batendo na mesa.

—Tá bom, tá bom. Relaxa ok? Olha, essa peça do seu lado é a certa viu? Falo encaixando o holograma no lugar certo e vendo a peça piscar verde por um momento.

Seth geralmente ri das minhas piadas, mas ele parece ter dificuldade de rir de qualquer coisa relacionada a vampiros. Quando Emmett faz piadas sobre a hora do jantar eu rio sem hesitar, mas Seth parece incomodado.

Terminamos grande parte do quebra-cabeça e Seth sugeriu olharmos as flores na estufa mais uma vez. Não voltamos lá há algum tempo por conta da neve. Ultimamente estávamos até os cotovelos de neve, mas ontem Esme limpou o caminho até a estufa.

—Claro. Respondo. —Só vou pegar meu casaco.

O casaco é mais para evitar ficar com as roupas molhadas do que para o frio. Eu sempre uso a nanotech, mas Seth não gosta do conforto da tecnologia. Ele nunca me deu um motivo real, mas ele nunca a usa.

Pego meu casaco no quarto e desço junto com ele para a porta principal.

—Onde vão? Pergunta Esme com um robô de limpeza seguindo ela. Esme sempre parece ocupada ao redor da casa. Não é como se ela pudesse contratar ajuda, mas provavelmente ela não precisaria de ajuda.

Vamos na estufa. Falo apontando para o lado de fora.

—Ah… ótimo. Seth, dê uma olhada nos lírios para mim, tudo bem? Seth responde com um aceno. —E Anne? Esme continua. —Não assuste os sapos novamente ok? Seth ri alto do meu lado, mas logo para quando eu o encaro séria. Essa piada nunca vai morrer.

O caminho que Esme fez até a estufa é confiável e fácil de seguir. Tomo cuidado ao pisar no gelo e Seth, como sempre, mal pisca ou presta atenção enquanto anda. Observo com ele está usando apenas uma jaqueta e me pergunto como ele consegue.

—Você não sente frio? Pergunto sentindo meus dedos gelados.

—Eu já estou acostumado. Seth responde caminhando de costas para me olhar enquanto fala e dá um sorriso.

—Mesmo assim... você vai ficar... olha o degrau! Falo tentando avisá-lo dos degraus entre o fim do caminho de gelo e o começo da grama, mas Seth simplesmente passa por eles sem se virar ou piscar.

—Exibido. Falo baixinho e ele continua a sorrir e andar de costas até a estufa.

Quando entramos tiro o casaco e penduro perto da porta. A temperatura aqui dentro ainda é como a primavera, muito mais quente do que dentro da casa e muito mais húmido devido as plantas.

Seth fica olhando as flores e regando algumas como Esme pediu. Eu dou uma volta, mas não fico muito perto dos canteiros. Não vou admitir em voz alta, mas sei que vou gritar se encontrar outro sapo. Seth se demora olhando os lírios de Esme. Fico em pé do lado dele observando, tentando ver o que ele vê nelas. Os olhos deles brilham observando as pétalas brancas, vermelhas e rosas das flores como se estivesse ouvido elas.

—Elas são lindas. Falo puxando assunto. Ele está ajoelhado e sorrindo em silêncio a tempo demais, me fazendo sentir desconfortável.

—Sim. Mais que isso. Elas enchem você de um sentimento bom. Seth reponde sorrindo.

—Quando você começou a ter interesse nelas? Pergunto me ajoelhando do lado dele.

—Faz um tempo. Quando eu era mais novo gostava de andar por aí na floresta. Um dia vi um campo cheio delas. O cheiro era incrível. Se eu fechar os olhos ainda consigo sentir. Eu me deitei sobre elas e fiquei ali, de olhos fechados. Era como se eu fosse a única pessoa no mundo. Seth fala com um olhar doce no rosto. Não consigo deixar de sorrir para ele.

—Lírios, não é?

