Disclaimer: I do not own Rurouni Kenshin. These charaters belong to Nobuhiro Watsuki.

Sumário: A redoma de cristal que protegia o delicado mundo de Soujiro estilhaça-se em mil pedaços, e aquele que fora outrora o assassino perfeito, Tenken no Soujiro, volta a descobrir a alegria e a dor que são fundamentais à existência humana, depois de tantos anos de vida desapaixonada ao serviço de Shishio Makoto.

Alma Recuperada

Capítulo V

O vento uivava através das encostas das montanhas, tal como um lamento interminável, e a neve caía ininterruptamente, cada floco caindo violentamente sobre o manto branco que cobria a montanha, silenciando e envolvendo lentamente cada traço de vida no abraço gélido da morte. Soujiro caminhava lentamente, através da densa cortina de neve que descera sobre si pouco após o nascer do sol, e que se tornara com o passar das horas numa tempestade que de fúria branca, como se a montanha tentasse esconder os seus segredos invioláveis e se revoltasse com a sua presença.

Durante o seu caminho enquanto espadachim, Soujiro enfrentou alguns dos homens mais dotados nas artes da espada, mas nada o havia preparado para um oponente mais poderoso que qualquer mestre de Kenjutsu. Combatia agora numa luta injusta contra a montanha, que sorvia lentamente, gota a gota a essência da sua vida.

Mais um passo em frente. E outro. Os movimentos eram agora dolorosos, e cada um parecia exigir de si toda a sua energia e presença de espírito, quando o seu corpo implorava-lhe que parassse de se debater e a sua mente parecia vaguear livremente pelo vazio daquele inferno branco e gelado.

"Não devia ter ignorado o conselho de Hano-san..." pensou, tentando focar-se no próximo passo, "agora, vou perecer aqui."

Caíu sobre os seus joelhos, sentindo-os enterrarem-se sobre a camada densa de neve que cobria o caminho, que há muito perdera a forma diante dos seus olhos. Tentou erguer-se, mas as forças abandonavam as suas pernas, impedindo-o. Hano-san havia-o avisado sobre os rigores do Inverno sobre as montanhas que cercam a vila, mas Soujiro desejava partir rapidamente, esperando evitar os primeiros gelos antes de alcançar Nagoya. O tempo havia-lhe sorrido durante os primeiros dias de viagem, o Sol brilhava timida mas imaculadamente diante do seu caminho, e as estrelas olhavam por si durante as jornadas nocturnas. Mas repentinamente, o céu enchera-se de nuvens negras, e os primeiros flocos cairam sobre a sua pele.

Conseguiu erguer-se sobre os seus joelhos e caminhou alguns passos, logo tropeçando e caindo com a face sobre a neve fria e desconfortável.

"Morrerei aqui. O meu corpo...não consigo movimentá-lo...", pensou, estendendo a mão e tentando reerguer-se, sem sucesso. "...já não o sinto."

Inspirou a custo, sentindo os seus pulmões encherem-se do ar geladoEra doloroso respirar, e a dor ondulava através do seu tórax. As suas lágrimas solidificavam à saída dos olhos, e o seu corpo insensibilizara-se para além do frio ou da dor. Lentamente, fechou os olhos e sentiu-se envolver por um sono acolhedor.

"Vais morrer aqui?"

"Shishio-san rir-se-ia desta triste figura."

Ouviu a voz, que lhe chegava sob a forma de um sussurro aos ouvidos, por entre os uivos do vento. Abriu os olhos e levantou a cabeça, num último esforço que ameaçava roubar-lhe toda a energia. Perante si encontrava-se Tenken no Soujiro, que se acocorara à sua frente, sorrindo.

"Vais mesmo morrer aqui?" repetiu. A sua voz era agora mais clara.

"Não consigo continuar...não..." o seu torax protestou ante a sua tentativa de articular demasiadas palavras, e a dor, fria e aguda, voltou a ecoar pelo peito. Inspirou dolorosamente e continuou, "...não tenho mais forças"

"Ridiculo." retorquiu o espectro à sua frente, aparentemente ignorando a tempestade que o envolvia furiosamente. "Deixaste-te derrotar pelo Battousai...e agora, pereces perante uma tempestade." Tenken voltou as suas costas, avançando alguns passos e virando-se de novo para enfrentar o corpo estendido na neve.

"És fraco."

As palavras lançaram um súbito fluxo de vida através do corpo de Soujiro. A sua voz ecoou num grito desesperado através do inferno branco que teimava em oprimi-lo, e sentiu a vida retornar aos seus braços e pernas, sob um sentimento de formigueiro seguido de dor intensa. Ergeu-se a custo e desembainhou a sua iaito, dirigindo-se lentamente na direcção de Tenken. Desferiu um golpe com a lâmina, que cortou através do ar, não encontrando qualquer resistência. Soujiro continuou a brandir desesperadamente a espada, que abria caminho através do corpo etéreo e translúcido de Tenken.

Tenken ria com gosto, ante as tentativas frustradas de Soujiro para o atingir. Soujiro voltou a cair sobre os seus joelhos, deixando a iaito enterrar-se na neve.

"Harumi-chan..."

"...Hano-san..."

"...e Yasuo-san..."

"...tenho de viver. Porque..." o seu pensamento foi subitamente interrompido pela voz de Tenken, "...porque tens de ser forte. Mais forte que tudo, mais forte que todos!"

"Não!" protestou "...viverei, porque tenho pessoas que me esperam!"

Tenken voltou a rir, virando as costas e caminhando na direcção do horizonte. "Veremos se dirás as mesmas palavras doces quando a tempestade te oferecer o golpe final."

