101.Talvez Amanhã

Não entendi porque, mas depois daquele dia, tudo começou a acontecer. Foi como estourar uma bomba, algo catastrófico, grandioso. Mas sem recentimentos. Afinal, tudo que passamos na vida, sempre tem uma razão. E acho que a nossa foi a lição que até hoje levamos, de alguma maneira. A amizade, o carinho, o respeito, e todos os outros adjetivos que vocês acharem, serão apropriados para toda uma vida ao lado dessas 5 pessoas.

Era noite, e já não fazia o mesmo frio de antes. Era começo de novembro, e a cidade já estava aguardando ansiosa pela festa de logo mais. Ok, nem toda a cidade, apenas os jovens, que como em todos os anos, organizavam festas próximas de suas formaturas, justamente para arrecadar dinheiro. Paola estava sentada em seu quarto desde às oito horas, arrumando ora os cabelos, ora retocava a maquiagem, mas mesmo já sendo quase dez horas, não havia colocado o vestido.

''Olha quem chegou!'' – Camila entrou no quarto como querendo fazer uma surpresa para Paola, mas fez com que ela levasse um susto e derrubasse o brilho que segurava.

''Guria, que susto!''

''Eu não acredito que tu não tá pronta ainda!''

''Tem certeza que a gente precisa ir nessa festa?''

''Paola, acorda! É a festa da nossa formatura, como que tu não vai! E outra: tu ainda não elogiou o meu vestido!''

''Eu preferia o amarelo né! Brincadeira!''

Camila atirou uma almofada em Paola, mais para acorda-la do que por brincadeira. Mas o que Camila não sabia, e ninguém na cidade, era que Paola tinha um certo "poder". Era algo que ainda não conseguia explicar, e quem sabe, por isso mesmo não falava para ninguém. Pressentia acontecimentos, tanto bons como ruins, e por muitas vezes, tentava não dar bola para os sinais. Mas quando algo acontecia, se sentia aflita e culpada, por não ter feito nada, mesmo sabendo.

''Bom, já que tu insiste...''


Se havia duas pessoas que não se desgrudavam naquela cidade, eram o Júlio e o Marcelo. Desde pequenos, um já sabia que seria amigo do outro, e quando trocaram as primeiras palavras, era como se já fossem amigos de longa data. Quem sabe os espiritas não responderiam essa minha pergunta? Mas nessa noite, onde tudo começou, os dois estavam envolvidos na festa desde muito cedo. De terno e engravatados, eles transitavam pelo salão, ajudando a pendurarem os balões pelas 8 colunas que sustentavam o salão paroquial.

''Marcelo, pensa bem. Tá chegando o fim do ano, toda essa confusão, e tu acha que...''

''Acho! Cara, ir para a capital, tentar a federal e tudo mais...nossa! Minha vida não é essa daqui! Eu preciso mais do que esse marasmo de cidade pequena. Isso enlouquece qualquer um!''

''Tá, eu sei. Mas aqui tu tem vida garantida! Tu pode fazer a faculdade aqui mesmo, e...''

''Tu tá é louco! Nem pensar! Já tá decidido! Em janeiro mesmo, me mando pra capital! E tu? Já pensou no que tu vai fazer?''

''Ainda não, mas tu sabe como eu sou, mudo de opinião a qualquer momento. Mas acho que hoje tu podias resolver um problema com a Paola, né?''

''Ai, ai. Cara, seguinte: tava pensando nisso mesmo, tô indo embora mesmo, e acho que nem rola eu querer ficar com a menina.''

''Mas...''

''Antes que tu diga qualquer coisa, eu estou com medo que dê certo. Se eu me apaixono por ela, não vou conseguir ir embora...não depois de...''

''Então, guri. Deixa de ser zonzo, fica aqui, quem sabe mais tarde tu e ela se mudam juntos pra capital? Não seria bem melhor?''

''Ela nunca iria pra capital, a vida dela é aqui.''

''A tua também...''

''Júlio, antes que eu me irrite, vamos encerrar por aqui!''


Paola e Camila, devidamente vestidas e maquiadas, buscaram Laura, a pé, em sua casa.

''Gurias.'' – Camila abriu a bolsa e tirou uma fita durex – ''Porque que isso não funciona mais?''

''Mila, pra que tu trouxe isso!'' – Paola olhou para Laura, que só agora percebia o que a amiga segurava nas mãos.

''Meu pai me disse que usava durex pra tirar cravo do nariz! Mas comigo, não tá funcionando!''

''Ai, guria! Deixa de ser zonza! É noite, uma festa dessas, ninguém vai ver um cravo teu!''

''Ai, Laura! Tu só diz isso por que é quase certo que tu não vai passar essa noite sozinha...eu ainda tenho que batalhar muito pra conseguir alguma coisa com o Marcelo.''

