Os três caminhavam a longos passos pelo corredor do único hospital da cidade. À frente, ia Paola, acompanhada de Júlio e Laura, que pouco conseguiram, ao longo do caminho até ali, tirar alguma informação desta. Paola balançava a cabeça sempre que lhes perguntavam algo, e respondia:

"É tudo minha culpa."

Andaram mais um pouco, e viraram a esquerda, seguindo até o final do corredor, aonde avistaram Camila. Sentada na beira de uma poltrona, a amiga não notou quando os três se aproximaram, já que beirava um quadro de total espanto.

"Camila." – Laura foi a primeira a se abraçar na amiga, que continuo rígida e olhando para o mesmo ponto. – "Amiga, sou eu. Fala comigo."

Camila virou-se para Laura. Seus olhos ainda eram como de alguém que tivesse levado algum susto. Mas antes que qualquer outra pergunta tivesse sido feita, Laura foi surpreendida pelo abraço da amiga, que a puxou para si, pousando sua testa no ombro da amiga, que passou suas mãos pelos seus cabelos quando escutou o choro sofrido de Camila.

"Paola, aonde esta o Marcelo?"

"Ele..." – Paola tomou fôlego. Parecia que tudo girava a sua volta, que não tinha forças para dizer mais uma palavra se quer. Então era isso. Todo aquele mau pressagio, aquele sentimento ruim, pesando no ar. Em pensar que poderia ter feito alguma coisa, mas o quê? E essa duvida a deixava ainda mais nervosa, com mais raiva de si mesma, e mais amedrontada com esses tais poderes que possuía. – " Júlio, o Marcelo ficou em casa. Acabei acompanhando a Camila até em casa, por que eu...eu sentia que alguma coisa não ia bem. Que eu precisava acompanha-la. E olha o que..."

"Paola" – Júlio ficou na frente da amiga, de uma maneira que Laura e Camila não a pudessem ver, nem mesmo ouvir. – " Não chora aqui. Vamos até o refeitório. Lá a gente conversa melhor e chama o Marcelo."- Júlio abraçou Paola e guiou-a até o elevador.


"Camila, me escuta." – Laura segurou os ombros da amiga, de uma maneira que pode observar o rosto inchado e avermelhado dela. – "Me conta o que aconteceu."

Camila abriu a boca para falar, mas ao invés de palavras, saíram alguns gruídos até que, depois de muitas tentativas, conseguiu falar, entre um soluço e outro.

"Eu cheguei em casa com a Paola, e meu pai tava na sala. Ele me olhou e disse pra eu me arrumar, que minha mãe tava no hospital, e..."

"Como assim? Ela morreu de quê?"

"Morreu? Quem falou que ela morreu? Laura, vocês tão escondendo alguma coisa de mim? É isso?"

"Calma, Mila. A Paola que falou isso, mas a gente não sabe de nada. Me explica, porque que ela tá internada?"

"Parece que ela desmaiou, se sentiu mal, algo do tipo. Mas eu tô com medo, Laura...muito medo."

"Ai, guria. Espera um pouquinho. Quer dizer que todo esse escândalo é por nada? Só por causa de um desmaio?"

"Não é só um desmaio! Há tempos ela reclamava de dores pelo corpo, não conseguia comer, se sentia fraca...eu via os olhares do meu pai quando ela se queixava. Sei que ele, ou quem sabe eles, tão me escondendo alguma coisa. Eu sei!"

"Aonde tá teu pai agora?"

"Acho que ele tá cuidando da mãe. É o mínimo que ele pode tá fazendo, tu não acha?"

O pai de Camila era um dos médicos da cidade, e cuidava praticamente de todas as famílias de nome e importância. Bastante conhecido pelos serviços do pai, que veio morar na pequena Serafina Corrêa em busca de um emprego para sustentar a família de cinco filhos, encontrando ali um povoado novo e sem nenhum tipo de assistência médica.


A garçonete de uniforme bege e avental branco, chegou na mesa de Júlio e Paola instantes depois que os dois se sentaram.

"Dois cafés." – Júlio esperou a garçonete sair, para se levantar e ir até um telefone ligar para Marcelo. Paola brincava com os dois polegares, apoiando os braços na mesa, fazendo-os girar entre si. Quando o amigo voltou, ela ainda se entretinha com a brincadeira improvisada. – "Então é isso. A mãe dela tá internada e tu chega gritando que ela tá morta?"

"Júlio, eu tava tão assustada que..."

"Que assustou todo mundo. E que história é essa que a culpa é tua? Por acaso...por acaso tu tá pensando que aquele lance todo de mau estar, era na verdade, um aviso que a mãe da Camila ia baixar hospital?"

"Júlio, eu não sei. Não é a primeira vez que isso acontece, e eu já to ficando assustada."

"Eu não posso acreditar numa coisa dessas. Desmaios acontecem sempre, não é?"

"Claro, é a coisa mais comum que pode acontecer mesmo" – Paola lançou-lhe um olhar de reprovação, que foi facilmente compreendido.