—Sim. E um dos mais bonitos que já vi. Eles nasceram da terra sabe? Não em um tubo. Eles são especiais. Para um amante de flores como ele deve ser triste ver o quão raras as flores de raça pura são. Hoje em dia existem tantas flores mais bonitas que essas, cheias de cores vibrantes, mas todas feitas em laboratório.

—Você tem a própria estufa? Imagino Seth cuidando das próprias flores com Esme faz.

—Não… não temos espaço ou dinheiro para isso na minha casa. Ele responde se arrumando do meu lado. Eu nunca perguntei sobre a casa dele. Seth está sempre aqui ultimamente. Antigamente ele sumia de tempos em tempos, mas ultimamente ele sempre está comigo.

—Onde você mora? Pergunto curiosa.

—Fica meio longe. Não é nada como a casa do Cullens, mas é um lugar tranquilo, na reserva florestal.

Seth não me dá muitos detalhes, mas imagino que deva ser um casa cheia de gente calorosa. Eu aprendi a não perguntar demais quando estou com ele. Me sinto culpada por fazer ele passar horas me contando histórias aleatórias quando não tenho nada para contribuir.

Me levanto do lado dele, com as pernas meio dormentes e vou andando ao redor da estufa, observando as flores, esperando o formigamento passar. Estico a mão e as pétalas tocam as ponta dos meus dedos. Minha mão está completamente curada e sem nenhuma cicatriz. Nem parece que tinha em corte de quase cinco centímetros na palma da minha mão alguns dias atrás.

Sinto as pétalas das flores tocarem meus dedos. Algumas suaves, outras mais ásperas. Não sei se é porque estou andando de olhos quase fechados ou por causa do calor e do cheiro das flores, mas me sinto meio tonta. Quando abro os olhos algumas manchas de luz passam na minha frente. Balanço a cabeça um pouco, mas elas não desaparecem. Ouço uma voz feminina me chamando. Ela não chama um nome. Apenas fala ´Olha aqui´ e eu me viro, mas não vejo ninguém. Olho ao redor e só vejo Seth há poucos metros de mim. Achei que poderia ser Esme, mas a voz é diferente. Continuo andando entre as flores procurando alguma coisa até que Seth para na minha frente.

—O que foi? Ele pergunta me olhando, confuso.

—Hã? Respondo voltando a realidade.

—Você estava agindo estranho. Perdeu alguma coisa? Ele pergunta olhando em volta.

—Hã?…. Não, não é isso. Eu só estava…. Olhando em volta. Minto sorrindo um pouco. Seth sorri de volta.

—Vamos voltar. Já está tudo em ordem por aqui. Ele fala seguindo para a porta e eu sigo logo atrás dele.

Caminho atrás dele menos atenta do que deveria. O chão sobre meus pés é instável, mas minha mente está distraída. Continuo pensando naquela voz que ouvi na estufa. Não é a primeira vez que tenho uma… visão assim. Primeiro foram as flores na mesa da sala. Minha mente me mostrou a imagem de uma pintura com flores e agora eu ouço uma voz na estufa.

—Anne? Anne! Seth está parado na minha frente e parece estar chamando meu nome há algum tempo. Não notei, mas aparentemente parei de andar em algum momento.

—Hum? O que foi? Olho ao redor e ainda estamos na metade do caminho até a casa.

—Eu que pergunto. Porque parou? Seth parece preocupado.

—Estava… pensando. Não foi nada. Vamos. Falo passando por Seth e seguindo em direção a casa. Sinto que talvez alguma memória está querendo voltar para mim e não sei o que fazer com aquilo. Eu quero me lembrar, mas… não sei se quero me lembrar.

