Draco
- Aqui está! – a voz do homem invadiu o grande espaço, os seus passos leves ecoaram pelo grande salão.
Gina pregou os olhos no livro grande e grosso, de capa preta e aparência muito antiga. Voltou a olhar através da porta.
- O senhor ouviu isso? – murmurou ela ainda olhando para fora.
- Ah, os ruídos começam a ficar suspeitos quando temos algo a esconder. – sussurrou destilando veneno prazerosamente.
- Dispenso os comentários inúteis. – retrucou ela dando um grande volteio em sua capa encharcada de água.
- Muito vingativo. – sussurrou ele, cuja capa já estava seca, devido um feitiço que fizera.
- Vamos ao cemitério então, Sr. Malfoy, não há mais motivos para perder tempo. – ela saiu em passos largos em direção a uma porta lateral.
- Não se pode apartar aqui, senhorita. – falou Lúcio demoradamente.
- Eu sei disso, por que acha que viemos nadando? – resmungou ela de volta. – Vamos de pó de flú, até a casa do coveiro. – ela olhou de relance para ele. – O senhor com certeza tem uma lareira ligada à rede.
- Tenho. – disse asperamente abrindo uma porta para que a ruiva passasse.
Havia um pedestal de prata que sustentava uma jarra de pó de flú, ao lado da grande lareira em estilo medieval. Lúcio observou o pó ser jogado no fogo, as chamas crescerem. Segurava o livro apertado contra o peito, pensando em que tipo de cemitério haviam enterrado o seu filho, ele deveria estar em casa, ao lado da mãe...
Gina encarou o loiro de olhar vago, e o puxou para dentro do fogo, às vezes tinha a nítida sensação de que ele não havia saído totalmente sã de Azcaban. Ela pronunciou claramente as palavras, e logo se encontravam em uma outra lareira, em frente a um cenário de uma casinha confortável e modesta, de uns três cômodos.
O coveiro dormia encolhido no sofá velho e gasto de três lugares. Ele pareceu estar acordando lentamente com o barulho que a lareira produzira, mas antes que seus olhos estivessem totalmente abertos, foi atingido por um feitiço que o fez cair docemente no sono.
Lúcio baixou a varinha e saiu imponente da lareira, olhou em volta com visível expressão de nojo, e lançou um olhar mortal a Weasley.
- Você enterrou o meu filho em um cemitério trouxa! – bradou ele em pura indignação.
- É o cemitério mais bonito que eu conheço. – disse Gina com um leve sorriso. – Parece um campo de flores de dia.
Ele pareceu perder-se novamente em pensamentos, e depois de um último olhar rancoroso a ela, saiu da cabana em um alto muxoxo que soou muito com "Agora não importa mais onde ele está enterrado, pois ali não mais ficará!".
Gina o seguiu, o guiando através dos túmulos, todos feitos na terra, não havia edificações, somente placas de mármore cravadas ao chão. O homem folheava o livro compenetrado, lendo algumas partes com interesse ainda maior.
- É aqui. – disse a ruiva parando lentamente junto a uma placa de mármore. – Ele está aqui.
Lúcio olhou de relance para a placa, e com uma cara insatisfeita leu em silêncio o que estava escrito. Voltou a afundar a cara no livro, folheando mais algumas páginas.
- Temos que desenterrá-lo, e seria ideal um altar para colocá-lo em cima...
Gina fungou, apontando a varinha diretamente para o chão, fazendo com que porções particularmente grandes de terra fosse jogadas violentamente para o lado oposto ao deles. Ele conjurara um altar de tamanho médio, no corredor de terra que separava as placas de mármore, aos pés de Draco.
A ruiva ignorou os seus pensamentos que diziam que aquilo era um desrespeito á memória de seu marido, e fez que o caixão levitasse, pousando delicadamente em cima do altar recém conjurado.
Lúcio abriu bruscamente o caixão, e inspirou aquele cheiro podre de morte. Ele ainda estava intacto, o rosto de feições calmas, a pele mais pálida que o normal, os olhos calidamente fechados, como que em um calmo sonho. Ele estava vestido com bonitas vestes bruxas a rigor, Lúcio puxou a gola alta dele, prevendo o grande corte que deveria estar em seu pescoço, e ali estava, assustadoramente profundo, mas ele parecia tão calmo que era possível pensar que não havia doido.
Um feitiço fez com que o corpo levitasse alguns centímetros para fora do caixão.
- Tire isso daí. – resmungou ele se referindo ao caixão, agora vazio.