Desapareceu assim, o seu vulto desvanecendo-se gradualmente através do manto branco e gélido. Soujiro reergueu-se, tropeçando a cada passo e lutando para manter o equilíbrio.

"Quero viver..."

Sentiu assim o seu corpo cair, naquilo que lhe pareceu uma queda interminável em direcção ao solo. Sentiu os flocos de neve frios acariciarem-lhe a face, com a promessa de uma morte suave e pacífica.

Tudo o que tinha a fazer era fechar os olhos e dormir...

...dormir...

Os olhos azuis como duas pequenas lagoas lutavam desesperadamente para manter a sua centelha de vida, e os pulmões pelo sopro gélido que mantinha a sua existência.

Respirar era cada vez mais difícil. Um desafio que Soujiro sentia que não iria superar. Lentamente, relaxou a pressão sobre o cabo da sua iaito, e as pálpebras cobriram os seus olhos, envolvendo-os numa escuridão que prometia ser eterna.

Questionava-se agora sobre a sua resolução em sobreviver. Talvez um túmulo gelado fosse o lugar ideal para uma alma manchada de sangue e pecado.

Dormir e calar eternamente a dor.

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Harumi-chan comtemplava, angustiada, as montanhas cujos picos se tinham tornado invísiveis, para lá de um manto branco e cinzento. Conseguia ouvir o vento uivar ao atravessar cruelmente os desfiladeiros e os vales. Conhecia o seu lamento imutável, o eterno e tortuoso clamor, como se todas as almas que se tivessem perdido nos apertados trilhos, e nas profundas gargantas das montanhas reclamassem a sua vingança.

Hano-san agachou-se e abraçou Harumi, partilhando as mesmas lágrimas, a mesma preocupação e angústia.

"Ele voltará." sussurrou, num tom incerto. Hano Yamamoto conhecia demasiado bem as histórias daqueles que se aventuraram durante os rigorosos invernos através das montanhas, guardiãs ferozes daquele vale. Benevolentes no Verão, assassinas impiedosas no Inverno.

"Sou-chan..." sussurrou Harumi, deixando o vento roubar as suas palavras assim que os seus lábios as proferiram.

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Sentia o seu coração bater fracamente, em busca de forças para sustentar o seu ritmo incansável e mover o sangue que ameaçava gelar nas suas veias. Abriu os olhos e viu a mesma fina cortina, tão bela quanto mortal. Lutava por cada doloroso sopro de vida, que tomava sofregamente dentro de si, compassadamente.

"Não vou ser capaz de cumprir a minha promessa para com Harumi-chan...", a lágrima escapou-se, tímida, através do canto do olho, congelando imediatamente.

"...não vou voltar..."

Cada memória que guardava preciosamente daquela menina, que conhecera numa tarde tão diferente, de outono e sol, deslizava agora através da sua consciência, lembrando-o de tudo o que nunca tivera, que ganhara subitamente, e que perderia agora, juntamente com o seu derradeiro suspiro.

"Sou-chan!"

Os seus olhos abriram-se subitamente, buscando incessantemente a fonte do som que ouvira. Podia jurar que se tratava da voz de Harumi-chan, mas isso era impossível...não naquele inferno!

Uma vaga de calor invadiu a sua espinha, restituindo leve vitalidade aos seus membros, que pensava perdidos. Levantou a sua face da neve, abrindo os olhos que haviam agora reganhado o seu azul habitual.

A vontade de viver.

Levantou-se lentamente, caminhando desengonçadamente, buscando desesperadamente a vida. Restituiu o iaito à sua bainha e principiou novamente a caminhar, em direcção ao nada que se erguia perante si, furiosa e implacavelmente.

Caminhou e tropeçou, levantou-se e voltou a abater-se durante várias horas, agarrando-se apenas ao puro e incondicional desejo de viver.

Foi então que distinguiu no horizonte imutável as formas características de uma pequena casa. Reganhando forças que o seu corpo já não possuía, partiu em direcção ao pequeno vulto.

Talvez fosse apenas uma miragem, um fruto do desespero com que buscava uma vida que lhe deslizava por entre os dedos.

Alguns minutos depois, alcançou a pequena casa e constatou que não se tratava apenas de uma, mas de várias casas agrupadas, formando um pequeno aglomerado. Distinguiu uma cerca alta, que certamente visava proteger as habitações dos ventos frios da estação.

Foi quando tentou dar um passo em direcção à pequena casa que soube que havia excedido os limites que o seu corpo lhe havia providenciado. Deixando a escuridão tomar conta da sua consciência, abateu-se sobre o peso do seu corpo, perante os danos da provação brutal que havia enfrentado.

Passaram largos minutos. Talvez horas.

Subitamente, o calor confortável.

Fim do Capítulo V

Este foi um capítulo que foi começado logo após a postagem da quarta parte, mas que foi também mantido in hold à medida em que o centro de uma pequena tempestade se abatia sobre mim, tempestade essa que também me roubou a inspiração. Como tal, este não é provavelmente um capítulo que possa competir com os outros em termos de qualidade. Não acho que a ideia de sobrevivência desesperada, o apego a tudo aquilo que não teve durante a vida (calor humano e lágrimas de carinho vertidas por si) e o comeback que o apego a essas novas componentes da sua vida, esteja de facto bem retratada.

Mas essa é uma opinião que apenas vocês podem dar, imparcialmente. E a quem me lê, peço apenas uma reviewzita :) É sempre motivador, e é um meio útil de indicar as falhas de um texto/história. Cada review é tomada em conta

Agradecimentos: Misau-chan, for pre-reading as always