Sinto o olhar desconfiado de Seth em mim o caminho todo, mas finjo que não percebo. Existem três coisas que eu nunca contei para ele ou para ninguém na verdade. Uma, eu tenho setenta porcento de certeza que Rosalie me atacou porque eu fiz ela me atacar, segundo, a minha memória da pintura e terceiro, a memória da voz que acabei de ouvir. Sinto que a lista vai ficar maior a cada dia, mas tenho certeza de que nunca vou falar para ninguém o que está nessa lista, nem hoje ou no futuro.

Seth não me perguntou sobre mais nada o resto do dia. Eu passei minhas horas aprendendo a costurar com Esme, e sem querer me gabar, já sou praticamente uma iniciante intermediária no assunto. Já consigo costurar sem deixar buracos no meio e consigo criar formas mis complicadas, como círculos e flores, o que é exatamente o que eu preciso.

Ultimamente, Alice tem estressado todo mundo com a lista de presentes de natal. Ela ficava andando pela casa toda nervosa e resmungando sobre presentes. Eu estou tão estressada quanto ela porque eu também quero dar um presente para cada um deles, mas como não tenho nem uma calcinha no meu nome tenho que fazer meu presente do zero. Por isso me dedico tanto a costurar com Esme. Estou fazendo um presente para cada um dos Cullens e para Seth. Por enquanto não está tão terrível, mas tenho medo de não ter tempo o suficiente para terminar então ando passando quase todas as noite acordada costurando.

Durante o jantar Esme e Seth discutem sobre os convidados da festa de natal. Ela quer saber quantos membros da família dele vão vir.

—Se a comida for de graça todos eles vão vir. Seth ri entre uma bocada e outra.

Esme tem preparado pratos mais elaborados ultimamente. Ela disse está escolhendo o menu da ceia de natal e Seth está adorando.

Depois do jantar vou direto para meu quarto pois tenho que terminar de costurar os presentes. Sinto que Seth quer me perguntar alguma coisa. Ele sempre fica me olhando de lado quando alguma coisa está incomodando ele, mas eu não quero estragar a surpresa.

Tiro a caixa escondida no fundo do closet com meu material de costura e começo a trabalhar. Entre um ponto e outro minha mente volta para a voz que ouvi na estufa e depois para a imagem da pintura. Duas memórias aleatórias que não me dão resposta alguma, mas que me fazem sentir estranha. Eu sei que falei para Seth que não estava exatamente animada para recuperar a memória, mas é como se no momento em que eu espiei pela fechadura foi um caminho sem volta. Mas, apesar da curiosidade, ainda existem memórias que eu me recuso a explorar. A memória do que fiz com Rosalie está dentro de uma caixa que eu tenho medo demais de abrir. Tenho medo que se eu explorar essa memória tudo vai se repetir, então, como a boa covarde que sou, ignoro a caixa no fundo minha mente e me concentro na mais recente.

Fico costurando até três da manhã quando finalmente caio no sono. Cinco horas de sono tem sido o mínimo que eu preciso para não ficar bocejando o dia todo e, na minha opinião, parecer apresentável.

Na manhã seguinte Alice parece mais animada do que nunca falando com Esme e Rosalie na mesa da café da manhã.

—Eu finalmente terminei a lista! Ela fala aos pulos balançando um bloco de anotações digital nas mãos. —Nós vamos as compras ainda hoje! TODOS juntos.

Hoje é domingo e todos estão reunidos na casa. Até Carlisle que geralmente está ocupado no hospital está relaxando lendo um jornal eletrônico. O papel do jornal, assim com todo o papel no mundo, foi substituído por algo mais sustentável. Para o jornal, Carlisle usa uma tela maleável que projeta as notícias e lhe dá a sensação de estar folheando uma pilha de papéis de verdade.

—É realmente necessário? Emmett fala entrando na cozinha e ficando ao lado de Rosalie. Rosalie não admite, mas ela parece gostar da idéia de ir as compras com Alice. Posso ver ela espiando a lista e sorrindo de leve.

—Isso não é um debate. Preciso de todos vocês juntos hoje. A festa desse ano vai ser muito maior do que a do ano passado.

