Eram umas três e pouco da madrugada quando Camila resolveu tomar uma iniciativa. Ao seu lado, Paola de braços cruzados e olhar fixo para o chão, como se estivesse se concentrando em algum ponto imaginário da ponta do seu sapato.

"Paola, eu vou lá. "

Vendo que não teve resposta, Camila virou-se para amiga, e percebeu o grau de atenção que esta lhe dava.

"Paola! Acorda! Tu tava prestando atenção? "

"Uh? Que tu ia? Sim..ai, desculpa."

"Ainda bem que eu tenho paciência...tava falando do Marcelo! Será que eu vou lá falar com ele?"

"Mas o certo não era ele chegar?"

Paola olhou para Marcelo, que conversava com Júlio, perto dos banheiros. Agora estava em uma enrascada. Fazia pouco tempo que havia deixado o jardim do clube, depois de ter combinado com Marcelo para que ele não contasse para ninguém sobre aquilo.

"Mas por quê? Tu não tá afim de mim?"

"Estou. Eu só não quero falatório de ninguém. Vamos deixar assim, por enquanto"

Agora, Camila lhe pedia conselhos sobre a sua relação com Marcelo. Mentia descaradamente para os dois, sentia-se como se não prestasse, fosse algo sujo, sem dignidade. Olhou para os lados: se fugi-se, daria falatórios para mais de uma semana, se ficasse, continuaria com aquela farsa, que a cada palavra, lhe puxava para mais fundo da lama. E contar a verdade? Estava longe dos seus planos.

" Bom.Vai. Acho que chegou a tua hora." – foram suas ultimas e surpreendentes palavras.


"Vai com calma, Felipe." – Laura segurou a mão do guri, que já lhe havia arregaçado o vestido. – "Eu também quero, mas vamos por partes."

"Ai, Laurinha. Tu não faz idéia de como eu tava com vontade de te ver."

"Quem manda morar na capital? "

"Dá graças a Deus que meu primo mora aqui."

Laura sempre ficava com esse primo do Marcelo, Felipe, que morava na capital, mas sempre que podia, vinha passar os finais de semana na casa do primo. Os dois se conheciam ha mais ou menos uns dois anos, e nunca tinham passado dos tais "limites".

" O que tu acha de nós fazermos aqui?"

" Ai, guri. Aqui? Assim?"

"Qual o problema, todo mundo tá na festa, ninguém vai vir aqui nos jardins."

"Gente que queira transar, vai."

"Tá! Mas a gente tá escondidos, nem tem como nos ver"

Laura olhou para Felipe. Era impossível negar a atração que sentia por ele, e sabia que o desejo era reciproco. Deu-lhe um beijo longo e apaixonado, e encostou sua boca no ouvido de Felipe.

"Ok"


"Júlio, não olha pra pessoa quando eu te falar o que eu te contar!"

"Ok, Marcelo. O que quê foi?"

"Eu fiquei com a Paola."

Júlio arregalou os olhos.

"Cara, eu não acredito! E então? Ela te convenceu a ficar na cidade?"

"Não! Mesmo por que, eu acho que pra ela não passou de um beijo."

"Como assim?"

"Tá, foi tudo perfeito. O beijo, o momento, o céu, sem ninguém atrapalhando...mas quando eu pensei que nós fossemos entrar na festa juntos, ela me diz que não, era melhor não dar bandeira por enquanto, que não era pra eu contar para ninguém!"

"Ué, que estranho..."

"E agora tá lá, sentada faz mais de hora ao lado da Camila. Me diz? Eu fiz alguma coisa de errado? Depois mulher vem falar que não é estranha..."

"Tá, senhor dramático. Cada um tem seu tempo, vai ver o dela é assim."

"Tomara. Mudando de assunto. Viu a Laura e o meu primo zanzando por aí?"

"Não...faz muito tempo que eu não os vejo. Será que foram pra casa?"

"Dúvido! Devem tá se atracando pelos cantos."

Com a última frase de Marcelo, Júlio sentiu algo que há muito tempo não mexia com ele daquela maneira. Era como se estivesse com raiva de alguém, como se quisesse bater em alguma pessoa, em alguma coisa. Estava tão impaciente que resolveu, sem mesmo avisar Marcelo, tomar alguma coisa no bar. Precisava se acalmar.


Os primeiros raios de sol já anunciavam mais um dia de céu claro. Lado a lado, andavam Camila que tentava tirar mais do que monossílabas de Marcelo, que a toda hora perguntava para Paola por que daquele desanimo, já que a guria andava praticamente se arrastando. No outro lado, Júlio segurava Laura, temendo que ela, bêbada e faladora, fizesse mais estardalhaços.

" Marcelo, deixa a Paola. Hoje ela não tá nos melhores dias...e me conta. O que tu vai fazer na capital?"

"Ainda não sei, já te falei umas dez vezes só hoje."

Mas antes que pudesse fazer outra pergunta para Marcelo, Camila foi interrompida pelo grito assustado de Laura.

"Meu príncipe!" –Ela apontava para um homem a cavalo, que provavelmente ia para a Lavoura, região vizinha da cidade aonde trabalhavam muitos dos habitantes.

"Laura, fica quieta"

"Júlio, tu não esta entendendo! Meu sonho sempre foi um homem chegar a cavalo, branco! Ouviu? Branco!"

"Tá, Laura. Esse é o sonho de todas as mulheres, mas vê se para de gritar." – Júlio olhou para Marcelo e disse – " Eu vou leva-la para casa. Tudo bem?"

"Não, eu quero andar de cavalo! Ei! Volta aqui."

"Laura...por favor." –Júlio segurou seus ombros e foi conduzindo-a pelas ruas até chegarem a frente de sua casa. Os dois eram vizinhos, conheciam-se desde pequenos, e por isso mesmo, Júlio ficou meio intimidado em chegar na casa dos pais de Laura, com ela naquele estado. Poderiam pensar que ele estava envolvido, ou algo pior.

"Vamos ali pra casa. Vou te dar um café, comer alguma coisa..."

Laura apenas deixou-se levar. Estava cansada, confusa e amedrontada. Havia transado com Felipe, mas sem nenhuma prevenção, e só de pensar no pior, lhe dava um forte aperto no coração. Melhor mesmo, era esperar.

"Nossa, isso aqui tá muito doce!"

"E tu esperava o quê? Vem, vamos ali pra varanda." – Júlio esperou Laura sentar para arrumar um cobertor que tinha buscado no seu quarto. – " Então, como foi a noite com o Felipe?"

"Boa...mas a gente nem tá mais assim...sabe?"

"Tento entender...então tá sozinha?"

"É..."

Júlio não deixou pra outro momento, foi chegando perto do rosto de Laura, e viu que ela aprovava a aproximação, pois se desenvincilhava de tudo que pudesse atrapalhar.

"Júlio! Júlio!" – um grito vindo da esquina, fez os dois ficarem atentos. Paola corria apressada, em direção a casa de Júlio, com um pavor no rosto que fez tanto Júlio quanto Laura se levantarem em alerta – " A mãe da Camila! Ela...ela tá morta!"

Ouvindo: Eve, The Apple of My Eye - Bell X1