A água quente é refrescante quanto toca meus músculos doloridos. Eu não me demoro e logo saio do banheiro. Seco os cabelos com a toalha e coloco uma roupa mais confortável. Apenas a primeira coisa que vi no armário, um par de shorts na altura das coxas rosa claro e um sweater branco.
Ouço meu cabelo pingar sobre o tapete enquanto encaro a porta da frente. Ele teve contado para todo mundo o que eu falei com ele. Jasper queria privacidade para falar comigo, não para proteger minha privacidade, mas para poder me interrogar livremente. Me pergunto como ele me fez falar. Olho para a marca das unhas na palma da minha mão. Eu tive que apertar tão forte para evitar falar demais que devo ter deixado uma marca permanente. Continuo encarando a porta imaginando o que se passa no andar de baixo e, mais importante, o que Esme acha do que está ouvindo. Eu sou uma idiota. Devia ter contado para ela sobre minhas memórias antes. Agora parece que eu estou mentindo. Eu estou mentindo, ou escondendo parte da verdade, mas eu queria falar sobre isso nos meus próprios termos. O problema é que Jasper tinha outros planos. Ele queria todas as cartas na mesa. Cartas? Um pintura e uma voz. Claro. Cartas na mesa. Nem acredito que fiquei tão nervosa ao ponto de vomitar porque ele não teve paciência de me perguntar em um momento melhor.
Pego a caixa de presentes do meu esconderijo e tiro os itens que comprei da calça que estava usando e coloco todos juntos. Me pergunto se ainda existe sentido nisso. Com Jasper pintando minha caveira no andar de baixo eu provavelmente não vou durar até o fim do dia.
Respiro fundo e tento me recompor. Talvez seja melhor assim. Ouvir a verdade sem rodeios. Jasper me interrogou como a estranha que eu sou. Até agora, todo mundo, inclusive Carlisle, tem andando na ponta do pé perto de mim, como se quisessem me poupar de algum sofrimento. Eu fiquei mole com todo o cuidado. Quando Jasper me colocou na parede achei que Carlisle o faria recuar ou, por algum milagre, Esme viria ao meu resgate, mas ninguém apareceu. Eu tive que manter a calma até o final e falar por mim mesma. Eu percebo agora o quanto dependo de Esme e das pessoas ao meu redor.
Uma batida na porta me distrai dos meus pensamentos. Seguro a respiração esperando ouvir a voz de Esme, mas foi Seth quem falou.
—Posso entrar? Ele pergunta do outro lado da porta. Penso por um momento. Ele acabou de ouvir tudo que o Jasper falou. Ele veio para me interrogar ou para conversar? Assim que o pensamento aparece na minha cabeça o descarto completamente. É ridículo pensar que Seth estava ali para me julgar. Ele só deve estar curioso.
—Pode entrar. Falo de pé na frente do closet com a caixa sobre meus pés. Seth parece surpreso de me ver ali esperando ele abrir a porta. Ele desvia o olhar e fecha a porta antes de falar.
—Está tudo bem? Você não falou nada quando saiu do escritório.
Encaro ele por um momento esperando ele olhar para mim. Meu silêncio faz ele erguer o olhar. Não sei exatamente o que estou procurando nos olhos dele. Talvez raiva ou indignação por ter mentido para ele? Talvez algum indicativo de como está o clima no andar de baixo? Mas quando eu olho nos olhos dele ele é apenas… Seth.
—Eu tenho que falar sobre isso?
—Não. Só fiquei curioso. Você pareceu… cansada quando saiu de lá.
—Eu estou bem. Eu preciso terminar os presentes. Falo apontando para a caixa.
—Claro. Eu te ajudo. Ele responde pegando a caixa e levando até o sofá debaixo da janela. Daquele ângulo eu posso ver toda a floresta e a entrada da casa. Aquela vista traz lembranças para as quais eu não quero olhar agora.
—Vamos sentar na cama. Falo sentando na cabeceira da cama, agora eu tenho que propositalmente mudar de posição para olhar para o lado de fora. Daqui eu posso controlar o que quero ver.
—Ahm.. claro. Seth senta perto de mim e eu enrolo na linha nas mãos dele como antes e começo a costurar o cachecol de Esme. Praticamente terminei tudo então não leva muito tempo até que eu termine os detalhes finais e costure o nome dela usando as letras que comprei e a pequena flor que escolhi.
—Tudo pronto. Falo levantando o cachecol e verificando uma última vez se está bom o suficiente.
—Ficou muito bom. Ela vai adorar. Seth sorri para mim, mas eu não consigo achar um sorriso em mim para retribuir.