Troquei o suco de laranja por café hoje, como tenho feito nos últimos dias. A cafeína tem se tornado um vício e uma necessidade para me manter acordada durante o dia.

Com Alice apressando todo mundo volto para meu quarto para me trocar logo. Seth segue logo atrás de mim e me para quando entramos no corredor.

—Você vai me contar?

—O quê? Me faço de burra. Eu sei exatamente o que ele vai perguntar.

—Você passou os últimos dias bocejando e com os olhos vermelhos. Você não anda dormindo. Porque?

—Eu durmo todos os dias. ´Por cinco horas´ completo a frase mentalmente.

Ele não me responde e fica me olhando com uma sobrancelha levantada. Ele não vai me deixar em paz se eu não falar alguma coisa.

—Tudo bem. Eu vou te contar, mas pode ser depois? Alice está nos esperando no andar de baixo.

—Assim que voltarmos? Ele pergunta tentando arrancar uma promessa de mim.

—Assim que voltarmos. Prometo.

Carlisle, Esme, Seth e eu dividimos um carro enquanto Alice, Rosalie e Emmett dividem outro. Seguimos pela rodovia até o centro da cidade. A única vez que vim aqui foi quando fiz meus primeiros exames no hospital. O clima estava mais chuvoso, mas a cidade estava cheia de pessoas e cheia de vida. Hoje o espírito de natal estava espalhado para todos os lados. Todos os prédios projetavam decorações de natal e enormes outdoors de descontos estavam espalhados pelas calçadas.

Seguimos o carro que Emmett está dirigindo até um shopping enorme. O lugar tem apenas dois andares de altura, mas parecesse se espalhar por quilômetros. Estacionamos os carros e Alice nos dá instruções do que cada um precisa comprar. Imagino que é assim que soldados recebem suas ordens antes de entrar no campo de batalha.

Ela nos colocou em pares. Emmett e Rosalie, Carlisle e Seth, Esme e eu. Cada um recebeu um mini notepad com uma lista de lugares que deveriam visitar e itens que deveriam ser adquiridos. Imaginei que ia provar roupas o dia todo com da última vez, mas essa é uma versão 2.0 de um dia de compras com Alice. Ela já tinha reservado tudo que era possível reservar e agora estávamos aqui para retirar os itens e comprar o que restava.

Saímos para o mar de lojas, cada um em uma direção. Emmett e Seth deram um suspiro alto quando saímos, mas Carlisle não parecia tão incomodado assim, ou talvez ele esconda melhor que os outros, assim como eu.

Andei com Esme por horas e horas. Voltamos para o carro algumas vezes para nos livrar das sacolas mais pesadas. Toda vez que voltávamos o carro parecia mais cheio.

Caminhamos por lojas com lindas decorações de natal e crianças se enfileirando para falar com Papai Noel. Esme recebeu inúmeras cantadas de estranhos e eu tive que entrar no meio da conversa e encarar alguns caras até que finalmente fossem embora.

Assim que terminamos as compras nos encontramos na frente do ringue de patinação. Quando Esme e eu chegamos, Carlisle e Seth já estavam nos esperando. Fiquei aliviada que Carlisle estava ali. Eu não tinha mais que afastar caras esquisitos dando em cima de Esme.

—Finalmente! Porque demoram tanto? Seth corre em nossa direção seguido por Carlisle.

—Nós que terminamos cedo. Carlisle fala abraçando Esme. —O garoto correu pelo shopping como um louco para terminar mais cedo e encontrar vocês. Como foram as compras?

—Ótimas, mas cansativas. Anne não via a hora de terminar. Esme fala sorrindo.

Emmett, Rosalie e Alice vem em nossa direção poucos segundos depois que chegamos. Alice checa o notepad mais uma vez e parece satisfeita.