"Ok, é estranho mesmo. Mas também, vai saber como a mãe dela estava, se não teve um dia puxado, ou se não tinha brigado com o tio Luís?"

O café chegou em xícaras brancas, de onde o liquido escuro fumegava, dando ao ambiente daquela manhã ensolarada de domingo, um ar mais aconchegante e acolhedor.

"Não, não pode ser isso. A Mila já me tinha dito umas vezes que a mãe dela vivia reclamando de dores pelo corpo, que tinha dias que ela não comia, e só queria ficar deitada. Não é normal, e essas coisas que eu sinto..."

"Pára de se culpar, Paola. Ninguém podia prever uma coisa dessas. Pode ser estranho, eu sei, mas que também não é algo tão anormal assim, convenhamos. Acho até que pode ser anemia."

"É...seria bom mesmo que eu pudesse acreditar nisso."

"O Marcelo chegou. Ei!"

Marcelo tinha ainda na cara os traços de cansaço, fazendo um enorme esforço para manter os olhos abertos. Chegou na mesa, e cumprimentou Paola, com um beijo na bochecha, e esperou Júlio se levantar para cumprimenta-lo com um leve tapa nas costas.

"Bom..." – Júlio lançou um olhar nervoso para Marcelo. Não sabia se o que iria fazer era certo, mas não custava tentar. Era a chance do melhor amigo. – " Eu vou lá ver como estão as duas, e vocês, tratem de se acordar."

Júlio ainda virou-se na porta do refeitório, e viu Marcelo fazendo um pedido para a mesma garçonete que antes pedira um café. Os dois se olharam, e Júlio, temendo qualquer reação desnecessária do amigo, tratou de sair logo.

"Então, como ela esta?"

"A mãe dela tá só internada. A Mila só chora."

"Menos mal..." – Marcelo reparou em Paola. Ela não o encarava, evitava algum cruzar de olhares, qualquer coisa que pudesse faze-la conversar ou dar importância para sua presença ali. Era como se ele fosse um estorvo ali, algo sem valor, ou que tivesse feito algo imoral. – "O que eu fiz?"

"Oi!" – Paola olhou-o rapidamente, mas temendo qualquer tipo de olhares, fixou-se em um ponto no chão do lugar.

"Eu não entendo. Há poucas horas a gente tava junto, nos beijamos, aproveitamos praticamente a noite toda juntos, e depois tu começa a querer guardar segredo, porque ninguém pode saber, e não sei mais o que. Pô, eu te curto faz muito tempo e..."

Antes que ele falasse mais alguma palavra, Paola levantou-se e saiu correndo do refeitório. Sem pensar muito, Marcelo foi atras dela, e conseguiu segura-la pelo braço, antes que entrasse no elevador. Ele a colocou contra a parede, encurralando-a de qualquer forma.

"Paola, me escuta. Eu te curto faz tempo, mais de dois anos. Já pensei até em ficar se a gente namorasse...não tô entendendo essa tua reação! O que aconteceu?"

Paola encolheu-se nos seus próprios braços, e de qualquer maneira, não encarava Marcelo. Depois de alguns instantes começou um choro silencioso, de maneira que as lagrimas caiam grossas no chão do hospital.

"Paola! Fala alguma coisa!"

Aproveitando o braço frouxo de Marcelo, ela desvencilhou-se daquele cerco, e saiu correndo até chegar no elevador do final do corredor, que fechou antes que Marcelo conseguisse passar por um grupo de médicos que trancaram todo o corredor.


Camila, Laura e Júlio, sentados lado a lado, viram quando o pai de Camila, o Dr.Luis, saiu de um dos quartos no final do corredor. Laura e Júlio se entreolharam, não sabiam qual seria a reação da amiga, que até o momento não parara de falar na demora do pai em dar alguma noticia, por menor que fosse.

"Oi tio Luís, como tá a tia?"

"Oi Laura, Júlio...eu posso falar com a minha filha a sós?"

Camila levantou-se. Caminhou até o pai, e com os olhos vermelhos e inchados, encarou-o

"Pode falar. Com eles não tem segredo nenhum."

"Ok. Mais cedo ou mais tarde eles iam saber..." – Luís se posicionou de maneira que fechou um circulo com os outros três. – " Não é nada fácil o que eu vou dizer, mas todos nós podemos superar isso da melhor maneira. E vou tentar ser o mais sincero possível. Ela tá com câncer, e não sei quais são as chances dela, e nem o tempo que resta. Só sei que tudo depende dela, e o quanto será nossa atenção com ela."

Camila encarou o pai pela ultima vez. Viu os amigos ali, e até mesmo Paola que chega aos largos passos, depois que avistara o pai de Camila ali. Caminhou até a porta do quarto de onde o pai saíra fazia instantes, e olhou para os outros que apenas a observavam. Girou a maçaneta e viu que Paola e Laura estavam ao seu lado, depois de terem corrido até aonde a amiga estava. As encarou, e disse, antes de fechar a porta deixando-as no lado de fora.

"Ela não vai morrer."

Ouvindo: In The Deep - Bird York