—Ela está no andar de baixo? Pergunto passando os dedos no nome dela. Ainda não consigo entender porque ela não veio me ver.
—Sim. Ela estava conversando com Jasper e os outros quando eu subi.
—Ela pareceu… não consegui completar a frase em voz alta, mas a palavra ficou flutuando na minha mente ´desapontada?´.
—Ela parecia que queria ver você. Olho para cima ao ouvir a resposta de Seth. —Mas Jasper não deixou ela subir. Talvez ele tinha muito o que conversar com ela. Não é grande coisa, mas me sinto ligeiramente aliviada ao ouvir que ela quer vir me ver.
—Você não estava curioso para ouvir o que ele tinha dizer?
—Estava mais curioso sobre como você estava.
—Eu estou bem. Minto mais uma vez. Se eu repetir o suficiente posso vir a acreditar. —Eu… Eu estou bem. Não consigo olhar para Seth enquanto minto para ele e para mim mesma desse jeito. Não sei qual a expressão no rosto dele e sinceramente não sei se quero olhar.
O robô no canto do quarto faz barulho me assustando um pouco. O visor na porta pisca vermelho avisando que tem outro robô esperando do outro lado da porta. Recolho tudo e enfio a caixa embaixo da cama. Seth abre a porta, mas ninguém está acompanhando o robô. O pequeno corpo dele está carregando duas bandejas cobertas e vai andando até parar na frente do sofá e expandir o espaço acima de sua cabeça, oferendo um espaço mais largo para as bandejas e para duas pessoas se sentarem no sofá e confortavelmente usá-lo como uma mesa. O cheiro da comida faz meu estômago roncar.
—Eu estou faminto. Seth fala sentando no sofá e abrindo uma das bandejas. Eu como do lado dele, na maior parte, em silêncio.
Esme ainda não apareceu no quarto e eu começo a ficar ansiosa. Porque ela não veio me ver até agora? Seth disse que ela queria ver como eu estava, mas ela mandou o robô no lugar dela. Será que ela realmente está brava comigo porque não contei para ela antes que recuperei algumas memórias? Mas elas são insignificantes! Igual ao castelo hoje. Eu não faço idéia do que significa. Eu não quero ressentir Jasper por querer proteger a família dele, mas não consigo concordar com os métodos que ele usa. Se ele tivesse um pouco mais de paciência, ou pelo menos mais tato eu poderia evitar essa humilhação. Todo mundo deve estar achando que sou uma mentirosa!
Assim que terminamos programo o robô para voltar para o andar de baixo. Seth sempre parece impressionado quando me vê usando o robô. Ele disse que nunca conseguiu usá-lo antes e da última vez ele chacoalhou a pobre máquina achando que alguma coisa ia cair dela.
—Você precisa que eu te ajude com alguma coisa? Pergunto fechando a porta depois que o robô sai. Seth está parado atrás de mim e estava observando como eu programei o pequeno ajudante.
—Como assim? Ele pergunta confuso. Eu me viro e falo de frente para ele.
—Eu sei que eu te devo crédito, mas como eu não tenho nenhum, eu posso fazer alguma coisa por você para ter pagar de volta. Eu posso te ensinar como usar o robô, programá-lo para fazer o que você quiser.
—Você não tem que me pagar de volta. Ele fala sério. Noto que ele parece ofendido com minha proposta.
—Você quer dizer que eu não tenho meios de te pagar. Não sei o que deu em mim. Sinto uma ponta de raiva na minha voz. Eu quero brigar com alguém.
—Eu achei que você tinha dito que estava bem. Você não soa ´bem´. Desvio os olhos dele. Ele não vai cair na minha provocação.
—Então o que? Você quer sair daqui? Pergunto nervosa. Agora que o choque do interrogatório passou eu me sinto com raiva e violada. Não queria falar sobre aquelas memórias e de alguma forma Jasper me obrigou. Eu quero socar as paredes e gritar de raiva por ter contado. Eu quero gritar na cara dele que ele não tinha o direito de me pressionar daquele jeito, mas eu não tenho coragem.
Seth me segura pelo ombros e me faz olhar para ele. —Eu não vou à lugar algum. Você não vai à lugar algum e mesmo que você vá eu vou te seguir.
—Porque?
—Porque… porque você… você é minha amiga, e eu não quero perder você.