Muito bem gente, vejo que checaram todos os itens da lista. Vamos, vou pagar uma rodada de sorvete para as crianças. Alice pisca na minha direção e vamos andando até o pequeno quiosque de sorvete. Nós nos sentamos em um dos bancos de frente para ringue patinação no gelo enquanto eu e Seth apreciamos um descaso merecido. Algumas pessoas sussurram enquanto passam por nós e eu fico limpando a boca achando que tenho sorvete no rosto, mas finalmente me toco que estão falando dos Cullens.

Não deveria ser uma surpresa para mim que eles são o centro das atenções, mas ver aquela comoção me faz entender o porque deles não saírem muito. A atenção, mesmo que não seja para mim, me deixa desconfortável, como se não eu devesse estar ali. Me levanto com a desculpa de que estou com sede e caminho até a estação de água. Enquanto espero minha vez, observo as pessoas passando sorridentes, a maioria famílias, carregando sacolas decoradas. Outras parecem grupos de amigos, não muito mais velhos que eu, provavelmente se divertindo depois das aulas. Encho um copo de água e bebo logo ao lado do bebedouro. Quando estou na casa dos Cullens eu não penso sobre isso, mas aqui no meio dessas pessoas não posso evitar de me sentir isolada. Eu vivo em um mundo tão diferente do deles que é inacreditável que estamos dividindo o mesmo espaço desse jeito.

Termino minha água e coloco o copo na pilha de usados. Caminho de volta para onde estava e noto um grupo de três garotas conversando com Seth. Por algum motivo ele se levantou e agora eles estão conversando. As garotas riem exageradamente para ele, mas Seth parece sério. Uma das garotas toca o braço dele e faz uma cara de supresa exagerada. Seth não sorri, mas também não exatamente afasta a mão dela. Observo aquilo e imagino que é assim que o dia a dia dele deve ser. Não exatamente as garotas, mas ele conversando com os amigos e se divertindo.

Ele nota que estou olhando para ele e ele se afasta das garotas e vem na minha direção. Elas parecem ofendidas e andam para longe.

—Hey. Ele fala sorrindo.

—Você conhece elas? Perguntei andando de volta para o banco.

—Nunca vi elas na vida eu juro. Ele fala colocando as mão para o alto como se estivesse apontando uma arma para ele.

—Ahm… tudo bem então.

—Eu juro. Elas vieram falar comigo eu não conversei com elas. Ele fala mais rápido do que antes. Ele parece desconcertado.

—Tudo bem. Respondo mais uma vez sem entender a comoção. Seth me olha com os olhos semicerrados como se estivesse analisando minha expressão facial e dá um suspiro alto sem falar mais nada.

Quando voltamos para o banco todos se levantam. É hora de ir embora. Olho o grande relógio flutuando sobre nossas cabeças e já são cinco horas. Meu corpo parece pedra e eu me arrasto até o carro. Carlisle e Esme organizam as compras e abrem espaço o suficiente para eu e Seth sentarmos apertados no banco de trás.

O som da música no carro soa como uma canção de ninar. Cinco horas de sono todos os dias da semana acumulou mais de dez horas de sono não dormido. Belisco meu braço de tempo em tempo tentando me manter acordada. O trânsito é terrível por conta da quantidade de carros e da neve na estrada. A dor do beliscão me mantém acordada por alguns minutos apenas. O carro está quente com toda aquela tralha e Seth parece irradiar calor. Esme e Carlisle conversam sobre alguma coisa, sobre o hospital talvez, mas eu não consigo me concentrar. Continuo me beliscando até que finalmente o carro começa a se mover. Meu braço já está vermelho e dolorido quando Seth segura meu pulso e evita que eu me belisque novamente. Ele não fala nada, só me olhada com cara de confuso com se quisesse falar O que diabos está fazendo? Eu movo a boca devagar para que ele consiga ler meus lábios SO-NO. Seth faz o mesmo e me responde DOR-ME eu balanço a cabeça que não. Da última vez que eu dormi no carro Emmett teve que me carregar até minha cama. Se eu puder evitar a humilhação de ser carregada com um bebê novamente eu vou me beliscar até meu braço ficar roxo. Afasto a mão de Seth e continuo me beliscar. Ele segura minha mão e não larga dessa vez. Puxo meu braço, mas não consigo fazer ele largar. Ele me olha nervoso e move os lábios PA-RA e eu respondo SOL-TA mas ele não se mexe. Observo Esme e Carlisle no banco da frente ainda conversando com se nada estivesse acontecendo. Fecho os olhos por um momento e tento me acalmar. Aceno com a cabeça para Seth e ele solta minha mão. Como a mulher racional e razoável que sou chuto o pé dele e belisco o lado da minha coxa que ele não consegue ver até chegarmos em casa.