Com um volteio de varinha, o caixão voltou ao buraco no chão, e foi novamente tapado pela terra que havia sido retirada momentos antes. As letras, que formavam "Draco Malfoy" no mármore, se embaralharam, formando um nome completamente diferente.
Gina o observou colocar Draco em cima do altar, uma onda avassaladora de ansiedade invadia-a naquele momento. Ele voltaria.
Lúcio olhou para os lados, à procura de um lugar bom para apoiar o livro. Seus olhos se fixaram por um momento em uma grande estátua de um homem que empunhava uma espada de pedra particularmente afiada. Era uma das únicas do cemitério, estava muito próxima deles, mas não parecia oferecer muita sustentação para o livro.
Desistiu de procurar um lugar, e conjurou um outro altar, desta vez bem menor do que o outro, e colocou o livro aberto ali.
- Hum, fique sentada ao lado dele. – disse sem nem olhar para Gina.- E, ah, sim, não esqueça de desejar com todas as suas forças vê-lo vivo.
Gina obedeceu, não se importando com o tom pouco gentil que ele usava para ela. Sentou-se no altar ao lado do corpo de seu amado, e acariciou levemente os seus cabelos loiros e ainda sedosos.
O Malfoy tirou alguma coisa do bolso, e espalhou em volta deles, formando um circulo. Em seguida, cortou uma mecha do cabelo de Gina com um gesto rápido, ela permaneceu imóvel, e espalhou juntamente com um liquido que também tirara do seu bolso.
Deu um leve suspiro, e uma última olhada nos escritos do livro para então virar-se completamente para o altar. Entrou cuidadosamente no círculo formado por ele mesmo, inclinou-se para perto de Draco, colocou a mão sobre o peito do filho e começou a sussurrar alguma coisa, como uma reza, os olhos fechados, penetrado em pura concentração.
Gina o olhou atordoada quando o homem pegou o seu pingente em forma de cobra, e o encaixou com o de Draco. Depois respirou profundamente, ainda sob o olhar receoso da ruiva, deu uma batida consideravelmente forte do peito do filho, esperou dois segundos, e depois outra.
Ela soltou um berro, no exato momento em que a segunda batida fora dada, uma espécie de imagem surgiu a alguns centímetros acima deles. Ela podia ver, era visivelmente uma versão transparente e azulada de Draco, envolto por uma grande cobra, debatendo-se febrilmente.
Ela olhou para Lúcio, que continuava a murmurar coisas, muito concentrado em sua tarefa, e depois para os pingentes, para o rosto sereno do corpo de Draco, e para o outro Draco se debatendo para se livrar daquela cobra enorme que o prendia.
Uma luz de compreensão passou por ela: era o espírito dele, tentando ir embora, a cobra era a magia do pingente, que o prendia ao corpo. O desespero tomou conta dela, ele estava sofrendo, era culpa dela, por que havia permitido aquilo?
- Solte-o! Deixe-o ir! – berrou repentinamente para o Malfoy, mas ele não pareceu ouvir, ao contrário, agora dava batidas constantes, porém mais leves, no peito do outro.
A cobra que envolvia o Draco transparente começava a apertá-lo cada vez mais, os olhos dela se encheram de lágrimas, ele estava morrendo de novo...As batidas que Lúcio dava começaram a soar estranhamente como um coração, para Gina. Ela olhou novamente para ele, em um gesto muito rápido ele arrancou a jóia do pescoço de Draco, e desencaixou da sua, erguendo-se novamente.
Ele continuava deitado e imóvel, a imagem acima deles havia sumido. Lúcio olhou desafiador para ela, como se esperasse que a mulher berrasse que ele era incapaz de fazer um feitiço descente de magia negra.
- Você não desejou. – sussurrou ele com um brilho alucinado no olhar, respirava com força, como quem corre por muito tempo.
- É claro que eu desejei! Eu sempre desejei que ele voltasse desde o momento em que se foi! – berrou ela ainda sentada no altar.
A mão de Draco produziu um leve estalido, os dois pregaram os olhos ali, se encararam, e novamente olharam para a mão dele. Estavam ofegantes, a ruiva deslizou temerosa a sua mão pelo altar, e tocou na do marido. Imediatamente Draco sentou-se, provocando um berro de Gina e um pulo de Lúcio, ele tinha os olhos fechados e uma expressão séria.
- Draco? – perguntou a ruiva passando a mão pelo rosto gelado dele. – É você?