O olhar de Seth faz eu me arrepender das minhas palavras. Fiz com ele exatamente o que Jasper fez comigo. Pressionei ele até ouvir o que eu queria. As palavras egoístas que queria que ouvir para me sentir melhor. Eu achei por todo esse tempo que estava fazendo o meu melhor para me encaixar na vida deles, mas o que estava acontecendo era que eu estava usando a bondade deles para impor meus desejos e quando alguém me colocou na parede e realmente me questionou eu entendi que estava escondendo a verdade para meu próprio benefício. Não porque não significava nada ou porque estava esperando pelo momento certo, mas porque eu não queria que nada mudasse. Queria viver nessa bolha para sempre, onde tudo é raios de sol e arco-íris. Eu não tenho direito de criticar Jasper. Ele fez o que tinha que ser feito. Ele estava protegendo a família dele de mim. É verdade que eu menti e escondi minhas memórias, é verdade que eu ainda não falei tudo para ele.
—Além do mais você não me deu meu presente ainda. Ele fala soltando meus ombros. —Não acha que eu esque…. Eu me estiquei ao máximo e abracei ele o mais forte que consegui, como ele me abraçou no dia em que Rosalie me atacou e ele veio correndo me ver. Eu consigo sentir o calor onde o rosto dele toca o meu. Eu queria falar tanta coisa para ele. Sobre meus medos, minhas memórias, o que ele significava para mim nesse momento. Foi graças a ele que minha vida pareceu normal por um tempo. Eu não pensava em nada quando estava com ele, só no agora. E agora eu não quero perder ele ou ninguém. Sussurro um ´obrigado´ enquanto abraço ele. Sinto as mão dele tocando minhas costas e me abraçando de volta. Ele é muito mais alto que eu e sinto meus pés levantando do chão ligeiramente. Não sei quanto tempo fiquei abraçando ele, mas quando finalmente ficou um pouco constrangedor e eu o soltei e finalmente consegui sorrir.
Não sei se foi o abraço de Seth ou o fato de ouvir que ele está do meu lado não importa o que acontecer, mas decidi que dessa vez eu ia falar com Esme primeiro.
—Eu vou descer e falar com Esme. Falo para Seth sentindo a coragem crescer dentro de mim.
—Ela provavelmente já está a caminho. Seth fala apontando para a porta. Olho de volta para ele sem entender e ele aponta para a porta novamente. Eu ouço alguém bater e quando abro a porta lá está ela. Lembrei de quando ela falou que se eu precisasse dela era só falar seu nome. Ela não estava falando figurativamente…. Me pergunto o quão bem ela realmente pode ouvir.
—Oi. Falo sem sorrir e observando o rosto dela. Eu quero entender o que ela está pensando.
—Oi. Como está se sentindo? Ela pergunta ainda sem entrar.
—Bem, eu vou… ahm… Seth fala saindo pela porta e deixando eu e Esme sozinhas.
—Estou melhor. Respondo tímida dando um passo para trás. Esme entra no quarto e fecha a porta.
—Jasper… contou tudo para vocês?
—Sim. Ele foi impaciente demais. Eu sinto muito que ele tenha te pressionado daquele jeito.
—Eu acho que entendo o lado dele. ´Apesar de não concordar´ penso em silêncio.
—Ele não se dá muito bem com humanos. Não fique muito brava com ele. É estranho ouvir Esme se referir a mim como uma humana. Apesar dela estar certa, a palavra me faz sentir excluída de certa forma.
—Eu me senti… estranha quando falei com ele. Me lembro da dor e mal estar que senti quando falei com Jasper.
Esme ficou em silêncio por alguns momentos. Eu observei o rosto dela e ela parecia hesitar, como se decidindo se deve ou não me falar alguma coisa.
—Ele…influenciou você. Esme fala finalmente. A voz era calma, mas eu podia ouvir a hesitação nas palavras dela. Ela espera minha reação observando meu rosto cuidadosamente.
—Influenciou? Pergunto sem entender o que ela quer dizer. Achei que ela ias dizer que ele é um bom detetive por isso eu não consegui manter segredo, mas ela parece estar insinuando que Jasper fez alguma coisa comigo.
Esme dá um suspiro alto me senta na cama do lado dela.
—Você passou mal depois de falar com ele não foi?
—Passei. Eu me senti extremamente confusa. Meu corpo sentia uma coisa, mas minha mente sentia outra. Foi… desconfortável. Essa não é exatamente a palavra que eu queria usar. Eu queria dizer ´enjoada o suficiente para vomitar as tripas´, mas resolvi usar a versão mais educada.
—Jasper pode… intensificar ou acalmar sentimentos. Ele pode fazer você sentir felicidade, ou tristeza, ou… te fazer sentir segura e calma o suficiente para responder qualquer pergunta sem pensar duas vezes.