''Já te falei: eu falo com ele!''

''Odeio essas coisas arranjadas. E tu, Paola? Não concorda comigo?''

Paola tentava sempre evitar comentar, quando o assunto era Marcelo, com Camila. Não que odiasse a idéia, muito pelo contrário, gostava dos dois amigos, e só queria a felicidade de ambos, mas não conseguia ser cínica: era apaixonada por Marcelo. Não era por muito tempo, quem sabe poderia ser momentâneo, mas o que sentia naquele instante era o que valia, e sabia que qualquer palavra poderia estragar sua amizade com Camila.

''Se tu gosta dele, tem que investir de uma vez.''

''Viu, Camilinha, corre logo! E outra, o que quê a Paola tem?''

''Ai, não sei Laura! Ela nem queria vir pra festa!''

''Porquê?''

''Ai, não sei... ''– Paola pensou numa desculpa rápida- ''Não tô muito confiante nessa noite.''


Os bailes de formatura de Serafina Corrêa eram bastante famosos, como já comentei antes. Muita gente de fora, de outras pequenas cidades, ou ate mesmo da capital, e que tinham parentes ou amigos vivendo na cidade, davam um jeito de vir para o baile. Era impressionante como enchia, e logo, dava mais trabalho para os formandos, mas também, mais dinheiro para a viagem que sempre faziam após o termino das aulas.

Quando Camila entrou no enorme salão decorado, a primeira pessoa que viu, foi Marcelo. Mesmo envolvido com algumas ordens de ultima hora, não deixou de cumprimenta-la e nem mesmo de dar atenção para Paola, que o cumprimentou da maneira mais rápida que pode, tentando transparecer qualquer sentimento.

''Celo, tu viu o Júlio?''

''Laura, eu vi ele zanzando pelo palco. Sobe lá.''

''Paola, vem comigo?''

Sem poder dizer nada, ela acompanhou Laura até a frente da enorme cortina, que escondia todo o palco. Dando uma espiada, as duas puderam ver a hora em que Júlio testava um dos microfones, batendo de vez em quando com o indicador no aparelho.

''Ei!''

''Laura! Paola! Só um pouquinho.'' – Júlio conversou com outro guri, e saiu correndo em direção das duas. –'' E ai? Preparadas para criarem bolhas nos pés?''

''Bom, se depender da Paola, ela vai embora antes da uma.''

''Tá brincando? Por quê?''

''Júlio, Laura''. – Paola se aproximou dos dois, de maneira que apenas eles pudessem escutar o que iria tentar explicar. - ''Eu tô sentindo algo pesado, sabe? Como se alguma coisa muito...muito triste fosse acontecer.''

''Cruzes, guria. Tu dormiu mal?''

''Não, Laura. Olha, quer saber? Esquece...eu vou ali tomar alguma coisa. Já volto.''

Paola saiu de perto dos amigos, e ao invés de se dirigir para o bar, foi até o pequeno jardim do clube. Precisava tomar um pouco de ar fresco, sentar-se e pensar. Mesmo que aquela sensação não tivesse lhe deixado, sentiu como se algo a estivesse inibindo, como se alguém a estivesse...

''Da próxima vez, eu organizo a festa ao ar livre.''

''Marcelo! Nossa, que susto...''

''Posso saber o que tu tens? Não adianta falar "nada", eu vi nos teus olhos quando tu chegou, que alguma coisa aconteceu. Anda, me diz.'' – Quando ele sentou ao seu lado, Paola olhou para todos os lados, com medo de que Camila os vissem ali.

''Bom, ai...é uma coisa ruim, e...''

''Eu já posso imaginar. É tanta coisa acabando, e tanta coisa nova na espreita, que eu também fico meio louco, as vezes.''

''Marcelo, posso ser sincera contigo? Por que dessa viagem?''

''Mais outro...só vocês que querem continuar aqui nessa cidade, sem perspectiva nenhuma, sem pretensão, sem ganância! As vezes, essas coisas pesam na nossa vida.''

''Pesam mesmo. Por isso que a gente opta pelo caminho mais fácil, tu não acha? Pára, guri. Pensa. Muita gente aqui vai sentir a tua falta.''

''Tu vai sentir?''

Marcelo olhou fundo nos olhos de Paola, quando ela tentou esconder o nervosismo que a pergunta fez no seu interior. Era visível como os dois estavam tensos, querendo dizer algo a mais do que aquelas simples palavras de amizade.

''Muita.''

De impulso, Marcelo inclinou-se para perto de Paola, que colou seus lábios aos dele, se dando um beijo longo e demorado, sob o céu carregado de estrelas, de uma noite de novembro que estava apenas começando.

Ouvindo: Maybe Tomorrow - Stereophonics