Quase perfeitamente acordada, ajudo a descarregar todas as sacolas do carro. A maioria do itens são para decorar a casa e o resto parecem roupas, mas elas estão embaladas então não tenho certeza.

—Eu vou preparar o jantar de vocês, vão se lavar sem pressa. Vou avisar quando estiver tudo pronto. Esme fala indo em direção a cozinha.

Vou me arrastando para o quarto imaginando tomar um banho quente e relaxar por um momento antes de começar a costurar novamente, mas Seth tem outros planos.

—O que diabos foi aquilo? Porque você ficou se beliscando e porque está com tando sono assim?

Eu não vou conseguir fugir dessa conversa penso exausta.

—Eu estava tentando não dormir, só isso. Não foi nada demais.

—E porque você está com tanto sono assim? Todos os dias você parece exausta. As palavras dele me pegam de surpresa. Achei que estava escondendo bem.

—Bem… chamo ele para mais perto. Não quero que Esme me ouça. Fico na ponta dos pés e apoio nos ombros dele até alcançar a orelha dele e sussurro. —Estou trabalhando em um projeto.

Abro um sorriso orgulhoso quando me afasto de Seth, mas a expressão dele é decepcionante. Ele fica olhando para o chão e não fala nada. Estalo os dedos na frente dele e ele finalmente reage.

—Então? Entendeu agora? Falo sorrindo novamente.

—O que? Ele pergunta como não tivesse ouvido o que eu falei. Reviro os olhos e me aproximo dele novamente, mas ele se afasta falando Entendi Entendi e dando mais dois passos para trás. Ele passa por mim e entra no quarto dele sem falar mais nada. Me sinto irritada com a reação dele.

Ele me perturbou o dia todo para saber o que eu estava fazendo acordada e agora me ignora? penso brava batendo os pés até meu quarto. Ele vai ver se eu conto mais alguma coisa para ele.

Tomo um banho relaxante e seco o cabelo enquanto espero Esme me chamar para o jantar. A água quente quase me fez desistir e dormir ali mesmo debaixo do chuveiro, mas eu tenho coisas mais importantes a fazer. Procuro algum design interessante para meus presentes na internet e salvo algumas imagens e tutoriais. Uma mensagem de Esme aparece na tela e eu saio do sofá num pulo. Estou faminta e mal posso esperar para comer.

Encontro Seth no corredor e tento não olhar para ele enquanto ando. Ele puxa meu braço devagar chamando minha atenção.

—Acho demais que você tem um projeto. Me fala se eu posso ajudar em alguma coisa. Ele fala baixo sorrindo. Eu sorrio de volta, faço um sinal de joinha com o polegar para cima e andamos juntos até a cozinha.

Esme se superou no jantar hoje. O menu é Roast beef com molho de cranberry e vegetais cozidos.

—Sejam cem por cento sinceros comigo. Segui a receita ao pé da letra, mas não tenho como saber se está bom. Esme fala com um pequeno notepad nas mãos esperando para fazer anotações.