Ouvindo Esme falar sobre Jasper fez sentido, em teoria. Eu de fato abaixei minha guarda de uma forma que eu não acreditei e falei tudo, bem quase tudo, para ele e tive que fisicamente controlar minha boca. Olho para ela e começo a juntar os pontos. É porque ele é um vampiro. É por isso que ele pode me ´influenciar´.
—Todos os vampiros podem… influenciar humanos?
—Não. Nossos talentos são únicos.
—Talentos?
—Vampiros podem… fazer certas coisas que humanos não podem.
Obviamente penso olhando para ela ainda confusa. Eu imaginei que ela teria, bem, habilidades ou tanto faz, mas não imaginei que fosse algo complicado sabe? Eu sabia que ela era forte e… resistente, mas não imaginei que ia além das habilidades físicas.
—Você já sabe que Jasper pode manipular emoções. Carlisle tem a habilidade de resistir a sangue humano, Alice pode prever o resultado das decisões que tomamos e…
—Então… vocês tem o quê? Super-poderes? Interrompo Esme quando a informação é demais para mim.
—Talentos. Ela repete devagar, como seu fosse algo completamente diferente de super-poderes. Pelo menos a palavra soa menos cafona. Olho para ela por um momento e me pergunto o qual é o talento dela.
—E você?
—Bem, eu sou… normal? As vezes nossas habilidades são sutis, quase imperceptíveis. As vezes elas são óbvias e barulhentas, deixam uma marca. As vezes elas nunca se manifestam. Eu não sou como Jasper ou Alice. Nem sei dizer exatamente se tenho alguma habilidade.
Eu não faço idéia do que pensar. Esme explicou tudo de forma simples, mas é uma pílula difícil de engolir. Eu sinto que aceitei que eles eram vampiros devido a cena óbvia que aconteceu diante dos meus olhos, mas existe um limite para o que eu posso acreditar assim de primeira. Não acho que ela está mentindo, principalmente sobre Jasper, mas… Alice vê o futuro? Eu sinto que alguém vai pular de algum lugar e começar a rir da minha cara de idiota.
Digamos que tudo é verdade. Digamos que eu acredito no que ela falou, porque, sinceramente, não existe motivo para ela mentir. O que eu faço com essa informação? Isso quer dizer que eu tenho que ser cuidadosa de agora em diante? Que meu relacionamento com eles vai mudar?
—Você não tem que se preocupar. Não tem ninguém te manipulando ou influenciando. Nem mesmo Jasper pode te obrigar a fazer o que não quer. De fato, você resistiu a influencia dele tão bem, que seu corpo fisicamente rejeitou as habilidades dele. Eu só quero que você saiba que ninguém está te… obrigando a nada.
—Mas, Jasper tentou, e foi bem sucedido.
—Eu te disse. Ele estava preocupado e sem paciência.
—E você? Esme me olha confusa. —Você está… preocupada com o que ele descobriu? Eu analiso cada movimento do rosto dela. Ela mal se move, de fato, não sei dizer se ela está respirando ou não. A expressão dela não muda quando ela responde minha pergunta.
—Não. Eu nunca duvidei de você, nem por um momento. Eu nunca tive razões para duvidar.
Eu vejo a sinceridade no rosto dela, mas meus próprios pensamentos duvidam de mim então como pode ela confiar em mim?
—Mas, eu… menti.
—Você não estava pronta. Eu notei Anne, que você parecia distraída as vezes, como se não estivesse realmente ali. Imaginei que você estava começando a se lembrar e tinha toda a intenção de esperar você falar comigo primeiro, afinal são as suas memórias.
—Eu queria te contar, mas não sabia como. Eu sempre tive intenção de ser sincera com Esme, mas nunca achei o momento certo. Se Jasper não estivesse aqui eu provavelmente não teria fala nado até o dia em que eu recuperasse todas minhas memórias.
—Não se preocupe. Só, não fique brava com Jasper por muito tempo. Ele é uma boa pessoa, vocês apenas começaram com o pé esquerdo. Não tenho certeza de que posso fazer o que Esme me pediu, mas não quero ter que evitar Jasper ou ser ignorada por ele. Um Cullen me odiando é o suficiente.
—Vou tentar. Falo sorrindo um pouco aliviando a tensão. —Então… talentos é? Emmett e Rosalie?
—Bem, Emmett é forte mesmo para o padrão de um vampiro e Rosalie é… com Carlisle explicou uma vez, cativante. A beleza dela está bem acima da média mesmo entre vampiros. E, na festa de natal, você vai conhecer Edward, Bella e a filha deles, mas vou deixar eles te contarem qual o talento deles. Esme pisca para mim e sorri como que me garantindo que vou me impressionar com os três.
—Mal posso esperar. Falo sorrindo.