Toda vez que Esme cozinha um prato novo ela pede que Seth e eu descrevamos o gosto da forma mais detalhada possível. Eu tenho a mania de não falar quando noto que falta sal ou que o sabor não é do meu agrado, mas Seth é sempre honesto e menciona todos os detalhes sem poupar críticas, mas hoje, como eu disse, ela se superou. Nem Seth tinha algo ruim para dizer sobre a comida.

Terminamos de jantar e passamos algum tempo na sala de TV. Seth e Alice estavam ocupados jogando algum jogo nas maquinas na sala. Não sei exatamente qual a graça de um jogo não imersivo e sem realidade virtual, mas eles parecem entretidos. Emmett está sentando no sofá de frente a TV junto com Rosalie, assistindo algum canal de esporte e eu Carlisle e Esme estamos sentados na frente da mesa de vidro.

—Eu recebi mais resultados hoje, mas não encontrei nada demais. Sinto muito. Carlisle se desculpava demais comigo ultimamente. Ele tem tentando tudo para descobrir porque eu perdi a memória, mas ainda não chegou há lugar algum.

—Não se preocupe. Falo mais uma vez. —Sinto muito por não poder ajudar.

—Anne, quantos anos você acha que tem? Ele pergunta me pegando de surpresa.

—Bem, acho que talvez 17? Ou 18? Me sinto mais velha, mas não acho que tenho mais que 18 anos.

—Porque você se sente mais velha?

—Bem… Não sei. Tenho a impressão que sou muito mais velha, mas deve ser a amnésia não?

—Talvez. Carlisle coloca os dedos sobre queixo como se estivesse tentando resolver um problema difícil.

—Você acha que sou mais velha? Algum dos exames mostrou alguma coisa?

—Não exatamente. Você está certa. De acordo com a seus exames de DNA você tem entre 17 e 19 anos.

—Você pode dirigir se quiser. Esme fala sorrindo para mim. Não é exatamente um desafio dirigir. O carro faz todo o trabalho. Uma criança com conhecimento suficiente de qual botões apertar poderia dirigir um carro, mas uma criança não teria autorização para fazê-lo.

—Sei não… Carlisle e Alice tem o estranho hábito de dirigir em modo manual e eu não acho que quero testar minhas habilidades dirigindo sem ajuda do sistema do carro. —Talvez… um dia.

—Tem alguma coisa que você quer fazer? Ou algum lugar que quer visitar? A pergunta de Esme me pega desprevenida. Na verdade existe sim uma coisa que eu quero fazer e um lugar que quero visitar, mas não posso pedir para ela me levar. Se ela me levar, lá se vai a surpresa do meu presente de natal. Quero ir em uma loja de acessórios de costura para comprar ímãs para finalizar os presentes, mas como não posso falar para ela, apenas respondo que não.

—Não exatamente.

—Você tem certeza? Não está entediada aqui dentro? Esme parece não acreditar nas minhas palavras.

Dou de ombros e penso mais um pouco. Na verdade não me sinto nem um pouco entediada. Eu posso costurar com Esme ou conversar com Seth e Alice, ou andar até a estufa com Esme. Além do mais eu sempre penso demais no que eu perdi quando estou no meio de outras pessoas. Eu sempre me sinto excluída vendo todas aquelas famílias felizes andando por aí.

—Bem, se você tem certeza… Esme fala olhando para Carlisle e de volta para mim.

—Ah! A voz de Alice chama nossa atenção. —Nós vamos sair amanhã. Esqueci que tinha marcado um horário para você no shopping Anne.

—No shopping? Esme pergunta.

—Sim. Eu, você, Anne e Seth, ela fala colocando o braço sobre os ombros de Seth, —vamos dar uma renovada no visual antes da festa de natal. Alice sorri largo para mim e Esme. Eu olho para a expressão de Esme e ela parece tão confusa quanto eu. Tenho um mal pressentimento.